Capítulo 9
Capítulo 9; Fá-lo recusar
Duas semanas depois, as insónias voltaram. Lentamente, eu dormia cada vez menos. Eu já o esperava – a minha sorte nunca fora a melhor -, mas eu precisava de dormir, principalmente na altura dos testes. A minha mãe não gostava, mas eu tinha que passar as noites a estudar. Já que não conseguia dormir, decidia fazer algo produtivo. Ela alegava que era menos produtivo, porque, cansado, não valeria de nada estudar. No entanto, apesar de todos os males na minha vida, eu continuava a ter boas notas – era o que contava.
Estava na biblioteca quando a Lucinda entrou dentro da enorme sala. Como que prevendo a sua entrada, a minha cabeça levantou-se, apenas para a ver com roupas de inverno. As suas bochechas estavam coradas do frio e os seus cabelos estavam escondidos por um gorro que ela tirou ao entrar. Cumprimentou a monitora da biblioteca, com um sorriso meio tímido, meio divertido, e olhou em redor. Assim que me encontrou, na última mesa do fundo, apressou-se até mim. Tecnicamente, nós tínhamos combinado estudar durante aquele sábado, mas eu não esperava que ela aparecesse. Estava habituado a fazer tudo sozinho.
- Olá. – Beijou a minha bochecha, como era seu hábito. Não devia ter deixado que se tornasse num hábito, mas não consegui impedir. Ela era a Lucinda, e era quase mais teimosa que eu. – Estás muito nervoso para o teste de Geografia?
- Eu tento tomar atenção, agora é só ver se consegui processar alguma coisa. – Encolhi os ombros.
Ela limitou-se a rir um pouco e a tirar os livros da sua mala castanha. Enquanto o fazia, permiti-me observá-la; o Inverno favorecia-a ainda mais que o Verão, e eu não sabia que isso era possível. Mordi o meu lábio e esperei que ela se preparasse para estudar. Normalmente, ela sentava-se ao meu lado, estudava um pouco e, quando não percebia alguma coisa, perguntava-me. Assim, eu tornara-me numa espécie de seu explicador – não que eu me importasse, porque também me ajudava a rever, mas eu não era mais inteligente que ela.
Os seus cabelos vermelhos caíram sobre os seus ombros assim que ela se preparou para começar a escrever, naquele caderno velho que ela reservava para os estudos. Passar uma tarde de sábado a estudar Geografia numa biblioteca não era, exatamente, o que eu preferia fazer, mas seria o meu último teste por uns tempos. Tinha um café ao meu lado – era o meu quinto, desde manhã -, e só queria afogar-me nele, em vez de passar as horas que devia usar para tentar dormir a estudar Geografia, de todas as disciplinas. Respirei fundo e voltei a colocar os meus fones, apesar de a Lucinda não gostar quando eu o fazia. Eu também não gostava quando ela fazia muitas coisas, por muito que não me ocorresse nada.
Enquanto escrevia, sentia os nossos braços rasparem vezes sem conta; ela tinha esta posição esquisita de segurar a mesa com o braço esquerdo, e escrever com a mão direita, o que significava que ocupava mais que a sua metade da mesa. Não me importava, porque senti-la tocar-me não era assim tão mau, por muito que parecesse desconfortável, para quem visse de outra perspetiva. Quem estivesse no meu lugar, também não se iria importar que a Lucinda lhe tocasse. Olhei para o número da página em que estava, chegando à conclusão que me faltavam rever apenas mais trinta outras, se havia algo que aquele professor gostava, era de tortura. Se ele tivesse nascido uns séculos antes, o meu dinheiro ia para como ele seria o Inquisidor-geral, ou algo do género.
- Vou...vou buscar outro café. – Anunciei, um pouco tímido. Ela olhou para mim, preocupação a preencher os seus olhos azuis, mas preferiu não dizer nada. Assentiu apenas, e eu assenti de volta, não sabendo bem o que lhe dizer.
Quanto mais próximos nos tornávamos, mais a vontade de a ter sempre perto de mim aumentava, e eu não queria que isso acontecesse. Já me bastava a minha mãe – parecia mais protetora que nunca -, não precisava de depender de outra pessoa. A Lucinda era uma boa pessoa, não precisava de um rapaz rude e insone na sua vida. Com isso na minha mente, peguei no copo quente com o café e engoli-o rapidamente. Não sabia como é que conseguia beber tanto café durante o dia, principalmente porque, em criança, odiava o sabor azedo da bebida, mas a necessidade levou-me àquilo que era, naquela altura. Um rapaz viciado em café que não conseguia dormir. Durante uns dias, parei de beber café, porque a minha mãe passou a acreditar que o café me fazia ficar desperto mesmo quando eu não o queria, mas a minha rotina permaneceu igual.
Voltei à biblioteca, vendo a Lucinda escrever com uma expressão óbvia de confusão. Talvez fosse apenas óbvio para mim, que já me tinha permitido observá-la e tentar conhecê-la a partir do que eu via. Aproximei-me dela, lentamente, mas sem o café, porque já o tinha bebido no caminho. Percebi que ela ficou confusa mas, quando percebeu que eu, provavelmente, o tinha bebido logo, pousou a sua caneta e olhou-me, com expressão séria. Encolhi os ombros e sentei-me, novamente, no meu lugar. Agarrei os meus fones mas ela agarrou o meu pulso, com uma força que eu não sabia que ela tinha.
- Sim? – Ela conseguiu perceber, pelo meu tom de voz, que eu não estava no humor para discussões, mas a sua mão continuava no meu pulso. – Lucinda, se não vais dizer nada, mais vale largares-me.
- Quantos cafés já bebeste hoje?
- Muitos. – Afirmei. Não era mentira, ela não poderia usar aquilo contra mim. Revirou os olhos, e eu contive a vontade de rir dela, porque sabia que ela não iria gostar.
- Quantos? – Pressionou, numa voz mais grave que o normal. Não sabia porque é que ela estava tão focada no número de cafés que havia bebido, mas suspirei, cedendo.
- Seis.
- São duas da tarde! – Exclamou, chocada. – Isso faz-te mal, Jasper. Não podes, simplesmente, ingerir tanta cafeína.
- Eu posso e vou continuar a fazê-lo, enquanto sentir necessidade para tal.
Levantei a minha mochila preta e tirei, da pequena bolsa, uma pastilha de mentol. Vi-a respirar fundo, visivelmente frustrada, mas não disse mais nada. Agradeci-lhe, mentalmente, por decidir ser aquela com senso comum, dos dois. Uma biblioteca não era o sítio ideal para discutirmos sobre os meus vícios – para discutir, no geral. Fechou a sua mão esquerda, aquela com que me agarra, num punho, e voltou a respirar fundo. Não entendia porque é que ela estava tão irritada, não era a primeira (nem seria a última) vez que eu fazia aquilo – beber cafés porque não dormi bem na noite anterior. Precisava de estudar e, portanto, ignorei-a.
Não consegui ignorá-la por mais que três músicas dos Metallica, no entanto. One estava a acabar quando ela fechou o seu caderno, colocou todas as suas coisas na sua mala castanha e agarrou nas minhas. Antes que eu pudesse perceber o que se estava a passar, ela tinha a minha mochila e estava a levá-la para fora da biblioteca. Uma vontade de rir trespassou-me e não lhe resisti; saí da biblioteca, a abanar a minha cabeça e a rir da sua maneira de ser. Ela era tão teimosa e persistente, eu deveria saber que, um dia, isso iria virar-se contra mim. Um dia, nós iríamos chocar, eu sabia disso, mas ela não. Quando saí da biblioteca, a primeira coisa que ela fez foi atirar a minha mochila contra o meu peito, com força.
- Não é preciso recorrermos a violência, Lucy. – Chamei-lhe pelo apelido que ela desprezava, para a irritar um pouco. Apesar de não gostar nada da sensação que ter uma Lucinda furiosa ao meu lado me dava, era divertido.
- Não me chames isso, Jasper. – Afirmou, dando um passo em frente. – E não te atrevas a rir de mim. Isto é sério! Eu estou preocupada contigo, mas tu continuas a afastar-me, como se eu ainda fosse uma estranha para ti. – Não queria dizer que ela continuava a ser uma estranha, para não a magoar muito, e tive que me esforçar em grande para não o deixar escapar. – Porquê? Eu só quero saber porquê, Jasper.
Não respondi. Limitei-me a sentar sem cima do capô do meu carro, como se o que ela estivesse a dizer não me interessasse. Ela olhou-me, chocada, como se não pudesse acreditar que eu a estivesse a ignorar. Durante as últimas semanas, ela tinha-se habituado ao Jasper de bom humor, com apenas algumas respostas sarcásticas aqui e ali, mas eu não era assim. Eu também incluía as insónias e tudo o que elas, por sua vez, traziam. Apesar de ela ter mostrado que não iria desistir de mim, eu sabia que não iria demorar muito tempo até ela não me conseguir aguentar. Mas, o pior de tudo isso, é que eu, mesmo sabendo, não tentei adaptar-me a ela. Ela teve todo o trabalho na espécie de relação que tínhamos, e eu sentia-me mal, porque ela era demasiado boa para isso.
Ela não via isso, mas era a verdade. Se o mundo fosse justo, ela não estaria a discutir comigo, estaria feliz, com o típico rapaz que é adorado por toda a gente. Dessa maneira, as suas amigas não estariam constantemente a falar mal dela, como falavam quando ela estava comigo. Apesar de ela se mostrar não se importar, eu sentia a tensão entre todo aquele grupo ridículo; e, apesar de ser muito hipócrita, eu tinha pena por ela estar rodeada de pessoas tóxicas.
- Não me ignores. – Gritou, e eu senti os meus olhos aumentarem de tamanho. – Sabes? Estou farta disto; eu tento, tento, e tento ainda mais, e tu nunca fazes nada. Já mostraste bastante bem que não gostas de mim tanto quanto eu gosto de ti, mas não precisavas de ser assim tão frustrante!
- Lucinda, tu não gostas de mim. Se gostasses, não estaríamos a discutir por causa de um dos meus vícios.
- Não estamos a discutir por causa disso. – As suas expressões não pareciam querer suavizar e eu sentia-me uma merda, cada vez que olhava para ela.
- Eu não tenho culpa! – Acabei por exclamar, tentando não me irritar. – Talvez no teu mundo não dormir seja algo muito simples, que se pode ignorar, mas no meu não é.
- Eu sei. – Respirou fundo, cada vez mais frustrada. Aproximou-se de mim, e eu conseguia ver trovões a baterem contra os seus oceanos profundos de azul. – Estou farta. Não posso continuar assim, não quando tu pareces não te importar minimamente comigo. Eu esperava isso de qualquer outra pessoa, mas não de ti. O que é irónico, não é? Porque eu era a única que via algum bom dentro de ti, e tu desprezaste-me completamente.
Antes que eu pudesse processar tudo o que ela tinha dito, já estava dentro do meu carro e a afastar-me dela. Queria ter gritado com ela, dizer-lhe que ela não tinha o direito de fingir que me conhecia porque, a verdade, ela já sabia mais sobre mim do que eu gostava de admitir. Ela também sabia os meus pequenos hábitos e tiques, e eu odiava ter noção disso. Mas o que eu odiava, mais que qualquer outra coira, era o facto de termos discutido. Na hora anterior estávamos tão bem! Ela beijou-me a bochecha, sorriu-me e fez tudo o que era hábito, mas depois, depois eu tinha que estragar tudo. Pensava que ela nunca iria desistir de mim e tomei-a como garantido – a minha mãe avisara-me inúmeras vezes sobre isso, de alguma forma, ela parecia prever o futuro.
Bati com a porta quando cheguei a casa. Ouvi a minha mãe perguntar-me o que se tinha passado, mas ignorei-a. Sabia que ela não gostava quando eu o fazia, mas a minha raiva estava a tomar posso de mim e eu não queria estragar a relação com a outra pessoa que se importava comigo. Tirei, do frigorífico, duas cervejas e parti para o meu quarto. Quando o tranquei, a minha mãe silenciou-se, como se tivesse adivinhar que eu não iria falar, de todo. Abri a garrafa num gesto frustrado, e não tardou até as duas garrafas estarem vazias. Imaginei a Lucinda ao meu lado, a dizer-me para não ceder a outro vício, mas só queria calar a sua voz.
- Jay? – Ouvi a minha mãe chamar, do outro lado da porta. – Ainda não queres falar?
- Não sei. – Admiti, sentindo-me estúpido por ter ficado tão chateado com a Lucinda, quando a culpa era minha.
No entanto, não demorei muito a abrir a porta. A minha mãe, assim que me viu, abanou a cabeça e abraçou-me. Ela era muito mais pequena que eu, e eu não contive a vontade de beijar os seus cabelos, proibindo a minha mente de desejar algo parecido com a Lucinda. Entrámos mais no meu quarto e sentámo-nos na minha cama. Obviamente que a minha mãe sabia que teria que ter a ver com a Lucinda, sendo que era a única pessoa na minha vida, para além dela mesma. Não me perguntou nada, no entanto. Deixou-me respirar fundo; acalmar a raiva que sentia, e olhou-me, atentamente.
- Nós discutimos. Começou quando ela me perguntou quantos cafés eu tinha bebido e, depois evoluiu para uma discussão sobre como eu não podia continuar a afastá-la, quando ela só me quer ajudar. Ela disse que eu não me importava com ela e que estava farta de tentar. – Segredei, numa voz tão baixa que eu não associei a mim mesmo. Estava a sentir-me como uma rapariga, honestamente.
- Oh, Jasper. – Abanou a cabeça, e puxou-me mais para si. – Adoro essa rapariga.
- Mãe!
- Queres que eu te diga o quê? Ela tem razão. – Revirei os olhos, mas acompanhei-a quando ela começou a rir. – Bem, pelo menos não partiste nada.
- Estava quase.
- Este Jasper apaixonado é qualquer coisa de especial. – Murmurou, num tom divertido.
eu disse que o Jasper era uma merdinha, mas não julguem o meu bebé :( he has issues
okay, espero que estejam mesmomesmo a gostar desta história, porque eu gosto muito de vocês, por gostarem <3
mais uma vez, não fiquem muito chateadas com o jasper! tbh nem sei porque é que estou a dizer isto, claro que não vão ficar, é o jasper, e vocês estão na mente dele e sabem o que ele sente. se estivessem no lugar da lucinda era um bocado pior, porque ela só vê o que ele lhe mostra?? anyway, MAIS UMA VEZ, espero que tenham gostado deste capítulo eheh
eu tenho andado a publicar todas as semanas mas, tbh, é só porque tenho tempo - e porque tenho capítulos escritos lmao -, quando os testes e os trabalhos começarem a apertar mais, vou parar de publicar por um pouquinho (aliás, já começaram, eu é que tenho conseguido organizar o meu tempo um bocado, e conseguido fazer tudo), mas até lá, obrigada a todas vocês que têm vindo ler, e bem-vindas novas leitoras! bem vindos a caui e ao mundinho do jasper
adoro-vos e muito obrigada por lerem <3 (BTW: no sábado publiquei uma nova história, a Caótico, que fala de um assassino, basicamente, e é tipo o meu maior projeto desde a Cello, vão lá ver, se ainda não o fizeram eheh)
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