capítulo 02

Brooke

Os olhos sérios e frios encararam sua frente, algo brilhava ali, entre as montanhas de gelos, uma sensação que daria arrepios nervosos na espinha de quem a olhasse naquele instante. Pelo menos o ginásio estava vazio.

Quem pudesse estar ali, entra pequenas frestas e segredos, evitou de ter um olhar assassino queimando sobre sua pele fina que seria imaculada por um tipo de veneno torturante. Entraria por suas veias, destruindo cada uma delas e por onde passasse durante quarenta e cinco minutos.

Agonizante e mortal.

Ela faria questão de assistir os espasmos, a dor, e escutar o implorar, gritos e o fungar.

Não se importava.

Parou de se importar na mesma medida que aprendeu a respirar, automático e da sua natureza.

Impossível de esquivar ou mudar.

O gelo se abria minimamente com a passada da lâmina afiada, a possibilitando de fazer movimentos perigosos e bem calculados, repetidos tantas vezes que já se acostumou com cada um. O latejar da perna ou dos seus pés não importava mais, passou a sentir prazer e alívio nesse tipo de dor. E em outras...

Cada passo sentia na alma, mais do que uma simples deslizada, ou impulso.

Respirou fundo. Concentrando de alguma forma todos seus demônios a calarem a porra da boca e a deixarem fazer a única coisa que sabia. E eles obedeceram. Talvez por medo, ou por saberem que mais tarde poderiam a torturar por longas horas durante a noite.

Não se importou, apenas queria aquele momento para si, sem precisar pensar demais, apenas ver e fazer, tão simples que poderia jurar nascer com a habilidade já em seus pés.

A velocidade em que patinava era quase impressionante, não o bastante, nunca o bastante. Mesmo assim se virou de costas, continuando com as passadas para trás, sem perder o equilíbrio.

O coração acelerou por tempo o suficiente para parar logo em seguida, sem ao menos se permitir sentir medo ou algo parecido, conseguia controlar emoções e ações de seu corpo da mesma maneira que piscava seus olhos, de forma lenta, séria e debochada, sempre. Pulou, saiu da superfície o suficiente para dar dois giros completos no ar e quase perfeitos e depois aterrissar, se equilibrando com os braços abertos, perna direita esticada para trás e a esquerda levemente dobrada.

Tudo planejado em mínimos detalhes em sua mente antes mesmo de fazer.

Satisfeita com o treinamento, segue devagar até a caneleta do outro lado da pista, controlando sua respiração ofegante com rapidez.

Coloca a proteção de plástico na lâmina afiada, sem medo de se cortar, e por fim pisa em chão firme, se sentando no banco mais perto da arquibancada. Retira os patins, os guardando em um estojo com uma espuma dentro, e calça sua bota monolith de couro e nylon preto, sua favorita.

O relógio aponta que em menos de 5 minutos o ginásio terá mais pessoas que ela gostaria de lidar ou olhar. Então anda com certa pressa até o vestiário, abrindo o armário de metal e pegando sua mochila com os materiais que precisa.

Seus olhos não conseguiram evitar o espelho preso na porta, e se olhou como se olhasse para a coisa mais bela do mundo, ela mesma.

Brooke, única forma que podiam a chamar, era com certeza um ser majestoso, e pior, ou melhor, sabia disso mais do que ninguém. Algo tinha que compensar o podre que existe dentro de si.

O formato amendoado dos olhos escuros, dava tanto medo, dependendo de como encarava seu pior inimigo ou qualquer outra pessoa que pisasse no mesmo lugar que ela. O rosto simétrico, junto com o nariz perfeitamente harmonizado, e seus lábios, talvez sua parte favorita depois do primeiro citado, grossos embaixo e um pouco mais fino em cima.

Gata para um caralho.

Sempre foi fácil usar sua beleza para algo maior do que ela, mais fácil ainda era a sorte que tinha de nascer com um tipo de aura, que muitos poderiam querer, mas não tinha como.

Não tem como você querer o poder a cada passo que desse, ou apenas em movimentos simples, mas com ela era diferente, tudo sempre foi.

Era impossível não conseguir se sentir, ao menos um pouco, amedrontado com tamanha capacidade de dominar a tensão que o ar tinha, apenas de passar por ele, conseguia calar uma conversa casual quando passava por perto, com apenas a porra de um olhar fazia qualquer um recuar, era um dom.

Um dom pessimista e talvez nem tanto. Porque ela realmente não se importava com a maneira que poderia afastar as pessoas por causa disso.

Não achem que é mentira, Brooke se acostumou com sua vida sem pessoas, sem afeto, sem nada que a pudesse transformar em normal de certa forma. Estava conformada com a sua vida, as decisões e consequências.

Não queria de maneira alguma alguém em seu pé o tempo todo, ou ter que sempre lidar com sentimentos alheios que não diziam seu respeito.

Queria as coisas exatamente como estavam.

Tinham medo do que ela podia fazer, mesmo não tendo feito nada que chamasse atenção ou ao menos ter criado fofocas, mas como qualquer pessoa que não tem história para outros, elas foram criadas, com base em imaginações e murmúrios secretos. Conseguia meter medo em qualquer pessoa se quisesse, fazê-los tremerem e temer seu próximo passo.

Era como Lilith pisando em terra. Reivindicando seus direitos e a força que poderia massacrar qualquer um em seu caminho, em atos ou em apenas fazer com que a voz saísse de sua garganta.

Afinal, já tinha feito isso.

Saiu do ginásio. Quase, por um segundo, sentiu seu corpo travar com as vozes se aproximando, mas não passou de um delírio meu, eu acho. Continuou andando, passo atrás de passo, mantendo aquela pose natural. O peito estufado, a coluna ereta, acostumada com aquela postura, treinada na base de insultos e força, mas não de vontade.

Naquele fundo escuro e vazio, pode sentir algo se apertar, quando escutou uma voz que lutava tanto para apagar da sua memória, desejando não estar onde estava, querendo evitar a todo instante a sensação quase boa de saber que ele está perto, mas logo a sensação foi embora, como o vento batendo em seu rosto e logo seguindo eu caminho esperando acertar outra pessoa.

Ela não sentia, não admitia, mas era obvio, bem mais que gostaria; sentia falta. Falta das vezes em que o tenha tão perto de si, segurando seu peso, a erguendo, da sua risada ou apenas do timbre quase infantil de quando se conheceram, mas queria esquecer também, queria matar aquele sentimento idiota. Qualquer requisito do seu passado, das atitudes que teve de tomar, sem recuar ou temer as consequências.

Era necessário ter feito o que fez, cada palavra, gesto, ou da humilhação, tão necessário quanto a concentração e o controle que teve naquele momento.

Queria ter sentido mais que um vazio quando entrou em casa. Queria ter morrido sufocada com o próprio ar, sempre existiu esse sentimento, mas naquele instante pareceu mais forte do que desejava. Era um martírio, obrigada a viver com, desde então.

Mas negava, negava tudo, desistiu de dizer o que queria para conseguir salvar quem merecia.

Quando viu já estava no estacionamento, sem ao menos olhar para os lados ou para trás para ver se tinha mesmo alguém perto do ginásio, apenas seguiu em frente ignorando tudo.

Guardou coisas da patinação no porta-malas do seu bem mais precioso, seu jeep preto e matte, a cara dela, de forma meticulosa o estojo foi colocado do lado direito.

Existem coisas, bens materiais ou não, que podem marcar uma pessoa. Da Brooke era seu carro, por mais que muitas pessoas podem o ter, parecia que a qualquer lugar que andava todos sabiam de quem era. Talvez pela mulher quem o dirigia ou talvez por medo de encostarem um dedo na lataria.

Brooke se dirigiu até um banco longe de onde estava, mas perto da sua próxima aula, e se sentou ali, sem medo algum de alguém se aproximar ou se sentar ao seu lado. Pegou um sanduiche natural e sua garrafa térmica com café amargo e forte dentro, do jeito que gostava, apesar de sempre olhá-la com um jeito estranho quando pedia nas cafeterias ao redor.

Por vezes, na maioria delas, esquecia que tinha que se alimentar, ainda mais de tomar café da manhã. Saia tão rápida de sua casa, na procura de um ar menos pesado, ou da liberdade que graças a sua idade a tem, que se esquecia, não tinha ninguém mais para a lembrar de fazer isso.

Já era adulta, o mínimo era saber seus deveres e o que fazer quando acordar, mas comer, por incrível que pareça, nunca parecia estar nessa lista.

Dobrou suas pernas em cima da madeira velha e relaxou ali, com o fone nos ouvidos, escutando o nada. Era bom pôr eles, porque assim qualquer pessoa que pensassem em perturbá-la, desistia ao vê-los.

Assistindo as árvores, ou o que restou delas, se moverem por causa da brisa gélida, se permitiu respirar fundo pela primeira vez desde que acordou, sentindo sensações mais leves, por mais que não o suficiente.

Nem havia percebido que seus olhos se fecharam, até os abrir e se dar conta que apesar de todo o mistério que rondava sua vida, de cada lição que aprendeu, de cada peso que subiu para se fortalecer, da melhor sensação já sentida por estar sobre o gelo – deslizando para lá e para cá, nada melhoraria, não tinha por que fechar os olhos para situações tão presentes quando parece que sempre tem a porra de uma arma apontada para a sua cabeça.

E não sabia por que ou dá onde vinha esse sentimento em raras vezes, mas queria muito apertar o gatilho.

Não sei se está muito melhor que a versão anterior, queria saber a opinião de vocês quanto a isso, ainda mais sobre o que acharam da escrita em 3º pessoa :) 

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