CONTO 3 | J-Hope | Capítulo 3 | +14

É engraçado vê-la assim, com o copo na mão, dançando tão solta, tão dona de si. Não que ela não o fosse naquela época, mas era quase como se só se permitisse em momentos escolhidos. Quase secretos. Por sorte, azar ou acaso, eu costumava fazer parte de muitos deles.

Dividimos o primeiro porre da vida, alcançado com uma garrafa de cachaça bem vagabunda, durante a celebração de uma competição em que ficamos em segundo lugar. Cortesia de um primo mais velho do Jimin, claro. Será que ela também está revivendo as nossas lembranças enquanto roda o gelo na taça, tão absorta encarando o vazio?

Passado a surpresa, fiquei feliz de vê-la com os cabelos coloridos. Quantas e quantas vezes, Sophie me mostrou fotos de cortes e cores que gostaria de experimentar. Um arco-íris inteiro, se possível. Não ousava nem proferir esta vontade perto da professora de balé, que dirá do pai militar. Tais desejos não cabiam nas normas de conduta de uma bailarina promissora, mas muito menos nas da filha do sargento.

Já me peguei muitas vezes pensando se eu não fui o seu ato de rebeldia adolescente. Afinal, andar às escondidas comigo por aí não deixava marcas na pele e eu era tão bobo que nem tentava nada muito ousado.

O nosso primeiro beijo foi tão furtivo quanto toda a nossa relação. Eu estava na coxia, esperando a minha vez de entrar no palco. Podia ver o Jimin do outro lado, sacudindo os braços, aquecendo os músculos, também atento para a mudança de música. 

As quatro bailarinas no palco entravam e saíam do meu campo de visão, enquanto dançavam, mas, diferente do Jimin, a minha atenção estava toda nos rodopios de Sophie. Das quatro, ela era quem sairia pela coxia onde eu me encontrava e eu esperava que, como nos ensaios, juntaríamos as mãos em um tapinha amigável antes da minha entrada.

Mas desta vez, ela chegou com aquele sorriso radiante que me fazia estremecer e, em vez de passar correndo do meu lado, veio direto até mim, ignorando o meu braço estendido. Até hoje o Jimin reclama de como errei o tempo de entrada naquela apresentação, mas e daí? 

Em um instante ela havia subido nas pontas das sapatilhas, agarrando meus ombros para dar impulso, me prendendo em um abraço caloroso com o peito arfando do exercício. Juntou os lábios macios aos meus, com os olhos bem abertos, como se me desafiasse a rejeitá-la. Como se isso fosse possível.

Não se demorou. Com um pequeno estalo, do mesmo jeito que me agarrou, me libertou e avancei para o palco, com dois oitos de atraso e a energia lá em cima. Uma das minhas apresentações mais aclamadas, apesar do atraso, e o motivo pelo qual Jimin nunca me deixou em paz por causa dela.

Poucas vezes dançamos juntos para uma plateia. Mesmo com o improviso de hoje, posso contar nos dedos as vezes em que fomos vistos nos embalar juntos. Porém, perdi a conta de quantas vezes fingimos ter ensaios até mais tarde para explorar o palco juntos.

Em uma dessas noites, enquanto corríamos por entre as fileiras da plateia, brincando de pega-pega, ela saltou sobre as minhas costas e caímos no meio do corredor central. Se me esforçar, sou capaz de ouvir o eco das nossas risadas fazendo-as soar ainda mais felizes. 

Ao recuperar o fôlego, Sophie se calou me olhando de um jeito misterioso, decidido. Não demorando a agir a sua resolução. Soltou o coque apertado com aquele suspiro que me incendiava, com certeza de propósito, e seguiu soltando os nós da blusa de malha, as alças do collant. Foi a primeira vez que senti uma mulher. A única em que senti Sophie.

Um momento tão feliz, encerrado pela pior notícia possível. O pai dela seria transferido em breve para o outro lado do país e, como não poderia deixar de ser, a família o acompanharia. Aquela era a nossa despedida.

Não interessou o quanto argumentei contra, ela estava decidida a acabar tudo. Não quis saber de namoro à distância, nem sequer amizade, pediu simplesmente para não manter contato.

— Vai ser melhor assim, acredita em mim. — ela disse sem nem uma lágrima.

Tentei odiá-la. Ela merecia ao menos isso pelo jeito que me tratou, como se eu fosse descartável. Na verdade, a odiei sim, por um tempo. Enterrei a dor do abandono bem fundo. Me envolvi com outras pessoas, até engatei um namoro longuinho uns tempos atrás, mas não voltei a sentir o mesmo por outra pessoa.

Nunca entendi porque ela tinha sido tão fria e, talvez este seja o problema por eu não conseguir me abrir direito para mais ninguém. Pelo menos, esta é a reclamação recorrente das minhas ex-namoradas-rolos-qualquer coisa. Eu não me entrego.

Lanço mais um olhar para a varanda. Alguém lhe faz uma pergunta de dentro da casa. Ela sorri, jogando a cabeça para trás, depois posa para fotos. Os flashes a iluminando em contraste ao luar. Sacudo as chaves na mão, procurando a do carro. Já fiz o que tinha para fazer aqui, isto não me diz respeito. Então ouço sua gargalhada espalhafatosa e me transporto de volta para aquele teatro.

Com um suspiro derrotado, largo as chaves no bolso. Acho que não quero pegar o telefone dela, como o Jimin sugeriu. Nem quero tentar reviver uma relação perdida. Mas quero saber o porquê dela ter agido daquela maneira, naquela época. Nós éramos praticamente umas crianças, porém não tenho dúvidas do quanto a amava. Ter sido descartado de forma tão abrupta foi duro.

Analiso mais uma vez o local onde me encontro. Uma pequena clareira em frente à casa iluminada e cercada por muros de pedra, onde poucos carros cabem para ser estacionados. A varanda no fundo onde Sophie se encontra está localizada bem em frente a uma árvore frondosa que estica um dos seus galhos por sobre o muro. Oportuno, devo dizer.

Como quem não quer nada, caminho até a base da árvore. Sem grande certeza de qual será o meu próximo passo, começo a assobiar uma melodia qualquer na esperança de ser notado. Não sei se por não saber o que fazer com as mãos ou puro hábito, mas puxo do bolso os meus apetrechos para bolar um cigarro, mesmo sem nenhuma vontade de fumar.

Assim como suspeitava, a vista da varanda para a base da árvore é bastante ampla e Sophie é ligeira no intuito de me deixar sem graça.

— Eu também fiquei com vontade de falar com você. — soltou do nada, se agachando para me olhar por entre o gradil da varanda.

— Faz um bom tempo que a gente não se vê, né? — nem tentei disfarçar.

— Nunca pensei que voltaria a te ver numa circunstância dessas. — ela ri com malícia.

— Nunca pensei passar por uma circunstância dessas. — completo, com um ar descrente.

Ela aos poucos vai se abaixando mais, até se deitar no chão, esforçando-se para me ouvir, mas também relaxando a postura, como fazia quando acabávamos os ensaios. Eu, por minha vez, me encosto no tronco, acabando de bolar o cigarro, mas o guardando na caixinha do tabaco.

— Você não vai fumar? — ela pergunta intrigada.

— Tô tentando parar. Às vezes bolo por costume, mas aí evito acender.

— Posso provar?

Ela se acomoda sobre um braço, fazendo os cabelos coloridos caírem feito cascata por entre o gradil. Convidativa e sedutora. Uma verdadeira ninfa. Quase nem dou por mim subindo a árvore e percorrendo o tal galho, grosso o suficiente para me aguentar. Ainda bem.

— Muito Romeu da sua parte. — ela comenta com uma risadinha e eu quase quereria esganá-la, se a vontade de percorrer seu pescoço com os lábios não fosse maior.

No que chego do outro lado, ela levanta do chão, dando espaço para eu saltar para dentro. Sorrimos um para o outro, um pouco incrédulos com o que acabo de fazer. O meu primeiro impulso é querer abraçá-la, já esquecido do meu propósito de me aproximar para esclarecer o que aconteceu no passado.

— Cadê? — ela pergunta.

— O quê?

— O cigarro, ué?

Pois é, o cigarro. Tiro o kit do bolso e lhe entrego o rolinho de papel com tabaco seco. Ela sempre foi tão contra fumar... Acho até que comecei como um sinal de revolta contra ela. O gosto amargo deixado pela fumaça nunca seria pior do que o deixado pela falta dela.

Ela o posiciona entre os lábios macios e relaxados e eu avanço para acendê-lo. Começo a pensar no quanto foi uma péssima ideia subir aquela árvore, sabendo como essa garota sabe tocar todas as minhas fraquezas como uma maestra de orquestra. Garota não. Mulher. E que mulher.

Não demora para a barulheira — que eu vinha ignorando, por sinal — da bagunça de mulheres andando de um lado para o outro no corredor ganhasse força, demonstrando que vinham em direção a este quarto. Sophie, prontamente, me deixa na varanda e avança pelo cômodo, após fechar as cortinas com um movimento súbito. Reconheço a voz da mulher que me recepcionou.

— Você não vem? Já estamos todas prontas.

— Qual é mesmo o plano? — ela responde por entre um bocejo forçado.

— Você fala como se não soubesse... Vamos dançar!! A balada nos espera. Bora!

— Hum...

As vozes ficam mais baixas e não consigo distinguir o que dizem por uns instantes. O meu coração acelera, imaginando que a nossa conversa tinha se encerrado ali sem nem ter tido a oportunidade de saber como ela tem passado, como é a sua vida agora, e o mais importante, como ela via o tempo que passamos juntos. Nem sequer acendi o bendito cigarro!

— Aaaaahhh.... — de repente, ouço o coro de mulheres.

— Deixem ela em paz, vai? — a que me recepcionou as responde.

— Eu vou ficar bem, aproveitem.

Eu ouvi bem? A Sophie está despachando as amigas e vai ficar aqui sozinha... Comigo? Ouço o grupo se afastar em direção a porta principal. Sophie me puxa para dentro, mas põe um dedo sobre a boca para que eu não diga nada e ficamos os dois quietos, olho no olho, observando os sons dos carros saindo pelo portão. Quando o silêncio se instala, ela abre as cortinas, reposicionando o cigarro entre os lábios.

— Onde nós estávamos mesmo?

Ainda bem que eu perdi aquela aposta.


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Oi gente,

Eu não disse que ele ia começar a curtir ter perdido a aposta? 

Esses dois tem história, viu? E o Hobi não convence ninguém em ter superado ela, mas sei lá, eu não ponho a minha mão no fogo pela Sophie, não. E vocês?

Se está gostando, não se esqueça de deixar a sua estrelinha e comentar! Eu vou adorar saber sua opinião, palpites e etc.

Beijo grande e até o próximo capítulo.

Ana Laura Cruz

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