Gay

Numa tarde qualquer, quando eu saía da escola, eu vi Jesse e Sky no estacionamento conversando. Eles pareciam estar no meio de uma briga, então eu passei direto e entrei na picape de minha mãe.

— Que tal comprarmos um picolé hoje? — ela propôs, assim que eu entrei e coloquei o cinto de segurança.

— Pode ser. — concordei. — Leite condensado.

— Ok. — ela ligou o carro e dirigiu estacionamento afora. Observei Sky e Jesse pela última vez, até ambos saírem do meu campo de visão.

— Como foi o trabalho hoje? — perguntei.

— Bem. E a aula?

— Bem, também.

— Ah, olha! Ali tem uma sorveteria... Fica aqui por um tempo? Ou prefere entrar comigo? — ela estacionou perto de uma quadra de basquete.

— Vou ficar aqui, pode ir. — respondi.

Minha mãe beijou a minha bochecha e saiu do carro, atravessou a rua e entrou no estabelecimento.

Eu fiquei olhando para os garotos jogando basquete, até que notei um garoto em cima da cesta. Curioso, eu saí do carro e fiquei do lado de fora assistindo o jogo. Reconheci algumas pessoas da escola, inclusive Styles.

Do nada o jogo parou, pois Styles disse que precisava ir. Passou por mim e logo saiu pela rua andando de skate.

— Ei, garoto! — o rapaz que estava em cima da cesta me chamou.

— Eu? — aprontei para mim.

— Claro! Se aproxima aí! — fez um gesto para que eu entrasse, e assim eu fiz.

— Sabe jogar basquete? — um outro garroto perguntou, jogando a bola na minha direção. Para a minha sorte, eu consegui pegá-la.

Foi então que eu me lembrei daquele fiasco na aula de Educação Física com o tal do Robert e a bola assassina. Eu quase morri naquele dia e eu estava bem traumatizado.

— Sim. — menti. Valia tudo só para conseguir algum amigo.

— Quer jogar? — o mesmo garoto perguntou.

— Pode ser. — dei de ombros e sorri.

— Bem-vindo ao time! — tocou o meu ombro e apresentou-me todos.

E a partida começou. E eu não recebi uma bolada na cabeça e nem passei mal. Eu realmente me diverti naquele momento, e até esqueci da minha mãe.

Fizeram um pequeno intervalo para descansarmos, e eu já estava pingando de suor. Encostei-me na grade da quadra e tentei controlar a respiração.

— Você estuda na Sunwood? — o garoto que estava em cima da cesta (seu papel era pegar a bola e jogá-la dentro da cesta, aumentando em 100% as chances de alguém como eu "fazer" uma cesta), chamado Benny, perguntou para mim.

— Sim, sim. E você?

— Não. Mas eu queria, as garotas de lá são maravilhosas. — ele bebeu um longo gole da sua água gelada. — Você tem alguma namorada?

— Não. — respondi.

— Ninguém em mente? — passou a garrafa para mim.

— Hm... Sky. — bebi a água, sem encostar os lábios na garrafa.

— Sky Blank? — concordei com a cabeça. — Cara, você 'tá muito ferrado! — ele riu e eu devolvi a garrafa.

— Por quê? — o olhei confuso.

— Digamos que... Ela só faz amizade com gays.

— Com o quê? — me engasguei com o ar.

— Gays! Sim, com gays! — ele ria. — O único cara que conseguiu se aproximar dela foi o namorado imbecil que ela tem.

Eu não entendia aquilo tudo, não entendia mesmo.

— Ela tem uma agonia por héteros em questão de amizades. — continuou Benny — Tem até um clube, eu soube.

— Um clube? Um clube de quê? — era uma mistura de curiosidade e confusão.

Mas fazia sentido, ora! No supermercado, quando ela queria comprar a bebida alcoólica para Styles e Jesse perguntou: "Você ainda continua com esse clube?". Eu não havia entendido nada, mas fazia sentindo.

— Um clube de gays. E só ela é uma garota, e só ela é heterossexual. — Benny contou-me. — Olha lá, vai recomeçar o jogo, vamos!

E então voltamos para o centro da quadra e jogamos até ficarmos exaustos. Depois de um tempo, eu me despedi deles para ir embora.

Minha mãe estava no carro, ouvindo música e cochilando. Eu não queria acordá-la, mas não podíamos ficar ali.

— Mary! Acorda. — a cutuquei. — Precisamos ir para casa.

— Oh, desculpe... É que você estava se entrosando tanto que eu não quis atrapalhar... — ela coçou os olhos e bocejou. — Seu picolé ainda serve?

Eu o peguei em cima do banco. Estava meio derretido e completamente mole, mas eu não me importava.

— Sim. — fechei a porta e coloquei o cinto de segurança.

— Vamos para casa.

✖️✖️✖️

Eu fiquei pensando na Sky enquanto fazia a minha tarefa de matemática. Pensei sobre o clube e sobre as suas exigências de amizade.

Talvez se eu fosse gay...

Não, eu não podia pensar naquilo. Eu não sou gay e nunca fui, então porque eu iria ser só por conta da Sky? Aliás, coisas assim não acontecem porque queremos, apenas porque somos e é uma coisa tão natural!

Maldita Sky, estava me deixando louco!

Entretanto, eu podia fingir. Podia fingir ser gay só para ela querer ser a minha amiga.

Oh, que errado...

Mas não me importava. Eu havia tentado quatro vezes uma conversa com ela, e nunca íamos muito longe. E talvez se ela virasse a minha amiga, eu iria poder conhecê-la mais e provar que Jesse era um completo idiota.

Oh, que errado...

Estava eu confuso; tanto pela equação que deveria resolver — dane-se os problemas de "x", os meus eram maiores —, quanto pela garota que não saía da minha cabeça.

Olhei para o lado e vi o livro de Henry que eu estava lendo no momento: "99 Formas De Dizer 'Eu Te Amo'". Ele parecia entender um pouco sobre relacionamentos, já que a posição do seu personagem era muito positiva nesse quesito. Contando com isso, eu me levantei da cadeira e desci as escadas. Aproveitei que a minha mãe dormia no meio da música de praticar Yoga que tocava, e saí de casa.

Bati três vezes na porta de Henry, e o próprio atendeu com um pedaço de pizza na mão.

— Posso entrar? — perguntei, e ele me deu espaço para eu entrar.

Do lado de dentro, eu peguei um pedaço de pizza que estava na caixa em cima da mesa.

— Ei, ei! Não pede mais não, é? — reclamou ele.

— Vim te pedir um conselho. —anunciei e depois mordi um pedaço da pizza.

— Que tipo de conselho? — sentou-se no sofá.

— Em "99 Formas De Dizer 'Eu Te Amo'", a Angelina perdoa o Troye por ter mentido sobre quem era quando se conheceram. Mas foi uma coisa que ele fez só para se aproximar dela, pois sabia que Angelina nunca olharia para ele do jeito que ele era verdadeiramente.

— Aonde quer chegar, Oliver? — ele me perguntou e logo pegou mais uma outra fatia de pizza.

— Que eu preciso fazer quase isso para me aproximar de alguém.

— O que é esse quase? — ele me olhou curioso e inclinou a cabeça para o lado.

— Ela... Bem... — pigarreei — Ela só costuma fazer amizade com... Gays.

— Gays?

— Gays.

Ficamos algum tempo em silêncio, comendo nossas pizzas. Fui para a cozinha dele e abri a geladeira. Tirei duas latas de refrigerante e voltei para sala, joguei uma para ele e abri a outra para mim.

— Ela tem um namorado chamado Jesse. Ele é um completo otário. — contei, e depois dei um longo gole na minha bebida gelada. — Ele gastou o dinheiro, que poderia ter gastado comprando pipoca para Sky, com cigarros. Que namorado perfeito!

— Não acho que deva ficar arrumando defeitos no cara.

— Tem razão. — sentei-me ao seu lado. — Ela tem um clube de gays. E lá só tem gays.

— Deixa eu entender direito... — ele ficou alguns segundos calado e bebeu o seu refrigerante. — Você quer se passar por gay só para se aproximar da garota?

— Ela exige algo que não sou, o que eu posso fazer? Eu gosto da Sky, quero conhecê-la, mas ela não permite. Acha que eu devo fazer isso?

— A sua garota não é a Angelina que perdoou Troye. Ela pode não compreender.

— Ela não vai descobrir.

Henry riu.

— Você ficou louco, Oliver? É claro que ela vai descobrir. Você vai mostrar interesse e ela vai desconfiar. Você tem um cérebro?

Droga. Era verdade.

Por mais que eu conseguisse fingir a minha sexualidade para a Sky, eu iria pôr tudo a perder no primeiro fiozinho de interesse que ela demonstrasse. Mas eu podia fazê-la gostar de mim, e mesmo que não ficássemos juntos, seria um prazer fazê-la rir todos os dias e devolver o seu brilho que Jesse tirava.

Eu podia ser o seu melhor amigo e eu iria tratá-la como ela realmente devia ser tratada. Fingir ser gay seria apenas um pretexto, um mínimo detalhe, um mísero preço que eu teria que pagar. E eu sabia que valeria a pena no final.

— Eu vou fazer isso, Henry. Não posso perder uma oportunidade dessa por caprichos. Eu vou fingir tão bem que vou ganhar um Oscar de "Melhor Fingidor"! — concluí.

— Isso nem existe!

— Não importa, eu ganharei! Você não... — arrotei sem querer e Henry riu.

— Você ainda é muito jovem, Oliver. Deve viver, então faça o que acha que deve ser feito. Isso vai ser uma incrível experiência para você. — tocou no meu ombro e sacudiu-me. — Quer jogar xadrez?

— Só se você me explicar as regras. — respondi.

— Você não teve infância? — perguntou ele, se levantando e indo pegar o jogo numa prateleira.

— Eu não tive amigo. — o corrigi, e Henry olhou-me querendo ter a certeza que eu não estava mentindo.

— Pois agora eu sou o seu amiguinho. — pousou o jogo na mesinha de centro e fez um gesto para eu me sentar no chão.

— Faz isso não, Henry... — pedi, e ele abriu o jogo e tentou me explicar as regras.

E para ser sincero, eu perdi todas as partidas que jogamos, menos uma que Henry deixou-me ganhar.

Aliás, quem foi o maluco que inventou esse maldito jogo?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top