Capítulo 39
Quando eu abri os olhos, tinha um calendário enorme ao lado da cama, o calendário dizia 26 de setembro. Soube imediatamente que fiquei três dias desacordado e sei disso, pois dia 23/09 foi quando vivi meu maior pesadelo e eu sei muito bem essa data, por ser a mesma data que matei a Silvinha. O desgraçado havia esperado a mesma data para se vingar.
Olhei em volta e eu estava em um hospital, o quarto era branco e pálido como todo hospital, mas estava florido, tinha tantas flores que alguns arranjos até foram colocados no chão. Meu primeiro pensamento foi que eu estivesse morto e aquilo era apenas mais um pesadelo, mas desta vez seria eterno já que eu tinha consciência e enxergava tudo ao redor.
Não tive muito tempo para ficar pensando, apenas certifiquei que, embora eu estivesse com alguns curativos, não estava mais com soro, ou seja, lá o que tivessem me dado. Eu tinha certeza de que, quando aquela porta se abrisse, eu seria enviado para a cadeia. Eu podia estar acordando agora, mas não era idiota, quem me salvou teve que chamar a polícia e meu DNA, assim como de todas as minhas vítimas, estariam em cada centímetro daquela casa. Eu não estava desesperado para saber sobre a Diana. Se ela sobreviveu, a vida dela seria muito melhor sem mim. Eu só trouxe desgraça para a vida daquela criatura que parecia mais um anjo do que humana. E se ela estivesse morta... bem, aí tudo que eu tinha que fazer era usar meu tempo atrás das grades para arquitetar um plano em como me vingar daquele doente. Sim, eu iria amputar seus dois braços e suas duas pernas, mas não iria matá-lo. Eu o deixaria rastejando pela minha nova casa, que seria em algum buraco ainda mais inacessível do que o que eu morava.
Cheguei a sentir minha boca salivar ao imaginar as coisas que eu faria com o meu "cotoco", sim, esse seria o apelido dele! Eu seria capaz até de encontrar uma mulher parecida com a irmã diabólica dele e fazê-lo assistir tudo que fiz com ela e provavelmente muitas coisas mais.
Meus pensamentos foram interrompidos quando a porta se abriu e uma jovem enfermeira entrou. Ela sorriu imediatamente ao me ver com os olhos abertos e isso já me causou um desconforto. Pessoas faziam muitas coisas quando me viam, mas sorrir não era uma delas.
— Que bom que acordou! Como está se sentindo?
Como não respondi, ela se aproximou e fez os procedimentos que deveriam ser normais, checou minha temperatura, pressão e sei lá mais o quê. Também apertou minha barriga e em volta dos curativos e perguntou se eu estava sentindo alguma dor.
Balancei a cabeça negativamente, ela não podia imaginar que a maior ferida estava dentro de mim e que ninguém poderia me curar.
— Vou te deixar descansar, então, em duas horas, trarão seu jantar. O médico liberou uma dieta leve, mas como sua recuperação tem sido tão boa, tenho certeza de que estará em breve comendo um bom filé!
— Servem filé na prisão agora? — falei em um impulso, meu lado sarcástico não me abandonava nem em momentos mais críticos.
Por um momento ela me olhou e parecia surpresa com a pergunta, depois pareceu fazer alguma associação doida em sua cabeça olhando para as flores e disse:
— Devido às fãs, né? Não se preocupe, temos segurança reforçada. Nenhuma delas conseguirá entrar. Trouxemos algumas flores, mas na entrada do hospital... — ela passou a mão pela testa sorrindo — ah, meu Deus! Tivemos que contratar uma pessoa só para desbloquear a entrada com tanta entrega! Descanse, querido!
Ela saiu fechando a porta e eu me sentei na cama, pude sentir alguns dos pontos repuxarem e senti um pouco de dor. Mas isso era insignificante perto daquela loucura. Que porra era essa de fãs? E por que diabos eu não estava preso, já que obviamente não estava morto?
A porta tornou a se abrir e, quando pensei em perguntar à enfermeira o que estava acontecendo, eu fiquei completamente mudo. Diana 2 entrou. Ela estava linda, com botas pretas até os joelhos, uma minissaia justa, uma blusa branca e um sobretudo preto.
— Não pensei em comprar flores, mas não acredito que esteja sentindo falta — ela falou debochada.
Eu continuava mudo.
— Agora você pode me agradecer.
Como continuei calado, ela insistiu:
— Por salvar sua vida, seu idiota!
Como ela viu que eu deveria estar mais branco do que um fantasma, ela desfilou as lindas pernas pelo quarto e depois se sentou em uma poltrona de frente para mim.
— Não fiz por você. Eu não te devo nada! Fiz pela Diana! — Ela deu um longo suspiro e perguntou:
— É uma longa história, está pronto para ouvir?
Eu apenas balancei a cabeça afirmativamente.
Quando ela terminou de falar, se levantou e foi embora sem olhar para trás, dizendo que agora havia pago sua dívida e nunca mais queria ver minha cara. Eu teria rido se tivesse tido tempo de processar tudo o que ela me falou.
Diana 2 era filha de um poderoso chefe da máfia italiana, a poderosa família trentacapelli, mas obviamente não usava esse sobrenome e também não se chamava Diana fora do documento falso e sim Giovanna. Eles se mudaram para o Brasil quando ela tinha quatro anos e, mesmo o pai ainda mantendo "seus negócios" na Itália, também tinha um bom mercado nesse país de merda. Quando minha Diana teve a brilhante ideia de libertá-la, o que poderia ter acabado com minha vida, a Giovanna insistiu que ela fosse embora com ela, que lhe daria uma nova vida e tudo que ela quisesse.
Isso seria a forma de gratidão em retribuir o favor. O tema da família Trentacapelli é nunca dever favores a ninguém e ela levava isso muito a sério. Mas minha amada Diana disse que não. Que sabia que eu era uma boa pessoa, mesmo ela tendo contado tudo o que sabia e o que não sabia sobre mim, mas ela foi firme, dizendo que a mídia inventava coisas, que eu nunca seria capaz de machucar alguém que não merecesse. A ingenuidade da minha Diana é infinita.
Então, Giovanna disse estar devendo um favor que, no dia que quisesse, poderia cobrá-lo. Passou o número do seu celular e mais números de emergência que poderiam ser localizados a qualquer hora do dia ou da noite.
Essas duas conversavam diariamente e eu nunca percebi nada, nunca prestei atenção nas coisas que Diana comprava e nem fazia ideia de que ela tinha um celular extra! Cheguei à conclusão de que o ingênuo da história sempre fui eu.
Quando ela começou a suspeitar que tinha alguém vigiando a casa, começou a contar a Giovanna tudo o que presenciava. Um gato que apareceu morto com um laço de presente, o nome dela escrito em tinta vermelha em uma tábua de madeira com vários pregos, coisas que eu nunca poderia imaginar e ela obviamente nunca me contou. E então a família TrentaCapelli ciente do favor que a "bambina" deles devia, resolveu investigar o que poderia estar acontecendo.
O cretino do irmão da Silvinha era bem esperto e mesmo a máfia italiana teve dificuldades em descobrir seu rastro, mas encontraram. Só que encontraram tarde demais. Giovanna estava com o celular na mão para avisar Diana que deveríamos sair da casa imediatamente quando recebeu a chamada desesperada. Minha Diana havia visto um homem se aproximando da casa e ligou imediatamente, se escondeu embaixo de uma das camas e ambas puderam ouvir quando ele arrebentou a porta de entrada. Giovanna pediu para ela aguentar firme que iria salvá-la e o que ouviu em resposta foi:
— Você me deu sua palavra de que o Jeff sairia limpo.
— Eu sei!
Giovanna fez questão de deixar bem claro que teria muito prazer em me matar, mas que deu apenas tiros superficiais. Tinha certeza de que não me mataria e que sabia atirar desde os seis anos, e eu seria um alvo bem fácil se ela quisesse, mas que palavra de honra é palavra de honra e uma força tarefa foi montada.
Para resumir a loucura toda, o pai, os tios e irmãos metralharam a casa toda, nem preciso dizer que o psicopata ficou com mais buracos do que uma peneira. Tendo "negócios" no Brasil e amigos, médicos, advogados, jornalistas, juízes, não foi difícil fazer parecer que o maluco era o doido da cicatriz. Colocaram minha casa em nome dele, adulteraram datas de compra e venda, fizeram o diabo a quatro para que eu saísse livre.
Mas tinha uma coisa que não batia nessa história, eu já era procurado por minha cicatriz e, por mais organizados que a "família" fosse, eles não conseguiriam enganar o público com um detalhe desses. Mas enganaram!
Giovanna me contou que ela pessoalmente abriu minha cicatriz com um estilete, fazendo com que parecesse recente, e que pegou o saco humano furado e fez uma maquiagem nele para que ele parecesse ter uma cicatriz. Depois só faltou um laudo de um "amigo médico" afirmando que aquele foi o único corte que já tive naquela região. Outro "amigo jornalista" para convencer a mídia de que o maníaco havia feito uma falsa cicatriz exatamente para não ser reconhecido e que, quando descobriu estar sendo caçado pela polícia decidiu pegar uma "pobre vítima", no caso eu, e fazer uma cicatriz nela para a pessoa levar a culpa em seu lugar.
O estrago na propriedade e sua morte também foram muito bem explicados, conseguiram provas de que ele devia alguns milhões em "mercadoria" e o repórter se encarregou de taxar como "acerto de contas".
De assassino em série frio e calculista, eu me tornei um idiota apaixonado e agora um herói nacional, pois a história também contava que protegi Diana arriscando minha própria vida e com isso havia atraído uma multidão de fãs. Sim, Diana estava viva e se recuperando naquele mesmo hospital, espinafre também estava vivo e em uma clínica ali perto. Giovanna terminou dizendo que, antes que eu recebesse alta, todo o meu dinheiro seria repassado a outra conta com uma nova identidade e isso não foi arranjo da "família" não. Isso ganhei de bônus como proteção à testemunha e que um dos empregados dela iria me acompanhar a minha nova casa que seu "papá" havia feito questão de comprar, já que a minha tinha crateras do tamanho da lua.
Eu sentia minha cabeça rodar, como tudo aquilo poderia ter acontecido? Seria Deus me dando uma segunda chance? Minha história poderia ter terminado aqui, mas isso seria muito fácil, não seria?
A enfermeira simpática entrou dizendo saber que eu deveria estar morrendo de vontade de tomar um bom banho, mas que agora que estava acordado, ela tinha sido encarregada de fazer com que eu me alimentasse e não sairia dali até eu ter tomado toda a sopa.
Só quando coloquei a primeira colherada na boca me dei conta de como estava com fome, e não foi difícil devorar tudo, assim como um pão de leite que veio acompanhando.
— Agora pode tomar seu banho e descansar, eu volto mais tarde.
— Enfermeira! — chamei assim que ela abriu a porta — Como está a Diana?
— Ela sorriu gentilmente e disse de um modo que eu pudesse me tranquilizar. Ela está muito bem, tem se recuperado, e nem ela, nem o bebê sofreram danos preocupantes.
— Como é? — Eu não podia ter escutado direito.
— O bebê de vocês está ótimo, na verdade, o doutor hoje à tarde foi vê-la e fez um ultrassom.
Minha cabeça girava, que bebê? Ela havia sido violentada por aquele animal? Mas isso não tinha lógica, é impossível detectar uma gravidez de três dias!
— Vocês todos vão ficar bem, mas o doutor disse que, como ela está só com cinco semanas, não acredita que possa trazer nenhum trauma para o desenvolvimento do feto.
Ela sorriu e fechou a porta. Cambaleei até o banheiro, ouvindo a voz repetir "5 semanas" e vomitei todo o meu jantar e provavelmente minha alma junto.
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