O mistério do Cavalo Azul - Parte 1
Amanhecia mais um dia na fazenda do Rancho Queimado e o sol se mostrava aos poucos, surgindo tímido por detrás dos morros cobertos pela alva neblina da noite. Aos pés da frondosa figueira, um pensativo rapaz descansava de suas obrigações, que, aliás, não eram poucas: a mimosa o aguardava cedinho para a ordenha; o Precioso, cavalo faminto que só ele, esperava seu feno, irrequieto... O pato Viriato sacudia suas penas no aguardo de sua ração, e o gato Lobato, o mais gordinho e preguiçoso de todos os animais da fazenda, só acordava com o chamado da papagaia Tetéia, a maior animadora da bicharada. Falando em animação, o mais carrancudo dos bichos era o Adão, o cão brigão, que ganhou esse apelido por ser muito feroz e imprevisível... Mas, naquela manhã, o sossego daquele tão sonhado descanso não iria durar muito tempo...
- Juca! Ô menino, não vai te esquecer do estudo de novo, guri!
- Bom dia Vô Geraldo, já to indo estudar... Mais um pouquinho, e já to indo...
Mas o menino logo voltou ao seu descanso aos pés da figueira. Observou por um longo tempo, como de costume, os animais que habitavam os morros à sua volta, verdes e fechados pelo matagal. Bandos de bugios disputavam território, numa gritaria feroz que podia ser ouvida a quilômetros de distância; araras, papagaios, periquitos e uma infinidade de pássaros cantavam sua sinfonia do alto das árvores. O cavalo Precioso, que andava sempre em busca de um matinho mais saboroso, também era visto com freqüência nas imediações da casa do Pai Dodô, o famoso curandeiro que morava aos pés do morro mais alto da região.
Falando do Pai Dodô, ele era um velho que morava num casebre bem humilde, onde já não havia mais portas nem janelas; um simples telhado de palha o protegia do sereno da noite e do calor do sol. Mesmo com toda a dureza da vida em seu lar, era muito requisitado pelos moradores que sempre lhe pediam ajuda para seus problemas espirituais e salutares...
E foi naquele momento, quando observava tudo à sua volta com atenção, que o jovem rapaz passou a notar uma fumaça espessa e azulada cobrindo o casebre do Pai Dodô. Estaria ele trabalhando em mais um de seus feitiços misteriosos? Estranhamente, toda aquela fumaça longínqua passou a moldar-se, tomar forma, transformando-se em um cavalo, tal qual o Precioso, que pastava na região. Mas... O animal tinha um cifre sobre sua cabeça... Seus olhos tinham um brilho incomum e sua cor passou a mudar do costumeiro marrom selvagem, para uma vasta mistura de cores... O menino avistou o cavalo azul planando no firmamento feito passarinho, batendo suas grandes asas recobertas por belas penas, verdes, azuis, amarelas e vermelhas, à imagem e semelhança da papagaia Tetéia... O menino, apavorado, soltou um grito daqueles!
Naquele instante, o pequeno Juca conseguiu abrir lentamente seus olhos. A luz do sol estava forte, mas tão forte, que sua visão ficou bastante prejudicada. Contudo, pôde ouvir alguns sons estranhos nas imediações... Logo percebeu que uma assustada menina fugia em direção ao portal da fazenda do Rancho Queimado...
O chamado de seu avô lembrou-o de que já era hora de iniciar seus estudos...
- Ô menino... Dormindo assim, vais perder até o almoço!
- Bom dia Vô Geraldo... Peguei no sono aos pés da Figueira e acabei sonhando...
- Olhe só como hoje preparei com carinho tua aula, meu netinho...
Durante os estudos com seu avô e professor, o desligado menino pensava nos raros acontecimentos da Vila Rica... Assim lembrou-se do dia em que chegaram novos vizinhos na Vila, pessoas importantes, estudadas, que não se misturavam com os moradores locais. Por isso, tudo o que se sabia deles ficava por conta das fofocas e boatos que circulavam pela região. Com o passar dos dias, aqueles vizinhos foram se isolando em sua fazenda, sem ter mais contato com ninguém. Mas, de certo, as únicas informações confirmadas eram sua procedência (da cidade grande), e que tinham uma placa no portal da fazenda com as misteriosas indicações E.G.A. Daí a diante, nada mais se soube sobre eles.
- Ô menino, pensando tanto em que?
- Em nada especial, Vô Geraldo... Mas... Aqueles vizinhos da E.G.A, tem filhos?
- Que me conste, não... Aquele é um casal sem filhos, dizem as más línguas... .
- Interessante Vô... Hoje pela manhã, vi uma menina no portal de nossa fazenda...
- Ah, menino, menino... Ao certo, outro sonho daqueles, de novo... .
- Ok, Vô... O Senhor tem razão... Vamos estudar para crescer como as plantas...
E por falar nas flores, quando estas desabrochavam e todos os jardins floriam com as mais belas cores, a Vila Rica começava a se preparar para as festividades da Paixão de Cristo. Tudo o que movimentava a vida na vila provinha da religião e, principalmente, da capela idealizada pelo Padre Antônio. Nada que fosse esplendoroso ou cheio de adornos de ouro e santos enfeitando o lugar. O que impressionava era mesmo a simplicidade e o cuidado com a capela que ficava ao lado da Fazenda do Rancho Queimado, de que tanto se orgulhavam os moradores locais.
Via-se a felicidade sendo construída a cada dia com mais entusiasmo. As flores perfumadas eram cuidadas diariamente pelo pequeno Juca e seus colegas; a fonte de coloridos mosaicos fora feita pela Vó Jussara e pelas senhoras da vila e os demais afazeres ficaram a cargo dos homens, que trabalhavam sob o comando do Vô Geraldo.
A procissão anual acontecida num rito que trazia o Padre Antônio à frente, badalando seu sino que trazia o povo humilde da Vila Rica. A cada rua, em cada esquina, mais e mais pessoas se juntavam à multidão de fiéis. Para alguns, também havia tempo para aproveitar as festividades em seus lares, fazendo suas preces e louvando ao Criador, num ambiente de paz e harmonia. E havia outros que, contrariando o Padre e a Igreja, buscavam apoio no casebre do Pai Dodô.
Entretanto, importantes mudanças não tardariam a ocorrer após a chegada dos misteriosos vizinhos... Um novo rumo na Vila Rica começou a ser desenhado após a divulgação em todo o país do sucesso da Paixão de Cristo. Naquele ano, o número de turistas esperados para as celebrações iria aumentar, trazendo mais desenvolvimento para o local. A alegria saltava dos olhos de cada pessoa, fosse ela criança, adulto, jovem ou ancião. No dia seguinte, antes do sol nascer, o pequeno Juca dirigia-se ao estábulo, para o trabalho costumeiro de ordenhar a mimosa, quando, para sua surpresa, avistou pela segunda vez a fumaça azul saindo da cabana do Pai Dodô... Olhou com atenção, e percebeu que a nuvem espessa estava voltando. Ouviu com atenção os relinchos do animal voador e, para sua surpresa, ele também repetia frases, como um papagaio!
O menino estendeu seus braços na direção do animal, que vinha do casebre do Pai Dodô. O cavalo voador, que planava desajeitado, circulando sobre os céus da fazenda, deu uma rasante sobre sua cabeça, chamando seu nome! O assustado garoto correu até o estábulo da mimosa, mas sua vaquinha havia desaparecido! E não só ela, como também o cavalo Precioso e o pato Viriato... Somente o gato Lobato dormia calmamente, pois não fora acordado naquele dia pela papagaia Tetéia. Outra surpresa, ela também havia sumido! O mistério dos bichos do Rancho Queimado estava montado... O que poderia ter acontecido com todos os seus amigos?
Ficou decidido que seus colaboradores seriam o preguiçoso gato Lobato e o feroz cão Adão que, a principio, não pareceu muito a fim de sair de seu descanso matinal...
Mas... Com a ajuda de um osso pra lá de saboroso, que fora amarrado na ponta de um anzol, o cão se dispôs a ajudar... Aliás, o referido anzol teve que ser preso na parte traseira da sua bicicleta, para que o cão o seguisse. Já o gato Lobato, ficou confortavelmente assentado numa cesta no bagageiro, enquanto o pequeno pedalava seguindo as nuvens azuis, em direção à cabana do Pai Dodô... Era chegada a hora de buscar alguma resposta para o mistério do Rancho Queimado...
O destino da Vila estava sendo traçado pelas poderosas mãos do criador, até que naquele mesmo dia, o Padre Antônio viesse visitar a fazenda do Rancho Queimado. Numa conversa com o Avô do menino, o padre demonstrou preocupação ao saber da visita do jovem ao casebre do Pai Dodô, pessoa que não era bem vista pela Igreja...
Caro Irmão Geraldo, tu sabes que minha missão aqui neste povoado já há anos vem sendo cumprida à risca, com fé e devoção ao criador. Mas hoje tenho uma mensagem para ti. Coisas estranhas estão acontecendo nessa Vila. Alguns de seus animais desapareceram, em outras fazendas também houve registros de perdas, e sem duvida, há um grande mistério que deverás investigar, para a proteção de todos os que aqui vivem. Peço a Deus que lhe abençoe e proteja contra os feitiços e artimanhas do Pai Dodô, que certamente tem muito a ver com esses acontecimentos estranhos... Vá à casa do velho, e tente verificar o que está ocorrendo por lá... Mas tenha cuidado! Ele tem um pacto com o tinhoso...
E assim o velho Geraldo recebeu a missão de aventurar-se em direção ao morro do Pai Dodô, com a tarefa de investigar, com zelo e muita fé na Igreja, o mistério do desaparecimento dos animais da região. Arrumou seu velho trator, e partiu.
Ao passar em frente à Fazenda dos vizinhos da cidade grande, o avô percebeu alguns fatos que lhe chamaram a atenção: Havia um laboratório no rancho da E.G.A, fato que ninguém havia notado até então. Em seu interior, pessoas vestidas com jalecos brancos trabalhavam escondidas. E ainda por cima, viu uma menina sair repentinamente dos fundos do rancho da E.G.A, com um pato azul nas mãos... Alguns funcionários da fazenda tentaram persegui-la, mas ela entrou na mata espessa e desapareceu, com o animal nas mãos.
Sempre nos fins de tarde, Pai Dodô afastava-se de sua casa, sendo visto caminhando nas imediações do Riacho da pedra polida. Era o momento certo para que o pequeno Juca fizesse um secreto e minucioso exame do local, em segurança...
Entrou assim na casa escura, iluminada somente por algumas velas, avistando o caldeirão do velho curandeiro. Ele estava preparando alguma coisa, pois o fogo estava aceso... Sobre a mesa de madeira, estava aberto seu livro de feitiços mágicos!
Não custaria dar uma espiada, pensou o menino... Contudo, no momento em que tropeçou num saco de feno, o cão Adão latiu do lado de fora da casa, dando o sinal de que alguém se aproximava. O pequeno Juca escondeu-se embaixo da mesa, e observou a chegada de uma menina com uma capa vermelha, trazendo um pato azul em sua cesta.
Ela pegou rapidamente o livro do Pai Dodô, e antes que o velho curandeiro chegasse, partiu. E o Juca, que não era bobo nem nada, foi atrás. Bem escondidinho...
O menino a seguiu por um longo caminho, até chegar a um acampamento onde moravam muitas famílias. Observou, sem ser notado, que em meio às barracas de lona passeavam alguns animais estranhos, bichos esquisitos, como ele nunca tinha visto!
(Continua)
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