09. aquelas velhas e boas
— Aí está você! — O Sr. Henderson riu, sua cabeça aparecendo através de uma fresta na porta. Ele sorriu, entrando na casa de barcos e fechando a velha porta vermelha atrás de si. —Nunca pensei que te encontraria aqui. O que você está fazendo?
A velha casa de barcos pareceu o local perfeito para relaxar e se afastar dos próprios pensamentos durante algum tempo. Dentro da propriedade de Jane, encarando o mar azul e calmo, a casa de barcos era uma construção de madeira apodrecida que cheirava a poeira, areia, água salgada e cocô de gaivota. Apesar de não ser o melhor lugar do mundo, era calmo, e depois daquela cena idiota no estúdio de dança e da conversa com Nat, Alia precisava de um pouco de paz.
Sentada dentro de uma canoa velha e com a velha cópia de Orgulho e Preconceito nas mãos, ela sorriu para ele. Erguendo um pouquinho o livro, Alia disse:
— Apenas... lendo e pensando.
— Sobre o quê?
Ela abriu a boca, mas não soube o que dizer. Sobre aquele momento esquisito no estúdio de dança. Sobre como me incomodei mais com aquilo do que com o beijo que trocamos. Alia engoliu em seco, e o Sr. Henderson esperou, uma expressão confusa no rosto e uma sacola plástica amarela nas mãos.
— Nada importante — disse ela, balançando a cabeça. — E o senhor?
Ele fez uma careta ao ser chamado de "senhor", ao que Alia sorriu, dando de ombros como quem se desculpa. Velhos hábitos eram difíceis de morrer.
— Quero mostrar algo — disse ele. Ela fechou o livro quando o Sr. Henderson deu a volta no barco velho e nos rolos de corda, procurando por algo. — Eu sabia que ainda estaria aqui.
Ela pulou para fora do barco quando ele puxou uma lona azul, revelando uma vitrola antiga, de madeira maltratada e opaca. Alia sorriu, franzindo o cenho.
— Não sabia que você era fã de... antiguidades.
O sorriso do Sr. Henderson se alargou quando ele posicionou o disco de vinil que trazia na sacola no prato da vitrola. Acordes rápidos de jazz, seguidos por trompetes e um grupo vocal feminino em perfeita harmonia, encheu a casa de barcos.
— The Andrews Sisters. — Ele suspirou. — Não se faz mais música assim.
— Você é um purista — disse ela, cruzando os braços com um sorriso brincalhão. Aquilo era a cara dele. O Sr. Henderson deu de ombros, sentando em cima de velhos rolos de corda. A música, depois de um tempo, não era de todo ruim. — Eu gosto. Parece que estou prestes a pular nos anos 1940.
— Esse é o sentimento. — Ele riu e, após alguns instantes de silêncio e um gesto silencioso dos olhos dele, Alia sentou ao lado do Sr. Henderson. — Encontrei esse vinil esquecido debaixo da nossa cama. Dá pra acreditar?
A maneira como ele disse nossa cama fez o estômago de Alia se revirar de um jeito esquisito. Sem graça, ela sorriu e mudou de assunto.
— Para ser sincera, ainda estou tentando entender o que uma vitrola está fazendo aqui...
— O dono antigo não queria. — O Sr. Henderson deu de ombros, admirando a vitrola com um sorriso nostálgico. — E como eu adoro coisas velhas, Jane ficou com ela ao comprar a casa, mas não na sala. Era muito cafona para a decoração, eu acho.
— Então você coloca uma vitrola na casa de barcos. Isso é bem... inesperado.
— Bem, ninguém vem aqui. — O Sr. Henderson riu. — E eu poderia usar esse lugar para ouvir meus vinis, fingir que vivo nos anos 40 e fugir do sexo barulhento de Dylan e May.
Eles riram. Um pequeno silêncio embalado pelos vocais das Andrews Sisters os envolveu. O Sr. Henderson mirou o velho barco suspenso, balançando a cabeça com o ritmo alegre da música.
— Então — disse ela, ansiosa com o silêncio entre eles. O Sr. Henderson a encarou, seus olhos castanhos gentis esperando por uma continuação. Ela sorriu. — Qual era a sua personagem favorita de Orgulho e Preconceito? Você ia me dizer, mas Jane apareceu e...
— Você gosta muito desse livro, não? — O Sr. Henderson riu. Alia deu de ombros. — Presumo que você esteja pensando que minha personagem preferida seja Elizabeth?
— Me diga você.
— Certo. — Ele se inclinou para trás, se apoiando nos cotovelos e dando uma boa olhada nos barcos esburacados e empoeirados com um sorriso oblíquo. — Detesto desapontá-la, Srta. Nazario, mas minha personagem preferida é o Sr. Bingley.
— Graças a Deus — exclamou ela, ao que o Sr. Henderson franziu o cenho. Apertando o livro entre os dedos, Alia riu. — Achei que seria Wickham, então estou mais do que feliz com sua resposta.
— Wickham não é assim tão ruim, sabia? — retrucou ele. Alia fez uma careta. O Sr. Henderson riu. — Apesar de amar Elizabeth com todo meu coração, o Sr. Bingley é um verdadeiro cavalheiro. O completo oposto de Darcy.
— Lá vamos nós de novo...
— Bingley é divertido e sabe como tratar uma dama — disse ele. — Ele viu Jane e soube, na hora, que ela era a mulher da vida dele. Sem necessidade de fazer joguinhos ou ofendê-la fazendo pouco de sua família e situação financeira. Bingley amou Jane desde o início e nunca foi desrespeitoso ou rude como Darcy.
— Você odeia o Sr. Darcy, não? — provocou ela, rindo.
Outra música alegre veio da vitrola. O Sr. Henderson suspirou, perdido na harmonia dos sons. Algumas gaivotas grasnaram antes que ele dissesse:
— Não o odeio. Apenas não concordo com a ideia amplamente difundida de que homens desagradáveis, bad boys violentos e CEOs dominadores são atraentes. — Ele fez uma pausa e uma careta. — Aliás, quem diabos começou com isso?
Ela riu daquele tom de desprezo, mas não soube como responder. Alia deu de ombros e, quando se voltou, percebeu que o Sr. Henderson a encarava. Um raio de sol iluminava seus cabelos castanhos, e os olhos dele, tão profundos, miravam os dela com a mesma atenção que a miraram no estúdio de dança. Uma brisa trouxe o cheiro de chá de menta e creme de barbear até ela. Alia sorriu sem jeito.
De novo não, por favor. O cenho do Sr. Henderson estava franzido, e ele se inclinava na direção dela, não mais se apoiando nos cotovelos. Como se fosse lhe sussurrar um segredo, o Sr. Henderson perguntou:
— O que você faria se um homem confessasse amar você, mas falasse mal de toda sua família?
Os ombros dela relaxaram imediatamente. Grata por ter algo para pensar além da proximidade estranha entre eles, Alia sorriu. Pare de imaginar coisas.
— Honestamente? Eu provavelmente o beijaria depois de dar uma joelhada na virilha dele. Uma joelhada bem forte.
O Sr. Henderson riu, covinhas aparecendo em seu rosto bem barbeado. Ele se afastou, balançando a cabeça. Sem perceber, Alia decidiu que gostava de vê-lo sorrir. O Sr. Henderson se parecia mais com uma pessoa e menos com um robô quando o fazia.
Permaneceram em silêncio, ouvindo a música alegre e sentindo o cheiro de poeira e cocô de gaivota. E apesar de tudo, apesar do Sr. Henderson ser o chefe dela, Alia se sentiu em paz.
Era bom conversar com ele sobre livro e, bem, sobre a vida.
— Sabe, meu livro preferido é O Grande Gatsby — disse ele. — Opiniões?
— Combina com você. — Ela sorriu. Então, ouvindo o som calmo das ondas e dos grasnados das gaivotas, Alia deu de ombros. — Você é uma alma antiga.
— Sou?
— Sim. Quer dizer, você adora vinis, queria viver nos anos 40 e seu livro preferido é O Grande Gatsby. Me esqueci de algo?
— Odeio redes sociais.
Ela riu, deixando a sensação de paz tomar conta de si. A velha casa de barcos, com seu cheiro de madeira podre, água salgada e com a luz amarelada do sol da tarde invadindo as frestas das paredes, eram um calmante potente. Tudo isso, aliado aos chiados do vinil na vitrola e aos vocais harmônicos, deixou Alia... feliz. Pela primeira vez naquela viagem ela estava verdadeira e irrevogavelmente feliz. Em paz.
— Quer saber? Não mude — disse ela. Quando ele franziu o cenho, ela ficou sem graça. As palavras soaram melhor em sua cabeça. — Sei que você quer mostrar a ela que mudou, que é um novo homem, mas não tente ser algo que você não é. Não vale a pena.
O Sr. Henderson a encarou. Alia sorriu, só um pouquinho sem graça.
— Obrigado — disse ele. Antes que ela recusasse o agradecimento porque tudo estava no contrato, ele riu, encarando os próprios pés. — Não só por isso, Alia. Obrigado por organizar minha agenda de maneira impecável, aturar reuniões intermináveis, ficar depois do horário e por vir aqui, também. Acho que nunca agradeci a você pelo trabalho incrível.
— Não precisa agradecer. — Quando o silêncio ficou esquisito demais, Alia o empurrou delicadamente com o ombro. Num sussurro, ela brincou: — Só estou trabalhando para o senhor porque o salário é ótimo.
Ambos riram, ouvindo a música em silêncio. Algumas gaivotas grasnaram do lado de fora, e o som da água contra a pequena doca, com aquele inegável clima de verão, fez Alia perceber algo interessante. Seu chefe, o executivo metódico e silencioso, estava se tornando a melhor parte daquele feriado idiota.
— Mas devo dizer — disse ele, num sussurro — que estou feliz por você estar aqui. Você é uma em um milhão, Alia.
O olhar profundo do Sr. Henderson fez o pobre coração dela falsear não uma ou duas batidas, mas milhares delas. A brisa trouxe o cheiro dele novamente, e aquela frase, tão inocente, tão despreocupada, recebeu uma dezena de significados ocultos. Alia engoliu em seco, hipnotizada pelo olhar intenso dele.
Quem diria que o Sr. Henderson seria tão fofo? Com aquele queixo forte, cabelos desarrumados e olhos gentis que não se desviavam dos lábios dela, ele era... bonito. Muito bonito. E muito próximo. Mesmo com o cheiro de poeira e cocô de gaivota, Alia sentia o cheiro da pele pálida dele, a mistura de chá de menta e creme de barbear. Ela tentou desviar os próprios pensamentos, mas foi inútil.
Se era difícil respirar debaixo daquele olhar intenso, pensar em qualquer outra coisa que não beijar a boca do Sr. Henderson estava fora de questão. Você vai beijar seu chefe, a voz gritou dentro de sua cabeça. E dessa vez, ela não precisava de voz nenhuma para saber que não seria um beijo de palco para enganar Jane. Não seja o clichê do chefe e da secretária.
Ela estava tentando — Deus sabe o quanto —, mas por que diabos as Andrews Sisters precisavam cantar uma música tão lenta justo naquele momento? Aquilo não era justo. Aquilo não era nada justo. O Sr. Henderson ainda admirava os lábios dela com um olhar intenso, seu corpo ligeiramente inclinado, quando um pensamento atingiu Alia como um soco.
Ele não gosta de você dessa maneira. É tudo por causa de Jane, sua idiota. Então, enquanto ambos admiravam os lábios um do outro, formulando milhares de perguntas silenciosas, alguém empurrou a velha porta da casa de barcos.
— Jesus, o que vocês dois estão fazendo aqui?
A voz doce de May, seguida de uma risada leve, dissolveu o momento. Os ombros do Sr. Henderson se enrijeceram, e Alia engoliu em seco. Após um silêncio risonho por parte de May, Alia percebeu que a prima de Jane estava sozinha. Sem Dylan. Quem diria que o casal inseparável conseguia existir sem estar, necessariamente, no mesmo cômodo?
May deu ombros e, como se o lesse os pensamentos de Alia, disse:
— Todos estão no jardim jogando futebol. — Ela riu, as mãos ainda na porta. — Dylan está organizando tudo, mas precisamos de pessoas para fechar os times. O que vocês me dizem? Vamos chutar a bunda desses perdedores ou o quê?
Alia ainda estava surpresa. Era a primeira vez que via May sem Dylan, agindo como uma pessoa normal e sem deixar escapar gemidos esquisitos. O Sr. Henderson se virou para Alia, as orelhas completamente vermelhas.
— O que você acha?
Alia respondeu com um sorriso nervoso. May, por outro lado, parecia no céu.
Não era como se eles tivessem outra opção, certo?
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