Capítulo único

Quando era pequena me diziam que sou superior aos outros pelo simples fato de ter minha pele mais branca, sinônimo de pureza da alma. Quando cresci comecei a estudar em uma escola particular onde tinham apenas brancos e poucos mestiços, mas então meu mundo desmoronou. Meu pai perdeu o emprego. 

Tive que estudar em uma escola pública perto das periferias da cidade, meus amigos viraram as costas para mim porque não era mais como eles. Ainda me lembro de um deles falando: "Você pode até voltar a falar conosco um dia, desde que não tenha se sujado com aquele imundos".

A escola nova foi difícil com todos me olhando e eu apenas retribuía com um olhar de nojo até que uma garota veio falar comigo tentando fazer amizade. Eu simplesmente a ignorei e disse para não me tocar com a sua mão suja, sou superior a ela de todas as formas. Quem ela pensa que é para dirigir a palavra a mim?

Eu descobri poucos dias depois quando a irmã mais velha dela me puxou para os fundos da escola com mais algumas garotas e me espancou até eu ficar inconsciente.

"Não toque sua pele sem brilho na minha. Tenho nojo da sua raça!"

Meus pais que ainda tinham alguns contatos fizeram o possível para que a garota fosse para a cadeia e conseguiram. No outro dia a garota que tentou fazer amizade comigo chegou gritando na frente de todos e com um garoto raquítico no seu encalço: "Você se acha muito superior, não é mesmo? Mas adivinha? Estamos no mesmo barco! Não é mais uma menininha rica, é tão pobre quanto a gente, temos o mesmo sangue e não vai ser cor da pele que vai te salvar de ir para o inferno com sua família".

Depois disso ela sai mas o garoto fica me olhando até pegar minha mão e deixar um papel amassado e ele sorri por não ter olhado para ele com nojo como fiz com os outros mas logo conserto isso e o analiso. Assim que percebo que ainda estou o olhando saio esbarrando no seu ombro. O que será que diz o bilhete?

Me dê uma chance que eu lhe ensino que está vivendo errado. Vamos nos encontrar na ponte azul para eu lhe provar isso.
Ass.: Um negro

Acho que essa raça está cada vez mais irracional, eu não vou me encontrar com um qualquer em um ponte. 

Era isso que eu achava que ia acontecer mas depois que me deixei levar pela minha curiosidade fui até ele que me esperava com seu sorriso de sempre: "Sabia que você viria!". Ele me levou até um beco onde tinha vários animais jogados no chão, peço aos céus que estejam apenas dormindo, de aparência esquelética e pergunto o que aconteceu com eles.

"Foram tratados como os negros mas não tão diferentes de mim, não vão sobreviver por muito tempo".

Tento não demonstrar o quanto aquilo me afetou e pergunto se era apenas isso que queria me mostrar e ele diz que não.

"Acha mesmo que os animais merecem morrer pelo simples fato de não terem forças para se defender?". Sua pergunta me pegou de surpresa, então apenas balanço a cabeça em negação. 

"Se nem animais merecem ser tratados assim, porque eu tenho que ser? Família inteiras forma dizimadas, até mesmo crianças. Sabe como é perder alguém para o preconceito? Meu pai foi vítima de bala perdida enquanto me levava a escola e mesmo assim você nunca irá passar por isso, pelo simples fato de ter tido sorte ao nascer com a cor certa para a sociedade".

Me pego pensando em todas as pessoas que meus pais me ensinaram a idolatrar, entre eles Hitler. Ele sempre foi meu ídolo por ter a mesma paixão por animais que eu, virei vegana por conta dele. E parando para pensar agora, não imagino um ser tão adorável com os animais sendo tão cruel com uma raça sem motivos.

"Já pensou que isso pode ter motivos? Vocês são selvagens!" Falo em uma tentativa falha de não me deixar levar por ele.

"Então por que não pede a um urso para lhe servir um café em um restaurante? Se os animais devem ser tratados melhor do que nós então eles são mais parecidos com vocês do que imagina. Mas se eu fosse um animal, seria um insulto ser comparado com pessoas preconceituosas como seus pais, por exemplo."

"Você não acha que sou como eles?" Pergunto curiosa e ele nega.

"Se você fosse realmente assim, não estaria aqui."

Assim se passaram meses, todas as tardes passávamos na ponte azul e de noite eu fugia para passarmos mais tempo juntos. Meus pais começaram a desconfiar que eu estava passando as tardes com alguém da escola e ameaçaram a me levar para morar com meus avós.

Mas eu não conseguia mais parar, talvez eu estivesse apaixonada ou simplesmente encantada com tudo o que aprendi com ele, eu conseguia via tudo diferente agora. Isso era libertador!

Até que uma noite, eu estava na sala fazendo minhas tarefas esperando o jantar ficar pronto quando alguém bate na porta e minha mãe vai atender. Era um oficial de polícia.

"Muito obrigada por me chamar para um jantar tão belo como este!" Fala apertando a mão do meu pai já na entrada.

O jantar foi se resumindo a escutar o policial falar de quantos negros ele prendia por dia e as vezes que tinha sorte para atirar em alguns durante o serviço. É uma injustiça! Só de pensar que eu era assim me dá nojo de mim mesma.

"Até o nome da raça deles diz tudo, 'negro' significa sujo e imundo. Assim como eles são!" Fala o meu pai e o policial concorda com veemência.

"Na verdade, mesmo o nome 'negro' sendo altamente preconceituoso, não faz diferença para alguns. Eu poderia lhes chamar das coisas mais horríveis desse mundo, se eu não tinha a intenção de magoar ou insultar isso pode passar despercebido. O que importa é a forma como fala, o sentimento vale mais do que a própria palavra dita." Falo e apenas poucos segundos depois percebo que estou encrencada e tento disfarçar. "Acho que já comi demais, obrigada pela refeição, mamãe. E obrigada pela companhia, senhor!"

Subo rapidamente para o meu quarto e preparo a minha mochila com alguns doce para levar para o meu amigo. Combinamos de não falar nossos nomes, assim deixa tudo mais interessante e fica mais fácil quando se estuda em sala diferentes.

Quando avisto ele na ponte vou até ele sorrateiramente e cubro seus olhos pedindo para ele adivinhar quem é.

"Acho que é aquela menina mimada que estuda na minha escola." Eu ia tirar a mão ainda rindo quando ele colocou as suas mãos sobre as minhas e se virou para mim com elas ainda no seu rosto. "Ah, é! Ela não existe mais e duvido muito que tenha existido de verdade algum dia." Nos olhamos por um tempo até que ele aproxima nossos rostos, consigo sentir a sua respiração quente.

De repente tudo aconteceu rápido demais.

Disparos.

O olhar suave dele continuo nos meus olhos e senti sua mão apertar mais ainda a minha.

Outro disparo.

Sinto seu olhar vacilante ainda fixo no meu quando ele dá um beijo casto em meus lábios antes de cair no chão sem forças e eu sento no chão colocando sua cabeça em meu colo.

"M-meu n-nome..."

"Não se esforce! Temos que esperar um médico o-ou..."

"V-você sabe que ninguém vai vir ao meu socorro. P-precisa saber m-meu nome, c-como acha que vamos nos encontrar novamente no céu? S-sabe quantos negros devem ter lá?" Faz a última pergunta tentando fazer graça e isso faz uma lágrima solitária escorrer pelo rosto.

"Então quem é você?"

"Sou Zumbi Floyd, morrerei feliz ao ver que salvei pelo menos uma pessoa do mar da ignorância e preconceito que vive os homens." Fala com seus olhos sonolentos e isso faz com que mais lágrimas desçam por meu rosto pálido.

"Sou a América, nunca esquecerei a sua luta. A luta do seu povo será honrada pelos meus filhos e os filhos deles, vou cuidar para que ninguém tenha que passar pelo que passou".

"E-eu te..." Ele fica sem ar e me oferece um olhar que me faz compreender tudo o que ele estava sentindo.

"Eu também te amo e vou lutar por você!"

E foi assim que ele deu seu último suspiro.

E é assim que lutamos por alguém, temos que sentir a perda de uma pessoa para saber que o mundo está errado.

Espero que a morte de pessoas como ele não tenham sido em vão.

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