Capítulo 6 - Não existe essa coisa de "mais que amigos"

— Acho que aquela menina gostou de mim. — Pedro abriu a porta do carro e tropeçou na calçada, tendo que colocar uma mão no chão para não cair com tudo.

— Acho que alguém bebeu demais! — A voz bêbada de Nathanael gritou, fazendo-me gargalhar mais do que já estava. Ele também ria muito. Virei-me para o motorista e sorri.

— Muito obrigada, senhor. Tenha uma boa noite.

— Boa noite! Cuida desses bêbados! — E ele arrancou com o carro.

— Vocês não adoram como os motoristas dão pitaco nas nossas vidas? — Sorri, caminhando até o portão do prédio. — Boa noite! — cumprimentei o porteiro, dando passagem para meus amigos fora de si.

— Você está mais simpática que eu e nem bebeu uma gota de álcool. — Nathanael deu uma leve cambaleada em direção ao elevador.

— Eu não preciso beber para ser simpática, Nathanael!

— Farpas! — Pedro gritou.

— Shiu! — Coloquei o indicador em sua boca, silenciando-o. Subitamente ele a abriu e mordeu meu dedo. — Ai! — Tentei não gritar, mas o choque foi grande.

— Ei, qual o seu problema? — Nathanael deu um empurrão no amigo, que começou a rir.

— Apenas brincando com a sua garota. — Pedro deu um cutucão na minha barriga, que me fez sentir cócegas. Não tive tempo de reclamar, pois Nathanael se colocou entre nós.

— Você não vê que ela está desconfortável? Quando tiverem mais intimidade, você pode brincar assim! — Ele olhou para mim e sorriu, como se estivesse perguntando se eu estava bem. Entramos no elevador.

— Foi mal — Péppe resmungou.

— Tudo bem. — Sorri para os dois, mostrando que não havia um pingo de ressentimento. — Vocês são sempre assim, bêbados?

— Não sei, acho que sim.

— Você acha, Nathanael? — Eu apertei o botão de seu andar.

— Eu não fico me observando bêbado, Camille.

— Vocês são engraçados!

— Obrigado, madame. — Pedro fez uma cortesia.

Mademoiselle — corrigi.

— Qual a diferença?

— A madame tem um marido, a mademoiselle está solteira, como eu. Teve todo um rebuliço na França para eliminá-lo, porque é sexista... Mas eu prefiro assim, porque acho mais bonito.

— Sexista como? — Pedro parecia confuso.

— Tem um termo para mulheres solteiras, mas os homens são todos tratados igualmente, solteiros ou não? Sexista!

— Concordo. — Nathanael encostou-se no espelho do elevador no exato momento em que a porta se abriu. Os dois cambalearam para fora e eu segurei uma risada. — Por que não fazer um termo para homens solteiros também?

— Exatamente meu ponto! — Sorri para ele, observando-o tentar colocar a chave no buraco. Suspirei e a peguei de sua mão, abrindo a porta.

— Sempre que entro em casa, lembro que uma vez uma garota invadiu aqui.

— Se eu fosse francesa, tentaria criar uma forma masculina para mademoiselle e faria um protesto para incluí-la no vocabulário. Se bem que, até onde lembro, o Canadá excluiu o termo há muito tempo. — Apesar de ter continuado o assunto anterior, eu registrei muito bem o que ele disse, deixando em mente que deveria perguntar sobre aquilo.

— O Canadá não fala inglês? — Pedro se jogou no sofá.

— Mas você fica um imbecil bêbado! — Nathanael deu um socão no ombro do amigo, sentando ao seu lado. — O Canadá tem lugares em que as pessoas usam o francês como língua nativa. Colonização de ambos.

— Corretíssimo. — Sentei no chão, virada para eles.

— Você fala francês, não fala?

— Só tenho vinte por cento de fluência.

— E qual sua fluência no inglês?

I'm almost a native — brinquei, dizendo que era quase uma nativa. Nathanael sorriu.

— Sua pronúncia é absurdamente boa!

— A sua também. — Sorri de volta.

— Credo, cantadas sobre inteligência! — Pedro zombou, balançando o corpo. — Vocês super se merecem, e isso me deixa feliz.

— Valeu? — Nathanael fez careta, como se não soubesse como reagir.

— Mas, voltando ao caso da menina que invadiu, que história é essa? — retomei a frase que Nathanael dissera em meio à conversa anterior, mostrando que prestara atenção.

— Então... Eu cheguei em casa, depois de uma noite com os caras, e tinha uma adolescente no meio da minha sala. A porta estava arrombada, tive até que trocar.

— O quê? Uma adolescente?

— Devia ter uns quinze anos. — Suspirou, sua voz um pouco afetada pelo álcool. — Parece que ela tinha me seguido até o prédio, mais cedo, e conseguiu convencer uma velhinha a deixá-la entrar para ajudar a carregar sacolas. Segundo a garota, ela só queria mostrar como somos perfeitos um para o outro.

— Eu hein! — Pisquei algumas vezes, pensando em como reagiria se alguém entrasse na minha casa, do nada. O clima ficou um pouco tenso enquanto a palavra invasão pairava entre nós, então tive uma solução para nos fazer relaxar: — Querem ouvir música enquanto conversamos?

— Vou colocar minha playlist no Spotify! — Nathanael se animou. — Vai ser no aleatório, ok?

Então Ragatanga começou a tocar e eu me levantei, instintivamente. Muitas pessoas precisam de álcool para se desinibir. Eu só precisava estar me sentindo bem com a companhia. Comecei a dançar e Nathanael me seguiu, rindo de mim e comigo. Pedro levou vinte segundos para decidir fazer o mesmo. Eles me imitavam na coreografia, dançando muito mal. Entretanto, eu estava feliz com aquele momento. O que valia era a felicidade deles, e as risadas incessantes provavam isso. Nós éramos os três patetas. Provavelmente as pessoas ririam de nós se fizéssemos aquilo na rua, mas ali estávamos mesmo rindo sozinhos. O fim da música nos presenteou com outra inesperada: HandClap, de Fitz and The Tantrums.

— Você também gosta dessa música? — perguntei, como a idiota que era. Estava óbvio.

— Claro! Onde conheceu? — Nathanael batia o pé, no ritmo da música.

— Com Brent Rivera.

— Quem? — Ele fez careta.

— YouTube. — Minha atenção foi logo atraída a Péppe, que fazia a dancinha do Fortnite e se divertia com a música. Comecei a me balançar, sabendo bem que não conseguiria uma coreografia tão boa. Nathanael fez a dancinha do esqueleto do vídeo de Boa Noite Meu Consagrado e eu o imitei.

Os movimentos me fizeram lembrar de uma posição da capoeira. Nathanael começou a cantar no mesmo instante que eu, e eu preferi esquecer o que a música significava. Ele olhava diretamente em meus olhos e batia palma, junto com a melodia. Também fazia caras e bocas, como se estivesse interpretando. Como se quisesse me mandar uma mensagem. Mas era só Nathanael sendo divertido. E eu não duvidava de que ele poderia "me fazer bater palma". Só que o amor de uma noite não se aplicava. Além disso, estávamos apenas nos divertindo.

— Engraçado que os dois certinhos aqui estão cantando uma música maliciosa. — Pedro deu um sorriso sacana, vendo a mim e Nathanael corarmos. Por sorte, Midnight City de M83 começou a tocar, fazendo Péppe voltar à sua dancinha. Dessa vez, ela meio que combinava, então comecei a tentar imitá-lo. — É assim, ó... — E a atenção dele foi voltada a tentar me ensinar a coreografia. Nathanael imitava uma coisa ou outra, mas nos observava na maior parte do tempo. Eu dei encontrões em Pedro sem querer, caindo na gargalhada junto com ele. Estávamos nos divertindo de verdade e eu sentia que logo poderia considerá-lo um amigo.

— Minha vez! — Subitamente, Nathanael me puxou para perto e começou a me rodopiar, balançando de um lado para o outro. Ele esticou o braço e me lançou junto, então me rodopiou de volta, ao encontro de seu peito. Sorriu para mim e repetiu isso algumas vezes, até começarmos a atravessar nossos próprios pés. De novo, eu estava me divertindo. Isso até uma música lenta começar a tocar. — Ah... Eu posso trocar se...

— Não! — Pedro se pronunciou por mim. — Estou gostando do show. Quero ver como se saem dançando essa.

— Eu... — Nathanael se interrompeu e suspirou. Eu nunca descobriria o que ele iria dizer, por isso resolvi me deixar levar. Ele me olhou e passou a língua pelos lábios. Sorri, mostrando que não via problema, que estava me divertindo. Então ele enlaçou minha cintura, e coloquei meus braços em volta de seu pescoço, como os casais fazem em filmes românticos. Estávamos nos encarando quando o cantor começou a despejar os versos sobre nós. — Não presta atenção na letra — ele sussurrou, fazendo minha curiosidade aguçar.

— Qual o nome?

— Ah... — Hesitou. — Nobody Loves Me Like You, de Low Roar.

— Certo. — Estava explicado por que eu não deveria prestar atenção, mas era um pouco difícil. Registrei muito bem que certa parte dizia não existir essa coisa de "mais que amigos". Eu estava começando a acreditar nisso.

Nathanael não deixou de me analisar e eu não consegui desviar meus olhos dele, pelo menos não até o refrão começar. A música me embalou de tal maneira que acabei deitando minha cabeça em seu peito, enquanto nos balançávamos de um lado para o outro. Conseguia ouvir seu coração descompassado, mas não sabia dizer se era efeito do álcool. Ou se era por minha causa. Ou se era sobre a música.

Apesar de ter namorado por dois anos, eu ainda era nova com aquilo tudo. Muito inexperiente. Seu polegar se movimentou do lado direito de meu quadril, acariciando-me. Isso fez o meu próprio coração perder o ritmo. Suspirei, agradecida por aquele momento raro. Nathanael era bem mais alto do que eu, mas isso não nos atrapalhou. E parecia que ele mesmo não estava se incomodando com o fato de que não estávamos dançando de verdade, apenas nos balançando abraçados.

Olhei para cima, para seu rosto, e constatei que ele ainda não deixara de me olhar. Com certo receio, acariciei sua nuca, vendo-o fechar os olhos e estremecer ao meu toque. Uma reação boa ou ruim? Não sabia dizer. Tampouco importava. Estava aproveitando meu pequeno instante de conto de fadas. A última coisa com que me preocupava era o profissionalismo. O que ele faria que poderia ser meramente profissional? E o que eu faria? Isso nem cabia ali e, sinceramente, para o inferno com tudo!

— Seu cabelo é cheiroso — sussurrou, ainda de olhos fechados.

— Obrigada. — Fiquei na ponta dos pés para conseguir alcançar o dele com a minha mão. O som que escapou de sua boca me provou o quanto ele apreciava o carinho. Sorri de satisfação, desejando que o clima não fosse estragado por um possível estranhamento de sua parte.

— Seus olhos estão brilhando — comentou assim que abriu os dele.

— Os seus também. — E devia ser verdade. Mas o que aquilo significava?

A música mostrou-se mais longa do que eu imaginava, mas, ainda assim, não foi o suficiente. Logo fomos surpreendidos com as palmas incessantes de Pedro, ocasionando em nossa separação. Minhas bochechas esquentaram e eu vi as de Nathanael ficarem vermelhas. Afastei-me ainda mais dele e olhei para o chão, subitamente desejando esquecer o que acabara de acontecer. Não faria bem para meu psicológico viver pensando nisso.

— Uau, que tensão! — Pedro deu risada.

Ele não fazia a menor ideia!

*

Acordei no dia seguinte sobre um travesseiro maravilhoso, que logo percebi ser o peito de um homem. Respirei fundo e tentei controlar meu batimento cardíaco enquanto abria os olhos, deparando-me com um Nathanael bem pacífico. Eu estava ao seu lado, em sua cama, mas sabia bem como acabara daquele jeito. Depois de termos dançado um monte e nos desgastado, fôramos os três para o quarto de Nathanael, por volta das sete da manhã. Pedro deitara em um colchão, enquanto eu e Nathanael dividíamos sua cama grande.

Ficáramos fazendo brincadeiras por muito tempo, tanto que acabáramos dormindo às oito e meia. Aliás, havia mandado mensagem para minha mãe assim que percebera que acabaria capotando, avisando que só dormiria naquele momento. Entretanto, eu me lembrava muito bem de ter dormido do outro lado da cama, encolhidinha para não atrapalhar Nathanael. Muita gente poderia achar errado eu ter ficado ao lado dele, mas eu já fizera isso com outros amigos, sem problema algum. A malícia está na cabeça das pessoas. Ainda assim, eu não entendia como fora parar no meio da cama, abraçada com ele. Tentei me desvencilhar para levantar, mas meu esforço serviu apenas para acordá-lo.

— Bom dia — murmurei, envergonhada.

Ele ficou me encarando por muito tempo antes de arregalar os olhos e dizer:

— O que fizemos?

— Você não lembra o que aconteceu ontem?

Ah, cara, aquele era um problema inesperado. E agora?

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