Capítulo 13

Proteger quem ama

Passei o domingo sem ver Felipe e isso me deixou resmungão o dia todo. Não era como se eu tivesse a real consciência disso, mas minha necessidade de vê-lo crescia cada vez mais a cada segundo que se passava e gerava uma sensação inebriante em mim. Era um formigamento na barriga, pensamentos estúpidos em momentos inapropriados e sorrisos bobos para o vazio.

O dia passou lento, limitado a jogos de video game e roubar alguma coisa na cozinha quando a barriga roncava. O momento mais emocionante do dia foi quando Scott apareceu de surpresa e nós ficamos jogados no sofá, jogando juntos e dividindo duas pizzas.

Foram naquelas poucas horas com meu melhor amigo que percebi a mudança. Ele tinha deixado a barba crescer, recobrindo seu rosto parcialmente, entretanto essa não era a principal mudança - ela era bem mais profunda. Scott estava mais maduro. A forma que se comportava também mudou, desde a forma como mastigava até como se sentava no sofá, não tão jogado quanto costumava. Eu tinha uma suspeita forte de que isso era graças a Marie Elizabeth e tive a confirmação disso quando ele começou a falar sobre ela, os olhos brilhantes em um mix de entusiasmo e certa tristeza.

Ela continava fazendo de tudo para ignorá-lo, mesmo que isso estivesse sendo mais difícil desde que os dois viraram parceiros no trabalho de biologia. Marie Elizabeth era uma garota considerada fácil e pegajosa - e em alguns momentos, ela era realmente - porém guardava suas dores para si, vestindo-se de um corpo maravilhoso e sorrisos em excesso. E era nesse ponto que Scott entrava. Ele era o garoto que, depois do treino de futebol, ficava mais duas horas na escola para assistir ao treino das líderes de torcida e continuava ali até ter certeza de que Marie estava segura na hora de ir embora - principalmente quando os ensaios terminavam tarde da noite. Ele era o garoto que realmente se preocupava, e ela parecia não lidar muito bem com isso.

Enquanto jogávamos video game, ele desabafou sobre o quanto Marie Elizabeth era fantástica. Descobri que ela era incrível em química, adorava andar de skate e usar vestidos com estampas florais coloridas. Além disso, meu melhor amigo contou sobre como ela ainda tinha o ursinho de pelúcia da infância sobre a cama - ao que parece, ele foi arranhado pelas grandes unhas de Marie quando ela descobrir que ele havia entrado em seu quarto escondido. Desse dia em diante, Marie trancava o quarto sempre que Scott ia para a casa dela.

Os dois brigavam todas as vezes que se encontravam para montar a pesquisa de biologia pelos simples fato de raramente concordarem em um mesmo ponto. Ela dizia que o odiava, ele a fazia rir com besteiras em momentos inesperados. Não eram cenas muito difíceis de imaginar.

Parecia mágico a forma que Scott falava dela. Eu, que já tive algo com Marie, nunca havia percebido os detalhes que ele tinha visto. Se vivéssemos em um desenho animado, eu poderia ver corações flutuarem ao redor dele. Havia um brilho no olhar intenso, algo que eu nunca havia visto no meu amigo festeiro e pegador. Um brilho que, de certa forma, parecia com o que Felipe tinha nos olhos quando falava comigo.

Poderia ser pelo mesmo motivo?

Infelizmente, Scott teve que ir embora cedo e fiquei sozinho em casa novamente. As duas caixas de pizza vazias riam de mim da mesa de centro.

Então, quando abri os olhos na segunda-feira de manhã, não segurei um sorriso ao saber que finalmente veria Felipe. Virei-me na cama e peguei o celular, digitando uma mensagem rápida para ele:

Você: Vou passar na sua casa em 20 minutos. Esteja pronto! :)

Não esperei uma resposta antes de saltar da cama e entrar no banheiro, enfiando-me sob a água fria que descia tranquilamente do chuveiro. Sorri sem motivo aparente, deixando as gotas baterem sobre o meu rosto, massageando-o. A imagem de Felipe de cabeça baixa, concentrado no desenho que fazia de mim enquanto eu dormia, voltou a minha mente e isso foi mais do que suficiente para me fazer sorrir de novo.

Abri os olhos e vi o meu frágil reflexo no vidro do boxe do banheiro. Bufei para a minha própria imagem, sendo imitado por ela.

Onde o Tody foi parar? Quem é esse garoto?

Nada mais fazia sentido na minha vida. Eu estava completamente perdido em meio a escolhas diferentes que definiriam o meu futuro. Nunca antes eu tinha me sentido tão bem em me abrir com alguém, de ter sentimentos de novo, de sorrir de novo. Até pouco tempo atrás, eu passava uma noite com uma garota e no dia seguinte dificilmente lembrava o nome dela, mas agora, eu não conseguia tirar um par de olhos azuis da minha cabeça. Estava certo quando pensei que aqueles olhos pareciam mágicos, porque eles eram realmente: eu estava completa e totalmente hipnotizado por eles.

Saí do chuveiro com a toalha enrolada ao redor da cintura e escolhi vestir uma calça preta rasgada nos joelhos e uma camisa com a gola em V de um tom azulado. Calcei os tênis e, por fim, vesti minha jaqueta jeans.

Desci a escada com passos rápidos, impressionado com o silêncio profundo que escorria pelas paredes. Sem o meu pai ali, resmungando sozinho sobre seus processos ou com as panelas quando tentava cozinhar alguma coisa, tudo ficava extremamente sem cor e sem graça. Havia a ausência de sons que me deixava incomodado, por isso suspirei e saí dali o mais rápido possível.

Dei partida no carro e dirigi devagar para a casa de Felipe, impondo esse desafio a mim mesmo, porque, na verdade, eu queria acelerar até ultrapassar o limite de velocidade e chegar lá mais rápido.

Acalme-se.

Não adiantou de nada, porque, no fim, eu estava quase correndo até a porta de sua casa. Ela se abriu quando eu estava no meio do caminho e Felipe saiu, sempre com suas roupas totalmente pretas coladas ao corpo, aquele cabelo jogado de qualquer jeito para o lado e os olhos azuis maravilhosos repuxados por causa do sorriso. E esse sorriso era direcionado a mim, o que fez minhas pernas falharem e eu parar de andar, esperando que ele se aproximasse.

Felipe se aproximou e cruzou os braços na minha frente, o sorriso ainda ali, puxado de lado, mas decorado com sobrancelhas erguidas:

- De onde você tirou a ideia de chegarmos juntos no colégio, Capitão? - Deu ênfase no último termo, como para me lembrar de quem eu era.

Entretanto, tudo o que eu realmente conseguia sentir eram as infinidades de ondas gigantes, terremotos e tufões que aconteciam dentro da minha barriga naquele momento. Sorri, arrastando o pé pelo cimento, minhas bochechas mais quentes do que estariam em qualquer outro momento.

- O que tem de mais dar carona para um amigo? - E então pisquei um dos olhos em direção a Felipe.

- Você é terrível, Benson. - Ele revirou os olhos, rindo baixinho ao mesmo tempo, e sorri por ele ter usado meu sobrenome. Virou-me com um único movimento e então empurrou minhas costas em direção ao carro. - Vamos logo, então.

Dirigi lentamente - ao contrário de antes - sem querer chegar na escola ainda e ter que me separar de Felipe. Olhei para o lado quando paramos em um sinal e flagrei seu olhar em mim, aqueles dois brilhantes e investigativos olhos azuis. Imediatamente, todas as borboletas na minha barriga resolveram voar ao mesmo tempo e esqueci totalmente do mundo, acordando apenas quando um carro buzinou atrás, avisando que o semáforo estava verde e era hora de partir.

Nossa falta de conversa, regada ao som de America do Simon & Gargunkel, não era nem um pouco constrangedor. Muito pelo contrário, peguei-me cantarolando baixinho os trechos da música que conhecia enquanto Felipe batucava os dedos no mesmo ritmo, nossos olhares se cruzando vez ou outra. Pouco depois, estávamos cantando juntos, mesmo que baixinho, o refrão da música, deixando que ela se infiltrasse em nossos corações.

Faltavam duas quadras para a escola quando virei o volante e parei o carro no acostamento da estrada, desligando o motor logo em seguida. O rádio desligou sozinho e então ouvi um profundo e triste suspiro ao meu lado.

Olhei para Felipe, que soltou o cinto. Seus olhos se tornaram opacos de tristeza, todo o brilho de antes desaparecendo em segundos.

- Pode deixar, vou esse último pedaço a pé. - Falou.

Meus olhos se arregalaram de uma vez só. Ele acha que eu estou com vergonha de chegarmos juntos?

- Ei, não... - Comecei.

Ele se virou para abrir a porta do carro, mas eu segurei seu braço, abandonando qualquer coisa que eu estava dizendo, e o puxei para mim. Colei minha boca na dele e nosso beijo se aprofundou aos poucos, seus lábios sugando os meus lentamente, o som úmido deles juntos deixando tudo ainda mais perfeito. Suas mãos agarraram meu rosto, dando carinhos leves em minhas bochechas, enquanto eu o puxava ainda mais perto pela nuca.

Vários minutos se passaram antes que eu me separasse de seus lábios e o empurrasse contra o banco, travando o cinto ao redor de seu corpo novamente. Ergui a sobrancelha em um sinal claro de que ele não deveria sair dali de jeito nenhum.

- Idiota. - Ele resmungou baixinho, mas havia um sorriso bobo despontando em seu rosto.

Sorri para a imagem de Felipe ao meu lado e então dei partida no motor mais uma vez, saindo dali pouco depois.

••••

Percy riu tanto com a piada idiota de Will que cuspiu um pouco do suco que bebia em Scott.

- Eca! - Meu melhor amigo resmungou, passando a mão sobre o próprio braço de maneira indignada, e não pude de deixar de gargalhar de sua cara de desespero. - Imbecil.

Will o ignorou com um aceno desleixado de mão e Scott bateu na cabeça dele enquanto se levantava e me rodeava, sentando-se novamente do outro lado, longe de Will e Percy. Puxei minha bandeja até estar perto do meu melhor amigo de novo.

A cantina estava lotada: todas as mesas estavam cheias e centenas de adolescentes riam e falavam alto ao mesmo tempo, causando um barulho que seria considerado infernal para aqueles que não convivem com isso todos os dias. Felipe estava na mesa do Grupo de Teatro, mas parecia perdido em pensamentos, desenhando em seu caderno de maneira muito mais lenta que o usual. Parecia não estar focado no que fazia e então, como se sentisse meu olhar sobre ele, ergueu o rosto e me flagrou, ficando de bochechas vermelhas e tentando segurar o sorriso.

Sorri de volta sem perceber. Algumas meninas do Teatro chamaram a atenção de Felipe e ele se virou para elas, erguendo uma sobrancelha para o que uma delas dizia. Apertei os olhos em uma tentativa de entender o que elas falavam com ele.

- Tody? - A voz de Scott me chamou para a realidade. Ele passou a mão pelo cabelo, claramente segurando uma risada. A barba não escondia totalmente as pontas elevadas de seus lábios.

- O que foi? - Franzi o cenho.

- Nunca achei que você levaria essa aposta tão a sério. - Ele disse, apontando discretamente em direção à mesa de Felipe. - Nunca achei que você conseguiria o que acabou de fazer.

- E o que eu fiz agora?

- A reação que o garoto teve quando te viu. Ele ficou vermelho e virou o rosto, claramente segurando um sorriso idiota. Como você fez isso? Eu tinha certeza que ganharia essa aposta sobre o Menino-Morcego.

- Felipe. - Corrigi imediatamente.

Scott arregalou os olhos e sacudiu a cabeça, como se não acreditasse no que eu tinha acabado de falar. Coçou a barba por alguns segundos e então comentou:

- Eu estava certo! Você ficou amigo daquele menino! Como conseguiu se aproximar de um cara tão estranho, ein?

Involuntariamente, cerrei os punhos. Meus dentes rangeram juntos e tive que me esforçar para não falar algo que me arrependeria depois. Felipe era fechado, secreto e misterioso, mas isso não o tornava estranho e sim especial. Entretanto, esse era o tipo de pensamento que Scott jamais entenderia.

Suspirei e coloquei o sorriso mais falso que pude no rosto, tentando esconder as minhas verdadeiras emoções em uma máscara gelada. Fiz um gesto com a mão na direção de Felipe, como se tudo aquilo - como se ele - não tivesse importância:

- Isso se chama atuar, meu amigo. Eu não sou amigo dele.

Dentro de mim uma voz berrava para que eu parasse, dizendo que aquilo era a maior mentira que já tinha contado na vida, mas resolvi ignorá-la até ter certeza do que estava acontecendo com meus sentimentos. A verdade era que eu não sabia como descrever Felipe, nem o que estava acontecendo entre nós, então apenas continuei com meu discurso:

- Estou fingindo que importo para ganhar a confiança dele e esfregar na sua cara que ganhei. - Ergui uma sobrancelha. - Na verdade, até sei o que você vai ter que fazer quando isso acontecer.

- Se você conseguir. - Scott disse.

- Eu vou ganhar. - Reforcei.

E então, ao virar, peguei Felipe me observando de longe.

••••

As aulas da segunda-feira à tarde eram tão entediante que acabei cochilando em uma delas: a de direitos sociais. E, mesmo que eu tenha ficado acordado nas demais, não tinha prestado atenção a nenhum segundo de explicação. Eram matérias muito fáceis de aprender sozinho em casa e, quando o sinal tocou para o fim do dia escolar, suspirei de alívio, estalei minhas costas e saí da sala.

Caminhando devagar até meu armário, passeando entre a multidão de adolescentes apressados, corri os olhos pelo corredor a procura de um menino de olhos azuis. Cheguei ao meu armário, abri-o e coloquei os livros ali dentro desleixadamente, ainda olhando ao redor.

Foi nesse momento que finalmente o encontrei vindo na minha direção. Já com os fones de ouvido, Felipe era um ponto preto em meio a toda aquela vastidão de cores, movimentos e sons, e me peguei tentando chamar sua atenção em meio ao tulmuto. Entretanto, Samuel cobriu meu campo de visão ao caminhar na direção Felipe e, em um gesto só, derrubar todos os livros que ele segurava ao passar.

O material do menino de olhos azuis se espalhou pelo chão do corredor, os outros alunos tropeçando sobre os livros enquanto passavam. Ouvi as risadas de Sam e dos seus dois melhores amigos, Henry e Gustav, ecoar pelo corredor.

Meus punhos se fecharam imediatamente e a raiva borbulhou dentro de mim. Durante aquele pouco tempo, o corredor tinha esvaziado um pouco, então não havia nada para me impedir de andar até Sam com passos duros empurrá-lo para longe de Felipe sem nenhum remorço.

- Enlouqueceu, Benson? - Samuel gritou comigo, recuperando-se do empurrão e aprumando os ombros.

- Não. Você que enlouqueceu, imbecil! - Berrei em seu rosto, agarrando a cola da camisa dele, minha mão coçando para quebrar aquele nariz empinado. - Quem você acha que é?

Fê se abaixou para pegar os livros, mas estendi o braço e segurei-o pelo cotovelo, sem tirar o olhar de Samuel. Ele me olhava com o nariz fino e arrebitado para cima, um sorriso debochado despontando em seu rosto, e parecia não se importar nem um pouco com o aperto que eu fazia no colar de sua camisa.

- Apanhe. - Sussurrei, com toda a raiva contida na voz. - Apanhe os livros agora.

Samuel soltou uma gargalhada alta, jogando a cabeça para trás, e isso foi a gota d'água para mim. Com um rugido animalesco, empurrei-o pelo peito e ele se chocou contra os armários, um barulho forte de metal ecoando pelo espaço

- Apanhe. - Repeti, o olhar fixo no dele, meus dedos próximos demais da garganta dele. Eu estava perto de perder o controle e ele sabia disso. - Apanhe ou você está fora do time.

O sorriso sarcástico dele desapareceu.

- Você não pode fazer isso. - Cuspiu as palavras no meu rosto. - Não tem autoridade suficiente para isso.

- Eu sou o Capitão, é claro que posso. - Aproximei-me ainda mais, minha respiração descompensada bagunçando alguns fios do cabelo dele. - Eu posso tomar qualquer decisão lá e todos vão me seguir. Então, vai apanhar os livros ou não?

Havia uma pedra gigantesca dentro de mim, um peso que esmagava meu corpo contra o chão. A raiva dominava cada centímetro meu, endurecendo-me, fazendo-me perder lentamente o controle. Minha voz havia saído tão macabra, sombria e assustadora, que a expressão de Sam mudou, tornando-se a mais pura representação do terror.

A contra gosto, ele se abaixou, pegando os livros de Felipe jogados no chão e os colocando em uma pilha sobre um dos braços. Quando todos foram apanhados, ergueu o corpo com os olhos fulmegando de ódio e quase jogou a pilha de volta nos braços de Felipe.

Samuel foi embora, mas não sem antes lançar um olhar de mais puro ódio em minha direção. As pessoas, algumas das quais tinham parado para assistir à confusão, começaram a se mexer novamente, partindo dali também. Já eu tentava controlar o tremor intenso que tomara posse das minhas mãos, deixando-as fracas. Haviam marcas avermelhadas e profundas das minhas próprias unhas na palma e as articulações doeram quando estendi os dedos.

Alguns instantes se passaram até que eu levantasse os olhos e percebesse que eu e Felipe eramos as últimas pessoas restantes no corredor. Ele segurava a pilha de livros em um dos braços e tinha os magníficos e surpresos olhos azuis pregados em mim.

Fê abriu a boca para dizer alguma coisa, mas então fechou-a sem ter pronunciado nenhuma palavra. Baixou o rosto, prendeu os fones nos ouvidos de novo e partiu, deixando-me totalmente sozinho em um corredor de escola.

E, vários minutos depois, quando fui embora também, minhas mãos ainda tremiam.

••••

A luz vermelha do meu despertador indicava 23:07 e eu não conseguia dormir de jeito nenhum. Haviam pensamentos demais para que eu conseguisse fechar os olhos e adormecer, pois tudo ao meu redor parecia sem sentido e fora do lugar.

Meu pai estava perdido em algum lugar e não dava nenhuma notícia, Scott estava desconfiado de mim e Sam, com toda certeza, tentaria alguma coisa contra Felipe quando eu não estivesse por perto.

Felipe.

Bufei e virei na cama pelo que pareceu ser a milésima vez, afofando ligeiramente o travesseiro antes de afundar o rosto nele. De todos as coisas que me impediam de dormir, Felipe e seus olhos azuis era a principal delas. Ele tinha se tornado importante para mim em tão pouco tempo que parecia irreal, mas era a mais pura verdade. O simples pensamento de não poder mais falar com ele, trocar mensagens estúpidas, rir de sua gargalhada barulhenta e de não poder mais beijá-lo me tirava do sério. Esse desejo intenso de estar com ele, entretanto, era confuso demais.

Eu não sabia mais quem eu era ou quem deveria ser. O que beijar um garoto me tornava? No entanto, não era qualquer garoto, e sim um de olhos azuis, sorrisos doces e muitos segredos. Além disso, o que será que Felipe esperava de mim?

Todos os meus questionamentos, entretanto, terminavam no mesmo ponto: a ausência de resposta. Revirei na cama mais uma vez e puxei o lençol para que cobrisse meu rosto, englobando-me em uma escuridão ainda mais intensa que antes. Ali, no escuro, fechei os olhos e tentei permanecer daquela forma até que conseguisse dormir, mas a tentativa foi inútil quando, mais uma vez, fui assolado por pensamentos. Dessa vez, foi a solidão intensa, quase palpável, que me rodeava naqueles últimos dias. Eu sentia falta de ter alguém, de abraçar sem motivo, de dormir sem o silêncio sufocante.

E claro, ainda havia aquela maldita aposta. Tudo deveria ter sido tão simples, sem mais complicações ou sentimentos, mas as coisas se transformaram em uma tempestade sem fim. Era como caminhar sobre um círculo: quando eu achava que entendia algo melhor, que estava prestes a chegar ao fim, percebia que, na verdade, era apenas o começo de novo. Esse círculo infinito acontecia todas as vezes que eu tentava entender o que sentia por Felipe.

Resmungando, joguei o cobertor para o lado e bufei ao pescar qualquer calça jeans do armário, vestindo-a logo em seguida. Coloquei um tênis qualquer no pé - sem me preocupar em procurar meias -, peguei a chave do carro e desci as escadas. Não fazia sentido continuar tentando adormecer ali.

Como fazia muitas vezes, dirigi pela costa, seguindo pela larga avenida que sempre tinha uma visão para o mar. Naquela noite sem lua, o mar estava revolto e profundamente escuro, o som das ondas betendo nas pedras sendo minha trilha sonora. Deixei que a maresia inundasse o carro, entorpecendo-me por longos minutos com o seu frescor.

Pouco depois, dirigi até a casa do menino dos olhos azuis que tanto me atormentavam e estacionei no mesmo lugar de sempre, próximo de um poste de luz. Atravessei a rua com passos rápidos, o vento frio da noite batendo em meu peito descoberto e arrepiando-me, e fiquei surpreso ao ver a luz do quarto de Felipe ainda acesa.

Quando vi a janela parcialmente aberta, imediatamente agarrei os galhos da planta e comecei a escalar a parede, como tantas vezes naquelas últimas semanas. Eu já conhecia com exatidão onde apoiar os pés, quais galhos agarrar com as mãos e onde me apoiar para conseguir abrir o restante da janela.

Felipe saiu do banheiro no momento exato em que saltei para dentro de seu quarto e soltou um grito fraco, levando uma mão ao coração de dando dois passos para trás.

- Oi. - Falei com um sorriso.

Ele rugiu e pegou um dos travesseiros sobre a cama, jogando-o em mim com força.

- Enlouqueceu? Você quase me matou do coração, Tody! - Resmungou.

Ri de seu rosto corado, de sua respiração ainda ofegante pelo susto, de seu olhar feroz em minha direção. Ele usava somente uma calça moletom preta, ligeiramente pendurada nos quadris, e tinha os pés descalços, mas era a visão mais reconfortante que eu poderia ter.

E então, tão de repente, todas as dúvidas sumiram. Era simples gostar dos sorrisos de Felipe, era simples beijá-lo antes de dormir, era simples deixar que me desenhasse enquanto eu dormia. O círculo infinito se rompeu e caminhei até ele com dois longos passos. Seu rosto relaxou e ele revirou os olhos ao se aproximar de mim e me beijar calmamente.

E era incrível, simplesmente, incrível. Deslizei uma mão até sua nuca, entrelaçando meus dedos em seu cabelo longo, e deixei que ele fizesse carinhos na minha cintura desnuda. Depois de alguns instantes, afastei os lábios ligeiramente e falei:

- Adivinha quem vai dormir aqui de novo!

Ele soltou aquela gargalhada gostosa de ouvir e se soltou de mim, andando até a cama e pegando a calça de pijama que eu sempre usava. Jogou-a para mim e comentou, sorrindo:

- Eu nem guardo mais no armário.

Empurrei os tênis para fora dos pés e puxei a calça para baixo, ficando somente de cueca. A ponta das minhas orelhas esquentou, tornando-se vermelhas, e senti o olhar de Felipe sobre mim enquanto me abaixava para vestir o pijama, observando meus movimentos. Virei-me para ele novamente e vi que ele também estava corado.

Fê apagou as luzes e deitou na cama, não sem antes me puxar pelo braço - coisa que eu achei extremamente fofa. Deitei ao seu lado e imediatamente afundei o rosto em seu pescoço, rodeiei uma de suas pernas com as minhas e passei um braço ao redor de sua cintura. Encolhi-me colado ao seu corpo e aspirei seu perfume, absorvendo o cheiro e sorrindo contra a pele do pescoço dele.

Felipe riu baixinho e ergui o rosto ligeiramente para conseguir vê-lo. Seus profundos olhos azuis estavam voltados para mim, repuxados devido ao sorriso, e ele fez um carinho no meu cabelo antes de dizer:

- Você parece um polvo gigante, Dy.

- Isso era para ser um elogio? - Ergui uma sobrancelha em sua direção e ele riu de novo.

- Nessa situação, talvez. - Felipe passou o braço ao redor dos meus ombros. - Está tudo bem?

Assenti, sorrindo. Eu nunca tinha deitado com ele daquela forma, tão enrolado ao seu corpo - realmente, eu parecia um polvo - mas, de uma maneira única, vi-me na necessidade de fazer isso naquela noite. Preso a Felipe daquela forma, eu me sentia seguro e completo.

Era tão simples.

- Amanhã falamos sobre aquela cena no corredor de hoje mais cedo. - Ele sussurrou, a voz já falhando de sono. Continuou fazendo carinho no meu cabelo, o que fez com que eu continuasse sorrindo, mesmo com os olhos ligeiramente fechados. - Ainda não acredito que você fez aquilo.

Puxei seu corpo para perto do meu, descançando minha bochecha em sua testa. Também não conseguia acreditar no que tinha feito mais cedo naquele dia, mas, mesmo assim, não me arrependia nem um pouco.

- Ele foi um imbecil. - Sussurrei. Manhosamente, Felipe deslizou seu nariz pelo meu rosto. - E eu fiquei puto.

- Você me assustou naquela hora. - Ele disse, respirando sobre a minha bochecha.

Ri e senti quando Fê deixou um beijo leve sobre a minha bochecha. Mesmo naquela posição enrolada em que estávamos, eu ainda conseguia ver seu rosto por completo extremamente próximo ao meu. Com o passar do tempo, vi seus olhos se fecharem, sua respiração ficar mais lenta e suas sobrancelhas relaxarem. No entanto, eu não conseguia fechar os olhos, pois parecia injusto demais com todas as pessoas do mundo ter a chance de vê-lo dormindo e não aproveitá-la.

Deixei minha testa encostar na dele e suspirei. O que foi que eu fiz? Perguntei-me. O que foi que eu fiz comigo mesmo?

Eu deveria fazê-lo confiar em mim.

Se apaixonar por mim.

Me amar.

Mas, ao que parece, o feitiço virou contra o feiticeiro.

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Ufa! Consegui postar não demorando tanto! Espero que comentem bastante!

Bom, meus leitores antigos devem ter percebido que estou detalhando mais a história de Scott e Marie Elizabeth também. Antes não era assim, mas acho eles fofinhos demais como provável casal secundário.

Falando nisso, Scott é um otário, mas não odeiem ele, ok? Ele aprende com o tempo, prometo.

Obrigada por todos os comentários

Kyv❤

🔥🔥Ps: O próximo capítulo será muito triste e vai trazer uma revelação sobre Felipe que já foi citada na história, por isso eu talvez demore um pouco para corrigi-lo! 🔥🔥

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