Capítulo 36 - Taehyung e Hoseok
Era como uma mistura de sensações, queimando em sua mente como uma bomba recém explodida, capaz de ser escutada a milhares de quilômetros e deixando a fumaça, o fogo e os gritos se misturarem com o pânico que crescia em cada sobrevivente daquela situação desesperadora.
Hoseok se sentia daquela mesma forma, mas com certeza muito pior quando via o caos que se instalara do que acreditava ser uma boa ideia semanas antes, mesmo que sequer entendesse completamente o que tinha acontecido até então.
Ele observou a multidão de viaturas em frente à enorme casa colonial. O fogo subia pelas janelas de design eurocêntrico, iluminando toda a área cinzenta de Seul com labaredas laranjas que causava pânico em quem quer que estivesse observando o movimento - ou por trás de suas janelas fechadas e protegidas, ou no centro da rua, onde carros da polícia e do pronto socorro se formavam, tentando auxiliar quem quer que estivesse ferido e tentando descobrir, por meio de conversa com outras pessoas que estavam observando tudo, o que poderia ter acontecido com a família mais rica da região - e que tinha dinheiro para comprar o bairro inteiro.
E Hoseok apenas observou, permitindo que uma socorrista colocasse um cobertor em volta de seus ombros enquanto a bombinha de ar em sua mão era inalada a cada poucos segundos, seus olhos seguindo ao redor tentando encontrar fios cacheados entre todos os presentes, sabendo que o reconheceria no momento que colocasse seus olhos nele.
Mas sua busca foi paralisada quando um grito por seu nome surgiu e ele sentiu um corpo muito maior vir ao seu encontro, abraçando-o enquanto pequenos sussurros desconexos eram ditos em seu ouvido.
E sem hesitar, ele sabia que se tratava do melhor amigo - aquele que não via a quase um mês após uma discussão que era culpa sua também, e que parecia desesperado ao se afastar e observar cada pontinho de seu corpo, tentando encontrar alguma ferida.
- Eu estou bem, Nam. Está tudo bem - disse tentando acalmá-lo, embora sua mente só vagasse para a mensagem que tinha recebido uma hora antes.
- Como pode estar bem? - ele gritou exasperado, totalmente distinto do Namjoon calmo que conhecia. Seus olhos arregalados, os cabelos preto caindo sobre seu rosto e quase conseguindo esconder as olheiras que surgiam no canto de seus olhos entregando suas péssimas noites de sono. Foi inevitável sentir culpa subir por seu estômago ao observá-lo assim, sabendo que tinha sido um péssimo amigo. - Onde está Taehyung? Por que vocês vieram para cá sem avisar a ninguém? E cadê Jimin? O que aconteceu, Hobi? É verdade o que eu li? Por que não me contou? Eu sei que estamos a um mês sem se falar direito, mas...
- Nam... - ele disse com um fio de voz, tendo a completa atenção do adolescente em si. - Nam, Nam... calma, tudo bem? Eu vou contar tudo.
- Então conte. Conte antes que eu volte a surtar.
- Por favor, sente aqui - disse o puxando para o espaço ao seu lado na parte de trás da ambulância. - É uma longa história
Uma semana e três dias antes...
- Você sabia que baleias emitem sons por meio de estalos e batidas na água com a cauda que servem como forma de comunicação com outras baleias? Além, é claro, da comunicação vocal, que todas as espécies fazem - Hoseok tinha sua cabeça apoiada em uma das almofadas bonitas e macias que Kim Won-Shik tinha comprado alguns anos atrás em uma feira ecológica, enquanto sua perna esquerda estava jogada por cima da beirada do sofá e a outra no chão, como apoio ao seu corpo.
Já Kim Taehyung, de costas para ele, estava na lateral esquerda do cômodo que era dividido pelo corredor dos quartos, seu corpo agachado no chão enquanto, com um pequeno pano umedecido por produto de limpeza, limpava a parte mais baixa da estante com extremo cuidado, sabendo que qualquer pancada de seu corpo na madeira poderia causar pressão na estante e derrubar algo no chão. O que ele queria evitar a todo custo.
Jung Hoseok tinha sido convidado para encontrá-lo na casa dos Kim em uma tentativa de passar mais tempo juntos, mas o papel de precisar organizar a casa que vivia faziam vários meses o obrigou a ter que se afastar do namorado - que fora terminantemente proibido de oferecer ajuda e se manter quietinho no seu canto, como um convidado faria.
- Não sabia, mas faz muito sentido - Taehyung disse, olhando-o por cima de seu ombro por poucos segundos antes de voltar ao seu trabalho.
- E esses sons podem ser ouvidos a quilômetros de distância por outras baleias, que podem respondê-las também. É tipo um telefone.
- Seria muito útil se humanos tivessem essa habilidade.
- Você pode fazer isso? Ouvir alguém a quilômetros de distância? - o adolescente o olhou por cima do vidro negro que segurava com segurança, os olhos bonitos arregalados como os de uma criança curiosa que descobre algo pela primeira vez. Taehyung sempre sentia uma parte de si amolecer com a adoravilidade daquele rosto.
- Bom, se eu quisesse... - então, devido a falta de foco do andróide, sem querer ele colidiu seu braço com a lateral da madeira, fazendo com que assim a estante inteira tremesse.
Os livros balançaram e os pequenos enfeites estremeceram antes de retornarem à posição que estavam anteriormente. Mas Hoseok notou que, do topo da estante, na última prateleira presa as duas laterais, uma pequena caixinha de madeira que tinha sua ponta na beirada balançou antes que caísse na horizontal em direção ao chão. A cabeça de Taehyung ergueu do chão e observou quando o design antigo atingiu o piso, deixando que caísse no chão uma quantidade ínfima de papéis junto de pequenos objetos que Hoseok não pôde reconhecer quais eram da distância que estava - ainda no sofá, seus olhos arregalados em puro choque que seriam um gêmeo perfeito do pânico na expressão de Taehyung.
Mas o pior foi quando a tampa, que continha uma pequena trava, soltou-se do restante, caindo próximo a mesa de centro, distante de todo o resto que cobria o carpete.
- Tae? Você está bem? A caixinha caiu em você? - Hoseok rapidamente correu até o namorado, levantando-o antes de levá-lo para longe da bagunça.
- Estou bem, estou bem... você sabe, não sou capaz de me machucar - respondeu ao sentar-se no sofá, notando a maneira como o namorado rapidamente começou a ajeitar os papéis que tinham caído para colocá-los na caixa agora quebrada. - E se eu fosse capaz, com certeza Won-Shik me mataria ao ver o que acabei de fazer.
- Não seja tolo, ele saberá que foi um acidente - disse, guardando os papéis de qualquer jeito no fundo do objeto sem notar que uma folha tinha escapado das outras, indo até as pequenas jóias que notou terem caído junto das outras coisas. - Won-Shik não me parece do tipo... homicida.
- Ele fazia parte do governo norte coreano - lembrou.
- E daí? Até onde eu sei ele era um engenheiro, não? Que nem aquele tal Song?
- Sim, ele era - assentiu.
- Então. São posições bem diferentes. Provavelmente ele nem sabe pegar numa arma - respondeu ao se erguer segurando a tampa da caixa, guardando o objeto na posição anterior.
- Você esqueceu... - mas sua fala travou quando seus olhos, movido pela visão perfeita de um robô, leu as primeiras palavras do que parecia uma carta caída no chão.
"Meu querido Minhyuk,"
- Esqueci o que? - Hoseok o olhou por cima do ombro, até seguir seus olhos até a folha caída no piso limpo.
- Me-Me entregue essa folha, por favor.
Hoseok o faz, pegando o papel apropriado para envio de cartas com cuidado do carpete limpo antes de entregá-lo para o namorado, que ajeitava-se no sofá de três lugares com cuidado. Taehyung o olhou, e o humano não sabia dizer o que ele queria expressar com seu olhar antes de baixar os olhos, começando a ler as palavras escritas em um idioma que definitivamente não era coreano tradicional, mas que Hoseok também não sabia qual era.
- Meu querido Minhyuk - Taehyung começou a traduzir em um tom de voz baixo, tornando sua voz ainda mais grossa do que já era normalmente. - Escrevo-lhe essa carta, porque não sei como dizer em voz alta tudo o que sinto em meu coração.
"Desde que nos vimos pela última vez, antes de partir para esse novo antigo país, muita coisa mudou em mim. Passo mais tempo do que gostaria em relembrar momentos do passados, recordando-me de um período onde tudo era mais leve - mesmo sob uma venda cobrindo-me os olhos. A noite é minha amiga e só tenho ela como companhia junto da presença perpétua da Lua, quase como se ela soubesse de todos os erros cometidos em nosso passado, todos nossos pecados.
Às vezes, quando tudo é irreal demais, doloroso demais, me vejo preso em ciclos doentios, questionando-me onde eu estaria as tivesse tomado outras decisões, se não fosse quem sou - se tivesse nascido em um país, em uma família, onde tudo seria mais simples. Mas então você sempre vem a minha mente, e lembro que nada nessa vida é fácil, e que mesmo se não nos conhecêssemos, ainda teria outros temores me assombrando durante alvoreceres.
Porque a vida jamais será fácil, ou gentil. Ela trará qualquer desafio possível para te derrubar, e então reerguer. Como uma mãe que castiga, e então o consola, dizendo: 'assim é a vida, minha filha'. E, quanto mais rápido se aceitar, mais fácil será levantar.
Mas ainda dói lembrar, Minnie. Ainda dói pensar no que poderíamos ter, se fossemos pessoas normais, com sonhos normais. Ainda dói recordar de despertar ao teu lado, e dói ainda sentir a sensação em minha pele de quando lhe beijava, em uma tentativa de convencê-lo a sair da cama, para se alimentar. Dói lembrar das juras de amor eterno trocadas durante manhãs ensolaradas, e como você sempre sorria docemente enquanto eu fazia nossa refeição, sabendo que sairia exatamente do jeito que você gostava. Dói lembrar dos nossos momentos íntimos onde podíamos ser nós mesmos, e apenas nós, por algum tempo, esquecendo todo o nosso entorno.
E dói ainda mais pensar se, um dia, isso voltará; ou se eu passarei o resto da minha existência pensando no que poderíamos ter tido, e não tivemos. E dói ainda sentir em meu peito aquele amor estarrecedor que eu tinha quando éramos novos, e dói ainda mais saber que isso me acompanhará para sempre.
E dói ainda mais não saber se você sente o mesmo, porque foi você que me expulsou da sede, e disse que eu deveria aceitar a missão de partir para a Coreia do Sul, viver o que você nunca poderia ter.
Porque tudo que eu queria... era você. Não importava o lugar, as pessoas, e o projeto. Mas eu sabia que, comparado a Taehyung, eu jamais seria escolhido. E estava tudo bem.
Mas ainda dói.
...
Talvez eu devesse parar aqui.
Mas tudo que quero dizer é: eu te amo, Song Minhyuk, e espero que você fique bem.
Com todo meu coração e alma,
Kim Won-Shik.
(29/09/1991)"
Na lateral do papel, em uma fonte rabiscada com uma logo do sistema de envio postal do país dizia-se: "objeto devolvido pelo destinatário"
Os olhos de Taehyung subiram do papel, permitindo que os globos oculares se unissem à Jung Hoseok, que o observava do outro lado da sala. O jovem, que o olhava da mesma maneira, pela primeira vez não tinha algo a dizer a respeito de algo enquanto notava a maneira que os dedos do namorado apertavam-se na lateral do objeto frágil, que tinha partes de si partidas a medida que o toque tornava-se mais brusco - um belo reflexo do que seu interior sentia.
- Eu... não vou perguntar se você sabia porquê sua reação é bem óbvia - suas palavras saíram frágeis enquanto aproximava calmamente do amado, tomando cuidado na hora de retirar a carta das belas mãos em uma tentativa de não destruir o objeto histórico que, evidentemente, era importante o suficiente para que seu dono a guardasse depois de tantos anos.
- Como... como eles... - Taehyung sequer conseguia completar uma frase, observando enquanto Hoseok guardava a carta novamente na caixinha e a apoiava na estante na mesma posição que estava anteriormente. - como se nada tivesse acontecido - Eu nunca imaginei isso. Pensei... pensei que a relação deles era como a sua e a de Namjoon, e não como...
- A nossa? - o adolescente o olhou por cima do ombro, vendo-o assentir lentamente. - Está decepcionado?
- Apenas confuso - admitiu. - Mas estou sempre confuso, então não é novidade.
- Está sempre confuso porque o mundo insiste em esconder coisas de ti, mas isso não significa que o fazem porque querem - dizia enquanto se aproximava do amado, sentando-se ao seu lado de forma que Taehyung pudesse buscá-lo em desejo de conforto. - Só que... talvez tenham medo da sua reação.
O andróide o olhou, esperando a conclusão da frase.
- Assim como você tinha medo da minha quando descobri tudo.
- Isso... é diferente.
- É mesmo? - Hoseok o olhou, de forma gentil. - Honestamente, não acho que seja. Mas entendo o porquê de pensar assim.
- Eu não sei o que fazer - admitiu.
- Você não precisa fazer nada, Tae. Só... relaxe e pense no próximo passo, com cautela.
- Eu irei.
- Ótimo. Agora vem cá - ele abriu os braços -, quero te abraçar.
Um riso leve saiu dos lábios do robô antes dele se aproximar rapidamente, aceitando ser afagado por aquele que mais amava.
***
Manteve-se um silêncio calmo durante o tempo que restou após a leitura da carta.
Em um algum lugar na mente de Taehyung, ele procurava por sinais que poderia ter perdido, coisas que não notara em todas suas intenções com Won-Shik e Minhyuk em todos aqueles trinta anos... como um quebra cabeça com partes faltantes que pareciam impossíveis ser encaixadas, ao mesmo tempo que cada peça parecia lhe dava a sensação de "é isso, eu consegui agora".
Cinco da tarde, uma hora antes de Won-Shik voltar de sabe-se-lá-de-onde, Hoseok precisou partir. Com selares fortes em sua têmpora e testa, utilizando da promessa de contatá-lo quando chegasse em casa, ele se foi, deixando-o sozinho pela primeira vez em muitas horas, com sua mente
E ainda assim, mesmo depois de muito tempo em profundo silêncio, preso em sua própria mente andróide e, portanto, mais inteligente do que qualquer outra no mundo, ainda assim ele não sabia o quê e como se sentir. Mistura de sentimentos e uma quantidade imensa de informações sempre o fazia se sentir muito confuso, muito conturbado, muito... tudo. E mesmo o silêncio, que ele apreciava tanto, não era suficiente para fazê-lo entender o que as informações que recebeu causavam em si - como definir, como expressar, como entender. Entender. Entender. Entender.
Tinha perdido algum sinal? Ignorado os que lhe haviam dado? Era realmente tão emocionalmente estúpido para ignorar o óbvio desde o início?
Não entendia, nenhum pouco.
Talvez não fosse tão inteligente quanto achava que era.
Talvez... Talvez...
Ele odiava essa palavra.
Mas talvez...
- Taehyung?
Seus pensamentos foram empurrados para longe com a chegada da outra pessoa no ambiente que estava. Decidindo que seus pensamentos, talvez, fossem mais importantes depois, o adolescente desviou o olhar da televisão que observava nos últimos cinquenta e três minutos e olhou para o homem a cinco passos de distância, que o observava por baixo do boné preto que cobria os cabelos pretos que lentamente tornavam-se prateados na região da têmpora. Seus olhos, como sempre, pareciam levemente preocupados quando caíram em sua direção, observando-o de forma que, naquele momento, lhe remetia a uma caça observando todos os passos de sua presa. Naquele momento, ele sentia-se como um coelho pronto para ser atacado por uma cobra, mesmo que a parte racional de seu cérebro dissesse que Won-Shik jamais o machucaria.
Mas tudo que ele sentia naquele momento era confusão... e cansaço.
Ele estava cansado das pessoas esconderem coisas dele, de mentirem, de tratarem ele como uma criança estúpida que não sabia de nada.
- Oi.
Foi tudo que conseguiu dizer, seus olhos ainda firmes no outro homem que retirava o casaco pesado escuro e o chapéu, largando-os na poltrona antes de sentar-se ao seu lado.
- Você está bem? Parece meio abalado.
- Eu... estou bem - hesitou, mas por fim as palavras conseguiram ser ditas. Embora estivesse confuso com o que tinha descoberto, ainda assim sabia que não gostaria de falar sobre aquilo com Won-Shik. Não agora. Não estando da maneira que estava.
- Tem certeza? - sua testa franziu, um sinal que Taehyung reconhecia como preocupação pela quantidade de vezes que Won-Shik dirigiu a ele.
Taehyung assentiu de leve. Sua cabeça balançando para cima e para baixo enquanto, sem notar, tinha começado a mexer nas unhas de maneira que sentia a pele falsa ser arranhada em torno de onde continha um pen drive.
- Sim, sim. É só que... eu tive uma discussão estúpida com Hobi, só isso. Eu falei algumas coisas que não deveria e ele saiu chateado, mas depois mandarei uma mensagem pedindo desculpas pelo o que aconteceu - seu lábio se ergueu em um pequeno sorriso, como se não tivesse acabado de contar uma mentira. Mas novamente, Taehyung estava acostumado a mentir.
- Bom. Faça isso. Não deixe que ele alimente a ideia de que você não está arrependido por muito tempo, isso só causará rancor nele.
Taehyung mordeu a língua para não perguntar se já tinha acontecido isso entre ele e Minhyuk, antes de concordar com a cabeça novamente.
- Ótimo - ele sorriu, sua mão se esticando para bagunçar os cabelos escuros antes de se levantar. - Vou me trocar e então irei começar a preparar o jantar. Quer me ajudar?
- Tudo bem.
***
Cinco dias antes...
Quando tinha oito anos, Hoseok quebrou p braço pela primeira vez.
Ele não se lembrava muito desse momento. Ele se lembrava do céu azul, das folhas da árvore que estava apoiado tocando sua bochecha a medida que o vento batia em seus galhos, e se lembrava de gritos. E de dor.
Uma dor profunda que penetrava todas as áreas de seu corpo enquanto a falta de adrenalina o impedia de se mexer, caído no chão de um parque longe de sua casa, de seus pais, de seu hyung.
E... só.
A senhora Cho, uma psicóloga velhinha que começou a atender no ano que entrou em Huimang por causa de tudo que aconteceu no seu nono ano, disse que as vezes a mente humana apagava certas memórias devido a intensidade delas. Dor, alegria intensa ou sofrimento que a pessoa nunca passou anteriormente são sensações difíceis de serem processadas pelo cérebro, então ela bloqueia, em uma tentativa de proteger do que aquelas lembranças representam.
Era por isso que Hoseok não se lembrava muito das semanas que se passaram ao ver Seokjin com Hansol.
Ele sabia do que tinha acontecido, afinal ele viu, mas as coisas que se passaram depois disso eram apenas flashes disformes que não se tornavam uma lembrança correta.
Namjoon, a única pessoa com quem ele falava que estava presente no dia, disse que Hoseok teve um colapso emocional. Seu rosto, que sempre ficou vermelho com facilidade, ficou branco como mármore e ele pulou para cima dos dois traidores, gritando coisas que ninguém entendia enquanto tentava acertar o corpo do seu irmão e ex paixão com uma raiva que ninguém ali tinha visto antes. Segundo seu melhor amigo, precisou de cinco pessoas para conter ele, enquanto Seokjin saiu com um corte na testa que se tornou uma cicatriz semanas depois.
Seus pais, aqueles que ele ignorou por meses por algum motivo que não se recordava, disseram que Hoseok não se mexia. O psiquiatra que consultou, e que ele não lembrava o nome, disse que tudo que aconteceu durante sua vida pagou seu preço naquele momento. Ele não dormia corretamente, não comia devidamente, e se manteve deitado em sua cama, encarando sua parede anteriormente pintada de lilás enquanto sentimentos e pensamentos disformes passavam sua mente, impedindo-o de parar tudo. Parar de pensar, parar de sentir, parar de... existir. Era como se Hoseok apenas existisse na vastidão do mundo, e nada mais fazia sentido.
Ele ficou duas semanas assim, até que um dia ele simplesmente começou a melhorar. Um dia ele comeu tudo quando seu pai lhe trouxe uma refeição completa, no outro ele se permitiu caminhar até o banheiro, onde escovou o cabelo, e nos próximos dias ele tomou banho e caminhou até a sofá da sala, onde ficou deitado até o céu se pôr sem tirar os olhos da estante da sala por um minuto. Mas novamente, ele não se lembrava disso. Ele só lembrava do cansaço, da raiva, dos sentimentos negativos que preenchiam cada poro de seu corpo. Ele se lembrava de olhar para o céu pela janela com cortinas abertas de seu quarto, a luz do sol refletindo na lua que resplandecia nas cortinas verde musgo, lembrando-o de uma floresta após uma tempestade. E de alguma forma, aquilo foi seu único conforto em anos.
Ele sentia-se como uma árvore podada, mas que poderia ter seus galhos e folhas e flores de volta, e tudo que precisava era... de tempo. Talvez as coisas melhorassem com o tempo, talvez tudo deixasse de ser insuportável, talvez aquele desejo de sumir, desaparecer, deixar de existir e morrer se fossem com o tempo. Não era impossível.
Ele poderia ser feliz. Não era impossível.
Então, os anos se passaram. E aquela tristeza profunda que sentia quando tudo aconteceu continuou, embora de maneira muito mais leve e, se tentasse, esquecível. Ele voltou a comer a mesma quantidade que um ser humano saudável comia, voltou a estudar mesmo que odiasse a ele - e odiasse ainda mais a nova escola que estudava, agora sem Namjoon - e voltou a sair com o melhor amigo, aproveitando o que era ser um adolescente mesmo que às vezes sentisse que não era real, mas o imaginário de alguém. Mas a única coisa que não voltou ao normal durante os poucos anos após o que Seokjin tinha feito, era o próprio Seokjin. O rancor, a mágoa, o desgosto, continuavam ali. Sua autoestima afetada continuava ali, e uma pequena parte sua sentia que isso nunca voltaria ao normal.
Aquela parte sua que quebrou quando os viu juntos, estaria quebrada para sempre. Mesmo que cobrisse com fitas, com cola ou até mesmo com a mais forte argamassa. Mesmo que não falasse sobre, mesmo que tivesse superado Hansol meses depois da traição, mesmo que fingisse que não aconteceu... nunca se recuperaria. Era o tipo de dor que se alojava, recusando-se a partir.
Mas agora, tudo estava se encaminhando para ficar bem no final. As coisas ainda pareciam um pouco preocupantes em relação ao plano de Namjoon e Taehyung, e seu melhor amigo estava mais fechado e pedia espaço quando não se sentia bem - o que era a maior parte do tempo, na verdade -, mas ele sabia que Namjoon estava passando por muita coisa ultimamente.
Sua avó piorava a cada dia e não se lembrava mais de sua irmã, e tinham os sentimentos conturbados que seu melhor amigo possuía por seu irmão que Hoseok sabia que não podia intervir - mesmo que cada poro de seu corpo implorasse por isso.
E Jimin, ele se fechava mais a cada dia - seus olhos sempre pairando em algum ponto acima do ombro de Hoseok enquanto falava sobre seus dias na clínica, como se sequer conseguisse reconhecer em que lugar ele estava.
Talvez fosse por isso que, uma semana após encontrarem a carta de Won-Shik para Minhyuk, que Hoseok decidiu visitar o adolescente na clínica mais uma vez.
- Como você está, Jimin?
- Acho que os medicamentos estão finalmente funcionando, porque não estou conseguindo sentir nada faz um tempo - as palavras saíram cansadas. Seus cabelos, anteriormente descoloridos, tinham partes manchadas de um castanho escuro profundo, quase preto. E suas unhas, como todas as vezes que o viu anteriormente, estavam lascadas e manchadas levemente com sangue, claramente roídas até o couro. - Raiva, tristeza... meu cérebro não tá conseguindo captar corretamente essas emoções, então desde a última troca de medicação estou um pouco... - sua voz parou, seus olhos ficaram nublados e ele soltou um longo suspiro antes de olhar fixamente para Hoseok, de forma que nunca tinha feito desde a primeira visita onde ele pediu desculpas ao Jung pelas coisas que fez. - É estranho.
- Eles falaram que iam mudar seu medicamento? - sua testa se franziu em preocupação, percebendo o quão estranho Jimin estava desde a troca de remédios em comparação aos dias anteriores que se viram.
- Não, eu só notei que mudou quando comecei a tomar. Minhas pílulas anteriores eram rosa, essa é branca. Quando perguntei para o psiquiatra, ele... - ele respirou fundo, como se fosse algo extremamente difícil puxar ar para seus pulmões. - Ele disse que os remédios anteriores não estavam causando o efeito desejado para o tratamento.
- "Efeito desejado no tratamento"? Isso não faz sentido algum! Você estava ótimo, tinha tido uma ótima evolução no tratamento. Que efeito é esse que ele quer?
- Eu não sei - sua cabeça balançou em negação, seus olhos posicionados em suas palmas suadas. - Só sei que sinto vontade de dormir o tempo todo e meu pai não me visita faz duas semanas, sendo que ele vinha todos os dias para esfregar na minha cara que ele venceu, e que eu ficarei aqui para sempre - sua voz não tinha mais o ódio característico que ele guardava exclusivamente para o pai, mas sim o cansaço de alguém que não tinha mais nada a perder. Hoseok sabia reconhecer, porque era o mesmo tom que usou por anos antes de conhecer Taehyung.
- Isso é completamente estranho. Por que eles mudariam seus medicamentos para um que claramente te faz mal, e depois seu pai simplesmente desaparece?
Park Jimin o olhou. Seus olhos, pequenos e redondos, se fixaram nos do adolescente por um segundo, como se o perguntasse "você realmente precisa que eu responda?" antes de desviar o olhar novamente, sua cabeça doendo pela maneira que ele lutava contra o sono e a fome que os medicamentos causavam. Uma parte dele sabia que seu fim estava próximo, enquanto outra parte sabia que o fim de seu Pai estava chegando. A questão era... qual lado estava certo?
- Você sabe porquê.
***
Dois dias após a visita a Jimin, Hoseok marcou uma reunião do grupo em sua própria casa, mandando seu endereço por um chat privado com todos junto de uma mensagem que dizia "é sobre Jimin" antes de sair e ignorar as perguntas preocupadas de Yoongi e Jungkook sobre o que tinha acontecido com seu melhor amigo, sabendo que não era o tipo de coisa que deveria ser discutido por mensagem de texto. Era melhor aguardar o encontro, definitivamente.
Por fim, Taehyung mandou uma mensagem sucinta entre os textos dos amigos para seu namorado que determinou todas as respostas seguintes: "voltarei da escola contigo amanhã então". Em seguida, Yoongi, Jungkook e Namjoon mandaram mensagens dizendo que iriam depois da aula enquanto Youngjae mandou um texto - que Hoseok só leu quatro linhas - dizendo o porquê de encontrá-los somente uma hora após o início da reunião.
Desde a primeira vez que Taehyung visitou a casa dos Kim e conheceu Kim Seokjin, o garoto não apareceu mais lá desde então, além do dia que buscou Hoseok para a festa de Jimin no Natal. Ele nunca mais entrou, observou a decoração ou visitou o quarto bagunçado de Hoseok, onde conversavam sobre a vida e sexualidade.
Pelo menos, não até aquele momento.
Honestamente, Taehyung não tinha muita certeza de como chegaram naquela posição. Uma hora eles estavam saindo do parque juntos, após mais um de seus vários passeios por seu lugar favorito da cidade, e no outro se encontravam diretamente de frente ao portão de entrada da casa dos Kim-Jung, subindo os pequenos degraus de entrada da casa enquanto escondia suas mãos dentro do bolso da calça jeans escura que tinha ganho de Woon-Shik meses atrás e nunca usado até aquele dia em específico.
O trinco foi girado com o uso de uma chave presa em um chaveiro de cacto, e então a porta foi empurrada de maneira que Hoseok permitisse que Taehyung passasse na frente dele - um sorriso levemente inclinado em seus lábios cheios dizendo quão feliz ele estava por Taehyung ter aceitado ir na sua casa não só como um amigo querido agora, mas como o amor da sua vida.
- Bem vindo ao lar - Hoseok disse com um sorriso ao fechar a porta atrás deles, rapidamente tirando seu blazer e sapatos sociais antes de se jogar no sofá que, meses antes, Taehyung viu Seokjin na mesma posição que seu namorado estava naquele momento -, ou algo parecido com isso.
A primeira coisa que Taehyung notou sobre a casa era como ela estava mais iluminada e clara em comparação a última vez que esteve ali. As cortinas, que eram mais escuras, agora eram de um tecido branco quase transparente e a casa possuía muito mais plantas e fotografias nas prateleiras, ao invés de pequenos objetos de decoração facilmente esquecíveis. Mesmo que discordasse - não muito, mas ainda assim - internamente desse tempo, era como se o estado psicológico de Hoseok refletisse diretamente na maneira como a casa era vista. E naquele momento, Ele estava feliz, apesar de tudo que vinha acontecendo nas últimas semanas a respeito da investigação dos Park.
- Não lembrava da sua casa ter tanta claridade - disse enquanto retirava seu casaco e os sapatos sociais, se aproximando de forma que Hoseok puxou as pernas para trás, dando-lhe espaço para se sentar no sofá espaçoso.
- Era a aura de morte bloqueando a luz do sol - brincou, seus cabelos escuros caindo sobre sua testa como uma cachoeira a meia noite. - Mãe achou melhor trocar as cortinas e colocar plantas na casa toda. Aparentemente casa com pouca luz causa efeitos psicológicos negativos, ou algo do tipo.
- A mente humana é fascinante.
- É... acho que sim - ele riu, como sempre fazia quando Taehyung dizia algo que, claramente, era não-humano. Como se o considerasse a pessoa mais adorável do mundo inteiro. - De qualquer forma, acho que está funcionando, porque estou dormindo bem nos últimos dias.
- Efeito da saída da Huimang. Você se sente melhor porque sabe que não terá que ir para lá no dia seguinte.
- É, acho que sim - ele sorriu, seus olhos se estreitando quando desviou o olhar para o celular com a tela desligada. - Falou com Yoongi ou Jungkook hoje?
- Falei no intervalo. Yoongi disse que pode demorar para vir porque vai passar na clínica antes, e Jungkook disse que iria em uma cafeteria que ele gosta comprar pain au chocolat para nós.
- Até que vale a pena fazer amizade com os riquinhos da escola - um riso suave escapou de seus lábios antes de olhar na direção de Taehyung da mesma maneira que fazia sempre: com amor e adoração. - Sente minha falta na escola?
- A cada segundo - respondeu sem qualquer hesitação, seus lábios se curvando em um sorriso pequeno enquanto se aproximava do mais novo e deixava seus dedos acariciarem os fios escuros que nunca ficavam parados. - A cada minuto, a cada hora. Todo o tempo, só penso em você.
- Em todos os momentos em que imaginei nós dois juntos, nunca te vi como um romântico - suas palavras saíram em um sussurro enquanto passava os braços longos pelo pescoço do namorado, puxando-o para mais perto de si. - Mas eu gosto mais dessa versão.
E antes que Taehyung pudesse dizer qualquer coisa, ele o beijou. Seus lábios se unindo de maneira perfeita que sempre faziam, como se eles tivessem sido feitos um para o outro. Suas mãos, grandes e firmes, seguraram a cintura estreita com possessão enquanto sentia o estômago dele unido ao seu. Sua língua acariciou a linha do lábio de seu amado, dando um sinal de que Hoseok deveria separá-los. E ao fazer isso, o contato se aprofundou. As mãos humanas se apertaram em seu cabelo enquanto o beijo tornava-se cada vez mais firme, as palmas quentes do Jung apertando em sua costa enquanto o toque tornava-se mais e mais e mais. Um respirar profundo saiu dos lábios do adolescente, que instintivamente deixou suas pernas se enrolam ao redor do torso do namorado enquanto a pele de Taehyung se tocava em sua nua, a diferença de temperatura funcionando como um aquecer pro corpo daquele que sentia seus hormônios aflorando.
E Hoseok estava prestes a deixar sua boca deslizar pela mandíbula do andróide quando a campainha soou alta demais para seus ouvidos despreparados, separando-os instintivamente antes de olhar na mesma direção: a porta de entrada.
- Acho que são eles - Hoseok falou, sua voz arfante pela intensidade dos amassos que acabou de dar.
- E eu tenho certeza - a cabeça do robô virou na direção da porta antes de voltar para o namorado deitado no sofá, seus cabelos bagunçados pelo o que acabou de acontecer. - Posso escutar suas vozes.
- O que eles dizem? - perguntou, a curiosidade sibiliando em sua voz bonita. Ele sempre ficava assim quando o assunto era suas capacidades andróides.
- Não tenho certeza. Seus pais fizeram das paredes a prova de som, o que impede um pouco a escuta. É assim em casa também, porque Won-Shik preza muito por privacidade - a mente dele voou por um momento para as cartas encontradas, mas rapidamente empurrou aquela memória para longe. Não estava pronto para pensar no que elas simbolizavam. - Mas posso ouvir o nome Jimin. E Yoongi está com raiva.
Eles trocaram um longo olhar antes que Hoseok pulasse para fora do sofá rapidamente e arrumasse os fios lisos que apontavam para todas as direções antes de ir em direção a porta, destrancando-a com um movimento de pulso que permitiu que a luz solar entrasse na casa junto do casal Yoonkook e Namjoon, que seguia atrás com um rosto sério que sempre ligava alarmes vermelhos na frente de Hoseok.
- O que aconteceu? - Taehyung perguntou do sofá, seus olhos fixos em um Min Yoongi tão vermelho quanto um tomate maduro, suas mãos tremendo ao lado do corpo magro enquanto a mão de Jungkook permanecia firme em suas costas, tentando causar algum conforto que ele próprio não sentia.
A porta foi rapidamente trancada, Hoseok voltou para a sala de estar em passos longos e se manteve parado ao lado do melhor amigo, que tinha os punhos firmemente atrás da costa. Hoseok notou que suas unhas, sempre de tamanho mediano e bonitas, estavam completamente pressionadas na palma da mão dourada como todo seu corpo, deixando-a em um tom avermelhado. Seu nervosismo só crescia com aquela reação, mesmo que sequer tenha comentado ainda sobre a conversa.
- O que aconteceu? Eu vou te contar o que aconteceu - a voz de Yoongi chamou sua atenção novamente para ela, cortando os pensamentos ansiosos de Jung Hoseok. Seu corpo paralisou quando os olhos pequenos e felinos pararam em seu rosto. - Jimin desapareceu, foi isso que aconteceu! Eu fui na clínica e me disseram que eu não poderia ver meu melhor amigo porque seu pai o tirou de lá ontem a noite! Foi isso que aconteceu.
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