capítulo 06

Jason Hart

No dia seguinte...

A música chegou em meus ouvidos muito antes de conseguir avistar a casa, apenas uma das várias que jovens inconsequentes se juntam para fazer tudo – provavelmente sendo ilegal em algum outro país – para se divertir e as vezes perder a consciência em seus piores dias, digo por experiencia própria. Adam ainda guarda rancor desse dia.

Já o disse que isso faz mal...

Logo depois o cheiro comum nas festas se infestou de forma sobrenatural em meu corpo, quase como se me engolisse, mas não vou dizer que não gosto porque gosto mais do que deveria. Jesus, eu poderia viver virado em festas. Além de toda a bebida disponível, tem a música e tem o sexo, não que seja minha parte favorita, mas sou vidrado em ficar curtindo qualquer batida com provavelmente maconha no meu sistema.

— Porra, hoje eu vou beber até não aguentar mais — Adam murmura do meu lado, quase entortando o pescoço quando uma garota passa por ele e rasteja as unhas medianas e pintadas em seu braço, olhando em seus olhos antes de se afastar por completo.

— Vai sim... — Reviro os olhos. — Quero ver se o treinador descobre, você vai beber o mínimo e vai poder transar com quem quiser, justo?

— Tanto faz — abana a mão.

Só percebo quando tomo total consciência de um ato estúpido que não consigo evitar sempre que tem uma festa universitária. Varro cada canto escuro e solitário da república lotada. Minhas mãos soam com a possibilidade quase nula dela estar aqui, afinal nunca veio, por que viria agora? Mesmo assim, não evito o nervosismo me percorrer de não a querer vê-la novamente e a vontade de que sim.

É tão estranho quanto qualquer outro contato com Faith, duas junções de sentimentos tão distintos que me deixa a beira de um precipício sem fundo. Vontade de tê-la por perto novamente, poder toca-lá como um bem precioso encontrado na caverna fria mais escura e mortal, e também a querer a quilômetros de distância para nunca mais ver a beleza e aura magnética, sempre me puxando para o seu lado. A própria tentação em forma de armadilha no meio de uma floresta.

Quem pegaria uma torta deliciosa e enfeitada em cima de um tronco em meio a arvores altas e silêncio?

Desculpa a referência nem um pouco explicativa de Shrek.

— Vai sentar lá, que você deveria estar de repouso, isso sim que vai fazer o treinador matar a gente — manda, sem me dar outras opções porque sei que está certo. — Vou buscar umas bebidas.

Sem pestanejar vou em direção ao sofá que Lee deixou livre para a gente. Ele se encontra no próprio mundo desta vez, sentado no canto do sofá mexendo no celular de forma curvada e com sua total atenção ali, como se a música em último volume não pudesse o atrapalhar.

Na nossa frente, além de algum dos outros jogadores do time, Brian está sentado em uma poltrona escura com uma garota sentada em cima das suas coxas. Ambos não se soltam desde que começaram a ficar parecendo chiclete, mas também não parecem querer nada sério já que por vezes os vi ficando com outras pessoas.

Abi é uma mulher exuberante, para todos os pecados de Brian, com a pele negra, um pouco mais clara que a dele, cabelos cacheados e que por algum motivo filha da puta também vive o mudado. Seu rosto em formato de triangulo invertido e olhos castanho escuro chamam atenção pela sua forma delineada. Brian parece se mergulhar em tentações, aparentemente, porque não escondem a tensão sexual quando a apertar em cada parte corpulenta de seu corpo contra o dele.

Ok, mas pensa em uma pessoa com a língua afiada e que tem tantas opiniões, e que provavelmente todas estarão certas, essa pessoa é ela.

Acho que de certa forma Abi conseguiu se inserir na nossa casa, a víamos com mais frequência do que qualquer outra mulher que trasavámos lá, tinha vezes que ela simplesmente estava lá e só descobríamos quando chegávamos depois da faculdade, ou aparecia lá do nada sem dar aviso prévio. Ela nunca se importou muito com nossa opinião em relação a ela, porque estava lá apenas por um de nós, mas com o tempo isso meio que mudou, virou nossa amiga mais do que qualquer outra pessoa de fora.

Entrou como quem não quer nada e levou todos nós juntos.

Ela se afasta do seu agarre minimamente apenas para se virar para mim, como se sentisse meu olhar sobre eles. Seus olhos já dizem tudo, ainda vidrada pela excitação de segundos atrás.

— Como você está? — Se refere ao meu machucado.

Ponho a mão na minha costela involuntariamente.

— Bem, quase não sinto mais — minto.

Ainda existe um leve latejar, mas nada que me impeça de fazer alguma coisa. Abi leva menos de 2 segundos para saber que eu estou mentindo e dá um sorriso sacana na minha direção, sem segunda intenções, mas sim de quem vai aprontar algo.

— Tenho algo que vai te ajudar — se levanta sem se importar com o resmungar do Brian e pega sua bolsa em cima da mesa de vidro no centro.

Abrindo-a e tirando dali algo que eu não sabia que presava tanto por alguns minutos. Maconha.

Ela volta a se sentar no colo dele, que recebe de bom grado, deslizando suas mãos pela lateral de sua bunda e coxas. Coloca o baseado entre seus lábios cheios e acende com a ajuda de um isqueiro preto, dá sua primeira tragada e oferece a mim primeiro.

— Ah, mas nem fudendo Abigail Hill — Adam a repreende antes mesmo que eu possa me esticar e pegar.

Bufo, juntamente com ela.

— Tá ficando doida? Jason está proibido de qualquer uso de drogas ilícitas, apenas pode tomar álcool. — Me entrega a latinha de cerveja, e franzo o nariz só de imaginar o sabor amargo na minha língua daquela marca em específico. — Dos mais leves. — Completa.

Não estava a fim de beber cerveja, queria algo mais forte, que pudesse me fazer esquecer totalmente da dor no meu corpo. Cara, eu poderia muito bem ficar tão bêbado e dormir nesse sofá mesmo, porém tenho uma babá de plantão hoje.

Pego a latinha abrindo sem vontade nenhuma o lacre, e sentindo o olhar de Adam fixo em mim, percebendo que vou beber como uma pessoa normal ele se senta ao meu lado e apoia os pés de maneira preguiçosa na mesinha.

— Não tem ninguém para ir atrás não? — digo, mal-humorado pela proteção desnecessária e irritante.

— Não, nada disso, hoje eu fico de olho de você — responde de forma desinteressada enquanto balança a mão na minha direção, até eu perder a paciência e dar um tapa nela. — Ai! Idiota.

— Tira essa mão de perto de mim, antes que eu a arranque.

A risada alta da Abi chama nossa atenção e só então percebo que apesar de estarmos em uma festa onde a atenção em nós deveria ser nula, todo nosso grupinho pareceu entretido na nossa birra.

— Vocês dois parecem umas crianças, jesus! — Ela revira os olhos e volta sua atenção para Brian.

— Vou marcar uma terapia de casal pra vocês — Brian ri fraco e encara os lábios chamativos próximo de seu rosto.

Reviro os olhos com força.

Babacas.

Não tenho tempo de pensar demais antes que alguém tome minha total atenção.

— Ei, Jason — a voz sensual chega até mim antes da sua dona, que não perde tempo em se sentar gentilmente em cima do meu colo, sabendo do meu machucado provavelmente.

Mesmo assim chio com o peso inesperado em meu corpo dolorido.

— Cass... — a cumprimento.

Ela morde o lábio inferior, com os olhos esverdeados em um tom muito claro me encara de forma quase predatória, enviando um arrepio na minha espinha, e retira meu boné apenas para passar os dedos em meus fios de forma carinhosa. Não a impeço, gosto desse gesto, e quase peço por mais.

Sua unha mediana me arranha levemente na lateral do meu pescoço, indo e vindo em uma carícia.

— Você está bem? — Afaga meu rosto. — Ainda parece meio tenso. — Se refere ao meu tombo no treino, não demorou um minuto para todo mundo da faculdade saber dele. Graças ao filho da puta do Lee.

— Estou, mas sei o que pode melhorar... — a olho com segunda intenções, não demora um segundo para ela captar a mensagem.

Cass vira a cabeça levemente, ocupando minha visão da frente, automaticamente a cascata do cabelo loiro escuro cai em ondas leves, a deixando mais bonita do que realmente é. Ela com certeza consegue se destacar em qualquer lugar, o rosto bonito redondo é só uma de suas qualidades, seria quase impossível não se apaixonar por uma mulher como ela, mas apenas temos uma relação casual e de amizade, nenhum dos dois quer ultrapassar essa linha.

Simplesmente porque não. Nenhum motivo por trás.

Além de bonita e gata, é atenciosa, inteligente, amorosa, adorável e com certeza alguém para se levar uma amizade de anos, o que tínhamos a um bom tempo, antes de começarmos com isso.

Ela diz alguma coisa, em relação a irmos para outro lugar se eu quisesse, apenas aceitando meu convite subliminar. Mas viajo totalmente.

Minha mente parece sair do lugar, meus olhos com certeza se arregalaram rapidamente antes de tomarem uma expressão dura e sem emoção transparecendo por eles. Meus sentimentos mudam de forma repentina, a raiva me toma, e eu não consigo para de olhar para além da cabelereira loira.

Alguém atrás dela.

A fitei, estava com suas usuais roupas neutras; desta vez, um macacão de mangas compridas e curto nas pernas, mostrando-as: longas e definidas. O decote quadrado mostra todo o colo, a pele macia brilhando com as luzes coloridas da festa. Por cima, veste uma jaqueta de couro brilhante, como se fosse novinha, e está calçando a mesma bota tratorada que usava mais cedo. Todo o seu lindo corpo se moldando em suas roupas.

Os olhos negros felinos se encontraram com o meu, como se soubesse que a encarava e sentisse em sua alma fria o calor da minha atenção, soltei no mesmo segundo o ar que não sabia estar preso na minha garganta. Eu esperava qualquer reação, mas nada veio.

Talvez uma coloração leve em suas bochechas, ou um olhar se desviando dos meus, mas apenas recebi a total falta de interesse. Foi como se ela tivesse visto nada, e não alguém que conhecia a anos em sua frente.

Se virou e caminhou de forma ereta até a cozinha, desaparecendo no meio da multidão onde passava e chamava atenção de todos ao seu redor. Impossível não notar sua presença. Essa aura destruidora e um tanto poderosa, que sempre a teve, e principalmente arrebatadora, bonita e feia ao mesmo tempo.

— O que foi? — Cass se vira para o mesmo lugar que eu estava olhando, mas ela já sumiu dali.

— Não, não é nada. Preciso ir no banheiro. — Espero ela se levantar da minha perna e saio sem dar mais explicações.

Vou mesmo até o banheiro, tentando me livrar do que está acontecendo comigo e controlar o meu ritmo cardíaco, antes de um provável infarte. Fecho a porta com raiva e atranco, mesmo assim o embrulho no meu estomago não vai embora.

Ligo o registro da torneira e lavo meu rosto com a água gelada, respirando fundo sem conseguir me encarar no espelho. Seus olhos permanecem na minha mente, como todas as vezes que esse mesmo contato não físico acontecia. Sempre cravava suas irises nas minhas apesar das circunstâncias, me desafiando a um duelo que talvez nenhum de nós venceria. Nunca, nenhuma vez sequer, se sentiu intimidada por mim ou desconfortável.

Puxo o ar algumas vezes antes de decidir meus próximos passos.

Sei mais do que ninguém o que momentos como esse podem fazer com alguém, entre nós dois, fui o que saiu ferido em uma discussão que não tive tempo de me defender, apenas escutei e abaixei as orelhas me sentindo dilacerar. Em um único dia, minha admiração e todo aquele magnetismo que tínhamos a cada deslize e toque que dávamos, morreu. Assim como eu, assim que tudo o que achei ser verdade era apenas uma mentira misturada entre o gelo e o sangue.

E sei que podemos deixar a raiva falar mais alto se estivermos juntos ou muito próximos novamente, tudo por causa de um passado.

Realmente quero sentir raiva, repulsa, ódio, mas nada disso é comparado a vontade que eu tenho de segurá-la e suportar seu peso em meus braços novamente.

Saio de supetão, abrindo a porta com certa brutalidade. Não me importando se assustei ou não alguém.

Indo contra todos meus planos e pensamentos de semanas, vou na direção da minha maior fraqueza e dor, atrás do próprio diabo encarnado em pessoa, da fonte dos meus pesadelos e medos. Seguindo em frente para enfrentar o perigo que uma mamba-negra silenciosa pode ser.

Pensei estar preparado, mas travei no exato momento em que seu perfume chegou até mim.

Próximo demais. Próximo demais.

Me alerto, mas não saio do lugar, não vou desistir agora que a tenho tão próxima.

Ela está de costas para mim, enchendo um copo grande de água da torneira. Se notou minha presença não deixou transparecer nem na contração de algum musculo de suas costas, permaneceu de uma maneira como se nada estivesse atrás de si ou se estivesse em perigo eminente.

Aproveito de sua total distração e deixo que meu corpo aproveite da frieza do dela, uma sensação nem um pouco acalorada, apenas me faz lembrar do que mais amo fazer: patinar.

É impossível não sentir nem uma faísca de saudade, e talvez culpa por causa disso, mas me permito senti-la por uns segundos. Apenas porque gostaria de voltar no tempo em que a inocência não era um problema e a amizade que tínhamos mesmo que diferente de qualquer uma que já tive até hoje é a mais forte e sentimental – não em palavras ou gestos – só mostra o quão única era, em todos os sentidos da coisa.

Como foi possível alguém tão jovem sentir tanto quando não deveria?

Minha garganta parece se fechar com o simples modo que seu cabelo de altura mediana e escuro se move, todo seu corpo se vira lentamente para a minha direção, um pouco antes de seus olhos. Esses segundos nunca foram tão torturantes. Nunca pensei voltar a sentir ansiedade para encontrá-los novamente, e soube, no exato momento que me encontraram, o porquê.

Seria ingênuo e no mínimo uma blasfêmia descrevê-los de forma tão crua.

Não, não. Eles são bem mais que apenas escuros e felinos.

Tenho certeza de que não fora Deus quem os criou, seria impossível um ser perfeito e majestoso criar uma obra tão amaldiçoada.

Naqueles olhos, aos mais jovens poderia ser o portal para o inferno e todos os seus massacres, desejos e mortes. Era o pecado em forma, com seus preciosos e pequenos enfeites mais cruéis do que sua própria carne. Aos mais velhos dos seres seria uma bruxa que tomou o corpo mais belo da vila, para usá-lo como encanto aos homens e mulheres, ninguém nunca conseguiria negá-la algo.

A mim, era tão verdadeiro quanto qualquer outro sentimento que poderia expressar em palavras. Suas orbes eram nuas aos meus olhos, ou quase; talvez estivesse me mostrando o que gostaria que eu visse, não me surpreenderia. Mas naquele instante vi reconhecimento e uma pequena fagulha de calor se alojou em meu peito, aquietando as batidas desenfreadas e a respiração afobada. Apesar do frio excruciante vindo deles, a falta de sentimentos que parecia ter, por algum motivo vi algo mais desta vez.

Estávamos próximos demais, pude jurar que ela se aproximou mais ao se virar para mim, mas só poderia ser coisa da minha cabeça. Apreciei seu rosto de maneira que nunca tinha feito antes, olhando cada detalhe e querendo tocar, esquecendo por completo de qualquer planejamento passado. Tudo se esvaiu da mesma forma que foi criado. O ódio quase pareceu se dissolver em meio ao gelo, nem a ciência poderia explicar o que acontece entre suas irises, entre o frio mais congelante habitava o calor mais quente.

Impossível.

Ela quebrou o contato visual. Olhando-me de baixo para cima e nessa transição tudo se transformou no mais puro dos gélidos olhares, me fazendo esquecer de qualquer empatia ou sentimento de agora a pouco. Por um momento me pego levemente de surpresa por sua altura ser tão perto da minha, quase havia me esquecido disso.

Com certeza deixa qualquer outra menina dessa festa no chinelo com esse olhar e altura.

A esperança de qualquer reação viesse, ou apenas sua voz me mandando afastar... qualquer merda, morreu. Nada veio, e como sou eu o idiota a enfrentar a morte de perto, decido provocar da maneira que sei. Então só por causa da expectativa de uma resposta, digo, sabendo exatamente o que a afeta:

— Olá, Faith.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top