1x01 - Fracasso Abençoado

É uma verdade universalmente conhecida que um homem apaixonado deve ser extremamente bem-sucedido antes de poder ter seu "felizes para sempre". Não é natural que peça sua amada em casamento antes de poder comprar uma casa e ter uma poupança garantida para a faculdade dos filhos. Pelo menos é nisso que eu acredito, e por isso estava encarando a face rechonchuda da americana à minha frente.

Fred Ribeiro, ladies and gentlemen.

Era a terceira audição naquela semana, a terceira vez em sete dias na qual ouvia aquela frase. Todas as vezes era assim. Aliás, estive nessa situação desde a metade de janeiro, após minha viagem a Orlando, e já estávamos no começo de março. A cada audição, uma recusa diferente.

Você não se encaixa no personagem.

Você não expressa as emoções da maneira certa.

Você tem os olhos errados.

Seu cabelo deveria ser liso.

Muito sotaque, é óbvio que não é americano.

Pele muito escura para o personagem em questão.

Diabos! Eu até escutei um "você lembra muito o Noah Centineo, e isso nos fez decidir tentar contratar o real". Maldito Noah Centineo! Quero dizer, ele é um ótimo ator, parece ser super gente boa, mas estragar minhas chances em Hollywood... Mesmo que não saiba... É inaceitável!

Mesmo assim, eu continuava tentando. Desde que meu musical acabara, eu estava determinado a conseguir um papel em algum filme ou série em Hollywood. A cada recusa eu ficava mais inseguro. Seria meu talento resumido a pouquíssimos anos? Teria eu que mudar de profissão? Será que eu me esforçara tanto para nada? Terminara um relacionamento de quase 4 anos para nada? Não, eu não podia fracassar! Ela merecia mais do que eu era! Merecia que eu retornasse famoso, com toda a vida resolvida. E com a melhor aliança de noivado que pudesse imaginar! Eu precisava ser alguém para ela. Alguém para parabenizar pelo sucesso. Alguém para se orgulhar. Alguém para ser o motivo de sorrisos diversos. Alguém que pudesse ser de fato alguém. Alguém para amar.

— Fred? — A voz da mulher ecoou pela sala de espera. Levantei de minha cadeira, nervoso, e fui até ela. Minha atuação não fora das melhores, porque o papel em questão ia completamente de encontro com o que eu acreditava. Sei que um ator deve ser aberto a tudo, preparado para interpretar o pior e o melhor personagem. Preparado para dar vida ao vilão com a mesma intensidade que faria um herói perfeito. Mas, algumas vezes, você simplesmente não consegue. Eu não consigo. O sorriso que a americana me deu foi acompanhado de mais uma recusa.

Ótimo!

Mais um fracasso!

Como eu faria o tempo longe de Sirena valer a pena se continuasse assim?

Dei um sorriso falso para a mulher e segurei o impulso de amassar o roteiro na sua frente. Enquanto ela se afastava para falar com outro candidato, esse obviamente americano, eu comecei a me afastar. Saindo do prédio, joguei o roteiro no lixo público mais próximo e encarei as ruas de Los Angeles. Outro fracasso para minha mãe lamentar. Outro fracasso que me afastava ainda mais da possibilidade de conseguir Sirena de volta.

Eu precisava de alguma bebida forte para lidar com tudo aquilo.

Eu só estava naquele cubículo que ela chamava de apartamento porque aquela estranha se parecia com Sirena. Quero dizer, ela na verdade só tinha o mesmo cabelo castanho, mas a bebida me ajudava a ver mais do que existia de fato. Eu sempre odiei casos de uma única noite, ou beijar mais de uma pessoa na mesma noite. Nada contra, mas simplesmente não era meu estilo. Mas lá estava eu, tentando compensar mais um fracasso profissional com uma rapidinha. Estava ainda mais triste por não ter calor humano para me dar conforto, mas não seria dormindo com estranhas que eu encontraria isso. Eu sentia falta dela, da verdadeira Sirena. Sentia falta de estar sóbrio, em diversos aspectos. Mas não tinha certeza se conseguiria aguentar o peso dos meus erros se me desprendesse de toda a superficialidade. Beijei Ashley (ou Sidney, ou Hannah, não sei ao certo) tentando imaginar que estava beijando Sirena.

Simplesmente não era a mesma coisa. Estava longe de ser sequer verossímil.

Minhas noites parecem muito mais escuras sem ela. Uma frase sem um pingo de criatividade, mas 100% real. E eu sabia que esse era um dos motivos para eu não conseguir enxergar Ashley (ou Hannah) como a possível mulher da minha vida. Mas há mais do que isso.

Não consigo procurar por um novo amor enquanto não me libertar do antigo. Do único amor verdadeiro que poderia vivenciar. Uma grande parte do meu coração sempre pertenceria a Sirena, mesmo que eu estivesse me relacionando com outra pessoa. E esse pedaço enorme do meu coração sempre vai sentir falta dela, e do que vivemos, e do que deveríamos ter vivido. Aliás, é difícil imaginar que eu consiga viver sem Sirena, mas eu não consigo me perdoar ao ponto de me permitir pedir seu perdão. O que fiz foi imperdoável por diversos motivos. E grande parte do motivo para eu não conseguir me apaixonar novamente é não querer. Eu ainda pertenço a Sirena, não importa quanto tempo ficamos separados. E pertencendo a ela, eu não poderia pertencer a mais ninguém. Nem sonhava com isso, aliás. Entregar minha alma a qualquer outra pessoa que não fosse Rena seria muito semelhante a estar preso em um pesadelo.

E, naquele momento, eu estava experimentando um pouco do que poderia vir a se tornar meu pesadelo eterno. Enquanto muitos homens comemorariam o fato de poderem fazer sexo com uma americana bonita, eu só esperava que aquele momento passasse logo. Não me interprete mal, mas os casos de uma noite me ajudavam a esquecer a dor, momentaneamente. Só que, assim que nossos corpos se conectavam e eu me dava conta de que não havia como ser sequer semelhante ao que sentia ao me conectar com Sirena, eu só desejava que acabasse logo.

E acabava.

A luz vinda do sol atingiu meus olhos logo no começo da manhã. A garota ao meu lado ainda não acordara, e eu queria agradecer ao universo por isso. Nunca ficava para conversar ou tomar café. Sumia assim que acordava. No geral, dava certo, mas não custava torcer para que a garota não acordasse até que eu estivesse na segurança do meu apartamento. Por isso fui extremamente cauteloso ao me levantar, ao me vestir e ao sair de seu quarto. E depois de seu apartamento, de sua vida. Ela provavelmente me esqueceria na semana seguinte, e era o que eu desejava também.

Cerca de 15 minutos depois, estava adentrando meu apartamento e analisando a situação. Estava tudo limpo e arrumado, como sempre. E não havia sinal de vida. Minha mãe ainda dormia, o que era ótimo. Apesar de estar acostumada com minhas noites fora, é evidente que ela não aprova. Não que possa culpá-la, porque eu mesmo não aprovo minhas ações quando o álcool me abandona. Suspirei e segui para meu próprio quarto, esperando que outra oportunidade aparecesse logo... Ou eu ainda teria muito tempo para me martirizar por ter abandonado Sirena.

Aliás, lá estava ela, em minha mesa de cabeceira.

Segurei um retrato nosso e minha mão tremeu. Era como se ainda houvesse eletricidade lá, entre nós. A eletricidade do nosso amor jovem. Só que sabemos que isso não é verdade. A eletricidade fora interrompida pelas palavras que deixei de pronunciar. Eu tentei direcionar essas ondas de eletricidade para outros relacionamentos, mas nada deu certo. Fui um tolo. E o pior é que meu coração ainda pertencia a ela.

Ou era o melhor daquela situação?

Conheci Sirena em meu último ano na escola. Eu não estava me preocupando com vestibular, mas as provas da escola sim me apavoravam. E pareciam apavorá-la também, apesar de ser dois anos mais nova. E o medo que tínhamos daquelas avaliações foi a primeira coisa que nos uniu. Pedi-a em namoro algumas semanas depois e, desde então, fomos inseparáveis. Bem, isso até março de 2017, quando tomei uma decisão enorme por nós dois. Nós estávamos quase chegando ao auge do nosso namoro, o ponto em que deixaríamos de ser namorados para nos tornar noivos e, posteriormente, marido e mulher. Estávamos quase lá, e eu joguei tudo isso fora. Agora apenas estou longe demais de onde ela está, de onde eu deveria estar.

Sem dizer a ela o que ia fazer, peguei um avião para os Estados Unidos, pronto para aceitar um papel em um musical. É claro que eu deveria ter conversado com Rena, decidido o que faríamos com nosso relacionamento. Eu dizia sempre que íamos nos casar, só que eu mesmo fui o responsável para que essa realidade parecesse distante. E tudo por pura idiotice! Mas há justificativa. Se eu falasse para Sirena que ia aceitar um papel nos EUA, ela daria um jeito de trancar a faculdade e me seguir, a última coisa que eu queria. Quero dizer, é claro que eu adoraria tê-la ao meu lado, todos os instantes de minha jornada. Com ela, os fracassos recorrentes não seriam tão desestabilizadores, porque haveria sempre um modo para ela me deixar feliz. Só que ela já estava sendo bem-sucedida com a faculdade e o estágio, e eu não poderia deixá-la abandonar um sonho tão puro para me seguir em minhas maluquices. E eu precisava ser tão bem-sucedido quanto ela, para deixá-la orgulhosa. Quero dizer, foi isso que pensei na época. Hoje só acho uma idiotice e não sei como reverter a situação.

Quando eu estava entrando no avião, para abandonar o Brasil, pensei se não seria tarde demais para desistir. Quis desistir, mas achei que seria menos homem se fizesse isso. A verdade é que também não sou menos homem por não ter mudado de ideia, mas certamente sou menos inteligente. Cometi o maior erro da minha vida e, no fundo, sabia disso. Qual era o meu problema? Por que não falei da situação com Rena? Por que não lhe dei uma oportunidade de escolher? Por que fui tão covarde?

Não tive tempo de pensar em responder isso porque meu celular vibrou em meu bolso, indicando que alguém estava me ligando. Ligação internacional, São Paulo.

— Alô?

— Fred, você está sentado? — Nathanael, meu melhor amigo, quase gritou do outro lado da linha.

— Ué... Não, por quê?

— Porque o que tenho a dizer vai te fazer cair.

— Ah é? — Revirei os olhos, sentando na minha cama. — Tá, sentei. Fala.

— Então... Eu e Mille temos uma proposta para você.

— Proposta? Querem que eu seja padrinho do bebê de vocês? — Zombei, fazendo-o rir.

— Não, seu imbecil! — Pude ouvir a risada de Mille se confundindo com a dele. — Você está preparado para a melhor proposta de todas?

— Se for ruim, vou te xingar até o dia que voltar para o Brasil. — O que parecia impossível.

— Esse é o ponto! — A animação dele quase me contagiou. — Mille recebeu uma ligação da Netflix.

— O quê?

Aquele foi o instante em que tudo mudou, o instante em que meus fracassos se tornaram justificáveis. Aliás, eles pareciam até uma benção.

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