Capítulo 30

— Estão prestando atenção? — o novo professor de nutrição questiona.

O ano letivo havia enfim iniciado, esse era o meu último ano. E eu nunca me senti tão perto da liberdade, depois de três anos estudando você começa a se questionar: "Vai valer a pena?" "Eu poderia estar fazendo tantas coisas agora" mas sim, vale muito a pena ir atrás do seu sonho.

E o meu estava cada vez mais perto.

No início do ano passado eu havia tentado um estágio, mas não deu certo, havia muitos candidatos para poucas vagas. E dessa vez eu tentaria de novo. Não era a mesma coisa estar na faculdade e saber que não encontraria a Sara no intervalo e saída, mas pelo menos eu ainda tinha o Tom.

Olho para frente prestando atenção na aula, novos professores haviam sido contratos, e o senhor Erick é um deles. Apesar de muito rígido, estou gostando do seu modo de ensino.

— Senhorita Mc'Dan? — me assusto quando meu nome é chamado pelo mesmo.

— Sim? — apenas forte a caneta entre meus dedos. Afinal qualquer que fosse sua pergunta, com certeza eu iria errar, pois estava nervosa com a atenção de todos na sala.

Olhem para frente seus curiosos.

— Considera a antropologia importante na nutrição? — os olhos castanhos do homem baixinho, era como uma águia me avaliando.

Havíamos estudado antropologia da nutrição ano passado, e claramente eu ainda me lembrava de tudo. Mas como eu já sabia que iria acontecer, minha cabeça deu um branco com os olhos dos demais alunos sobre mim.

Bela nutricionista você será desse jeito.

Respirando fundo, agarrei ainda mais forte a caneta entre meus dedos.

— Sim, acho que quando se trabalha com saúde, qualquer tabu religioso, e cultura popular deve ser levado em conta. Não seria diferente com a nutrição, afinal ainda tem as consideradas comidas sagradas, e hábitos alimentares dos quais sempre temos que estar por dentro. — minha mão estava toda riscada por baixo da mesa, mas sorri no fim, pelo menos não gaguejei.

Boa garota!

— Muito bem, é exatamente isso — pode ser impressão minha, mas o sorriso do professor me pareceu forçado. O que me fez encara-ló, talvez apenas esperasse que eu não soubesse responder.

Nas demais aulas não houveram mais perguntas, então apenas me concentrei nas minhas anotações. Eu já me sentia cansada só de saber que teria que revisar tudo quando chegasse em casa.

Magnus teve que viajar para Nova Jersey a uma semana, dona Luna passaria por exames para verificar o marca passo, e ele queria estar presente. Ou seja, não tivemos tempo para comentar nada sobre o episódio do casamento. E assim como eu, creio que ele não queira tratar disso por telefone.

Naquela noite fui salva pela Eva, ela quis dormir agarrada comigo, e Magnus ficou para escanteio. Claro que ele não me puniria na frente da minha irmã, ou me tiraria de uma criança de dois anos. Mas que sua expressão de frustração me rendeu risadas, a isso rendeu.

Ele queria que eu fosse junto para Nova Jersey, mas é óbvio as aulas da faculdade voltariam, e eu não poderia perder nenhuma. Além do meu trabalho na farmácia.

[...]

— Que bolo horrível! — cuspo tudo de volta no guardanapo sentindo uma ânsia me tomar.

— Não está horrível, você que está enjoada — ele revira os olhos, mas logo em seguida se vira para mim, me agarrando pelos ombros.

Estávamos no gramado da faculdade, e eu estava experimentando o bolo de frutas que o Tom fez. Bolo esse que com certeza estava com algo estragado.

— Enjoada, você...Corine, meu Deus! Você está grávida! — os olhos avelã por baixo dos óculos chegavam a brilhar.

— Para de loucura — dou risada tirando suas mãos dos meus ombros — Eu não estou grávida, você que usou alguma fruta estragada e tentou me matar, isso sim.

— Não tem nada estragado aqui — ele diz tomando o bolo da minha mão e enfiando na boca — Deus é mais! Tá estragado, tá estragado! — ele levanta saindo correndo, provavelmente para vomitar.

Levanto da grama recolhendo minhas coisas para ir atrás dele, mas meu celular vibra no bolso e sorri vendo a foto da mulher loira brilhar.

— Se divertindo? — questiono assim que atendo.

— Se eu soubesse que Washington era tão bonita e bem dotada assim teria vindo antes — tenho certeza que minha melhor amiga está sorrindo agora.

Sara viajou ontem para Washington, irá passar 4 dias em um evento de moda, aonde haverá palestras, mostruários, dicas de tecido dentre outras coisas. Ela não se saiu bem na entrevista do ateliê do tal estilista Raziel, e isso deixou ela um pouco chateada. Isso foi a um mês, e ela colocou na cabeça que tem que melhorar a todo custo e conseguir trabalhar com esse homem.

Raziel O'Connor é um estilista bem conhecido por quem Sara é extremamente fã. Acho que trabalhar com ele vai ser a realização de todos os sonhos dela. E ela acha que esse evento em Washington vai lhe ajudar bastante a se aprimorar. E lógico trabalhando na loja de roupas do pai dela, não houve empecilho com questão de trabalho.

— Por que tenho a impressão de que não é a cidade que você está elogiando? — sorri caminhando até o banheiro masculino aonde tenho certeza que Tom colocava até os rins para fora.

— Que. Homens. Corine. Que homens! Deus tem seus preferidos eu tenho certeza. Ontem eu saí com um sueco que está estudando moda na Filadélfia, e você não tem noção do que aquele homem é capaz de fazer com as mãos.

— Ah, eu acho melhor eu não saber, Filadélfia é tão longe da Suíça — me encostei na porta do banheiro masculino, eu não iria poder entrar de qualquer forma.

— Quanto menos informações eu tomar dele, melhor. Tem certeza que não quer saber o que ele é capaz de fazer com as mãos? — ela adorava me deixar sem graça.

— Não Sara, tenho que desligar, tem alguém me ligando, se cuida, e volta logo — desligo após ela me mandar beijo. Poderia ter acontecido algo com a Eva, Caio só volta amanhã com a Sabina, e com o início das aulas, a mãe da Sabina é quem está ficando com ela essa semana. Mas sempre passo lá antes de ir trabalhar, e antes de vim para a faculdade.

Está sendo mais difícil para mim do que achei que seria, chegar em casa e não ver nenhum dos meus irmãos, apenas o silêncio horrível da casa.

Vejo não se tratar da Eva, e sim do homem que está ajudando a mãe.

— Boa noite — digo assim que atendo.

— Estou com saudades, já está na faculdade? — sorri, se estivéssemos frente a frente ele tomaria o meu rosto entre suas mãos agora, tenho certeza.

— Sim, daqui a pouco vou para casa. Como a sua mãe está? Com os exames.

— Bem, e dramática por você não ter vindo junto.

— Explicou para ela que eu não podia, certo? — não queria que ela pensasse que eu apenas não quis ir visitá-la.

— É claro que sim, ela só adora um drama. É provável que eu chegue ainda hoje a noite em Nova York.

Apesar de feliz com a notícia, segurei minha mochila com mais força.

Será que o Thomas morreu dentro do banheiro?

— Vai dirigir a noite? Houve alguma urgência com os restaurantes? Por que não espera para amanhã?

Afasto o celular da orelha, e bato na porta.

— Thomas, você está bem? — faço a pergunta mais idiota possível e volto a colocar o celular na orelha.

— Houve uma urgência, mas só posso falar pessoalmente — acabo não dando muita importância para o que ele diz, já que Thomas sai do banheiro com uma cara mais pra lá que pra cá.

— Tenho que desligar agora amor, depois a gente se fala. — desligo segundos depois já me amaldiçoando — Eu chamei ele de amor, não chamei?

— Chamou — Tom da risada.

— Nunca mais terei coragem de olhar nos nos olhos dele — digo morrendo de vergonha enquanto ajudo Thomas chegar até o bebedouro — Tenho remédio para enjôo — pego meu estojo de remédios.

— Por que você anda com todos esses remédios?

— Eu cuidava da minha irmã de dois anos e trabalho em uma farmácia, preciso mesmo responder? — ele nega — Talvez você esteja grávido — provoco.

— Você e Sara são tão palhaças — ele apoia sua cabeça no meu ombro — Me lembre de nunca mais usar frutas em um bolo — ele lamenta.

[...]

Já se passava das 22:00 quando Tom e eu deixamos a faculdade. Seu carro estava estacionado a uma quadra daqui, pois em frente a faculdade a uma empresa de advocacia, e os funcionários ocupam mais da metade do estacionamento.

— Está se sentindo melhor? — noto a pele pálida do Thomas voltar a tomar cor.

— Preciso da minha cama urgentemente.

Havia seis postes na rua, dos quais quatro estavam com as luzes queimadas. E isso não me passava uma grande sensação de segurança. Além de que não havia uma única alma viva na rua com exceção de mim e meu amigo.

Para a cidade que é conhecida como a que não dorme, os habitantes não estão honrando esse título.

— Isso só pode ser brincadeira — Tom corre até o seu carro. E de onde estou consigo ver os pneus arreados.

— Você não tem estepe?

— Usei o último ontem — ele suspira — Vamos pegar um táxi?

— Não acho que passe nenhum por aqui. Mas tem o ponto de ônibus, e o metrô.

— O metrô fica a meia hora daqui. Deus, se isso for um sinal, eu já entendi! — sorri do seu drama, e me aproximei para ajudá-lo a levantar. Mas um objeto brilhando graças a luz do poste, me deixou curiosa, o que me fez se aproximar.

Havia uma chave de fenda próxima ao carro.

— Tom, você tem chave de fenda? — questiono olhando o objeto de ponta pontiaguda.

— O que? — ele se aproxima de mim e eu olho confusa para o objeto seguido dos pneus. E me abaixo, vendo um pequeno furo na lateral dos pneus.

— Alguém furou os seus pneus — me ergo tão rápido que tenho uma vertigem me agarrando a mão do Tom. O homem ao meu lado processava tudo tão lentamente, que chegava a ser surreal.

— Temos que sair daqui, agora! — me assustei com sua mudança de humor, e ele saiu me puxando pela toca da minha jaqueta como se eu fosse um filhote de animal.

Tudo passava lentamente pela minha cabeça, por que alguém furaria os pneus mas não levaria nada do carro?

Justamente por estar sendo puxada, acabo tropeçando em um pequeno buraco do asfalto e caindo no chão.

— Corine!

— Eu tenho pernas curtas! — me irrito enquanto ele me levanta.

O barulho de passos, e algo como ferro rastejando pelo chão me faz olhar para a entrada da rua. Porém minha atenção é atraída para Thomas que aperta o meu braço como se estivesse nervoso.

— Você vai quebrar o meu braço! — sussurro atraindo sua atenção.

— Temos que sair daqui. — ele repete me levantando, enquanto olhava para os lados.

Meu coração estava na boca, eu nunca havia sido assaltada. E não estava pretendendo ter minha primeira vez agora, principalmente por um psicopata que monta toda uma situação.

Olho ao redor vendo um galpão que provavelmente deveria ser algum armazém abandonado.

— Vem! — puxo Thomas pela mão, a porta do local não estava aberta, mas havia buracos por onde consegui passar, e chutei a madeira para que Tom entrasse.

Olhei pela fresta da madeira e vi no exato momento em que um homem barbudo com uma bengala, junto a dois homens tatuados adentraram a rua. Eu havia esquecido como se respirava quando vi os dois homens armados.

— Não estão realmente achando que vão fugir, estão? — o homem barbudo diz olhando o vazio da rua e Thomas aperta a minha mão.

Se eu não morrer de tiro, vou morrer de ossos fraturados pelo meu melhor amigo.

Fugir? Para começar eu nem sabia quem era os homens lá fora, e muito menos porquê haviam montado essa armadilha.

— O que você fez Tom? — meu som quase inaudível só foi ouvido pelo mesmo por estar bem próximo a mim.

— Eu? Eu não fiz nada, o que você fez?

— Nada!

Se a Sara estivesse aqui teríamos uma culpada, mas não acho que eles tenham errado o caminho de Washington.

— Vamos lá Corine, só queremos ter uma conversinha com você. — o som de arma sendo destravada faz minha cabeça latejar.

Corine? Deus que diabos esses homens querem comigo?

Pego meu celular no bolso da jaqueta, 1% de bateria, o mundo queria que eu morresse hoje, é isso. Eu pensei em ligar para a policia, porém não teria como explicar toda a situação.

Você vai ter que me desculpar.

Minha bateria estava querendo que eu me ferrasse mais ainda, pois foi só mandar "preciso de você" ao Magnus que meu celular desligou.

— Temos que sair da...

Sou interrompida por mais sons de passos, e olho pela fresta da porta sentindo meu coração parar por alguns segundos.

Enrico?

Eu não estava reconhecendo o homem que acabará de aparecer. O homem tão bonito e bem cuidado havia dado lugar a um homem magro e abatido. Se o Enrico está aqui, isso só pode ser...

— Morgana! — coloco a mão sobre minha boca com a constatação óbvia.

— Quem é Morgana? — Tom questiona e eu nego passando por cima dele.

Teríamos que sair desse armazém agora mesmo. Caminho de joelhos por dentro da poeira e caixas vazias. Era a única coisa que tinha no local, caixas de madeira, poeira, e um grande fedor de mofo.

Ouço o som de tiros e isso me faz colocar a mão sobre as orelhas enquanto tento chutar a porta de saída do local. Tom tenta e consegue, porém acaba caindo e cortando a mão em um caco de vidro de uma garrafa estraçalhada.

— Olha que merda! — ele pragueja enquanto o sangue começa a pingar do seu braço.

— Vem — o ajudo a levantar, a saída do armazém dava para outra rua, porém nessa havia dois adolescentes sentados debaixo do poste.

O som de tiros vindo de dentro do armazém me faz correr seguida de Thomas, e os dois adolescentes correm na mesma direção que nós dois. Ou seja, nenhuma já que se tratava de um beco sem saída.

— Eu disse que estava prevendo que hoje não era um dia bom para fumar. — olho para os dois meninos que não devem ter mais que 15 anos.

— Calem a boca, os dois — digo abraçando meu próprio corpo quando mais disparos são ouvidos e a primeira silhueta começar a se formar saída do armazém — O que nós vamos fazer? — questiono ao Tom.

— Orar é uma boa — ele diz se pondo em minha frente.

— Como eu disse, não tem para onde fugir — o homem de bengala sorrir e isso me causa um arrepio incomodo na coluna.

— Olá Corine — Enrico acena como se fossemos amigos, e isso me deixa irritada.

— O que você pensa que está fazendo!? — saio de detrás do Tom que segura meus braços — Foi para isso que o Magnus te ajudou? Para você virar um bandindinho de beira de estrada?

Sim, eu estava pedindo para levar um tiro no meio da testa.

— Você não sabe de nada! — ele saca uma arma — Você e ele, ele e você, Morgana tinha razão, os dois são iguais!

Graças a Deus por isso!

Morgana? Que credibilidade ela tem? Olha para você, está parecendo um drogado moribundo.

— Corine! — Tom me puxa.

Um tiro é disparado na lata ao lado dos dois adolescentes, o que causa um barulho enorme.

— Eu não errei — o homem barbudo diz — Você vem com a gente, por gentileza.

— Ela não vai a lugar nenhum! — Thomas se mantém a minha frente.

— Vejam, um herói — um dos homens tatuados debocha.

E de repente tudo aconteceu muito rápido, em um segundo estávamos na mira de uma arma. E no outro sirenes da polícia eram ouvidos. Enrico fugiu junto ao homem de bengala. Mas os dois homens tatuados correram em nossa direção, meu braço foi puxado e Tom acertou o rosto do homem armado. Os dois se pegaram aos socos no chão e eu tentei pegar a arma caida, porém meu corpo foi erguido pelo outro homem. Os dois adolescentes sairam correndo enquanto eu usava minhas pernas para me desvencilhar.

Tom estava desmaiado no chão, e minha boca estava sendo coberta, eu ouvi o carro da policia perto, mas estava sendo arrastada de volta para o armazém. Mas dois tiros me fizeram cair de joelhos no chão. Um dos homens caiu ao meu lado, e ouvi o grito do outro enquanto eu mantinha meus olhos fechados com força.

É só um pesadelo, é só um pesadelo!

— Ei — meu corpo foi abraçado e eu soquei com todas as minhas forças o resto do ser, só depois notando de quem se tratava.

— Magnus! — o abracei mesmo com ele segurando seu queixo do meu soco.

Provavelmente a sensação de adrenalina que abraçava o meu corpo havia ido embora. Pois eu sentia o medo e o pavor tomar conta de tudo, é como se eu acabasse de reviver tudo, de novo, de novo, e a sensação só aumentava a cada segundo dentro de mim. O que acabou transbordando em lágrimas.

— Tá tudo bem — ele apertou meu corpo contra si, e mesmo tendo ele ali eu sabia que nada estava bem. Como eu poderia quase ter sofrido uma tentativa de assassinato e estar bem?

— O Enrico e...el...— a frustração em estar gaguejando só me trouxe mais lágrimas.

— Eu sei — ele segurou meu rosto entre suas mãos — Está machucada? — neguei — Eu preciso que você se acalme, está bem? Eu vou tirar você daqui — ele beija a minha testa.

Me acalmar, está aí algo que eu não vou conseguir.

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