O sonho de Odracir

Martelos castigavam pregos, firmando tapumes em um terreno baldio. O barraco deveria estar montado em poucas horas para guardar projetos e equipamentos na nova construção, que nascia em meio ao mato alto. Essa foi a ordem inicial do engenheiro, que ouviu do dono da obra, que ouviu de sua esposa, que por sua vez só queria achar um bom modo de investir seu capital, antes de ser contrariada (ou iludida) por alguém (o que ela detestava!).

Toda aquela agitação matutina acabou chamando a atenção de um homem que caminhava pela calçada, cabisbaixo e pensativo. Parou, quando enfim se deparou com uma placa, e reconheceu o desenho de um prédio em construção. E naquele tapume da obra encaixava-se aquele tão sonhado anúncio de "Há Vagas"...

Logo que adentrou o canteiro de obras, Odracir avistou aquela que seria sua primeira companheira de trabalho: uma velha vassoura, encostada na betoneira suja de concreto endurecido.

Assim que o servente começou seu emprego naquela construção, percebeu como seria duro ser o elo mais baixo da cadeia de trabalho: sua tarefa limitava-se a varrer, ouvindo queixas e impropérios dos colegas, do mestre, do engenheiro, do dono da obra e principalmente, de sua esposa. Mas por bem, engoliu tudo, contentando-se em ter um emprego que garantiria novamente o sustento de seus filhos e esposa.

Mas o servente recém-contratado logo acabou reparando também que o mestre de obras não gozava de muita autoridade no local, e sempre que o engenheiro ou o dono do empreendimento se afastavam, seus empregados trabalhavam ao Deus dará. Quando foi chamado para varrer restos de tijolos de uma parede recém levantada, Odracir não pôde deixar de notar que havia algo errado naquele serviço: tijolos assentados sem capricho, com massa escorrendo pelos cantos, de forma tão grosseira, que ele sentiu vergonha do que viu. Mesmo sem conhecimento da coisa, sabia que até ele teria feito melhor. Mas preferiu não comentar. Achou melhor terminar o dia varrendo, de bico calado.

...

Na semana seguinte, o servente alegrou-se ao receber seu primeiro pagamento. Não era lá muita coisa, mas ele poderia enfim alimentar sua família. E comprar uma bicicleta... Tudo bem que era velha, com pneus carecas, mas já era algo melhor do que andar a pé.

Naquela semana, pedalando sua Barra Forte, Odracir passou a chegar mais cedo na obra. Ele sentia que estava fazendo seu melhor, varrendo e mantendo limpo aquele canteiro de obras, mesmo antes de todos chegarem ao trabalho. E essa era sua nova vida.

E de tanto observar, o atento Odracir acabou aprendendo um pouco de cada função na obra: o pedreiro e sua betoneira, misturando areia e brita para concretizar seu trabalho. Os assentadores de blocos deixando tudo de pé, enquanto os instaladores hidráulicos e elétricos preparavam tudo conforme os projetos do engenheiro, que aparecia vez por outra, para conferir tudo e discutir com o mestre. E foi justamente com o mestre que Odracir mais aprendeu: logo descobriu como Não fazer uma obra e como Não comandar seu pessoal...

Numa sexta-feira, o mestre chegou cambaleando para o serviço, e aos trancos e barrancos, acabou discutindo com um pedreiro que o acertou com uma pá na cabeça. Ambulância. Polícia. Obra parada. E aquela confusão.

Na segunda-feira, o mestre não apareceu para trabalhar. Odracir chegou cedo e tentou contornar a situação: conversou com seus colegas, organizou os serviços e cuidou pessoalmente de cada detalhe, como deveria fazer o mestre, que ninguém sabia por onde andava.

Naquela semana, o engenheiro visitou a obra e ficou impressionado com o andamento dos serviços. Avisou o dono do empreendimento, que logo tratou de dar um telefonema para sua esposa, que do outro lado da linha, soltou um sorriso discreto. A coisa finalmente estava andando como deveria...

Fim de mais um dia. Hora de encerrar os trabalhos. Odracir subiu em sua magrela, mas logo sentiu algo errado: o pneu da bicicleta estava murcho. Um prego estragou seu meio de transporte. E ele morava longe. A esposa do dono da obra percebeu o fato e, comovida, ordenou que seu marido tomasse uma providência. E foi assim que o chefe decidiu ajudar seu funcionário: deu a ele uma chave, e apontou para os fundos da obra.

O que não seria motivo de alegria para ninguém, foi uma bênção para Odracir: embaixo de uma lona coberta de pó e cimento, uma velha e enferrujada picape Fiat, com pneus vazios e uma aparência assustadoramente precária. Colocou sua bicicleta na caçamba, e após várias tentativas, o carro ligou. O motor roncou, soltando uma fumaça preta que o acompanhou até sua casa, no morro.

Uma hora depois, Odracir chegou em casa de carro, pela primeira vez. Para quem não tinha dinheiro nem para o ônibus até poucos meses, foi aquela alegria!

O motor da FIAT morreu ao lado do seu barraco. A bicicleta foi desembarcada da caçamba. Como seria bom se aquele sonho fosse mesmo real! E como ninguém na obra compartilhava do sonho de Odracir, ele acabou utilizando o veículo por meses a fio.

E qual foi sua alegria, quando naquela segunda-feira chuvosa, recebeu a notícia de que a obra estava finalmente em sua fase final! E melhor: ele seria o novo Mestre, o responsável por aquela construção, com a tarefa de coordenar a fase final de acabamentos!

A velha picape acabou ficando permanentemente com Odracir, que tornou-use um bem sucedido mestre de obras. Dedicado, ele sabia coordenar sua equipe com afinco, gerindo suas obras com qualidade e atenção. Seu sucesso o levou a comprar uma nova casa, uma nova bicicleta para seus filhos, e uma moderna picape... Odracir tinha o sonho de se formar, ter uma profissão e conquistar seu lugar no seu mundo... E acabou mesmo formado, como um Mestre, na faculdade da vida!

F I M

Ilustração de capa: CarollinaCarol

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