Platelminto

— Eu falei com uma garota hoje. — anunciei, fechando a porta da picape. Vi os olhos de minha mãe brilharem e suspirei. — Foi uma bosta.

— O que ela falou? — minha mãe perguntou, ligando o carro e dando a partida.

— O que uma pessoa normal falaria. — dei de ombros e finalmente notei um saco suspeito no tapete do carro. Afastei a minha perna esquerda e o peguei. — Eu sou um porcaria no mundo.

— Ei, não pense isso sobre você, está ouvindo? — me disse.

Assenti com a cabeça e abri o saco. Lá estava o que sobrou da xícara de Henry, totalmente destruída.

— Você fez isso? — eu perguntei.

Minha mãe riu e deu de ombros.

— Isso é muito feio, Mary. — reclamei, como se ela fosse uma criancinha e eu fosse o seu pai. — Estou decepcionado.

— Ele me irritou hoje pela manhã. — defendeu-se ela, como se estivesse explicando o motivo de chamá-lo de "platelminto".

Aliás, de onde veio esse insulto? Quem raios de pessoa chama a outra de um bicho nojento como aquele? Parece que só a minha mãe.

— Vamos comprar uma xícara nova para ele, agora. — eu decidi, e minha mãe me olhou como se eu fosse um maluco.

— Está brincando com o perigo, garoto? — me perguntou, fazendo-me rir.

— É sério, mãe. O sr. Dust não merece isso. Vamos comprar uma nova para ele e vamos entregá-lo.

— Eu não vou fazer isso, Olie. De modo algum. — balançou a cabeça e roeu um pouco a unha do dedão esquerdo.

Um fato: minha mãe consegue muito bem mentir, mas não consegue ficar sem roer a unha quando assim o faz.

E não é que ela estava morrendo de vontade de falar com Henry, talvez ela apenas estava arrependida de ter feito aquilo com o coitado e não quis deixar isso explícito, por conta do seu orgulho, ego e tudo mais. Mas eu sabia que ela queria falar com ele.

— Pois eu vou, e você vai me acompanhar, Mary. Vai fazer aquela carinha de cachorrinho sem dono e pedir um perdão muito fofo. Entendeu? — disse eu. — Sim, Mary. Pare naquela lojinha. Pode ter algo ali.

Minha mãe suspirou e fez o que eu pedi. Eu tive que puxá-la para fora da picape e reclamar algumas vezes. E no final, euzinho aqui, consegui convencê-la a escolher uma xícara para Henry.

— Moço, tem alguma xícara ou caneca escrito "Eu sou um platelminto"? — minha mãe perguntou para o rapaz que estava no balcão, ouvindo Ed Sheeran muito alto nos seus fones de ouvido baratos e com um óculos de sol no rosto.

Ele riu e minha mãe abriu um sorriso angelical para mim.

— Para um ex-namorado imbecil? Não temos com essa frase, mas temos similares... — o cara respondeu para a minha mãe.

— Jura? Me mostra?

— Não, mãe. A ideia é impor paz, não guerra. Vamos escolher um do tipo... "Você é maravilhoso"... "Gostamos muito de você"...

— O que seria uma mentira! — riu a pessoa que é a minha mãe. Eu rolei os olhos e suspirei impaciente. — Pode ver algumas desse tipo que vou conhecer a coleção "para ex-namorados imbecis". — sorriu para o moço, que tirou os fones e se levantou. — Só vou dar uma olhada.

— Está em um estoque especial, dentro do depósito. — disse o rapaz, cujo o uniforme dizia se chamar "Scott", levando a minha mãe por uma porta.

— Okay... — cedi e virei-me para as canecas ao meu lado. — "Me desculpe" — li em uma. — Talvez funcione, vou ver outras. — comentei com mim mesmo.

✖️✖️✖️

Minha mãe ficou meia hora lá dentro. Não estou sendo exagerado e não falando isso através do meu relógio psicológico. Ela demorou bastante para sair, e quando saiu, estava muito sorridente. Ignorei aquela felicidade repentina e compramos uma caneca de "Desculpa" que eu havia escolhido. Enquanto o Fã Do Ed Sheeran colocava a caixa com a caneca no saco e minha mãe pagava, fiquei observando a rua e as pessoas que passavam.

Compramos sorvetes em uma sorveteria perto dali e eu me deliciei com o meu de flocos, mas isso não quer dizer que não dei quatro colheradas no de napolitano com calda de morango da minha mãe.

Quando chegamos em casa, mamãe tomou um banho e vestiu uma calça jeans azul-marinho, junto com uma blusa rosa pink. Ela teve o trabalho de ajeitar o cabelo (ele já estava arrumado, mas acho que ela quis melhorar a sua aparência) e passar um delineador.

— Vai para onde, moça? — brinquei, sentado no sofá e observando-a.

— Entregar a caneca de Henry, por quê? Não foi você quem me obrigou? — arqueou o cenho, me deixando desconfiado.

— Tudo bem. — levantei-me e agarrei o saco com a caneca.

Saímos de casa e já era noite. Estava tudo escuro a não ser pela iluminação que vinha da varanda de Henry Dust. Mamãe me puxava pelo jardim e bateu na porta da casa do homem. Ela jogou o cabelo para à frente dos ombros e respirou fundo. Eu a fitei, com uma sobrancelha erguida e uma expressão confusa. Ela me ignorou; algo estava acontecendo.

A porta se abriu, e Henry fez uma expressão de desgosto ao nos ver.

— Oi, senhor Du...

— Olá, Henry, querido... — minha mãe me interrompeu, com um sorriso convencido no rosto.

— O que fazem aqui? — aquela já era uma pergunta padrão.

— Trouxemos um presentinho para você, Henry. — minha mãe pegou a caixa da caneca, dentro do saco o qual eu segurava, e estendeu-a para Henry. — Podemos entrar? — ela me puxou para dentro, bem antes de Henry poder abrir a boca.

— Escolhemos de coração, sr. Dust. — contei.

Ele olhou para nós dois por alguns segundos, depois abriu a caixa e tirou a caneca de dentro. Ele leu o recado, e eu vi a sua expressão de raiva chegar.

— Não gostou? — eu perguntei.

— Tenho certeza que não foi você quem escolheu isso, Oliver. — virou a caneca na minha direção e vi que estava escrito bem grande: "Eu sou um platelminto".

Então fora por isso que minha mãe ficara mil anos lá dentro... Ela estava confeccionando a caneca e trocou-a com a de "Desculpa", quando eu fiquei olhando para a rua. Garota esperta.

Por mais que o que ela fizera fora errado, eu tinha que admitir que a genialidade de minha mãe era algo que precisava ser estudada. Como ela teve uma ideia daquelas?

Eu a observei, ela estava calma e bem sorridente. Parecia uma criança que havia aprontado algo e não se dava ao trabalho de esconder a sua culpa já explícita.

E Henry, bem... Henry estava respirando fundo. Era a única coisa que conseguia fazer.

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