06. dividindo a cama
Depois que Sagger e Zelda foram embora, o dia ficou sem graça. Sem os comentários sarcásticos e a boa companhia do casal, Alia teve de enfrentar as perguntas dos pais de Jane e Dylan e May se beijando o tempo inteiro durante o jantar.
De onde você é, querida? O que você faz? Quais são seus hobbies? Como você e Colin se conheceram? As perguntas vinham uma atrás da outra, mas eles responderam a todas com um sorriso, tomando o cuidado de manter a coerência. Sustentar a mentira de ser uma estilista iniciante se tornou a missão de Alia tão logo ela se sentou na mesa do jantar.
Mas quando o tio Tom chegou, segurando uma garrafa de vinho e sorrindo, as coisas melhoraram um pouquinho. Ele era irmão do pai de Jane e conhecido na família por ser a alma da festa. Então, tem lugar nessa família para mim, ou o quê?
Quando ele se sentou à mesa, falando sobre a viagem, as crianças, a esposa — Ella virá com as crianças em dois dias. Aquela bruxa velha da mãe dela está doente outra vez — e sobre os colegas de trabalho idiotas, Alia se sentiu grata por sua presença. O silêncio esquisito que crescia a cada pergunta que ela respondia sumira com a presença do tio Tom.
Quando ela não estava respondendo a perguntas enxeridas e espiando com ansiedade as reações do Sr. Henderson, Alia estava rindo de alguma piada do tio Tom. Ele era o tipo de cara bonachão que todo mundo gostava de ter por perto. As rugas ao redor de seus olhos lembravam a Alia o pai, e a similaridade aqueceu de tal forma o coração dela que o resto do jantar passou como um borrão.
Tão logo a sobremesa chegou, Alia ficou surpresa com a mudança operada no ambiente. O Sr. Henderson ria com tio Tom e a mãe de Jane, Dylan e May trocavam colheradas com um olhar apaixonado, e Jane e o pai conversavam sobre o casamento. Alia sorriu, comendo a mousse de chocolate em silêncio.
Não havia necessidade de se preocupar. Tudo ficaria bem.
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Apesar de o primeiro dia ter transcorrido às mil maravilhas, Alia não podia negar que foi uma benção fechar a porta do quarto. A ausência de risadas, vozes e questionamentos fizeram Alia respirar aliviada outra vez. Após uma ducha, ela se deitou e deixou o banheiro para o Sr. Henderson, que agradeceu com um breve sorriso antes de fechar a porta.
O silêncio, quebrado apenas pelo som das ondas quebrando e do Sr. Henderson tomando uma chuveirada, era um tônico para a mente de Alia após aquele dia conturbado. De pijama, deitada na cama, ela sorriu quando o telefone vibrou. Uma mensagem de Natalie brilhou na tela.
Natalie: Me diga que Gisele está aí.
Alia: Quem me dera. Só a família de Jane. Aliás, tudo está bem. Obrigada por perguntar.
Natalie: Você vai ir ao casamento de uma top model com nosso chefe bonitão. As coisas estão mais do que "bem" para você, meu amor.
Alia franziu o cenho, olhando para a porta do banheiro onde o Sr. Henderson estava. Com cuidado, ela digitou a próxima mensagem devagar, pesando cada palavra. Secretamente, ela tinha uma noção da resposta.
Alia: Eu não sabia que você... desejava o Sr. H.?
Natalie: Bem, quem não desejaria um cara lindo, rico e educado como ele? Aliás, ele está no meu top 5 da lista de "Eu Traçaria" do escritório.
Alia fez uma careta para a tela. Natalie sempre foi dona uma libido um pouco alta demais, o que geralmente lhe rendia momentos intermináveis de embaraço. Alia não se importava porque sabia que era justamente o jeito extrovertido de Nat que conquistava todos os homens — e mulheres — do escritório. Como sempre, ela foi obrigada a agir como a voz da razão.
Alia: Ele é nosso chefe, Natalie.
Natalie: Eu sei, e adoraria brincar de secretária safada com ele, se é que você me entende. Mas ele sempre escolhe você para ficar depois do horário... :(
Alia balançou a cabeça, rindo. Às vezes o Sr. Henderson ficava até tarde no escritório, preparando materiais para reuniões e apresentações, assinando relatórios e revisando documentos. Quando isso acontecia, o Sr. Henderson sempre escolhia Alia. Sempre. Nat era muito falante e... calorosa, o que era perfeito para a recepção dos clientes, mas não para serões entediantes no escritório, onde silêncio era fundamental.
Alia: Você não tem jeito, Nat.
Natalie: Com um chefe bonitão desses? Não mesmo.
Alia viu o Sr. Henderson voltando pela porta do banheiro, secando a cabeça com uma toalha felpuda. Antes que Nat pudesse responder, ela digitou um boa-noite rápido. Sua amiga respondeu imediatamente.
Natalie: Não se esqueça do meu autógrafo da Gisele! Amo você!
Ela desligou o celular e deixou-o em cima do criado mudo, balançando a cabeça para uma Nat imaginária. Alia queria que a amiga estivesse ali, contando piadas e conversando com todo mundo. Por que o Sr. Henderson não propôs o acordo à Nat? Ela se sairia muito melhor do que Alia porque sabia como lidar com festas e a parte divertida da vida. Pelo menos eu estaria me divertindo se ela estivesse aqui.
— Sim? — perguntou ela ao perceber o Sr. Henderson sentado aos pés da cama. — Sinto muito. Eu estava...
— Você estava... sorrindo e olhando para longe. — Ele riu. — Não quis interromper seus pensamentos.
— Ah, obrigada — disse ela. O Sr. Henderson coçou a ponta da orelha, e Alia lhe deu um meio sorriso. — Algo que o senhor... queira me dizer?
Ele dardejou os doces olhos castanhos em direção a ela. Alia tentou encorajá-lo com o sorriso. A luz vinda da porta entreaberta do banheiro inundava o quarto em sombras oblíquas, meio azuladas. Finalmente, o Sr. Henderson sorriu, suas covinhas aparecendo nas bochechas.
— Acho que nos saímos bem hoje. No geral, as pessoas acham que estamos apaixonados. — Ele assentiu, orgulhoso. — Tio Tom me perguntou quem eu tive que matar para encontrar uma moça linda dessas, filho? e a mãe de Jane disse que você se parecia com Naomi, mas sem aquelas maneiras medonhas.
Alia riu, baixando o rosto. Por um instante, eles ouviram as ondas quebrando na praia. O Sr. Henderson coçou a ponta da orelha novamente, e como um menino que busca aprovação, perguntou:
— O que você acha?
— Acho o elogio de Carol incrível, mas não acho que me pareço com...
— Não sobre isso. — Ele riu antes de adotar uma expressão ansiosa. — Você acha que estamos... convencendo?
— Acredito que sim. — Tão logo ela disse isso, a cena da praia, com o Sr. Henderson abraçando-a na areia inundou suas lembranças. Alia sorriu. — Bem, pelo menos Jane está convencida. E não precisamos... expressar nosso amor o tempo todo, senão viraremos Dylan e May.
— Pelo amor de Deus, não. — O Sr. Henderson fez uma careta. Alia riu. Ele sorriu para ela, dando uma batidinha decidida no colchão. — É, acho que você está certa. Eles estão convencidos. Nada com o que se preocupar. Bem, boa-noite, Alia.
Ele se ergueu, desligou a luz do banheiro e se encaminhou para o sofá, fechando a porta da sacada no caminho. Alia se sentiu esquisita ao ver o Sr. Henderson abrir um lençol e cobrir o sofá, atirando um travesseiro em cima das almofadas. No escuro, ela torceu os lençóis da cama, lutando contra a vontade de...
— Olha, esse sofá não parece muito... confortável — disse ela, antes que pudesse se conter. — A cama é grande o suficiente para nós dois.
— Agradeço muito, Alia, mas não se preocupe. Estava no contrato.
Ela não queria dividir uma cama com o Sr. Henderson, mas era triste deixar um homem como ele dormir no sofá após aquele dia exaustivo. Alia suspirou, sem graça debaixo dos lençóis que cheiravam a lavanda.
— Esqueça isso. Podemos fazer uma barreira de travesseiros e dividir a cama — disse ela, tentando se manter firme. Quando o Sr. Henderson negou outra vez, Alia suspirou. — Me sentirei péssima se o senhor dormir no sofá por causa de uma cláusula do contrato.
Ele se voltou para ela, e Alia agradeceu por estarem no escuro, ouvindo as ondas quebrarem na praia. No escuro, você não pode ver meu embaraço.
— Você tem... certeza? — perguntou ele.
Ela assentiu, sorrindo apesar de o coração palpitar furiosamente. O Sr. Henderson se aproximou, seus passos abafados pelas meias brancas, e se deitou ao lado dela. O cheiro dele de chá de menta e sabonete encheu o quarto e, de novo, ela agradeceu por estar escuro.
Dentro da casa, algumas risadas abafadas vieram do corredor, seguidas por passos rápidos e risadinhas. Alia ouviu uma porta se fechar não muito longe, e mais risadinhas bobas. Então, para seu completo horror, seus ouvidos capturaram o som de beijos.
Beijos. Muito. Altos.
Dylan e May. Ao lado do Sr. Henderson, ela engoliu em seco. Por favor, não transem agora. Não façam isso comigo, ela pediu em silêncio, tentando focar no som calmo das ondas e não nas risadinhas, nos beijos e nas palavras sussurradas do quarto ao lado. Apesar de tudo, Alia sabia que pedir a um casal como Dylan e May para não transar era como plantar macieiras esperando colher bananas. Não ia rolar tão cedo.
O Sr. Henderson pigarreou e, mais uma vez, ela agradeceu pela ausência de luz.
— Precisamos discutir algumas coisas — disse ele. Apesar da voz controlada, Alia tinha certeza de que suas bochechas estariam vermelhas como um pimentão. — Você gostaria de alguma outra coisa? Já que você conheceu Will, presumo que o contrato possa não ser mais atrativo a você.
May gemeu novamente, mais alto dessa vez. Dylan riu, pedindo por silêncio de uma maneira sussurrada. Alia engoliu em seco, apertando o lençol. Pelo amor de Deus, vocês precisam transar justo agora?
— Está tudo bem, Sr. Henderson. Ainda prefiro o encontro — disse ela, encarando o teto. Desta vez, Dylan era o responsável por um gemido rouco, deixando May com a parte das risadinhas. Alia respirou fundo e tentou sorrir. — Se Zelda quiser comparecer ao encontro, eu...
— Ah, acredito que sim — respondeu ele. — Eles adoraram você.
— Fico feliz em ouvir isso.
Ela sorriu, tentando sem sucesso ouvir as ondas.
Antes de largar a faculdade, Alia ouviu uma boa parcela de pessoas transando. As paredes eram finas, os jovens eram animados e o álcool que corria solto pelo campus não ajudava a conter os ânimos. Ela não tinha problemas com aquilo. Alia sempre teve maturidade para entender que o sexo fazia parte da vida, e que algumas pessoas eram mais barulhentas do que outras.
O problema era encontrar casais animados como Dylan e May. E estar na cama com o próprio chefe. Isso, certamente, dificultava um pouco as coisas.
— Pelo amor de Deus, eles são sempre assim? — Ela foi incapaz de conter a pergunta quando um gemido muito alto preencheu o quarto. Por um segundo, pôde jurar que os dois não estavam no quarto ao lado, e sim ali, aos pés da cama deles. — Parece que estão matando um porco, ou coisa parecida.
— Ah, isso não é nada — disse ele, deixando escapar uma risada baixa. — Depois de um tempo você se acostuma. Os primos de Jane nunca mudam.
— Eles são primos? — perguntou Alia, franzindo o cenho para o Sr. Henderson. — Tipo, primos de verdade?
— Você pode dizer.
— O quê?
— Que você acha o relacionamento deles nojento.
— Eu... é claro que não — respondeu ela. O Sr. Henderson a encarou, e apesar de Alia não conseguir ver direito seu rosto no quarto escuro, sabia que ele sorria. — Eles são nojentos às vezes, mas não porque são parentes. Quer dizer, o fato de serem parentes pode ser meio... esquisito, mas...
Mais gemidos inundaram o quarto. O Sr. Henderson riu.
— Há um ano decidimos fazer uma viagem à Suíça. Eu, Jane, Dylan, May e alguns amigos. Ficamos num chalé, comendo, esquiando e curtindo o inverno. Tudo corria bem, até May dizer que estava... gorda, e pedir a Dylan para que a ajudasse numa dieta que ela encontrou online. — O Sr. Henderson sorriu no escuro, aproveitando a pausa para criar tensão. — A Dieta do Kama Sutra.
— Não — pediu ela, tentando segurar o riso. — Por favor, me diga que isso não é real.
— Eles se trancaram no quarto por cinco dias, só transando e tomando água. Os sons que ouvi na Suíça — disse ele, assustado. — Os sons que eu ouvi não eram humanos, Alia.
Ela riu, fazendo uma careta. Os gemidos cresceram, cresceram e, de repente, o som do silêncio os inundou. Apenas as ondas quebrando e o vento cantando rompiam com a quietude da praia. Alia respirou aliviada. Graças a Deus terminou.
— Certo, o senhor venceu — afirmou ela após um curto silêncio. — Eles são nojentos.
— Ah, você não faz ideia. Aliás, você realmente precisa ouvir sobre a vez em que Carol os flagrou transando no carro dela.
O Sr. Henderson começou a contar a história, rindo entre as palavras. Alia tentou segurar o riso, mas seus esforços foram inúteis quando ele chegou ao fim.
— ... e então Carol viu os dois dentro do carro e gritou: Dylan e May, eu exijo uma explica...! Jesus Cristo, por que diabos meu câmbio está cheio de lubrificante?! E eu juro por Deus, Alia... — o Sr. Henderson disse numa voz entrecortada, quase sem ar.
Alia caiu na gargalhada. Apesar de ter coberto a boca com as mãos, ela era incapaz de se controlar. O Sr. Henderson acompanhou o riso, seus ombros subindo e descendo no quarto escuro. A barriga de Alia doía quando alguém socou a parede.
— Ei, pombinhos, fiquem quietos! — ralhou Dylan. — Estamos tentando dormir aqui.
Alia cobriu o rosto com um travesseiro. Aquele cara era inacreditável. Não bastasse ter parecido um porco no abatedouro há poucos segundos, agora ele pedia por silêncio. Ela apertou o travesseiro contra o rosto, mas suas gargalhadas ainda escapavam.
— Sentimos muito — respondeu o Sr. Henderson, ainda rindo. — Não irá acontecer novamente.
Os dois se olharam, segurando outro ataque de riso. Quem disse que o Sr. Henderson não era engraçado? Alia se ajeitou na cama e, sem ar por conta das gargalhadas, disse:
— O senhor sabe que terei pesadelos com dietas do Kama Sutra e câmbios lubrificados, não sabe?
— Bem-vinda à minha vida miserável. — Ele riu, erguendo uma barreira de travesseiros no centro da cama. — Boa-noite, Alia.
No escuro, ela lançou um sorriso aos travesseiros.
— Boa-noite, Sr. Henderson.
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