(1/2)

A neblina dominava aquela manhã, escondendo de vistas longínquas um carro que desviava da estrada principal para tomar a rota de uma trilha de cascalhos cinza, molhados de orvalho, e cercada por árvores em um clima condensado pelo isolamento.

Depois de percorrer aquele caminho por dez minutos, o automóvel ignorou o desvio que levaria ao estacionamento e seguiu até chegar a metros de uma construção, onde estacionou em paralelo à parede escura espelhada, cessando o barulho ruminante do atrito entre pneus e cascalhos.

Uma mulher de cabelos brancos e face jovial saiu do veículo. Ela puxou a frente do casaco verde-escuro para fechar uma abertura desabotoada, impelida pelo frio ou, talvez, pelo nervosismo que fazia o coração palpitar. Os olhos castanhos apontaram com melancolia para as portas de vidro fumê do prédio, tão escuras que pareciam metálicas, e se dirigiram para cima, como se almejassem enxergar a cúpula de vidro que sobressaía por cima da copa da floresta e da névoa a centenas de metros de onde estava. As paredes pareciam intermináveis dos dois lados, como um muro separando o fim daquela estrada do resto do mundo.

Era um refúgio protegido dos curiosos que por vezes passavam pela região sem um convite. O local ideal para aqueles que se dedicavam aos animais ou queriam se isolar da humanidade.

Ela suspirou, controlando a respiração, e se encaminhou para a entrada daquele lugar que, bem sabia, causar-lhe-ia tristeza e confusão no momento da despedida.

O veículo partiu sozinho enquanto a mulher se aproximava das paredes de vidro. Ela contemplou a própria imagem quase invisível naquele material; era estranho — e muito bem-vindo — não ver a costumeira angústia no semblante. O nervosismo de agora nada tinha a ver com o sentimento de anos atrás, que ressurgia pela falta de fé em si mesma.

Sem solicitarem os motivos de ela estar ali e nem lhe cobrarem autorizações, as portas automáticas se abriram — a câmera interna do prédio, disfarçada de um pedaço da parede de vidro, reconheceu a visitante. Do lado de dentro, a mulher passou por um corredor curto, com apenas um balcão de informações vazio, que terminava em outra camada de portas — de aço desta vez. Estas também lhe permitiram a passagem.

— Mori! Há quanto tempo! Ou devo dizer, "doutora" Lírie?

Catrin Crow, diretora do complexo laboratorial da Amazônia, aguardava-a na recepção. Fazia quase um ano desde que Mori a viu pela última vez, mas Cati continuava como sempre. O cabelo escuro e curto delineava uma expressão severa que se dissolvia na presença de amigos e, por baixo da blusa branca, escondiam-se tatuagens; Mori vislumbrava, vez ou outra, a ponta da cauda de uma moreia quando a manga da blusa de Cati descobria o pulso do braço direito, enquanto as barbatanas cefálicas de uma raia-manta estavam sempre visíveis na nuca, pouco acima da gola.

— Ah, sim. Obrigada. — A jovem bióloga enrubesceu. Acabara de concluir o doutorado e ainda não se acostumara ao título quando proferido por conhecidos.

— Como você está? E os harmínions?

Embora Mori estivesse familiarizada com a natureza de Catrin de não se embrenhar em rodeios, abordar aquele assunto desamarrou as preocupações que trancara na mente e, ainda que fosse a razão da vinda dela, necessitou de um suspiro, como se tomando fôlego antes de mergulhar naquela conversa.

— Vi as notícias. Parece que a tensão está aumentando por lá — continuou Cati.

— Tem gente falando de queimar a floresta. — Mori contraiu os lábios e franziu o queixo, carregava o cansaço de um ataque constante de aflição e sensação de impotência nos últimos dias.

— Decisão muito inteligente. — Cati enfatizou a segunda palavra com ironia. — Alguém do governo deveria fazer alguma coisa para intervir. Talvez eu possa...

— A situação tá bem complicada. Eles até estão tentando afastar as pessoas, mas o meu medo é alguém se precipitar e fazer uma besteira. A floresta já pegou fogo antes e é só o que falta acontecer de novo. — Direcionou as pupilas para o chão, com pesar, antes de retornar à testa franzida de Cati. — Várias crianças harmínion morreram no último incêndio.

— Se eu puder ajudar com qualquer coisa, é só me dizer, mesmo que eu não consiga o apoio de outros biólogos. Mas imagino que você e o Elias já tenham planejado alguma coisa.

— Sim. Cadê ele? — Mori observou ao redor da mulher, como se esperasse encontrá-lo atrás dela.

Cati torceu os lábios e enrijeceu o olhar com desgosto.

— Recebendo outra visita. — O dissabor impregnou o tom de voz. — Vamos; chega de eu ficar te barrando aqui.

Elas se dirigiram para um dos dois elevadores panorâmicos que preenchiam aquela sala, cada um capaz de levar pelo menos trinta pessoas. Contemplaram uma vista sem névoa, de uma floresta brilhante e diferente daquela que permeava a estrada até ali, enquanto subiam ao décimo andar, acompanhando os troncos grossos das árvores até chegarem às copas e acima delas — algumas ainda se estendiam para cima, encobrindo porções do céu com as folhagens.

— Não parece com ele — despontou Cati, liberando o desabafo depois de uma expiração empurrada. — Ficar procurando parceiras jovens assim... Não se deixe enganar, Mori, mesmo que ele tenha feito uma operação de rejuvenescimento, continua mais velho do que eu. Toma cuidado mesmo; tenho medo, por você, de que ele tente se aproveitar da situação e aconteça tudo de novo. Nem gosto dessa nova companhia dele, e ainda assim é uma pena ver ela sendo ludibriada.

— Não precisa se preocupar comigo. — A jovem doutora forçou um sorriso constrangido. — Você viu que não damos certo juntos.

A porta do elevador abriu, revelando uma iluminação enfraquecida e aconchegante do sol nascente através do vidro fumê por toda a extensão da parede à esquerda. O interior daquele prédio parecia ter pausado em um amanhecer sonolento, enquanto os bancos disponibilizados daquela enorme sala-corredor, que morria de vista em uma curva suave, eram perfeitos para admirar aquela eternidade. E, por aquela mesma curva, surgiram uma mulher de longos cabelos escuros e um homem com a barba por fazer e coberto por um jaleco branco aberto na frente. Os olhares deles captaram as mulheres já presentes no local e ambas as duplas continuaram em frente até se encontrarem a menos de dois metros.

No instante em que viu Isadora no recinto, Mori rolou os olhos para cima e quase soltou um ar de impaciência enquanto prosseguia com os braços cruzados. Paciência seria crucial agora. Não deveria se esquecer do motivo urgente que a trouxe ali naquele dia.

— Olha só quem resolveu aparecer! — Isadora apertou o passo, ignorando espaços pessoais, e apresentou um sorriso e olhar intensos e vidrados de forma a causar desconforto em seus alvos.

Pega de surpresa, Mori não reagiu ao abraço rápido da mulher. Não esperava uma atitude calorosa de alguém que sempre tratava todos como se fossem indignos de um simples relance de olhos.

— É. Eu... preciso resolver algumas coisas. — Como não esperava encontrar a outra mulher, Mori se segurou para conter a revolta. Tinha uma forte suspeita da razão por trás da visita dela.

— Eu também!

Isadora continuou em frente até o elevador, girando a parte superior do corpo por um instante para jogar um aceno de despedida junto de um sorriso largo na direção do trio.

Enquanto ainda podiam ouvir o som dos passos dela enfraquecendo, as doutoras encararam o homem. O olhar de reprovação de Mori só não era mais explícito do que o de Cati, que trazia o tempero da repugnância.

Diferente de Isadora, Elias guardou as mãos nos bolsos da calça e marchou de volta pelo caminho que o trouxera até ali sem oferecer nenhum sinal de cumprimento ou despedida.

— Não vai nem falar "oi"? — questionou Mori, permitindo aflorar uma versão fingida de ultraje.

Depois de ser ignorada, ela acenou rápido para Catrin como se quisesse espanar uma sujeira do ar, em sinal de um "pode ir, deixa comigo", e correu para alcançar Elias.

Mori o seguiu pelo corredor para além da curva de onde ainda poderia ver Cati esperando as portas do elevador abrirem. Enquanto o teto e a parede à direita eram brancos, a floresta do lado esquerdo ainda os acompanhava, acobertada pela claridade tímida do sol.

— Eu preciso... Não. Li, os harmínions precisam de ajuda; então dá pra parar com essa birra e falar comigo? — insistiu a Dra. Lírie para as costas do cientista. Se fosse apenas uma questão pessoal, já teria desistido de forçar o contato com alguém indisposto à civilidade, entretanto, estava ali por um motivo maior e não se demoraria a fazer um escarcéu para ser ouvida se fosse necessário. — Low!

A sombra dele, marcada de leve na parede branca, estancou de imediato. Era inexpressiva como o dono e não continha os olhos cinzentos que transmitiram um alerta quando Elias se voltou momentaneamente para encarar a mulher. Não era difícil irritá-lo — ele bebia irritação junto do café toda manhã —, e Mori conhecia os atalhos para elevar aquele sentimento até o alto do termômetro.

Ele aguardou ela alcançá-lo para retomar a caminhada.

— Disse que não queria ouvir a minha voz; eu só estava colaborando com o seu desejo — justificou-se Elias.

— Eu já esperava por isso quando não atendeu minhas ligações, mas respondeu as mensagens. — A doutora o observou com presunção, levantando as sobrancelhas.

Um esboço mínimo de sorriso se manifestou no canto do rosto dele, apagando-se em menos de um segundo.

Pareceu que percorreram o corredor durante séculos. Nenhuma das centenas de portas do lado direto contentava o Dr. Crow.

Aquela parte do prédio, o principal da Amazônia, repartia a floresta em seções que controlavam os ambientes por meio de cúpulas climatizadoras, e todas tinham aquela parede de vidro que permitia a visualização de seus respectivos biomas.

— Quer chegar ao próximo bioma a pé? É esse o objetivo? — indagou Mori, certa de que ele estava testando a paciência dela. Ao mesmo tempo que preferia entrar no jogo do que ceder, precisava estabelecer um limite devido à urgência da qual precisava tratar.

Ignorando a pergunta, Elias abriu uma das portas, que pareceu aleatória, e passou por ela, escolhendo iniciar a conversa em um cômodo com quatro paredes opacas. Era um escritório simples. Uma das paredes continha uma tela transparente que permitia o acesso às anotações do computador do complexo laboratorial. Um pouco à frente da tela havia um balcão de granito branco com frascos secando com as bocas viradas para baixo ao lado de uma pia no centro. Prateleiras com mais frascos ficavam à disposição em outra parede, deixando espaço para uma janela discreta e oposta à tela.

O cientista se recostou no balcão, cruzou os braços, apontou o rosto para o teto durante alguns segundos e depois voltou a encarar a mulher no meio da sala.

— Eu vi as notícias — declarou.

Mori assentiu e mordeu o canto do lábio inferior.

— Ainda poderíamos seguir o plano atual se a família Pires não tivesse aparecido do nada e mobilizado a população. — Ela soltou o ar pela boca e as pupilas vagaram pelo chão até retornarem ao ponto inicial. Os olhos carregavam o brilho de lágrimas melancólicas aguardando o momento de escapar. — Estão ameaçando queimar a floresta se o governo não tirar os harmínions de Elephant Stone. E, enquanto isso, os harmínions não têm intenção de colaborar com o governo; não consegui convencê-los.

— Então, o que quer fazer?

— Tirar todos eles de lá eu mesma de uma vez. — A voz da doutora ganhou convicção. — Mas precisa ser logo.

Os olhos castanhos de Mori focaram nos de Elias, tentando transferir a mesma determinação que ela sentia ou, ao menos, induzir compaixão.

— E como pretende fazer isso? — Ele questionou com desinteresse, apenas pelo andar natural da conversa, pois a presença da doutora na Amazônia respondia a questão.

— É aí que você entra. Os alquimistas não podem fazer alguma coisa? Aliás, eles não estão preocupados com o que pode acontecer se a floresta for queimada? Não têm nenhum receio de que podem provocar a ira dos harmínions?

Elias olhou para o teto, pensativo. Procurava não envolver Mori nesses assuntos, mas seria inviável afastá-la enquanto estivesse decidida a encontrar uma solução para os harmínions.

— No fim de semana, vou me reunir com a Alina para entregar as últimas correções do code. Posso dar um jeito de antecipar a reunião. Obviamente, ela questionará o motivo do meu interesse no seu projeto, então...

— Não me importo. Que venham atrás de mim; que pensem que sou uma ameaça aos segredos deles. Nada disso importa se acontecer uma guerra entre os harmínions e os manifestantes.

Ele considerou as palavras da doutora. Decerto aquela rebeldia a levaria a um fim prematuro. Foi egoísmo dele arrastá-la para o fundo daquele poço; abandoná-la no escuro, entretanto, embora fosse uma alternativa tentadora outrora, tornou-se impraticável com o passar do tempo. Era ele o próprio culpado por trazer o tormento para si.

— Ok. — Conformou-se em um suspiro profundo. — Espero que não tenha nada mais a perder.

— Ainda duvida da minha disposição mesmo depois de me mostrar o laboratório do Dr. Ray? — Um pequeno sorriso desafiador encontrou espaço na face séria da doutora.

— Certamente que não. Só estou... inquieto.

— Preocupado, você quer dizer, né? Mas você sabe que eu não sou a Mori ingênua que você conheceu. — Acrescentou uma nuance irônica ao continuar: — Aliás, você nunca se preocupou com ela, não tem por que se preocupar comigo agora.

— Isso significa que também não preciso me incomodar em ajudá-la, então? — Apesar de continuar com a provocação, ele não expressou nenhum sinal de divertimento.

A Dra. Lírie respondeu com um levantar de sobrancelhas e olhar cético, apagando a brincadeira antes que se alastrasse.

— Você se arrisca cada vez que vai a uma dessas reuniões. — Ela se desfez de cada vestígio no rosto que não condizia com a severidade. — Só de eu estar aqui, pedindo para que fale com eles, me sinto... horrível. Então, nada mais justo do que eu me arriscar com você.

O silêncio tomou a vez, e Mori não se deu ao trabalho de espantá-lo, afinal era um aliado. Que Li tivesse o tempo necessário para ponderar; para mensurar o quão disposta ela estava de convencê-lo, imaginar as consequências caso demorassem demais e um dia a floresta ardesse em chamas, ver-se hipnotizado por aqueles olhos valentes, ciente do quanto o desarmavam e, por fim, assentir com a cabeça em resignação.

— Preciso organizar algumas coisas se pretendo marcar a reunião o quanto antes. Vá infernizar a Catrin enquanto isso. Nos vemos à noite, ok? — disse ele, retirando-se da sala sem aguardar uma confirmação.

— Ok. — Mori exibiu um sorriso vitorioso.

Ainda que as implicações fossem desfavoráveis — para não dizer amedrontadoras —, agarraria aquele resquício de contentamento que era poder conversar e contar com Li mesmo depois da última desavença, cuja lembrança evitava revisitar para não se afogar de novo nas sensações de impotência e infelicidade.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top