Sopa

Assim que minha mãe estacionou o carro, eu desci correndo e atravessei o jardim de Henry, sem me importar com os gritos de minha mãe dizendo que não havia confirmado a hipótese do sr. Dust jantar conosco.

Bati seguidas vezes na porta, rapidamente. Henry a abriu, com os óculos no rosto e segurando o livro com o dedo indicador marcando uma determinada página. Deduzi que estivesse escrevendo e me senti um pouco encabulado por ter atrapalhado o seu trabalho.

Ele suspirou impacientemente e tirou os óculos.

— O que foi, Kennedy? — me perguntou.

Minha mãe já estava saindo do carro e caminhou na nossa direção. Estava andando pelo jardim de Henry, e o mesmo inclinou a cabeça olhando para ela, com o cenho arqueado.

— Cuidado, senhorita... Está pisando em terreno perigoso. Literalmente. — comentou Henry.

— Boa tarde, sr. Dust. Como está? — minha mãe fingiu uma agradável simpatia por aquele loiro.

— Muito bem, senhorita. Acordou de bom-humor hoje, sim? — Henry sorriu amarelo para ela, que por sua vez, retribuiu do mesmo jeito.

— Eu acordo de bom-humor todos os dias. Cabe às pessoas mudarem esse humor ou não. — minha mãe cruzou os braços, e ambos ficaram se encarando por alguns segundos.

— Pois bem, à devo a hora dessa maravilhosa visita? — Henry fingiu uma falsa animação.

— Apareça na nossa casa às sete horas, por favor. — falei, limitando o seu poder de escolha.

— Para...?

— Um jantar conosco. — expliquei. — Eu estou te convidando. Aliás, gostei bastante do livro. Podemos conversar sobre ele, não é?

— Uma observação, meu filho... Quer dizer, está mais para pergunta: esse livro contém conteúdo adulto? — minha mãe virou-se para mim, fazendo Henry se apoiar no batente da porta e revirar os olhos.

— Não, mãe... — respondi num tom de tédio.

Ela jogou algumas mexas do cabelo para a frente do ombro, como se estivesse fazendo charme ou algo tipo. Consertou a postura e resmungou um "Que bom".

— Bem, eu não vou. Sinto muito. — respondeu Henry, dando dois passos para trás, para poder fechar a porta na nossa cara.

— E sobre "Suíte Prefencial"? — dei um passo à frente.

— Como sabe desse livro? — ele ficou com uma certa expressão de pânico no rosto.

Abri um sorriso sacana e me balancei para frente e para trás.

— Venha no jantar e saberá, Henry Dust.

✖️✖️✖️

Sopa.

O jantar foi sopa.

Uma sopa de abóbora.

Uma porcaria de sopa de abóbora.

Eu estava fazendo de tudo para manter a minha respiração regular e não gritar com a minha mãe, mas o que ela fizera foi muito grave. Ela poderia ter frito um frango e feito macarrão e... Voilà! O jantar está pronto!

— O que é isso? — perguntou Henry, quando a minha mãe pousou o prato de sopa à frente dele, na mesa.

— Se acha que aqui em casa comemos porcarias, você está muito enganado. Está em nossa casa, vai comer a nossa comida! — ela sentou-se do outro lado da mesa.

Henry olhou para mim, ao seu lado, mas eu apenas balancei a cabeça negativamente, discordando a afirmação da minha mãe.

— Mas é exatamente isso o que nós faze...

— Quer mais sopa? — minha mãe me interrompera, dando um chute na minha canela e se inclinando sobre a mesa, na direção de Henry.

— Eu não vou tomar essa sopa nojenta. — Henry se recusou, afastando o prato de si.

— Então passe fome! — mamãe cruzou os braços e o fitou com raiva.

— Tem pizza, sr. Dust. — me levantei e fui até a cozinha.

Tirei da geladeira uma pizza e liguei o forno, colocando-a para assar em seguida. Quando voltei para a sala de jantar, a minha mãe estava me olhando com raiva.

— Não irá demorar para ficar pronta, sr. Dust. — contei, sentando-me em meu lugar. — Então... Bem... Eu vi o seu livro no intervalo.

— No intervalo? Como assim? — Henry ignorou os olhares de minha mãe e virou-se para mim.

Suspirei.

— Tinha uma garota...

— Você conheceu uma garota? Olie! Por que não me contou isso?! — minha mãe se exaltou de felicidade.

— Eu nem falei com ela. — cortei a sua animação.

Fez-se alguns segundos de silêncio, para depois a minha mãe soltar um "Ah..." baixinho.

— De qualquer jeito, ela estava com "Suite Preferencial" nas mãos. Sobre o que é aquele livro? — pousei as mãos em cima da mesa e fitei aquele homem com um certo brilho no olhar.

Henry olhou para a minha mãe e depois para mim, e depois para minha mãe de novo e ficou olhando-a, como se estivesse pedindo permissão para algo. Estava evidente que ele não se sentia confortável em debater sobre algum livro dele comigo na frente da minha mãe.

— O que foi? — minha mãe inclinou a cabeça para o lado, confusa. Eu amo quando fica assim, ela fica linda.

— Então... Oliver. É um romance erótico. — disse Henry, por fim.

Até que ouvimos um som de algo de vidro caindo no chão e se partindo. Ambos nos viramos para a minha mãe e a vimos (literalmente) boquiaberta e logo abaixo, um copo de vidro espedaçado no chão.

— Mãe? Está tudo bem?

Ela se levantou, e eu me senti tão pequenino ali... Até Henry sentiu aquilo porque era ele quem estava parecendo uma beringela murcha na cadeira. Eu respirei fundo e deixei o fim do mundo começar.

— Você está deixando o meu filho ler as suas orgias para maiores de idade?!! Ele só tem dezesseis! Dezesseis! Um e seis: dezesseis! — gritou a minha mãe, lembrando-me o quanto fui parecido com ela na secretaria, repetindo o meu nome que nem um maluco.

Tive que abaixar a cabeça para conter a vergonha que eu estava sentindo naquele momento.

— Você não deveria fazer as crianças lerem isso, Henry Dust!! — continuava. — Ontem, Oliver veio me perguntar como eram feito os bebês, e hoje você trás essas coisas para a mente do meu filhinho?

— Mãe, isso foi há nove anos... — falei.

— Cala a boca, Oliver. Não vou deixar esse insano poluir a sua mente! — apontou para Henry.

— Mãe! Para com isso! — me levantei da cadeira. — Henry não fez nada! Eu apenas vi o livro por aí! Não sou mais uma criança, por que não entende?!

Ela ficou em silêncio, e saiu da sala. Quando voltou, limpou os cacos de vidro do chão e levou-os para fora. Eu sentei outra vez, e o silêncio reinou por longos minutos até a minha mãe voltar e sentar-se conosco.

— Eu não vou contar a sinopse do livro, até porquê eu não me lembro dela. Se eu contar, vou acabar dizendo o livro todo e sua mãe não vai ficar muito feliz com isso. — Henry matou o silêncio.

— Talvez eu leia, um dia. Eu estive lendo o que você me emprestou e gostei muito. Sabe... Seria interessante a morte de alguns personagens desnecessários...

— Hm... Sei de quem está falando. Mas acho que deva terminar o livro para ver o que acontece.

— O rei morre? — abri um sorriso.

— Não sei... — se passou  por desentendido. — Leia para saber!

E então começamos à conversar sobre coisas alternativas, e minha mãe até que participava — claro, com algumas alfinetadas em Henry. A pizza ficou pronta e a comemos enquanto conversávamos. Minha mãe me censurou quando eu me engasguei com a pizza de tanto rir enquanto comia. Já Henry ficou bagunçando o meu cabelo e chamando-me de "garoto". 

— Obrigado pela noite, garoto. Embora tivesse ocorrido alguns desentendimentos, fora bem agradável. — disse Henry, à frente da porta.

— De nada, sr. Dust. — eu sorri. — Podemos repetir a dose algum dia desses. Tenha uma boa noite.

— Você também. — se virou e atravessou os ambos jardins, antes de entrar em sua casa.

Minha mãe apareceu atrás de mim e me abraçou, colocando o queixo em meu ombro largo.

— Ele não é tão ruim. — comentou.

— Viu? Se eu não tivesse o convidado, não teria percebido isso. — falei.

— Hm... Fecha a porta, Olie. Vamos assistir algum filme. — ela se afastou de mim e eu fechei a porta.

— Mãe, você viu Whisky por aí? Eu não o vi o dia inteiro... — andei pela casa.

— Ele está nos fundos, perto da piscina.

Eu abri a porta dos fundos e saí. O luar estava incrivelmente iluminando o ambiente e a piscina. Ouvi um miado conhecido e me aproximei daquele gato preto embaixo de uma espriguiçadeira.

— Oi, Whisky! Por que não ficou conosco? — o tirei de lá debaixo e carreguei-o. Aninhei o seu corpo em meus braços e contra o meu peito. — Você deveria ter visto o show de mamãe, Whisky! — fiz cafuné atrás das suas orelhas e vi seus olhos se fecharem por conta do carinho.

Então eu entrei em casa com Whisky e joguei-me no sofá. Mamãe apareceu com a pipoca e assistimos, pela milésima vez, o quinto filme de Star Wars. Acabei por dormir no sofá, com a minha mãe me abraçando e Whisky quase caindo.

Só fui acordar no dia seguinte, com um sono eterno, olheiras, e com a TV ainda ligada. Olhei para o relógio e...

DROGA!

Era 8:50, o horário o qual eu já deveria estar chegando na escola.

Anotado: segundo dia de aula, primeiro atraso. Eu estava me perguntando se o professor de biologia tolera atrasos, porque eu não queria tão cedo voltar à diretoria e tampouco na secretaria.

Que droga.

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