Como Conquistar um Vigarista
A linha que separa o amor do ódio é tão fina quanto um corte de diamante. E tão precisa também.
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Eu segurava minha respiração como se o barulho dela fosse alto demais para coexistir com a minha concentração. E era. Até as batidas do meu coração me atrapalhavam, às vezes ficando altas demais, pesadas demais em meus ouvidos, quase as sentindo nas pontas dos meus dedos.
Só mais um, pensei, tentando bloquear todo o nervosismo que vinha com o resto do mundo lá fora. Tantos jeitos para aquilo dar errado, tantas falhas que poderia cometer e acabar estragando minha vida para sempre.
Mas precisava me esquecer disso. Nenhum passo que tive que dar para chegar ali importava agora. Não é assim que se ganha a guerra.
Não. É colocando todas as suas forças e seus esforços na batalha em que está, é deixando as anteriores para trás, nem considerando as do futuro. O momento de planejar já tinha passado, e eu só precisava bloquear todos os barulhos da festa, dos meus pensamentos e do meu nervosismo para ouvir aquele. Último. Toque.
Tão pequeno quanto um alfinete caindo no chão, eu o escutei. Junto dele, talvez tão breve quanto, veio a pequena tremida na água da minha taça.
Eu a tirei de cima na hora, respirando fundo pela primeira vez em muito tempo, e a coloquei no chão, em qualquer lugar. Depois de me endireitar outra vez, segurei as alavancas com as duas mãos, sentindo só um toque do gelado de seu metal através das minhas luvas. E então, usando mais força do que era necessário, a girei.
Era como imaginava. O mesmo pedestal que tinham usado na festa estava agora no meio do cofre, a pequena e poderosa caixa de vidro em volta do anel, acomodado confortavelmente em uma almofada rígida azul escura.
Tive que parar para recuperar meu fôlego, pensando talvez pela milésima vez que aquele era, de longe, o anel mais maravilhoso que já tinha visto na vida. Por um segundo, me questionei se ao menos merecia roubá-lo.
Bom, eu já estava ali, certo? Não era minha culpa se os guardas eram tão fáceis de derrubar, se o sistema de câmeras era tão obsoleto e que eu tinha nascido com a habilidade invejável de conseguir decifrar cofres até mesmo em meio a uma festa.
Eles estavam praticamente pedindo para serem roubados!
Olhei no relógio. Mais cinco minutos, se tivesse sorte.
No instante em que endireitei o rosto para olhar novamente o cofre, senti o formato de um silenciador no meu pescoço.
A raiva me encobriu como uma onda, me deixando imóvel.
Agora, podia ouvir a respiração de quem segurava a arma. Agora, que já estava em sua mira, eu conseguia percebê-lo ali.
Parabéns, Sienna, pensei. Tarde demais.
Ele chegou mais perto de mim, deixando sua respiração perto do meu ouvido. Não atrevi a me mexer, nem mesmo quando senti sua outra mão tocando meu ombro desnudo pelo vestido. Ele deixou seus dedos escorregarem de leve, um traço de arrepio chegando até meu pulso, e então senti seus dedos em minha coxa, à mostra somente pela fenda na saia. Ele a levantou de leve, devagar, enquanto seu nariz mal encostava na minha nuca. Quando encontrou a arma que eu tinha escondida ali, a tirou com cuidado e a jogou no chão.
Sem conseguir impedir minha própria reação, bufei baixo e irritado.
Pude jurar ouvi-lo rir atrás de mim, sua respiração arrepiando minha pele.
A mesma mão que tinha jogado a arma longe encontrou minha barriga, e ele levou o tempo que precisava para passar por ela com calma, chegar ao outro lado da minha cintura e encontrar, escondida logo no começo da frente única do vestido, uma pequena e afiada faca.
No instante em que sabia que a jogaria de lado, aproveitei para desviar de sua arma e me virar de vez para ele.
Assim que vi seus olhos, minha raiva pareceu aumentar.
E desaparecer.
E então aumentar outra vez.
Ele sorriu, sua arma agora apontada para minha cabeça, e seu jeito convencido e terrivelmente atraente pareceu deixar o ar à nossa volta insuportavelmente denso.
"Sienna."
"Damien," respondi, minha boca inevitavelmente se encurvando em desgosto.
"Sempre um prazer."
"Fale por você."
Ele riu, de leve. "Bom saber que você tem o mesmo bom gosto," falou, sem baixar a arma, mas desviando os olhos para o prêmio que devia ter vindo buscar também.
Levantei o rosto, ao mesmo tempo que arqueava uma única sobrancelha. "Nem pense nisso."
Seu sorriso convencido se entortou ainda mais, em uma mistura de falsa modéstia exagerada e divertimento. "Não acho que você esteja em posição de negociar."
Dando passos calmos, ele andou para o meu lado, eu o espelhando ainda em sua mira.
Por que ele precisava estar ali? Ultimamente, parecia que era impossível fugir dele, estava praticamente em todos os golpes que eu dava. Ou então, na mesma cidade.
"Mas preciso agradecer. Você me salvou muito tempo," falou, apontando com a arma para o cofre rapidamente.
Desviei meus olhos só por alguns segundos, precisando respirar fundo quando voltei a mirá-lo.
Não. De jeito nenhum. Não era justo que eu tivesse todo o trabalho de infiltrar o cofre e ele simplesmente fosse sair de lá com o anel. Nunca permitiria isso.
Não depois do que aconteceu em Geneva.
"De todos os golpes, de todo o mundo," falei, me atrevendo a dar um passo na sua direção, desviando só o completamente necessário do cano da arma para mirá-lo fundo nos olhos, "você tinha que aparecer no meu."
Sabia que o toque romântico o distrairia, nem que pelos poucos segundos que precisava para me mirar de volta, lembrar da mesma noite que eu queria esquecer e me dar a chance de agarrar seu braço, girá-lo e tirar a arma dele.
Pés plantados no chão, mira na cabeça dele, um passo do que seria perto o suficiente para ele revidar antes que eu pudesse apertar o gatilho.
"Jogando sujo, é?" Perguntou, ainda parecendo se divertir. "Você não vai atirar em mim, Sienna."
"Quem disse?"
Ele deu um passo na minha direção, abaixando a cabeça para olhar para a arma antes que encostasse com ela no peito. Podia perceber sua respiração no cabo dela, tremendo de leve ao inspirar e expirar.
Senti meus lábios se desprenderem devagar, e seus olhos os miraram na hora, acelerando meu coração.
"Eu disse," falou, sua voz agora bem mais baixa, quase em um sussurro.
Engoli a seco, levantando o queixo e apertando a arma contra sua camisa. O sorriso convencido dele agora se derretia em uma expressão observadora. Quanto mais eu plantava meus pés no chão, quanto mais rígida ficava para mostrar que falava sério, mais ele relaxava.
Acabou simplesmente colocando a mão em cima da arma e fazendo menção de abaixá-la.
Quis falar que não estava brincando. Quis falar que aquele golpe era meu, que o tinha planejado durante muito tempo e que não o deixaria me atrapalhar.
Mais do que tudo, quis jurar que ele não me afetava de jeito algum.
Mas nenhuma palavra pareceu sair da minha boca quando a abri, e meus olhos estavam tão focados nos dele, que deixei que abaixasse minha mão, tirasse a arma de mim e se aproximasse o suficiente para que seu rosto estivesse a centímetros de distância do meu.
"Eu também não vou atirar em você," falou, seus olhos baixando para meus lábios outra vez, me fazendo segurar a respiração.
Sabia que não deveria ter lhe deixado chegar tão perto, sabia que tinha coisas bem mais importantes para fazer. E, mesmo se não tivesse, a última coisa que queria era deixá-lo acreditar que ainda tinha qualquer poder sobre mim.
Mas ele estava perto demais para que eu ouvisse meus próprios pensamentos. Perto demais para lembrar das minhas convicções. E meu corpo quase gravitava na sua direção quando senti o relógio no meu pulso vibrar.
Me afastei na hora, como se voltasse à realidade. Três minutos. Já era para eu estar saindo daqui. E não tinha dado um passo em direção ao anel.
"Você sempre tem que estragar tudo, não é?" Falei, me virando para o cofre, enquanto ele colocava as mãos no bolso.
"Eu não estou estragando nada," se defendeu. "Vá em frente, termine seu golpe. Vou ficar aqui esperando."
Bufei uma risada, enquanto tirava meus sapatos de salto e deixava que o vestido escorregasse pelos meus ombros até estar no chão.
Sabia que ele estava me olhando, sabia que o tinha surpreendido ao simplesmente me despir. E, mesmo que estivesse levemente desapontado por perceber que eu não estava completamente nua, só usava o mínimo que podia para não ser detectava por entre os alarmes, foi o suficiente para que não se atrevesse a me segurar quando dei o primeiro passo para dentro do cofre.
"Esperando para depois roubar o anel de mim?" Perguntei, deixando meu pé escorregar até que eu estivesse deitada o suficiente para passar por baixo do primeiro alarme.
O segundo era na diagonal, nada que eu não conseguisse fazer. Abrir cofres era a única coisa na qual era melhor do que desviar de alarmes. Tive que apoiar minha mão no chã de leve, relembrar meu treinamento na Agência, mas não era o maior dos desafios ali.
O maior desafio era não aceitar as provocações de Damien.
"O que você quer com ele, afinal?" Perguntou, descontraído demais para estar conversando com alguém cuja atenção deveria estar completamente no que fazia.
Contei dez faixas de alarme até o pedestal, já tinha passado de quatro, mas o maior problema da próxima era que a sexta era perto demais, então, teoricamente, precisava me desviar das duas ao mesmo tempo. Só que estavam em alturas diferentes, indo praticamente contra todas as leis da física.
Me estiquei até onde precisava e, devagar, comecei a passar pela primeira.
"Você só vai vendê-lo," ele falou.
Não pense nele, Sienna. Concentre-se nos alarmes.
Tinha mais três minutos para a ronda de guardas. Se algum desses alarmes disparasse, isso mudaria para vinte segundos. E definitivamente não seria o suficiente nem para chegar ao final do corredor.
Respirei fundo.
"Eu, em compensação, preciso dele para algo de extrema importância," ele continuou, enquanto eu me obrigava a não lhe dar ouvidos.
Soltei todo o ar que tinha dentro de mim, metade do meu corpo sendo equilibrado, agora precisando me desdobrar para que conseguisse passar pelo próximo alarme.
"Preciso dele para dar a uma garota."
"Quê?" Contra todos meus princípios, virei o rosto para olhar em sua direção. Nisso, perdi o pouco equilíbrio que tinha.
O pânico que senti ao perceber que meu pé não conseguiria me sustentar e que minhas mãos já não tinham aonde se apoiar sem denunciar minha presença ali para todos os convidados da festa e cada segurança contratado para protegê-los foi sufocante.
Mas era tarde demais. Escorreguei e, ao sentir minhas costas batendo no chão, a única coisa que conseguia pensar era: Corre.
Mas, assim que levantei o mais rápido possível, agora não dando a mínima para nenhum outro alarme, vi Damien entrando no cofre, completamente despreocupado.
Todas as linhas verdes que antes me rodeavam tinham desaparecido e não havia um único barulho entre nós que não viesse de seus passos.
"Tomei conta dos alarmes, espero que não se importe," falou, balançando seu celular no ar antes de colocá-lo nos bolsos.
"Filho da-"
Ainda estava assustada demais para conseguir respirar direito e mantive um olho no final do corredor, esperando ver algum guarda aparecendo ali.
Mas ninguém apareceu, e, segundo meu relógio, eu tinha dois minutos.
"Como conseguiu?" Perguntei, agora indo analisar o pedestal.
"Nada que uma boa hackeada não ajude," respondeu, colocando a mão dentro do casaco.
"Jonas?"
Ele sorriu, confirmando que seu melhor amigo ainda era seu capacho.
Na lateral do top feito especialmente para aquela missão, tinha um pequeno bolso, de onde tirei o plástico que continha a digital do segurança pessoal de Lady Stewart. Assim que o mirei na direção da luz para garantir que ainda estava intacto, Damien mostrou o que tirou do casaco.
"Isso é um dedo falso?" Perguntei, bufando uma risada. Ele assentiu, arqueando as sobrancelhas, enquanto eu só balançava a cabeça e ia me colocar na frente do painel de identidade.
"Uma exclusividade da Família Kreitewolfe," ele disse. "Não quer testar?"
"Definitivamente, não."
"Mas as chances de falhar são mínimas," ele também fez questão de vir até onde eu estava. "Vamos lá, deixe que eu faça as honras. Se der errado, prometo dizer que você não teve nada a ver com isso.
Levantei minhas mãos no ar, indicando minhas luvas. "Palavra de vigarista?"
Ele bufou uma risada. "Como quiser," e, sem me perguntar mais nada, se inclinou na minha frente e colocou o dedo de borracha no leitor.
Aquilo era bizarro. Mas funcionou, logo desarmando o vácuo de dentro do vidro.
Já fui tirando a pequena faca do bolso dos shorts e girando sua lâmina de cerâmica nele. A circunferência caiu nas mãos de Damien, que já a esperava.
"Então você pretende ficar noivo?" Perguntei, tentando ao máximo me fazer de desentendida. "Sua mãe deve estar animada."
"Por que acha isso?"
Dei de ombros, aproveitando para pegar a cola que usaria para que fechar o vidro logo depois. "Ela precisa de herdeiros, não é? Suas irmãs não podem passar o grande nome da família Kreitewolfe para a frente. Sem o Príncipe dos Ladrões, o que seria do futuro da família mais famosa no mundo do crime?"
Ele levou uma mão ao peito, fingindo lisonja. "Realmente, não seria nada." E logo em seguida foi colocando sua mão dentro do buraco.
"O que você pensa que está fazendo?!" Perguntei, a urgência clara em cada palavra minha. "Não toque no anel."
Ele tirou o braço outra vez. "Achei que já tivéssemos decidido que ele deveria ficar comigo," disse, se virando para me olhar. "Essa garota é muito especial para mim, Sienna."
Quis fingir que vomitava.
"Quanta sorte dela. Vai poder te visitar na cadeia," falei, lhe empurrando pelo ombro com um pouco mais de força do que precisava. "Porque é isso que vai acontecer se tirar o anel antes da hora. Idiota."
Apesar do xingamento, ele só sorriu. Enquanto isso, dei a volta no pedestal, me colocando do seu lado e logo cortando outra circunferência, que eu mesma peguei e coloquei em cima da caixa de vidro.
"Agora, faça-se útil e me ajude a tirá-lo ao mesmo tempo em que coloco a réplica."
Ele arqueou as sobrancelhas, parecendo realmente surpreso e, se não fosse idiota demais para isso, admirado com o anel que eu tirei do bolso.
"Precisa ser exatamente ao mesmo tempo," expliquei, passando minha mão pelo meu buraco ao mesmo tempo que ele fazia o mesmo pelo dele. "Eles têm um sensor de pressão que dispara se perceber que o peso mudou."
"Espertos."
"Diferente de certas pessoas," rebati, deixando claro que falava dele.
Então Damien colocou os dedos no diamante do anel, fazendo nós dois segurarmos a respiração, esperando por algum sinal de que tinha sido brusco demais e que o pior dos alarmes soaria.
Nos entreolhamos, entendendo a apreensão e a adrenalina que o outro estava sentindo.
Mas para mim era pior. Quando posicionei a réplica e senti o toque da sua pele na minha, lembrei de Geneva. E de todas as vezes em que tudo que eu tinha dentro de mim se transformava em raiva. Até seus olhos focados no anel e na nossa transição lenta e milimétrica me lembrava de quando nada entre nós era planejado, estudado ou, ao menos, racional. Era um momento que eu tinha passado tempo demais desejando e me odiando por isso, que tinha sido terrivelmente bom para que eu me esquecesse dele. Mas o pior de tudo foi descobrir depois que tinha sido só mais um golpe.
Era isso que eu era para ele. Era por isso que odiava ter que estar perto dele.
Tinha passado vinte e oito anos sem confiar em ninguém e, no único momento em que abaixei minha guarda, ele tinha se aproveitado disso. Era até vergonhoso quando pensava que tinha chegado ao ponto de questionar se havia a menor esperança para nós dois.
Vocês são vigaristas, Sienna, pensei quando estávamos quase acabando de trocar o anel pela réplica. Apesar da nossa sincronia impecável, de quase conseguir ler a mente um do outro e prever o que dirá, tudo que nós fazíamos era golpe. Nada entre nós era verdadeiro.
Ou era?
"Perfeito," ele falou, uma vez que réplica estava no lugar.
Até mesmo aquela noite, quando pude jurar que tinha sentido pela primeira vez algo genuíno, era um golpe. Era só uma desculpa, uma distração, para que ele roubasse o quadro no dia seguinte.
E agora ali, depois de me enganar, depois de fazer com que me sentisse a pessoa mais idiota do mundo, achava que simplesmente o deixaria levar o anel e dar para uma garota qualquer? Nem em um milhão de anos.
"Esse anel é meu," falei, indo me colocar na frente dele, enquanto ainda o admirava em seus dedos.
Esperava relutância, e estava pronta para brigar por ele. Mas tudo que disse foi:
"Eu sei."
De repente, o sorriso em seu rosto desapareceu, e, se não estava ficando louca, ele parecia quase assustado.
Não, assustado era pouco. Estava aterrorizado.
E ficou mais ainda quando se ajoelhou.
"Sienna-"
"O que você pensa que tá fazendo?"
Em um segundo, meu coração tinha subido à garganta, minhas mãos à minha boca.
"Desde a primeira vez que te vi, só consigo pensar em você," continuou.
"O que você tá fazendo?"
"Será que é tão difícil adivinhar?" Perguntou, abrindo os braços. Ele franzia tanto para olhar para cima, na direção dos meus olhos, que ficava terrivelmente bonito.
Se já não fosse irresistível normalmente.
"Estou te pedindo em casamento."
"Não," foi a única coisa que consegui dizer, apesar de sorrir de orelha a orelha.
Ele se levantou. "Como assim, não?"
"De onde você tirou isso?" Soltei uma risada histérica, me esquecendo completamente de onde estava e que precisava ficar em silêncio.
"Se você tivesse me deixado terminar de falar, saberia."
Balancei a cabeça para mim mesma, sem conseguir acreditar naquilo. "Fale," até meus olhos estavam arregalados.
E eu ainda não conseguia parar de sorrir.
"Você é a mulher mais irritante, mais teimosa e mais maravilhosa que já tive a sorte de conhecer. E tenho certeza que é impossível existir alguém como você," ele ainda segurava o anel, mas não ajoelhou dessa vez.
"É assim que você acha que vai conseguir me convencer de que o anel é seu? É mais um golpe? Porque eu definitiva-"
Antes de me dar chance de terminar, ele segurou meu rosto com as duas mãos e o levou até ele, me calando com um beijo.
Não sabia se aquilo me ajudava a respirar ou roubava completamente meu ar.
"Não é um golpe mesmo?" Perguntei, quando se afastou só um pouco de mim.
"Não, caramba," respondeu. "É tão difícil assim aceitar que eu amo você?"
Sim.
"Eu odeio casamentos," falei, quando ele apoiou a testa na minha.
Só durou um segundo, pois logo se afastou, querendo me olhar nos olhos. "Isso é um sim?"
"Eu realmente odeio casamentos."
O sorriso que tomou conta de seu rosto competia em tamanho com o meu. "Eu também."
"Não suporto festas enormes."
"Você nem tem amigos para convidar," rebateu, me fazendo revirar os olhos, irritada. Isso só fez com que sorrisse mais e precisasse levantar meu queixo com um dedo para me beijar outra vez.
"Eu te odeio."
"Eu sei," respondeu. "E, se dependesse de mim, casaria com você essa noite. Sem festas, sem convidados. Só eu e você."
❤
Seria impossível me esquecer da adrenalina que correu pelas minhas veias na primeira missão que assumi com a Agência. E, mesmo assim, ela nem se comparava àquela que tomou conta de mim quando completei meu primeiro golpe, sozinha, sem apoio e entrando de vez para a vida criminosa.
Lembro de sentir uma certeza enchendo meu peito, certeza de que já tinha nascido viciada naquilo, que nunca conseguiria me livrar daquele vício. E nada jamais me faria tão feliz.
É mais do que viciante. É essencial. Dizem que precisamos de ar para viver. Eu preciso me sentir no topo do mundo, com a maior probabilidade de cair. Preciso sentir que o presente é tudo que eu tenho, tudo que quero. Nunca conseguiria viver uma vida normal.
E não havia nada de normal em sequestrar um padre no meio da noite. Não havia nada de comum em pagar para estranhos serem nossas testemunhas.
Mas o que realmente me impressionou foi perceber que nenhuma missão e nenhum golpe nos quais já tivesse participado me assustou tanto quanto estar na frente de Damien, com o padre ao nosso lado. A adrenalina que tinha sentido até então parecia agora brincadeira de criança. Se uma noite em Geneva tinha tido a chance de me quebrar, um voto de casamento seria definitivamente minha ruína.
Mas, ainda assim, estava prestes a falar sim.
"Você," o padre disse em francês, "Sienna-"
"Baltazar," completei, e Damien levantou as sobrancelhas para mim.
Aquela devia ser a primeira vez que realmente ouvia meu sobrenome verdadeiro.
Não tinha mesmo nada de normal naquele casamento. E essa era a melhor parte.
"Você, Sienna Baltazar, aceita esse homem como seu legítimo esposo?"
Abri a boca, mas algo me parou.
Me aproximei de Damien, ainda segurando suas duas mãos, agora só mais firme. "Nós vamos ter que comprar uma casa em algum lugar e viver uma vida normal?"
"Jamais," prometeu sem hesitar.
Então voltei ao meu lugar, sorrindo de novo, sem conseguir respirar direito.
"Sim."
Podia sentir ainda o anel roubado da Rainha Vitória em meu dedo.
"E você, Damien Kreitewolfe, aceita Sienna Baltazar como sua legítima esposa?"
"Se não aceitar, você morre," falei, fazendo o cara que pagamos para ser testemunha arregalar os olhos e mirar o chão.
Talvez fosse pela arma que eu tinha presa embaixo do meu vestido, ou aquela nas costas de Damien que ele achava que eu falava sério.
"Aceito," Damien respondeu.
"Acredito que ninguém queira falar nada, não é?" O padre perguntou. "Então, eu vos decla-"
Suas palavras foram abafadas pelo som de sirene que parecia vir de dentro da pequena igreja.
"Marido e mulher?" Gritei para ele.
O padre concordou. E Damien me pegou em seus braços de novo, me beijando como se fosse a última vez que teríamos a chance.
E talvez fosse, pois, no próximo segundo, fomos obrigados a entrar correndo na sala dos fundos da igreja e procurar um jeito de fugir.
"Para onde vamos agora?" Perguntei, enquanto ele me ajudava a passar pela alta janela que tinha ali.
"Tenho um golpe marcado para depois de amanhã em Berlim," respondeu, esperando que eu pegasse em seu braço para puxá-lo para fora.
Assim que estávamos de pé, ele me deu outro beijo.
"Então nós realmente não viveremos uma vida normal e sem graça juntos, não é?" Perguntei.
As sirenes ainda estavam altas, ensurdecedoras, mas não parecíamos ter pressa alguma para sair dali.
"Como alguma coisa poderia ser sem graça com você, Sienna?" Ele colocou os braços em volta de mim de novo, adiando o momento em que precisaríamos fugir.
Por sorte, eu era um pouco mais sensata e, quando peguei em sua mão, o puxei para seguirmos na direção do rio Sena para nos escondermos ou, pelo menos, sairmos de perto da igreja.
"Eu ainda te odeio," falei, e senti quando ele deu um pequeno aperto na minha mão, fazendo meu sorriso crescer ainda mais.
"Eu sei," respondeu.
E, ao levantar o rosto e olhar de lado na sua direção, tive a certeza de que o odiaria para sempre.
Odiaria como ele me enfraquecia.
Odiaria como me afetava.
Odiaria como não conseguiria viver sem ele.
E odiaria cada pequeno movimento seu, cada defeito irritante que me quebrava e fazia ser impossível negar que eu o amava mais do que tudo.
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[3980 Palavras]
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