Capítulo II
A companhia estava absurdamente lotada de desenhistas, animadores, roteiristas e arte finalistas, todos esses especialistas nessas profissões contratados em maio de 1911. E finalmente, algumas animações de Émile foram sendo esquecida pelo público com os novos curtas da Peterson, como O Ovo da Discórdia e A Viagem no Sete Mares, ambos lançados no mesmo mês e com apenas uma semana de diferença. Tudo estava indo bem na Peterson Animations até agosto daquele mesmo ano, tudo piorou, as dívidas cresceram de acordo com o investimento nos materiais de desenhos e com a hipoteca do local onde ficava os estúdios, fez com que muitos dos desenhistas, roteiristas, arte finalistas e animadores pedissem o salário do mês de junho. Mas infelizmente, a companhia só poderia pagar a metade dos contratados.
— Então, senhor Alber? Vai me pagar quando? — perguntou um animador. — Eu preciso desse dinheiro para sustentar a minha família.
Albert soltou um suspiro e abaixou a cabeça, levou o cigarro – que estava na mão esquerda – aos lábios, deu uma tragada e depois soltou a fumaça.
— Bom, só o que eu peço é que esperem! — ele disse meio triste. — Eu não posso pagar no momento, as dívidas estão altas e preciso esperar a resposta da Éclair.
O homem largou o lápis fortemente na mesa.
— Isso é o que eu escuto todos os dias desde o mês de maio. — o homem olhou com raiva para o dono da companhia. — Eu não posso esperar, enquanto a minha mulher e os meus filhos passam fome!
— Olha, Frank... Espere mais uma semana!
Albert tentou acalmar o homem, que interrompeu a fala dele e levantou-se da cadeira, andou em direção a uma parede, onde tinha-se ganchos e ela encontrava-se chapéus, casacos e sobretudos. O homem pegou o que pertencia a ele e seguiu em direção a porta.
— Eu me demito, Albert! — disse o homem antes de sair da sala. — E aos outros, boa sorte!
O homem saiu do local. Albert abaixou a cabeça meio tristonho, aos olhares dos outros contratados.
— Quem for se demitir, que largue os lápis, papéis ou o telefone! — ele levantou a cabeça e encarou a todos. — E saía por aquela porta!
O silêncio prevaleceu, até que seis dos 15 contratados saiu da sala e deixou a pequena equipe sozinha lá. Em seguida, a jovem Anne entrou pela mesma porta meio confusa, pois as nove horas da manhã os seis homens estavam saindo, como se fosse apenas um horário de almoço.
— Porque aqueles saíram? — ela disse fechando a porta atrás dela. — Estavam doentes? Passaram mal?
— Nada disso! — Alber disse andando entre os desenhistas na sala. — Eles se demitiram, pois eu não os paguei devidamente!
Anne seguiu até o seu pai, que estavam meio deprimido.
— E restaram apenas eles!
Anne olhou fria para os homens ali. Mas entre eles, tinha um jovem rapaz que sempre a olhava com os olhos brilhando, sorria toda vez que ela o fitava. E muitas das vezes, quando ela passava por ele, o mesmo parava de desenhar e prestava atenção na moça. Algo que deixava Cole, o irmão mais velho de Connor, meio raivoso contra ele.
— Pelo menos restaram eles, papai! — disse a moça indo em direção a sua mesa. — Imagina se todos se demitissem tudo de uma vez só!
Albert assentiu meio pensativo.
— Muito bem, vamos voltar ao trabalho rapazes! — o dono da companhia disse em voz alta. — Precisamos entregar essa animação para a Pathé* daqui a três semanas!
Os desenhistas logo voltaram a desenhar na grande folha. Enquanto Albert fazia cálculos das vendas dos direitos das exibições de A Viagem nos Sete Mares e de novos episódios de Simbad, o Marujo.
ALGUNS MESES DEPOIS
Desde aquela demissão de seis desenhistas, as coisas pioraram mais para a companhia, que foi perdendo ações, vendas e estavam entrando em colapso de falência. Tanto que mais cinco desenhistas, dois finalistas e um animador se demitiram por não receber o salário do mês. Albert não sabia mais o que fazer, ele estava enlouquecendo com tantas dívidas e demissões em poucos meses. Tanto que a Éclair e a companhia de cinema e produções Kylsant Animations & Productions Company compraram os direitos de exibição dos curtas e animações de Simbad, que fizeram um tremendo sucesso. Ainda em dezembro de 1910, Alber e o seu filho, Cole Peterson, visitaram a sede Kylsant para vender direitos de exibição do mais novo personagem da companhia, Cesare – um garoto de 12 anos de idade que vive altas aventuras num mundo totalmente maluco. Alber levava uma papelada em sua maleta e era acompanhado por Cole, enquanto andava pelos corredores da sede.
— Fique aqui! — O homem ordenou ao seu filho, que seguiu até uma cadeira e logo sentou-se na mesma. — Eu não vou demorar muito e não vá embora sem mim!
Cole assentiu. Albert saiu dali, ajeitou o cabelo, tirou a suposta poeira do terno e ajeitou a postura. Em seguida, bateu na porta e recebeu a ordem de entrar. Assim se fez. Ele entrou e foi bem recebido por Owen Kylsant, presidente e dono da companhia de animações, produções e exibições em Southampton, Cherbourg, Belfast e Halifax. Kylsant era uma pessoa poderosa e podia ter tudo em suas mãos quando quisesse. Muito diferente de Alber.
— Albert, meu caro e bom amigo, o que lhe trás aqui? — Disse Kylsant com um alegre sorriso no rosto. — a Kylsant?
O proprietário da Peterson sorriu e sentou-se numa das duas cadeiras vagas em frente a mesa de Owen. Onde lá, ele abriu a maleta e mostrou o contrato.
— Venho lhe apresentar novos episódios de Cesare e o contrato para a exibição! — Ele disse e Kylsant pegou o papel e leu. — Novas aventuras desse grande personagem da Peterson.
Kylsant assentiu e sorriu. Em seguida, assinou no final da folha. O dono dos cinemas também lhe apresentou um contrato, onde Peterson assinou no final da folha.
— Muito bem, Cesare vai estrear na próxima semana em todos os cinemas da Kylsant pelo mundo.
Alber sorriu e ambos efetuaram um aperto de mão. O dono da Peterson guardou os papéis na maleta, levantou-se sorridente, agradeceu a Owen e seguiu em direção a porta, mas antes, virou-se para o homem.
— Iremos trazer mais aventuras de Cesare no próximo mês! — O homem disse sorridente e Kylsant abriu outro sorriso. — Garantirei que a minha equipe terminará essas aventuras em poucos dias!
O dono dos cinemas gargalhou de forma sarcástica e rude. Albert estranhou aquela risada.
— Equipe? Que equipe? — Kylsant gargalhou mais ainda. — Você não tem uma equipe e afinal, Cesare me pertence agora, senhor Peterson!
Albert não estava acreditando no que Owen tinha dito. Cesare não lhe pertencia mais. Aquilo – para ele – era uma perfeita calúnia e ele torcia para que fosse brincadeira.
— Você deve estar brincando comigo, não é mesmo?
Kylsant gargalhou mais ainda.
— Jamais foi uma brincadeira, Albert! Infelizmente você perdeu Cesare e felizmente, eu ganhei um novo sucesso. — ele disse e o senhor Peterson ficou sem palavras. — E você deve estar perguntando como eu fiz isso? Muito bem, eu negociei com a Éclair sobre os direitos de Cesare, que foram vendidos para mim, porém, eu teria que ter a sua assinatura afirmando de que você teria vendido o personagem para mim. E sabe aquele contrato que você assinou? Então, você vendeu Cesare para mim!
Peterson ficou sem palavras, tentou dizer algo, mas a sua voz não saiu. Ele não sabia o que fazer. Agora era tarde, não havia mais jeito para recuperar Cesare, que agora pertencia a Kylsant Animations.
— E sobre a sua equipe, eu os comprei e contratei a maioria deles! — Owen levantou-se do seu assento e acendeu um charuto. — Mas eu tive pena de você, deixei uns 3 desenhista para você e um animador!
Albert não disse mais nada, ele não conseguia dizer, pois estava em completo choque e paralisado. Por fora, ele estava paralisado, mas por dentro, o caos era perfeito. A Peterson estava arruinada, as dívidas a deixariam extinta para sempre. Tudo por um ato rasteiro vindo de Owen Kylsant e um vacilo do próprio dono e presidente. Não havia mais nada a se fazer, a não ser presenciar a companhia naufragar lentamente nas dívidas e novas concorrências.
— Bom, seja feliz com a sua companhia Albert e creio eu que você não vai ter dores de cabeça por causa disso! — Kylsant debochou soltando a fumaça do seu charuto. — Oh não, você vai ter sim. Eu sinto muito!
Albert soltou um forte suspiro e a sua face de horrorizado e assustado, deu o seu lugar para uma face raivosa e mal-humorada.
— Você vai se dar muito mal, Kylsant! — ele disse quase gritando. — Você vai me pagar muito caro por isso!
O homem gargalhou.
— Quando? Em 2036?
Owen caiu em risadas, enquanto Albert deixou o local raivoso, batendo com força a porta e seguindo atrás do seu filho.
A notícia já circulava pela companhia, todos os 4 contratados estavam tristes e raivosos contra Kylsant. Mas, eles não sabiam mais o que fazer, a companhia estava ruindo e apanhando para as novas empresas e animações, que estavam se esquecendo da Peterson. Não havia mais felicidade naquele estúdio silencioso e quase vazio. Apenas a tristeza estava ali no canto os observando. Todos estavam triste, porém, entre eles havia um que estava mais com raiva, ele se chamava Dylan Chester Harris, de 24 anos. Ou seja, o rapaz que sempre olhava apaixonado por Anne.
— Maldito seja Kylsant, que ele vá para o inferno! — Dylan dizia raivoso enquanto fumava um cigarro. — Que a companhia dele fique pior do que a essa!
Todos estavam em silêncio quando a voz de Dylan ecoou pela sala. Enquanto Connor estava ali e andava de um canto para o outro, ele estava pensativo e o seu irmão falava com alguém no telefone. Anne estava ali perto em silêncio, onde observava alguns anúncios da Peterson nos jornais.
— Não precisa se exaltar, senhor Harris! — Connor disse passando por ele em meio a sala. — Afinal, a maldição sempre volta contra o feiticeiro!
— Você tem toda a razão!
Cole adentrou no local meio sério e pensativo. Todos ali ficaram o olhando curiosos, pois aparentava que o mesmo havia acabado de receber uma notícia ruim.
— Então, o que disseram? — Anne levantou-se do seu lugar receosa. — Alguma coisa boa ou ruim?
O mais alto soltou um suspiro pesado e forte, abaixou a cabeça e passou a mão na franja acastanhada.
— Eles não querem comprar os episódios reprisados de Simbad! — Cole disse e todos ficaram mais tristes. — E disseram que não iriam querer desenhos de uma companhia arruinada!
Albert não disse nada e abaixou a cabeça tristonho, ele estava arrasado. Não dizia nada. Não bebia nada. E nem se quer comia nada. Apenas ficava ali no canto sem dizer nada e fitando as paredes com um semblante de tristeza.
— O que foi que eu fiz? — A voz dele saiu meio embargada e triste. — Arruinei a Peterson!
Anne olhou para os seus irmãos gêmeos, ambos estavam tristes e deprimidos. A jovem andou até o seu pai, o abraçou fortemente e foi seguida por Cole e Connor, que consolaram o seu pai. Dylan e os outros apenas observaram.
— Bom, todos estão dispensados! — Albert anunciou e os seus filhos se desfizeram do abraço. — Voltem amanhã no mesmo horário e vamos desenhar a última animação da companhia.
— Sim, senhor Peterson!
Todos pegaram as suas coisas e foram saindo – de um por um – da companhia, seguindo em direção as suas casas, enquanto os membros da família Peterson guardava os materiais e logo depois, saíram dali. Anne e os gêmeos esperaram o homem trancar a porta e sair, assim se fez depois de alguns segundos. Mas Albert estava muito distraído, tanto que não parava de pensar nas dívidas e no golpe que havia levado mais cedo. Aquilo ainda rodeava na mente dele. Porém, houve um problema, um automóvel estava vindo na direção de Albert e ele não estava percebendo isso, mas quando percebeu era tarde demais. O motorista tentou frear o carro, mas infelizmente, ele atingiu violentamente Alber, que fora jogado para longe e caiu ao chão quando o Renault 1910 parou. Anne, Cole e Connor correram para ajudar o seu pai, assim como o próprio motorista e outros homens que passavam pela rua. A jovem correu e logo abaixou-se ficando perto do seu pai, que tinha o rosto cheio de sangue e estava com a respiração ofegante.
— Papai, papai!
O rosto dela estava imerso a lágrimas, ela – que esteve toda a vida junto com o seu pai – estava chorando por ter o visto daquela maneira. A beira da morte. Cole estava desesperado, ele não sabia o que fazer, estava ofegante e olhava para todos os lados da rua – como se procurasse algo – mas ele estava mesmo era em pânico. Diferente de Connor, que estava em completa raiva.
— Você viu o que você fez, seu idiota? — Connor disse raivoso e apontando o dedo na cara do motorista. — Você quase matou o meu pai! Seu idiota, imbecil, pilantra!
Cole viu tudo aqui, então sentiu que deveria interferir no meio daquela discussão do seu irmão.
— Pare Connor, já chega e deixe ele dizer alguma! — Cole disse fazendo o mais novo olhar em seus olhos. — Precisamos ouvir o que ele diz, está bem?
O mais novo assentiu, porém, ainda tinha a expressão de raiva estampada na cara.
— Mas, foi um acidente, eu pensei que ele fosse parar ou então que houvesse tempo dele atravessar ao outro lado! — O motorista disse meio nervoso, ele sentia que era o culpado, mas não era. — Peço mil perdões por isso, senhores. Mil perdões!
— Tudo bem! — Cole disse e aproximou-se de Anne. — Alguém já telefonou para a ambulância?
Connor se aproximou do seu pai e de Anne.
— Sim, já chamaram e ela está a caminho! — a moça disse com os olhos marejados. — Esperamos que ela chegue logo!
Alber arfava, pedia socorro – mas sem dizer por palavras –, o seu corpo doía bastante dos pés a cabeça. Enquanto a sua cabeça latejava de dor, o seu nariz deixava o sangue vermelho escorrer para fora. Ele sentia que iria partir ali mesmo no meio da rua e em frente a sua companhia, que rendeu tanto sucesso e de uma hora para a outra, entrou em colapso.
— Anne, Connor e Cole! — a voz dele saiu meio embargada e os seus filhos o atenderam. — Quero que fiquem com isso!
Ele teve forças para levantar o braço direito, colocar a mão dentro do paletó e retirar um papel dobrado. Em seguida, o entregou a Anne – a filha que ele mais confiava. A mesma pegou o papel e ficou confusa ao olhar para os seus irmãos.
— Me prometam que você ou vocês juntos tragam a Peterson como era antes, ou até melhor! — ele disse e Anne chorou ao assentir. — Também quero que esta escritura esteja com o seu nome ou o nome dos seus irmãos como dono e presidente, pois assim, terá posse da única empresa da nossa família. Prometam-me que irão fazer isso, caso eu não sair dessa!
Os gêmeos olharam para a sua irmã com os olhos marejados. Eles teriam que prometer agora e mais tarde, teriam que cumprir de uma forma ou de outra.
— Prometemos!
Um sorriso fraco surgiu em meio ao rosto de sangue de Albert. Ele sabia que eles iriam fazer isso, pois sempre foram fiéis a ele desde o começo da Peterson Animations. Mas, segundos depois ele elogiou os seus filhos, sorriu mais uma vez, olhou para o céu azul e outro sorriso surgiu em sua face. Logo depois, os seus olhos se fecharam lentamente até que o legado dele chegou ao fim naquele dia. Albert Phillip Peterson, um grande homem, gentil, bondoso, educado, talentoso e um ótimo pai para os seus filhos – segundo Verônica, a sua esposa – ele infelizmente partiu para sempre, mas sabia que a Peterson Animations & Company não morreria ali após o golpe e a rasteira de Owen Kylsant. Alber – como era conhecido e gostava de ser chamado assim – partiu seguindo para um lugar muito bonito, deixando para trás um belo legado como desenhista, animador e diretor, além de deixar três filhos e sua esposa. Como Cole insinuava, Albert nunca seria esquecido, pois a sua bondade, educação, talento e o seu caráter, faziam dele o homem que ele foi até o dia de sua trágica morte.
1* A British Pathé foi uma empresa que criou cinejornais e documentários entre 1896 e 1976, com temas super abrangentes. Tendências de moda, viagens, ciência, cultura… tudo que você possa imaginar.
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