Polícia
Quando eu tinha nove anos de idade, eu assisti pela primeira vez Missão Impossível. Achei divertido, mas sentia que não passava de ficção. A música ficou na minha cabeça, e eu a cantarolei sem parar durante quase um mês.
E outra vez, essa música surgiu na minha mente. Tão de repente, era como se eu nunca tivesse escutado-a antes. Mas confesso que ficou boa a minha trilha sonora interna quando agarrei vários pacotes de doces, enfiei debaixo da camisa, segurando-os com o outro braço, e corri para a porta do fundo.
Outra vez, repito, não me lembrava quando e como Styles contatou o seu tio para levar o carro, mas o carro em que fomos para a festa estava bem ali na minha frente.
Taylor não parava de gritar para corrermos, e até ele furtou algumas coisas. Foi uma missão impossível mesmo, o modo como corremos até o carro e nos apertamos e Styles pisou no acelerador, foi totalmente mágico e desesperante.
Eu não havia me drogado, mas eu havia consumido álcool. Não sei se foi por conta disso, mas eu não conseguia parar de rir. Eles me acham louco, pensei, pois eu não conseguia parar de gargalhar. Tinha alguém no meu colo, não me lembro bem. Acho que era Cass, mas depois ele saiu para se sentar no banco normal, já que Styles gritou por ciúmes. Em seu lugar, viera Sky, como da outra vez. Por que sempre me empurravam Sky? Eu não sabia. Mas eu sabia que era bom, porque assim eu sentia o cheiro do seu cabelo. Ela estava nervosa, então eu segurei a sua mão. Ela estava inquieta, então eu a abracei. E continuei rindo, porque na minha visão, tudo aquilo era engraçado.
Aquela sirene irritante estava cada vez mais longe, eu olhei para trás e vi a loja se afastar. Os últimos raios de Sol batiam no meu rosto, então eu apertei a minha bochecha contra as costas de Sky e tirei meu celular do bolso.
— Aonde estamos indo? — perguntou Taylor, e até percebi pela sua voz que ele estava um pouco alterado.
Zach estava em silêncio, mas uma vez ou outra resmungava que a polícia iria nos pegar. Eu me imaginei na prisão, o que me fez rir mais ainda, já que a imagem que eu tinha era de um homem de trinta anos com um macacão laranja, uma barba monstruosa e explicando aos companheiros de cela que foi tudo por conta de docinhos. De docinhos...
— A gente pode planejar a nossa fuga! — eu era o único entusiasmado.
De repente, uma sirene diferente gritou atrás de nós. Bem alto, muito mais irritante. Não parecia ter fim, e era possível saber do que se trata sem nem olhar.
— Começamos agora, então — a voz de Zach estava trêmula, então eu e Sky nos viramos para ver o carro da polícia.
— Styles, não acelera — Taylor pediu gentilmente.
Minhas mãos tremiam, e eu já não conseguia segurar o meu celular direito. Chequei as menagens: 92, vindas de um único número. Ligações: 64, do mesmo número. O contato? Mamãe. Eu estava totalmente ferrado. Não só por não atender e responder, mas por ter me metido em encrenca. E o pior daquilo tudo era que eu não me arrependia de nada, e talvez isso seja um problema.
Senti um cheiro ruim, Sky bateu em Styles em seu ombro, pois ele havia soltado.
— Desculpe, estou nervoso. Não sei o que fazer, minha mão está suando. — ele segurava o volante firmemente.
Coloquei a cabeça para fora da janela e olhei para trás. Sky protestou em meu colo, tentando me impedir. Zach me insultou, o mesmo Taylor fez. Mas eu continuei olhando, até através do vidro. Um movimento incomum vinha de dentro do carro, para depois uma pessoa muito conhecida minha colocar a cabeça para fora e gritar o meu nome.
— Oliver! Pare o carro! Agora!
Styles obedeceu, mas esqueceu que deveria fazer com calma e encostando no acostamento. Ao invés disso, ele fez o favor de pisar no freio bruscamente. O que aconteceu pode ser muito bem explicado pela inércia, fomos "jogados" para frente e houve mais palavrões circulando pelo carro.
Esperamos o policial chegar, mas ele não veio sozinho.
— Eu não estou acreditando nisso, Oliver Kennedy. Você me decepcionou. Você me decepcionou.
✖️✖️✖️
Três anos antes, a pior coisa que eu podia fazer era decepcionar a minha mãe. Vê-la triste ou chateada por minha causa era pior do que estar na delegacia. Enquanto havia gritos entre os pais dos meus amigos, eu estava tenso e o silêncio não ajudava. Mary era bem barulhenta, dramática e presepeira. Mas quando alguém a decepcionava, o silêncio reinava. Eu estava cabisbaixo, os dedos das mãos entrelaçados e sentindo frio. Não me lembrava quando foi a última vez que trocava de roupa, analisando-a suja de doces, com cheiro de bebida alcoólica e até suja de comida. Eu estava um trapo, com os cabelos desgrenhados e uma expressão de derrotado. E eu só queria que a minha mãe falasse comigo.
Ela tinha chegado em casa e não havia me encontrado. Então me ligou e mandou-me mensagens, as quais foram em vão. Já que eu não voltava há poucos dias (eu nem lembrava mais, talvez dois ou três), ela chamou a polícia. Mas quando ela contava sobre o meu sumiço, o alarme da loja foi ativado e eles foram correndo atrás dos culpados; no caso, nós. Eu me senti tão envergonhado... Mas não conseguia me arrepender, fora divertido.
Mesmo assim, minha mãe poderia fazer o típico drama dela e tudo ficaria bem, pois teríamos uma conversa e estaríamos assistindo Netflix com um balde de pipoca, no final do dia. Quer dizer, nada do tipo havia acontecido comigo antes, e talvez esse seja um dos motivos que fez a minha mãe ficar calada.
— Mary! — eu levantei a cabeça e vi Simon, com uma expressão preocupada — Saí correndo quando soube que saiu... Eu... Não sei o que dizer. E então, Oliver, tudo bem?
Eu resmunguei um palavrão e abaixei a cabeça, minha mãe não reclamou do meu comportamento, o que foi pior.
— Já resolveram tudo? — ele quis saber.
— Ainda não — minha mãe falou aquilo no meio de um suspiro. Ele a abraçou de lado e ficamos em silêncio.
Eu não sabia do que se tratava, do que seria feito. Eu estava cansado. Quando outra pessoa se aproximou de nós, eu quis mandá-la embora, mas eu havia percebido que se tratava de Dust, e ele tinha duas caixas de pizza numa mão e uma garrafa de Pepsi com copos plásticos em cima e um sorriso no rosto.
— Alguém morreu? — ele perguntou, e minha mãe bufou, irritada.
Eu sempre quis acreditar que aquela irritação era a máscara para o seu amor. Cada um com o seu ponto de vista; esse é o meu.
— Vai embora, Dust — ela pediu, e Simon a largou para observá-lo melhor.
— Só quando responder a minha pergunta: alguém morreu? — ele tornou a perguntar.
— Não — eu mesmo respondi.
— Alguém saiu ferido?
— Também não — respondi, outra vez.
— Houve algum tipo de violência? Estupro... Briga... Derramamento de sangue? — continuava.
— Não, Henry, não houve — continuei respondendo, e ele soltou uma risada forte, que todos puderam escutar. Até os pais dos meus amigos cessaram as gritarias para olhar Henry.
— Então por que estamos com essa cara? Por conta de adolescentes que roubaram doces? — Henry distribuiu copos plásticos para nós, inclusive aos membros do Clube e os seus responsáveis. — São apenas crianças! Vamos, abram sorrisos! Conseguiremos pagar o prejuízo e logo estaremos rindo dessa situação antes desagradável. Nunca foram crianças?
Ele continuou falando, servindo refrigerante no copo de cada um de nós. Rapidamente, Henry abriu as caixas e distribuiu pizza para todo mundo. Eu fiquei feliz, mas a minha mãe continuou sem conversar comigo. Estava falando com Simon, e achei que era justo. Ele não a decepcionou.
— Ele é tão gentil... — foi o que Sky disse assim que se sentou no meu colo, repentinamente.
Pelo canto do olho, percebi que a minha mãe olhava aquilo. Mas ela continuava conversando com Simon, e não teria nada pra falar, de todo modo.
— Sim, verdade — concordei, olhando Henry servir refrigerante até para os policiais.
— Eu realmente me sinto mal pelo o que aconteceu — ela falou, olhando para o homem que estava como seu responsável. Ele aparentava ser novo demais para ser o seu pai, mas eu não comentei nada. — O bom é que não fizemos muita bagunça.
— É — concordei, outra vez.
Os policiais chamaram nossos responsáveis, depois nos chamaram e ficamos falando sobre o que houve e como seria resolvido, juntamente com o proprietário da loja. Depois de horas tediosas, finalmente pudemos ir para casa. Sky seguiu com Steven, o cara o qual acabei por descobrir que era o seu irmão mais velho. Styles saiu gritando com o pai, Zach com a mãe, Alec com o tio e Cass com o pai dele. Eu saí com Simon, minha mãe e Henry. Fomos para a nossa casa, e a primeira coisa que fiz foi me trancar no meu quarto.
Quando tomei um banho regenerador e vesti uma calça para dormir, Sky me capturou com uma ligação de vídeo no meio do meu Angry Birds. Eu tive de atender, e ficamos conversando como se nada tivesse acontecido horas atrás.
Era tarde da noite, eu estava deitado na cama de lado e olhando para a tela do meu notebook virado horizontalmente. Sky também estava deitada, e era bom pensar que ela estava deitada realmente ao meu lado, porque essa era a impressão.
— Sua mãe conversou com você? — ela estava abraçada com o seu Pokemon Eevee de pelúcia.
— Não — fiz um estalo com a boca — Tanto faz.
— Hm... Algo me diz que você está blefando em seus argumentos. Acho que um pouco de gritaria histérica faz bem à alma — eu riu com aquilo — Vocês poderiam conversar. Tipo... Agora.
— Eu não vou forçar Mary a ter uma conversa comigo — fiquei emburrado e cruzei os braços — Eu não vou correr atrás.
— É impressão minha ou vocês dois são orgulhosos demais? — ela teve a audácia de insinuar.
— Eu não sou orgulhoso. — me defendi.
— Então você deve descer com a intenção de pegar um chocolate e acabar por puxar assunto — ela deu de ombros.
— A intenção é pegar chocolate, sim? — ela concordou. Me levantei da cama e tirei uma barra de chocolate que tinha numa caixa de papelão, junto com outras porcarias, debaixo da minha cama. Deitei na cama outra vez e abri a embalagem — Quer um pouco, Sky?
Ele riu.
— Você é ridículo!
— Adoro quando me insulta. Isso soa como uma declaração de amor aos meus ouvidos — brinquei, e Sky continuou rindo.
Tão linda...
— Estou tentando te ajudar. — me disse.
— Eu estou bem. Sério — mordi mais um pedaço do meu chocolate.
— Anham — balançou a cabeça — Preciso ir. Até amanhã. E não se esqueça se escovar os dentes!
— Boa noite, mamãe — acenei para ela, antes da chamada encerrar e eu guardar o meu notebook.
Como Sky me pediu, escovei os dentes e fui dormir. Não sei se foi algum sonho, mas enquanto eu dormia, eu senti alguém me tocar e fazer cafuné em minha cabeça. Eu a abracei mais forte, e senti falta do seu calor quando saiu. Eu sabia que era a minha mãe, e eu queria ser criança outra vez, para dormir com ela. Mas não podia mais usar a desculpa do monstro dentro do armário.
Eu havia crescido.
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