IV

"A morte pode ser considerada, se você tiver fé, como apenas um recomeço..."
JoeFather


A inexistência da dor é um alívio. Esse é, sem dúvidas, o meu maior medo, afinal, quem é que gosta de sofrer?

Quando a mão dele soltou o meu pescoço e o porquê que eu havia sufocado se soltou do meu peito, ele ecoou sem sentido neste meu retorno para o além-vida.

Novamente lá estou eu, imóvel, na cama do hospital, com um homem baixo que ainda estava debruçado sobre meu corpo. Ele olha tudo em volta, retira as luvas, ajeita meu cobertor de forma carinhosa, não como um assassino que é, e vai na direção da porta.

Antes de sair, porém, olha na direção desta minha alma que flutua e dá um aceno, indo embora e me deixando sem respostas.

Muito tempo depois uma enfermeira aparece e chama o médico. Ele vem rápido, balança a cabeça de forma negativa e olha no relógio de pulso.

A enfermeira me olha com pena e eu me sinto grato por isso. Disso eu nunca tive medo: da compaixão.

Fiquei imaginando em que momento eu sairia daquele plano e seguiria a jornada que a minha alma teria que fazer mas, por um motivo que desconheço, permaneço ali, até a hora que levaram meu corpo para o necrotério, um lugar que me dá arrepios só de pensar.

Eu não tive escolha, ainda estava preso ao meu corpo de alguma forma, pois para onde ele ia, eu era transportado para o mesmo local.

O legista foi rápido, arrumou meu corpo e o colocou na geladeira. Algumas horas depois dois homens de preto vieram buscá-lo e arrumá-lo para o funeral, algo que achei uma perda de tempo.

Ninguém veio se despedir de mim...

Ninguém que eu quisesse, ao menos.

O meu vizinho apareceu por lá, puxando seus dois filhos, um de cada lado e permaneceu até que meu corpo foi cremado. Quando ele teve certeza absoluta que não existia mais nada físico do meu corpo, olhou para onde minha alma flutuava e sorriu.

"E agora?" - fiquei imaginando -"É assim que termina, sem uma explicação?"

Fechei meus olhos com força e ouvi uma voz conhecida bem do meu lado.

"No seu caso, tinha que ser assim..."

Abri os olhos rapidamente e olhei em volta, mas estava sozinho.

Quando achei ter imaginado a voz, ela me assustou novamente.

"Estou dentro da sua mente, John!"

Fiz um esforço tremendo para me controlar.

"Então saia daí!" - pedi, tentando ser firme.

"Não posso! Ainda não, pois você precisa de respostas..."

"Então as dê e suma!" - gritei - "Seu assassino!"

"O que você quer saber, John?" - disse ele de forma inabalável.

O que eu queria saber? - Perguntei a mim mesmo se realmente gostaria de conhecer as motivações daquele homem mau, mas não tinha escolhas.

"Tenho somente duas perguntas. A primeira é por que você me matou?"

Um silêncio incômodo se instalou por alguns minutos e quando eu já estava para repetir a pergunta, a voz de Paul retornou tranquila em minha mente.

"Você já sabe o porquê! Era um homem sozinho no mundo, sem objetivo algum, sem amigos, familiares que se importam contigo ou pelos quais você sentisse algum afeto. Sua vida era um grande vazio, um barco enorme vagando sem rumo pelo oceano. Se pensar bem, eu lhe fiz um favor!"

Meditei após ouvir aquelas palavras duras. No fundo ele tinha razão e sabia disso, mas eu não lhe daria esse gosto.

"Um favor é algo que se pede! E eu não lhe pedi nada..."

"Como não?" - ele respondeu e logo continuou - "Naquele dia em que fui a sua casa, seus olhos praticamente imploravam por um fim. Olhou para os meus filhos como se eles fossem monstros e viu em mim o próprio senhor da morte. E quase acertou..."

"Mas quem é você então?"

"Sou exatamente o que você imaginou. A figura da morte em carne e osso, levando embora deste mundo as almas perdidas, quando se aproxima o dia dos mortos. Essa é a minha missão..."

"Mas meus filhos não são os monstros que imaginou, bem ao contrário disso, pois são puros anjos. Discuti com eles antes de bater na sua casa. Por algum motivo não queriam que eu o levasse, mas provei a eles que estavam errados e que você era um caso perdido."

"Eu sinto muito!" - disse sinceramente - "Eu tenho medo de tudo que é diferente da minha rotina. Eu... Me apavoro facilmente."

"Sim, eu sei! E deixou seu medo lhe consumir e esse foi o seu grande pecado nesta vida, pois esqueceu de viver e agora não tem mais uma vida para isso..."

Neste momento quem fez silêncio fui eu e Paul o quebrou.

"Qual a sua segunda pergunta?"

Não precisei pensar muito para lhe dizer.

"O que será de mim agora? Ficarei vagando neste limbo escuro pelo resto da minha existência?"

"Que bom que perguntou, mas isto não cabe a mim responder. Adeus!"

Abri os olhos assustado e continuava flutuando, agora num mundo totalmente escuro. Era como se eu tivesse finalmente perdido a conexão com a vida e, para variar, senti medo daquela situação.

Ao longe percebi dois pequenos pontos luminosos que seguiam em minha direção. Quando eles se aproximaram mais, pude perceber que tinham o formato de duas crianças, duas pequenas crianças com asas e vestidas de luz, flutuando em minha direção.

Cada uma delas tomou uma de minhas mãos e arrastaram minha alma por aquela escuridão. Seguimos em silêncio por muito tempo, até que avistei um enorme clarão, que parecia um sol naquele ambiente escuro.

Eles me conduziram até próximo daquele local, que se mostrou ser um tipo de passagem, como se fosse um buraco negro, sugando para dentro de si toda a escuridão do universo.

Soltaram minhas mãos e indicaram o caminho.

"Daqui você deve seguir sozinho!" - disse um deles e sua voz era macia e angelical, trazendo uma paz imensa para minha alma.

Caminhei alguns passos na direção daquela passagem e me voltei para os pequenos anjos.

"Eu tenho mesmo que ir?" - perguntei a eles.

Um deles se aproximou de mim, me abraçou e cochichou em meu ouvido.

"A escolha ainda é sua..."

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