Capítulo 26 - Hoseok
Hoseok não sabia lidar com perdas, e isso era algo que o assombrava todos os dias: a ignorância de não saber quando alguma situação se tornaria menos insuportável, de forma que ele pudesse seguir seus dias, sem que aquilo o assombrasse – como uma voz na sua consciência, avisando-o que nunca seria feliz de verdade. E embora Hoseok tivesse perdido muitas pessoas em sua curta vida, nada doía mais do que saber que tinha perdido Taehyung, porquê diferente dos outros, ele estava ali. Existindo. Como um lembrete de que jamais o voltaria a ter; pelo menos como era antes.
Seu nariz fungou, o adolescente apertou ainda mais o cobertor sobre seu corpo e virou-se de costas para a janela, podendo assim notar a chuva que caía do outro lado da parede. Era como se o céu soubesse seu estado de espírito, porquê a tempestade tinha se intensificado desde que descobrira toda a verdade; e assim como sua cabeça estava embaralhada por informações que não conseguia assimilar corretamente, os raios que acertavam pontos distintos de Seul pareciam pensar da mesma maneira.
Mas acima de tudo, Hoseok também se questionava o que teria pensado se tivesse descoberto tudo desde o início; sem mentiras, sem farsas, sem beijos em parques ou verdades trocadas em banheiros e quartos... Apenas a real existência de Taehyung constrastando com a humanidade de Hoseok. Ele pensou se as coisas teriam seguido pelo mesmo rumo, se o beijo ainda existiria, se os sentimentos continuariam ali, acelerando seu coração e fazendo seus olhos se lacrimejarem só de lembrar de como tudo parecia certo com Taehyung em seus braços, deixando que seus toques se unissem... Hoseok se questionou se teria aceitado aquelas informações com facilidade, ao invés de se remoer pensando se tudo tinha sido real, ou se Taehyung teria unicamente o usado para conseguir alguma coisa em troca.
Por Buda, era tão difícil. Era difícil sentir que nada tinha sido real, era tão difícil sentir que as palavras ditas sobre a neve, a inocência da amizade de ambos se construindo para que sua mente se perdesse da forma que se perdia, era tão difícil se questionar se, naquele momento, o Kim estaria da mesma forma que ele, ou teria seguido em frente, levando uma parte dele consigo. Era difícil, insuportável. Porquê qualquer coisa que Hoseok poderia ter imaginado sobre o passado do outro... qualquer coisa não chegaria aos pés da realidade, a realidade nua e crua que o impedia de se levantar, somente pensando no quanto tinha medo de questionar tudo que raciocinava ao outro.
Ele sentia falta de como era antes, mas sabia que nada mais seria o mesmo, porquê aquela era a visão real. A máscara tinha caído, e só sobrara as consequências das mentiras.
Hoseok só nunca tinha pensado em como seria doloroso ter a realidade jogada bem na sua cara, forçando-o a engolir tudo que lhe obrigaram a ter.
Quando a primeira lágrima escorreu por sua bochecha esquerda, o adolescente não teve outra escolha senão pressionar os próprios lábios com força pelo seu punho, impedindo que o primeiro soluço escapasse. Seus dentes mordiscaram a pele, tentando extrair a dor que o consumia de dentro para fora enquanto seu corpo sacudia pesado, impedindo-o de respirar corretamente. O cobertor pesado foi empurrado para longe, sentindo seu corpo queimar em calor; calor puro, genuíno, e foi assim que ele ficou até dormir novamente, enquanto suas vestes grudavam em seu corpo devido ao suor.
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Taehyung, Yoongi e Jungkook.
Foi a primeira coisa que notou, ao sair para o intervalo naquela tarde. Eles estavam sentados embaixo da árvore costumeira, tendo Taehyung ocupando o lugar anteriormente de Jimin, conversando com eles como se fossem amigos de longa data, embora aquela fosse a primeira vez que Hoseok os viam juntos.
Era uma imagem estranha, não característica, e que despertava no Jung sua tão odiada curiosidade, embora seus olhos ficassem mais no Kim do que qualquer um dos outros garotos, perguntando-se como ele estava naquele dia – porquê sinceramente, Hoseok estava péssimo.
Hoseok notou como seu cabelo balançava com o vento, enquanto este tinha seus olhos presos no Min. Ele também notou como Taehyung começara aquele diálogo sério, tendo sua postura tão costumeira ereta, até que relaxasse o suficiente para que seus ombros caíssem, e então abrisse sorrisos mínimos enquanto ouvia os dois adolescentes que mesclavam de expressão durante todo o tempo.
Seu lanche foi mordido, e então relembrou de como lanchava todos os dias com Taehyung, conversando sobre coisas frívolas que de alguma forma sempre tornava o dia de Hoseok melhor, porquê para si a companhia importava mais do que tudo. Ele relembrava de como o Kim ficava ao seu lado, e então fingiam estar concentrados em qualquer coisa enquanto observavam de soslaio o Trio Amaldiçoado, que tempos depois virou uma dupla. Ele relembrava de tudo, e era por isso que desejava estar embaixo daquela arvore com ele, porquê sabia que a conversa girava na investigação do andróide.
Ele sabia, porquê ao menos o conhecia o suficiente para isso.
Quando o sinal tocou, o papel que segurava foi amassado entre seus dedos, antes que se erguesse do banco de pedras. Ele notou quando o casal Yoonkook fez o mesmo, despedindo-se de Taehyung antes de voltarem à classe. Ele também notou quando o Kim ergueu-se, e mais cedo do que de fato planejava, seus olhos se juntaram. As mesmas íris escuras – que Hoseok desconhecia a tecnologia utilizada para isso –, nos lindos olhos de corça, que pareciam ser o suficiente para seu coração se acelerar da mesma forma que acelerava todos os dias desde que tinha o conhecido. Continuava o mesmo Taehyung, mas agora sem mentiras em forma de parede entre eles. O mesmo Taehyung pelo qual se apaixonou no dia que se conheceram, e o mesmo Taehyung que o fazia sentir coisas que nenhuma outra pessoa fora capaz.
Mas ainda era difícil.
E foi por isso que ele se distanciou quando notou que a sua paixão caminhava em sua direção – porquê não sabia o que dizer, e não queria piorar o que já estava ruim entre ambos –, acelerando os passos em direção ao prédio três, pensando se realmente tinha sido uma boa ideia sair para o pátio naquele dia. E de qualquer forma, nunca saberia a resposta.
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Os passos de Hoseok pelas ruas de Seul eram lentos, como esse fizesse um esforço demasiado para que suas pernas se locomovessem, sentindo o cachecol preto esmagando seu pescoço, impedindo-o de respirar com precisão. Sua cabeça também estava abaixada, observando os coturnos pretos que combinavam com a calça jeans de lavagem escura, e o sobretudo cinza – que na verdade pertencia à Seokjin, mas aquilo não parecia muito importante em sua mente cansada pela falta de sono e a gripe que se alastrava no país devido às baixas temperaturas. Sua cabeça só levantava para notar em que rua estava, antes de voltar a caminhar até seu destino, que parecia estar a poucas quadras de distância – três, mais especificamente.
Não demorou a achar a fachada tão conhecida de tonalidade clara, apertando o celular que vibrava em seu bolso, lembrando-o do porquê de estar ali. Hoseok subiu as escadarias baixas, apertando a campainha com precisão antes de se distanciar, notando como as plantas do quintal de entrada pareciam mais descuidadas que o normal, e ele sabia que aquilo não era um sinal bom. A senhora Kim sempre tirava um tempo para cuidar de suas petúnias, mesmo na neve.
— Oi — Namjoon disse assim que a porta fora aberta, mostrando o adolescente ainda com a blusa do asilo que fazia trabalho voluntário, enquanto seu cabelo roxo desbotado caía em sua testa, em pequenos cachos bagunçados. Hoseok também notou que o melhor amigo aparentava estar mais magro que o normal, o que também era um sinal ruim, porquê o Kim se preocupava muito com sua alimentação. — Você está péssimo.
— Não posso dizer o oposto sobre você — murmurou, entrando na casa bem organizada dos Kim.
— Que roupa de defunto é essa, Hoseok? Nunca te vi usando tanto preto — questionou, confuso. Normalmente o amigo misturava todos os tipos de tonalidade possíveis, mas hoje, era como se o mesmo estivesse voltando de um funeral ocidental. Até mesmo a máscara que cobria seu nariz e boca era preta.
— Peguei a primeira que vi no guarda-roupa, e por favor, não mude de assunto. Sei que não é sobre minha roupa que você quer falar — ele revirou os olhos, antes de retirar o casaco pesado que usava. Namjoon o pegou, guardando-o no armário antes de voltar a prestar atenção no amigo, que realmente parecia péssimo naquele dia. Era visível que seus dias não estavam bons, principalmente após este ter se recusado a vê-lo quando foi visitá-lo. Não era do seu feitio negar a companhia do melhor amigo, e por isso só lhe mandou mensagem quando Hoseok a enviou primeiro, perguntando se poderia ir a sua casa. Obviamente, Namjoon aceitou. — Como você está?
— Bem, acho — sussurrou, lembrando-se de como tinha sido seus dias desde a conversa com o médico sobre o estado de sua avó. Ainda doía, mas tornava-se suportável quando pensava que em breve ela reencontraria seu pai – o que de certa forma o confortava. Por fim, seus olhos voltaram para o amigo, que notou ter sentado na beirada do sofá enquanto seus dedos se apertavam de maneira ansiosa. — E você? Seu aniversário é em quatro dias. Finalmente dezoito, ein? Como se sente?
— Bem, acho — deu de ombros. — Você sabe que não gosto do meu aniversário.
— Eu sei — assentiu. — Mas podemos criar novas memórias, melhores memórias. Porquê no fim, ainda é um dia bom. Foi o dia que o meu melhor amigo nasceu, e esse dia... ele é honrado, Hobi — o adolescente o olhou, abrindo um mínimo sorriso ao ouvir as palavras carinhosas do garoto pelo qual tinha tanto afeto. — Eu serei eternamente grato por você existir, então não importa o que aconteça, será um dia bom para mim. O melhor.
— Eu te amo, mas você já sabe disso — respondeu, recebendo um assentir como resposta. — E eu também serei eternamente grato ao divino por você existir, mesmo que você não acredite muito nessas coisas.
— E eu agradeço, de qualquer forma.
— Sei que sim — riu baixinho, antes de voltar a se apoiar no sofá sob o olhar do melhor amigo. — De qualquer forma, não me convidei para vir aqui para isso.
— E por que você o fez?
— Não sei — admitiu. — Acho que eu só estava me sentindo sozinho, entende? E estava pensando em como te tratei quando você tentou me visitar, pedindo pro Jin hyung te dizer que eu não queria companhia...
— Não é a primeira vez que você faz isso, Hobi, e está tudo bem. Sei que precisava de um tempo para si — respondeu, calmo. — Mas se me permite perguntar... o que aconteceu para que você se isolasse? Brigou com Seokjin novamente?
— Não. Na verdade, nossa relação está muito boa. Acho que estamos começando a fazer as pazes, sabe? Tem dias que consigo seguir sem lembrar do motivo pelo qual brigamos, e que sequer o odeio. Isso é bom, né? Acho que sim... Ele até voltou a me chamar de "Soleil".
— Sim, isso é muito bom — o adolescente sorriu, guardando para si sua animação devido às palavras ditas pelo melhor amigo. — Fico feliz por vocês, de verdade.
— Obrigado — suspirou, lembrando-se do motivo para ter se isolado. — Mas o motivo pelo qual me afastei foi o Taehyung.
— Ele te fez algo? Te machucou?
— Não posso falar sobre, Nam... não é algo meu, entende? E é importante demais para ser dito assim.
— Entendi... — murmurou, enquanto se recordava da reunião que teve com Taehyung dois dias antes, onde ele dissera que, se Namjoon assim desejasse, ele poderia perguntar o que o outro Kim tanto escondia para Hoseok.
E Hoseok notou que ele parecia imerso demais em seus próprios pensamentos, franzindo seu cenho em um sinal para que o melhor amigo falasse o que pensava de forma tão concentrada.
— Você está bem, Nam?
— Sim, sim. É só que eu me recordei que eu encontrei Taehyung esses dias, e ele disse que eu deveria lhe pedir para que você contasse o segredo dele, porquê segundo o Tae, o mesmo "não tem mais forças para isso" — Hoseok arregalou os olhos, surpreso com tal fala. — Mas te vendo assim, e agora, não sei mais se é uma boa ideia.
Ele sabia que o Kim parecia muito nervoso quando lhe contou toda a verdade, mas pedir para que Hoseok contasse a alguém... era como atingir um pico de confiança que o Jung não sabia explicar, mas que o deixava ansioso.
— Ele te disse isso? Com todas essas letras?
— Talvez mais simplificado, porém com o mesmo contexto.
Hoseok hesitou, antes que sua postura voltasse a ficar ereta e suas mãos se apoiassem em suas coxas, pensando em como começaria aquele assunto que parecia o assombrar para todo canto que ia. Sequer conseguia dizer em voz alta, se martirizando sempre que imaginava o real Taehyung, sem que uma tecnologia o cobrisse – um Taehyung capaz de amá-lo, capaz de sentir as mesmas coisas que Hoseok sentia, mas que seu cérebro dizia ser impossível sempre que pensava sobre.
— Hobi, você está...?
— Taehyung não é humano — soltou de uma única vez, sentindo o peso sumir de seus ombros. — Ele é um andróide, capaz de soltar lasers pelos olhos, e que não precisa se alimentar, por isso que ele nunca comeu na nossa frente. Ele é uma máquina, por isso age da forma que age. Ele tem nenhum transtorno, e tampouco é autista. Ele é um ser imortal que pode facilmente nos machucar, mesmo que a parte emocional do meu cérebro diga que isso é impossível, mas isso é só minha paixão falando, então não confio nela. Ele é um robô, Namjoon. É por isso que me isolei de todos, porquê o garoto pelo qual sou apaixonado é a porra de um robô, e eu não sei como lidar com isso agora.
Ao notar que o melhor amigo começava a chorar, Namjoon rapidamente correu até o adolescente, puxando-o para seus braços. Hoseok o abraçou com força, sentindo suas forças esvaírem a medida que seu cérebro processava tudo que tinha dito, o que só contribuía para que sua agitação se intensificasse. O Kim acariciou os cabelos escuros e que agora batiam em sua nuca, pensando em tudo que tinha sido dito. Aquilo era... Wow! Um outro nível de "wow", e que parecia muito maior do que imaginava para a história do amigo.
Quer dizer, ele já tinha suposto algumas coisas durante os meses de convívio, como ele ser um fugitivo de guerra – que justificava sua fala robótica e movimentos sempre bem planejados –, ou um garoto que tinha passado por tantos traumas, que simplesmente não se sentia mais confortável no convívio social – o que justificaria sua aversão de se alimentar em público, talvez temendo ser repreendido caso fizesse muito barulho. Mas um robô? Isso era um extremo, e assim como Hoseok, também não sabia o que pensar.
Porquê ao mesmo tempo que ele desejava confortar o Jung, ele também queria saber o lado de Taehyung, junto do principal motivo para ele estar em Seul e à procura de um Hacker. Mas no fim, Namjoon também compreendia o que Taehyung dissera sobre sobre querer se afastar de Hoseok – mesmo que soubesse que ambas partes iriam se ferir no processo.
Céus, por que só arrumava amizades complicadas?
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Hoseok tinha agora dezoito anos.
Isso deveria ser algo bom, que o motivaria a ser alguém melhor, um ser evoluído e imune de defeitos, uma vez que estava a um passo da maioridade sul-coreana. Deveria, mas não era – porquê tudo que o Jung sentia desde que despertou na manhã do dia dezoito – com seus pais segurando um bolo confeitado e Seokjin um buquê de flores vermelhas – era a mais pura confusão, como se estivesse em uma realidade paralela.
Ele assoprou as dezoito velas, e dividiu o bolo em fatias iguais enquanto ouvia a senhora Kim contando sobre quem decidiu o sabor do doce – Seokjin –, e como eles fizeram seu melhor para que ficasse de seu agrado. E realmente ficou, principalmente pelo motivo de chocolate ser seu sabor de bolo preferido – sim, era um clichê –, e junto do café fresco preparado toda manhã... Era sua forma de comemoração favorita, acima de qualquer festa que pudesse ter dado errado durante todos seus anos de vida.
Ele sentou-se na mesa junto da família na primeira refeição, ouvindo o casal fofocar sobre um colega de trabalho de seu pai que aparentemente estava tendo um caso com sua chefe para subir de cargo, enquanto ao seu lado Seokjin mexia no próprio aparelho celular, à procura de algo que o caçula dos Kim-Jung desconhecia.
Por fim, o adulto apontou o aparelho telefônico em sua direção, deixando à mostra a imagem de dois homens com cabelos coloridos que pareciam ser fotografias retiradas do Pinterest, devido a sua qualidade mediana e pose clichê — muito comum em sites como tal.
Hoseok comeu mais um pedaço do bolo doce e de tom amarronzado, olhando para o irmão em um sinal de que não compreendia o que ele queria.
— Qual você prefere, Soleil? Quero pintar essa semana, mas estou em dúvida sobre a cor.
— Hm... — ele olhou novamente para as fotos, que mostravam um homem de cabelo azul turquesa e outro rosa pastel, e então voltou a olhar para o irmão, prestando atenção na raiz escura que formava no cabelo loiro prateado do irmão, e como seus fios pareciam quebradiços, desidratados. — Acho que é melhor você voltar pro preto, e deixar seu cabelo descansar. Porquê eu lembro que, em outubro, seu cabelo estava verde, e logo depois você deixou ele claro. Não é saudável.
— É, faz sentido — respondeu com um muxoxo, sabendo como seu cabelo parecia bem destruído desde que tinha surtado após a demissão, descontando tudo em seus fios em uma forma de se desprender da imagem de jornalista sério do passado – obviamente, não dera certo. — Vou pensar nisso.
— Ok — e voltou a comer, sorrindo minimamente ao sentir o irmão acariciando seus fios em um afago, da mesma forma que fazia quando era criança e essa data chegava. Era como um lembrete de que algumas coisas nunca mudavam, mesmo que você lutasse contra elas.
E Hoseok estava, para ser bem sincero, cansado de lutar.
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Seus passos pelos corredores do terceiro andar do colégio Huimang eram lentos, observando a maneira como as paredes formavam sombras sob seu toque, ou a leveza do contato dos seus pés no piso de madeira, de forma que pudesse flutuar se tivesse esse dom.
Aquele dia não estava bom, era essa a verdade. Tivera três aulas de física para reposição de conteúdo perdido, e precisou se concentrar mais do que o seu normal, porquê infelizmente não poderia tirar nota baixa no exame. Era sua última chance de passar com honras naquele ano, e embora seus pais não fizessem o perfil de sul-coreanos obcecados pelos estudos, ainda assim Hoseok não queria decepcioná-los – e também precisava manter uma bolsa de estudos para o ano seguinte, e tudo que menos desejava era voltar para a escola pública, onde todos lhe conheciam.
Não, não seria bom. O certo seria estudar o máximo que podia, até recuperar as notas perdidas pelos exames falhos.
As janelas do corredor estavam abertas, permitindo que o ar entrasse por ela e refrescasse seu corpo, que parecia queimar de calor. Fazia vinte e oito graus, não estava acostumado com as sensações causadas por uma mudança de clima tão abrupta.
Quando virou o corredor, indo em direção ao banheiro que sempre frequentava em uma tentativa de fugir das pessoas, Hoseok teve seu corpo paralisado ao notar o garoto que vinha em sua direção, embora não parecesse estar de fato prestando atenção em si.
Assim como todas as outras vezes, a postura de Taehyung era perfeita. Alto, o uniforme escuro caía perfeitamente em seu corpo magro, enquanto os cabelos perfeitamente cacheados despencassem sob sua testa, criando aros. Além disso, seus olhos se mantinham castanhos, embora também pudesse enxergar um mínimo de verde em suas íris, iluminada pelo sol de início de tarde.
Seu coração acelerou, não duvidava que pudesse despencar quando o humanoide virou-se em sua direção, notando-o pela primeira vez desde que tinham estado em um único ambiente e sozinhos – o que tornava-se normalmente impossível devido a grande quantidade de estudantes naquele instituto de ensino privado.
Hoseok deu o primeiro passo, que fora o suficiente para que Taehyung decidisse fazer o mesmo, de forma que caminhassem na direção um do outro. Seus olhos sequer desviavam, como utilizassem daquele globo para tomarem coragem para continuarem a fazer o que internamente queriam, mesmo que fosse absurdamente difícil de entender o que se passava. O Jung pensou, pensou em desviar, pensou em fingir que não o conhecia, pensou em fugir da mesma forma que fazia a tanto tempo, mas era tão difícil. Era tão difícil fugir de quem gostava, tão difícil lutar contra sentimentos que pareciam ser corrosivos, que quando Hoseok notou, apenas um palmo o afastava da sua paixão, que parecia o olhar como se temesse que ele saísse correndo – como já tinha feito antes.
— Taehyung...
— Eu partirei em junho — foi a primeira coisa que Taehyung disse, cortando completamente a fala do outro. Hoseok o olhou, estranhando o que tinha sido dito, enquanto seu cérebro processava as palavras utilizadas.
— Como...? Por que? — piscou confuso, sentindo o calor sumindo de seu rosto enquanto esperava uma explicação para aquilo. Tinha sido por causa do que ocorreu? Hoseok estava chateado, claro, mas isso não significava que... ele não queria Taehyung longe da sua vida! Não era certo. — É por causa do que me contou? Sobre você ser um... — pausou, pensando no termo certo. — Um.
— Não, Hobi. Já estava cotado muito antes de você descobrir. Eu sei que preciso partir em junho desde que te encontrei no parque na primeira vez, que você estava com Namjoon — explicou, notando como o cenho de Hoseok se franzia em confusão genuína misturada com algo que Taehyung desconhecia, mas causava uma coloração avermelhada em suas bochechas. — Sinto muito por não ter contado antes, mas... Era melhor assim, não? Você poderá me odiar em paz, sem precisar me ver todos os dias, e então, com o tempo, você superará.
— E você? — o olhou, então o Kim notou como seus olhos brilhavam, estando mais claros que seu costumeiro. — Você superará, ou foi um nada para ti? Aquela declaração no meu quarto, quando disse que sentia algo por mim... era mentira? Tudo que você fez foi mentira? Desde o início?
Taehyung hesitou.
E aquele foi o sinal que Hoseok precisava para concluir que sim, era unilateral.
— Eu não te entendo, Taehyung — admitiu, abaixando a cabeça em seguida. — Primeiro você me tratava como lixo, mas eu aceitava porquê você nunca disse que gostava de mim de qualquer forma, então não poderia pedir por algo que nunca prometera. Em seguida nos tornamos amigos, após você dizer com todas as letras que sim, se importava comigo, sabendo da minha regra para criação de amizades. Então nós nos beijamos naquele parque! Nos beijamos, machucamos um ao outro devido a mentiras, e ficamos quase um mês sem conversar, até o banheiro – onde eu que te procurei –, e em seguida você bateu na porta da minha casa. Nos beijamos o dia todo, dissemos como gostávamos um do outro mais do que como amigos, e agora... — ele fungou. — Agora você tira o chão que me apoiava e faz tudo parecer tão fácil que eu me questiono: será que fui eu que criei expectativas demais, ou você que é um babaca? Porquê eu não sei, Taehyung. Eu verdadeiramente não sei, e odeio não ter uma resposta para algo, então... responda: eu que criei expectativas, ou você é o idiota da história?
Taehyung o observou, observou os traços bonitos que marcavam o rosto fino, observou os lábios grandes que constrastavam com o nariz reto, e observou como seus olhos estavam inchados, avermelhados, como se o humano tivesse passado muito tempo chorando. Ele observou tudo isso, em uma busca à uma resposta que não possuía, porquê tudo que planejara era contar a verdade é observar o garoto que gostava sumindo de seu toque, como se a mais simples aproximação fosse intoxicante.
Ele pensou, até notar que os sentimentos mais simples eram ditos com o coração, e não com um planejamento árduo – algo que ele gostava de criar em uma tentativa de se igualar aos mortais.
— Eu existo a trinta e seis anos — começou, chamando a atenção do garoto para seu rosto. — Não lembro muita coisa do começo. Song, meu criador, dizia que eu não fui algo não calculado, que ele fez como teste para ver o nível de suas habilidades e deu certo. Minhas lembranças mais remotas são de muito, muito tempo atrás, mas elas se misturam em minha mente como um quebra-cabeça que me desafio a montar, mesmo que seja absurdamente difícil — Hoseok assentiu. — Trinta e seis anos, e se qualquer pessoa perguntar, não terei problemas em dizer que, não importa o tempo, você, Jimin e Namjoon terão vivido mais do que eu vivi em todos esses anos, e vocês são meros adolescentes. Isso aqui? — sua mão foi para o próprio tórax, fazendo com que Hoseok seguisse seu olhar. — Ferro. Materiais embutidos que criam essa máquina que você está vendo agora, enquanto meu interior é composto por inúmeros programas que definem quem sou. Sistemas de numeração, terabytes de memórias, uma internet perfeita para eu pesquisar o que eu quiser, quando quiser, como eu desejar... Eu sou um Código Binário ambulante, Hoseok. Tudo está agrupado dentro de mim, confundindo-me, me moldando, que chegou em um ponto que não sei mais quem sou. Projeto Taehyung é algo longíquo que sequer sei se ele realmente é real, porquê tudo que eu acreditava que eu acreditava ser verdade... Song destruiu, sem se importar com os efeitos que causaria.
— Tae... — chamou. — Por que está me contando isso?
— Porquê com você, por pelo menos um tempo, eu sabia quem era. Te olhando, te ouvindo, te tocando... tudo parecia tão certo, que nada mais era necessário. Mas não foi, e eu voltei a me perder.
Hoseok deu um passo à frente, de forma que seu nariz tocasse o de Taehyung. Seus dedos subiram pelo braço direito do Kim, sorrindo minimamente ao notar a forma que este fechava os olhos à medida que o toque se intensificava, até subir para o seu rosto. O Jung notou que o outro tinha pequenas pintas em sua pele, sendo a mais chamativa em seu nariz, que parecia constrastar com o restante da sua fisionomia. Quem quer que fosse Song, o agradeceria de joelhos pela criação perfeita do homem a sua frente.
— Você é Kim Taehyung — sussurrou como um segredo, fechando os lábios em uma expressão séria quando o outro voltou a abrir os olhos, o observando. — Isso é suficiente para mim.
— Hobi...
— Espero que seja feliz — o cortou, afastando sua mão do rosto do outro temendo não aguentar mais. — Em Seul, ou... de onde quer que você esteja.
— Hobi — chamou novamente, segurando seu pulso com delicadeza antes que este se afastasse completamente.
Hoseok olhou para a área pressionada antes de desviar para o garoto responsável por sua paixão arrebatadora, se perguntando como alguém poderia ficar mais lindo a cada dia que passava, como se vivesse em um desafio consigo mesmo. Hoseok não se afastou, como se o desafiasse a dizer o que pensava naquele momento antes que sua cintura fosse novamente tocada, da mesma maneira que Taehyung o fazia quando estavam se beijando, da mesma forma que fazia seu coração se acelerar e doer em seu peito, como se ele pudesse explodir.
— Se você for me beijar, me beije logo — sussurrou, tirando forças de não sabia onde enquanto os olhos de Taehyung se arregalavam, provavelmente em choque. — Antes que eu me arrependa.
— Não quero que se arrependa.
— Então faça ser bom — respondeu, enrolando seus braços ao redor do pescoço do – agora que sabia – mais velho, deixando que seus narizes se esbarrassem um no outro enquanto seus braços se arrepiavam ao sentir o toque aumentar em sua cintura.
Então Taehyung o beijou.
Um beijo profundo, cálido, que tinha o poder de tirar o chão de seus pés e o levar à loucura, uma loucura que sabia que não poderia controlar quando o garoto a sua frente o tocava da forma que tocava, e o beijava da maneira que beijava. Seus dedos tocaram os cabelos cacheados do outro com intensidade, permitindo que o contato entre seus corpos se aprofundassem ainda mais, a medida que suas línguas se juntavam e o corpo do mais velho era pressionado na parede ao lado das grandes vidraças, impedindo que qualquer pessoa visse o que faziam.
Hoseok já não tinha mais controle sobre o próprio coração e mente, e sabia que Taehyung estava da mesma forma só pela maneira em que segurava sua nuca, impedindo-o de quebrar o laço que formavam entre si. Merda, ele estava tão apaixonado que era humanamente impossível destruir aquilo que construíram em poucos segundos, pouco se importando de verdade com o que pensavam, embora a parte racional de seu cérebro dissesse que ele não deveria estar fazendo aquilo, principalmente com alguém que iria embora em poucos meses – quatro meses, para ser exato.
Por fim, Hoseok se afastou, deixando que seus olhos se juntassem ao do Kim enquanto pensava em tudo que tinha acontecido até aquele tempo, tudo que tinha acontecido para uni-los e afastá-los. O adolescente sorriu, tocando com carinho o rosto do mais velho enquanto era possível enxergar a confusão em seu rosto bonito, quase esculpido. Como era possível alguém afetar tanto o outro? Era o que pensava, deixando seu dedo deslizar pela bochecha fina e de tom dourado, quase como se o Sol o banhasse.
Taehyung tinha tudo que era necessário para conquistar o mundo, só bastava sorrir.
— Tenha um bom dia, hyung — sussurrou ao se afastar completamente, retomando seu trajeto enquanto lutava internamente contra si mesmo para que não olhasse para trás, temendo o que era capaz de fazer.
Felizmente deixara o seu lado consciente agir, mas por que doía mais do que tinha planejado?
E Taehyung... era como se ele estivesse nas nuvens após ter os lábios do humano nos seus, mesmo que fosse pela última vez.
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