Capítulo 36

Encarei a casa de um andar no condomínio de classe média. Uma casa azul com janelas escuras, e a porta branca. Um jardim bem cuidado se fazia presente em frente a casa, e eu engoli em seco.

Havia duas semanas em que fui pedida em namoro pelo Magnus, e as únicas pessoas que sabiam até agora eram a Sara e o Thomas. E hoje eu estava indo contar para a pessoa de quem eu mais temia a reação.

Abri o cercadinho branco, e atravessei as pedras que faziam passagem pelo jardim. Respirando fundo e rezando para pegá-lo de bom humor, toquei a companhia. Não demorou muito e Sabina apareceu na porta com Eva no colo, ambas estavam sujas de farinha de trigo.

— Co! — Eva se jogou nos meus braços, e eu a pressionei contra o meu peito.

Eu sentia tanta falta desse projeto de gente.

— Corine! Finalmente você apareceu — Sabina me abraça sorridente, e abre espaço para mim — Entre, estamos fazendo biscoitos.

Sorri para ela entrando na casa do meu irmão. Desde o casamento eu nunca havia posto meus pés aqui, tentei dar o máximo de privacidade que recém casados precisam, e espero não está incomodando eles nesse momento.

Eva se aninha a meu pescoço, e eu afago suas costas, beijando suas bochechas que são ótimas para morder.

— Ela estava com saudades de você — Sabina explica o grude. E eu sorri com isso, Eva nunca havia ficado tanto tempo "longe" de mim, e eu sabia que no início seria difícil. Mas não é como se tivéssemos nos separados, isso nunca! Ela apenas precisa lidar com a nova rotina, nova casa, novos pais. E tudo isso no seu tempinho, sem minha intervenção.

— E eu estava morrendo de saudades dessa fadinha, como pode ficar mais linda em tão pouco tempo? — faço cócegas em sua barriga suja do que parece pasta de amendoim, e ela rir se remexendo nos meus braços.

— Quem é viva sempre aparece — Caio aparece na sala, descalço, sem camisa, e mais sujo ainda do que as meninas.

Parece que estavam se divertindo.

— Admita, está sendo maçante acordar e não ter seus ovos fritos com aquele leve toque de queimado e sal que você tanto ama — o provoco e Sabina cobre a boca para não rir, enquanto ele gargalha e se aproximou me abraçando, meus pés deixam de tocar o chão, e Eva solta um gritinho animado.

— Como ainda não morreu de fome? Você é péssima na cozinha, agradeço todos os dias por não acordar com suas gritarias na cozinha. — ele me coloca no chão, Eva agarra meu cabelo o enrolando no dedinho.

Ele havia crescido um pouco, e já passava dos meus ombros.

— Eu não sou péssima na cozinha, faço uma calda de Waffles maravilhosa — me defendo.

— Isso é verdade — Sabina aponta para mim.

— Acho que ninguém sobrevive de calda — Caio não perde a oportunidade de me irritar.

A minha intenção indo visitá-los era saber como estavam, mesmo Caio me ligando todos os dias de manhã e à noite. Mas eu também queria contar a ele sobre o pedido de Magnus, não é como se eu nunca tivesse namorado antes. Porém Caio havia pegado uma implicância surreal com o homem, principalmente depois do incidente com o Enrico. Para todos os efeitos a culpa de tudo é do Magnus, e só isso já basta para meu irmão não querer vê-lo nem pintado de diamante.

Os ajudei com a fornalha de biscoitos de baunilha e chocolate, enquanto Eva se agarrava a minhas pernas, não querendo desgrudar da irmã mais velha. Aparentemente as coisas estavam indo muito bem, Eva estava se adaptando muito bem ao novo lar, Sabina a levava para o trabalho pois não queria deixar a pequena com uma babá ou qualquer outro desconhecido. Caio provavelmente receberá um aumento graças ao aumento na venda dos automóveis.

Olho meu irmão junto a sua esposa lavando a louça enquanto nino uma Eva sonolenta em meus braços. Os cabelos loiros de Sabina estavam presos por uma bandana amarela, a roupa florida lhe dava um ar fictício de dona de casa. Ela tinha um sorriso enorme dirigido a Caio, que contava mais uma das suas piadas sem humor que só Sabina, e os amigos notavam algum humor. Olhar para Caio me fez lembrar duas pessoas indesejadas.

Mamãe e papai. Eu e Caio herdamos um pouco das características físicas indianas da nossa mãe, os cabelos e olhos escuros, a pele bronzeada, nós dois amávamos isso quando pequenos. Nos vestir como indianos, mesmo sendo apenas descendentes, e que nunca tenhamos pisado na Índia, era bom se divertir. Era...

— Corine? — pisco atordoada notando o casal me olhando preocupados.

— Falaram?

— Várias vezes — Caio ergue a sobrancelha — Está tudo bem?

Olho para Sabina constrangida, e ela entende que quero uma conversa a sós. É claro que não a o que esconder, porém meu irmão contaria a ela de qualquer maneira depois, ou até mesmo eu. Só que preciso falar com o homem à minha frente sozinha primeiro.

— Deixa eu levar esse projeto de confeiteira para cama — Ela sorri e pega Eva dos meus braços subindo a escada.

Analiso meus dedos sobre a mármore da ilha da cozinha, sentindo os olhos escuros pesarem sobre mim. Poxa, é algo tão simples de se falar, não é como se eu fosse uma menina pedindo permissão. Porque eu precisava de tudo, menos de sua permissão, eu só queria que ele sorrisse e me desse os parabéns, o que eu duvidava muito que iria acontecer.

— Porque prevejo que toda essa reluta em abrir a boca, nos trará um assunto onde o nome Magnus estará presente? — ele revira os olhos sentando à minha frente.

— Vidente? — sorri como uma forma de amenizar a tensão no ar.

— Apenas conheço a irmã que tenho. Ele fez algo? — seu tom de protetor me aquece por dentro, não importa a distância que nos separava Caio nunca deixaria de ser meu segurança particular.

— Por que você só pensa o pior dele?

— A última vez que estive próximo a ele, você estava drogada de calmantes. Thomas estava no hospital, havia carros de polícia, e um amigo dele mirou uma arma na sua cabeça, não vejo porquê deduzir que ele seja um bom samaritano.

Encarei os olhos tão semelhantes aos meus, Caio raramente tinha esse ar sério. Era sempre de bem com a vida e com todos, e eu queria que fosse assim com o meu atual namorado também.

— Enrico tem — procurei a palavra certa — problemas.

— Todos temos problemas e nem por isso saímos por aí mirando uma arma na cabeça das pessoas.

Xeque mate

— A culpa do que aconteceu não foi do Magnus, ele nem estava lá. E ele me faz bem, muito bem. Assim como a Sabina faz para você.

Um sorriso de desdém brotou em seus lábios com a comparação de sua esposa ao homem que domina meus pensamentos.

Cansada de rodeios que não levaria a lugar algum, levei minha mão ao bolso de trás do meu macaquinho. Pegando a aliança de namoro que retirei quando adentrei o condomínio. Coloco o objeto de prata sobre a mesa, e noto a confusão tomando conta de suas feições, até que seus olhos arregalaram e Caio quase cai da cadeira quando se afasta bruscamente.

— Não me diga que essa merda aqui é o caralho de uma...uma...

— Aliança de namoro? Sim — o ajudo, o vendo quase sufoca com as palavras.

Meu irmão mais velho, a pessoa em que mais confio desde que me entendo por gente analisa o anel com os olhos, sem se aproximar. Seus olhos se agarram em mim como garras e ele suspira.

— Esse fodido de merda te faz feliz? — ele revira os olhos como se aquela fosse a conversa mais torturante do mundo.

— Muito

— Te respeita? — ele senta-se novamente.

— Bem, aí depende do que v...

— Corine! — sua expressão de nojo me faz rir alto — Poupe-me, se não quiser que eu o prenda por estar dormindo com um gnomo.

— Um gnomo que você ama.

— Muito — ele atravessa a ilha, e se põe atrás de mim, me ergo, e ele me abraça — Eu só quero que você seja feliz, pode ser com o DJ muro de Berlim? Pode, mas ainda assim quebro todos os dedos dele se pensar em te machucar, deixe isso em evidência. — ele segurou minha mão com o anel e levou aos lábios, beijando meus dedos — Eu sempre protegi você, desde que descobri que teria uma irmãzinha, a partir do momento que vi o pequeno bebê enrolado dentro do manto branco na nossa casa, eu prometi a mim mesmo que sempre seria o seu maior apoiador e protetor. Não vou quebrar isso agora, não importa aonde eu esteja. — ele piscou.

— Eu amo você — o aperto sentindo o abraço tão já conhecido e acolhedor.

— Quem não ama? — o sorriso galanteador me fez empurrá-lo— Ele não poderia esperar mais tempo? Nem faz tanto tempo que vocês se conhecem.

— Não é porque você só veio pedir a Sabina em namoro depois de 3 anos juntos que todos tem que fazer assim. — o provoco recebendo o dedo do meio como resposta.

— Eva está sentindo muito sua ausência — ele muda o assunto, e me afundo na cadeira novamente.

— Eu também estou morrendo de saudades dela, no final de semana vou passar para pegá-la, um dia só de garotas.

— Sem a Sara, por favor, ela é uma péssima influência para o meu banquinho de gente.

— Caio! — repreende suas provocações e ele dá risada.

Como nos velhos tempos.

Ele se vira ainda rindo, mas seus olhos se fixam em um ponto específico na minha roupa, e eu olho sem entender. Até que ele me dá as costas novamente.

— Na próxima peça para o seu namoradinho ladrão de irmãs não te deixa tantas marcas, não sou obrigado a vislumbrar as aventuras sexuais da minha irmã — ele se irrita esfregando as panelas e eu olho sem entender, usando um talher da gaveta para ver ao que ele se referia.

Uma marca roxa estava próximo a minha clavícula, descendo para o vão entre meus seios. Lembranças da noite passada quando meu corpo foi erguido, e Magnus usou suas novas encomendas especiais em mim. Senti minhas bochechas pegarem fogo, eu já estava usando meias calças e pulseiras justamente para evitar isso, o que parece que não deu muito certo.

— Ah, isso? É.. só um...

— Não tente se explicar, deixa as coisas mais embaraçosas do que já são — ele tinha razão, e isso me fez corar.

[...]

Eu havia passado o dia com a minha família, por ser sábado, nada de farmácia ou faculdade. Magnus ficou ocupado com os restaurantes, Tom tinha uma entrevista de estágio em um jornal antigo de Manhattan, e Sara estava terminando seu portfólio. E eu estava ficando um pouquinho preocupada com ela, eu e Tom almoçamos muitas vezes sozinhos essa semana, não que isso seja um problema, mas ela está um pouco distante. Essa história de trabalhar com o estilista de quem ela é fã, está a deixando um pouco fora da casinha.

Eu entendo, é o sonho dela, e eu sempre irei apoiar. Porém ela já participou de duas entrevistas, e não se saiu bem, o que me pergunto é como ela conseguiu essas duas chances, Sara é incrivelmente astuta e manipuladora quando quer algo, e isso de trabalhar no ateliê está saindo um pouquinho fora do controle.

Cheguei em casa passava das oito da noite, acendi as luzes e me joguei no sofá. Meus pés estavam doloridos de tanto brincar de corda no jardim com Eva, sua energia possuía fonte inesgotável. Mas eu estava feliz e contente, fazia tempo que não ficávamos assim, juntas.

Peguei meu celular enfiado dentro da bolsa, havia muitas ligações da Sara, mensagens do Tom com um foto tirada no jornal. Ele havia conseguido a vaga de estágio, e queria sair para comemorar.

Meu corpo estava implorando por banho e cama, mas era Tom, o homem com aspecto nerd e sedutor que me conhecia a tanto tempo, e que sempre esteve ali para mim.

— Por Tom — gemi frustrada, forçando meus pés a caminharem para fora da sala.

Liguei para Sara diversas vezes, mas ela não atendeu, o que me deixou confusa, mas relevei.

Com um vestido azul, minhas meias calças e bota sai de casa, encontrando Tom já na minha porta. Ele havia me oferecido carona, para seja lá aonde iríamos. Quando me aproximei ele me abraçou tirando meus pés do chão.

Ele e Caio possuem essas manias chatas.

— Parabéns! Sabia que iria conseguir, nosso futuro jornalista brilhante! — o apertei.

Mônica, a moça com quem ele compareceu ao casamento, e vinha saindo durante esse tempo se aproximou, saindo do carro. Ela era linda, alta, a pele bronzeada, e o os olhos um pouco puxados, o cabelo enorme e negro, ela parecia um pouco com a princesa da Disney, Pocahontas.

— Corine — ela sorriu para mim, e eu a abracei em forma de comprimento, ela era mais tímida.

— Vamos? Porque a noite ainda é uma criança perto de tudo que quero fazer! — sorrimos.

Entramos em seu carro, e eu não queria estragar sua felicidade quase palpável, mas minha curiosidade estava me corroendo.

— A Sara não vem? — questionei, capturando o olhar desdenhoso do Thomas pelo espelho, eu estava sentada no banco de trás, mas notei o olhar preocupado de Mônica sobre meu amigo.

— Está ocupada demais para vir comemorar conosco.

— Ocupada?

— Obsessiva eu diria, iria sair novamente com o assistente do tal estilista. O cara é um porco, mas o que ela não faz por uma vaga no ateliê, não é mesmo? — seu sorriso sarcástico me fez encolher no banco.

Talvez fosse a hora de ter uma conversa com ela.

[...]

— É sério isso? — olhei a fachada rústica e iluminada do enorme prédio.

— Por que? Você não gosta da comida daqui? Desculpe, é que eu a...

— Não é isso bombom, é que o namorado dela é o chef do restaurante — Tom interrompeu Mônica, que suspirou aliviada.

— Ele está trabalhando Tom, não seria melhor irmos a...

— Estou pagando, e essa noite quero o melhor! — ele declarou entrelaçando nossos braços.

[...]

Apesar de cansada, estava me divertindo, Mônica não parava de suspirar orgulhosa pelo companheiro. Eles não tinham assumido um relacionamento sério ainda, mas estava mais que notório o interesse em seus olhares sempre que se pegavam analisando um ao outro.

Sim, eu estava segurando uma vela danada.

Mas era uma comemoração, então eu não poderia deixar de comparecer.

Eu ainda não havia visto o Magnus, o restaurante estava lotado, e quando se tratava de ocasiões assim ele não saia da cozinha. Óbvio que eu queria vê-lo, mas esse era o seu local de trabalho, e não sei o que ele acharia de me ver aqui.

Thomas estava contando sobre como havia se saído na entrevista, com direito a detalhes e tudo, desde a hora que entrou, até a hora que saiu quase esbarrando em todo mundo, e sentindo a necessidade de se agarrar em um poste embaixo da chuva, e girar como nos filmes antigos.

Eu o escutava atenciosamente enquanto devorava meu bolo de Red Velvet com ganache de morango e licor de amoras pretas. Não era por nada, mas o homem que me deu essa aliança presente em meu dedo, possuía mãos de fada em qualquer coisa que ele fizesse.

Qualquer coisa mesmo.

Já iríamos pedir a conta, quando olhei para a recepção, um casal com duas crianças saiam animados, as crianças pareciam satisfeitas com as duas trufas que carregavam em mãos, e isso me fez lembrar do Caio. Apaixonado por doces.

Porém o sorriso que se iniciava no canto dos meus lábios, sumiu com a mesma proporção que apareceu assim que meus olhos encararam a pessoa que entrou após o casal sair. Os olhos negros, o cabelo impecávelmente escovado, as roupas elegantes e o sorriso bonito fizeram meu coração parar por alguns segundos, e um nó se formar em minha garganta.

Não podia ser.

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