05. clube de teatro

Alia percebeu um fato interessante quando voltaram ao gazebo.

Jane estava mais calada, tentando ler um significado oculto nas poucas palavras que o Sr. Henderson dizia, mal ouvindo Sagger e Zelda. Os dedos dela tocavam o chapéu de praia e os óculos escuros, mas seus olhos cinzentos raramente abandonavam o rosto do Sr. Henderson. Então, algo se iluminou dentro da cabeça de Alia. Talvez ainda exista uma chance, uma vozinha sussurrou em seus ouvidos.

O Sr. Henderson era completamente apaixonado por Jane. Se ele tivesse superado o relacionamento, para que chamar Alia para fingir ser sua namorada? Por que não se hospedar no mesmo hotel de Sagger e Zelda? Por que comparecer ao casamento? E se Jane também nutrisse os mesmos sentimentos por ele? Por que todos aqueles olhares sem graça se ela já não sentia mais nada pelo ex? Ela não havia superado o término. Não de verdade.

Enquanto Sagger e Zelda comentavam com Jane o último desfile de Vera Wang, Alia decidiu testar a modelo. Se havia uma chance, por menor que fosse, de juntar os dois... por que não? Vamos ver como você se sente em relação a ele.

Ela descansou o queixo no ombro do Sr. Henderson, sorrindo para seu rosto bem barbeado. Estavam tão próximos que Alia era capaz de sentir o cheiro da pele dele, uma mistura de creme de barbear e água salgada. O Sr. Henderson a mirou de relance, rígido com aquela proximidade súbita. Alia riu, silenciando a conversa sobre vestidos, modelos, coleções e passarelas.

— Seu rosto está cheio de areia! — Alia limpou as bochechas coradas do Sr. Henderson, assim como seus cabelos castanhos bagunçados. Ciente de que o resto do grupo assistia, ela riu. — Jesus, você parece um quipe.

— Um quipe fofo? — perguntou ele, erguendo uma sobrancelha.

Jane os encarava. Gaivotas grasnaram e mais ondas quebraram na praia. Alia limpou a areia da camiseta dele e riu, passando um braço ao redor dos ombros do Sr. Henderson.

— Se você não fosse um quipe fofo, eu não estaria com você, cariño — sussurrou ela, alto o suficiente para que Jane ouvisse.

Alia beijou a bochecha do Sr. Henderson. Você ainda não o esqueceu, não é? Do outro lado da mesa, Jane estava sentada ereta. Os cantos de sua boca simularam um sorriso contido quando Sagger e Zelda riram dos pombinhos. Jane fincou os cotovelos na mesa, descansando o lindo queixo naquelas mãos pálidas.

— Então, estou curiosa — disse ela, as sobrancelhas erguidas. — Como vocês dois se conheceram?

— Restaurante japonês. — Alia riu. — Eu estava saindo quando nos esbarramos. Literalmente. Colin manchou minha blusa com saquê e se ofereceu para pagar a conta da lavanderia. E um jantar, é claro.

— Eu não esperaria menos de um verdadeiro cavalheiro — disse Zelda, se abanando com o leque. O Sr. Henderson agradeceu com um murmúrio. Zelda sorriu. — Bem, mas acredito que não tenha sido tão difícil ser um cavalheiro com Alia, não é, querido? Uma mulher tão bela assim é uma dádiva.

— Colin é um homem inteligente. Ele não deixaria você escapar tão fácil, boneca. — Sagger sorriu, olhando para o amigo e esperando que ele fizesse outra coisa que não olhar para baixo e corar. — Esse aí é persuasivo como o diabo. Os quietinhos são os piores.

Um pequeno silêncio cresceu entre o grupo. Alia deu dois tapinhas no rosto do Sr. Henderson. Pelo amor de Deus, diga alguma coisa. Mas, como já era de se esperar, ele permaneceu em silêncio.

— Ah, isso é verdade. Eu estava... namorando na época — disse ela. — As coisas não iam bem quando Colin apareceu, então sou muito grata a ele por ter me encharcado de saquê.

— Você terminou com seu namorado por... — começou Jane, os olhos cinzentos se arregalando.

— Sim — interrompeu Alia, um sorriso nervoso comichando em seus lábios por aquela mentira deslocada. Ela e o Sr. Henderson trocaram um olhar sem graça. — Quer dizer, depois de ver esse quipe fofo, quem não terminaria?

Alia deu duas batidinhas afetuosas no rosto do Sr. Henderson. Sagger enfiou o queixo no peito e Zelda escondeu o sorriso com o leque. Mais gaivotas grasnaram e ondas quebraram antes que Jane sorrisse da mesma maneira contida.

— Entendo o que você quer dizer — disse Jane, olhando por um instante para o Sr. Henderson. — Mas e você? Com o que você trabalha, Alia?

Merda. Sagger ergueu a cabeça e Zelda abaixou o leque, seus olhos orientais se arregalando por um instante. Debaixo do toque dela, o Sr. Henderson enrijeceu.

Eles não haviam falado sobre aquilo no carro. Era óbvio que Jane perguntaria sobre a vida profissional dela. Como puderam ignorar uma informação tão básica? Alia tomou um gole do suco de laranja, seu cérebro tentando encontrar outra resposta que não Ah, sou a secretária dele e, acredite, estou aqui cumprindo um contrato.

— Ah, Alia é uma... estilista — disse Zelda, pesando cada palavra. Quando todos os olhos, inclusive os de Alia, se voltaram para ela, Zelda sorriu. — Nos fale sobre seu trabalho, querida.

Uma brisa sacudiu a blusa folgada que ela usava sobre o biquíni, fazendo-a pensar em tudo o que combinaram no carro. Os dois ficaram tão obcecados por dissecar cada parte do relacionamento falso que acabaram esquecendo de criar uma nova vida para Alia. Se Jane tivesse perguntado sobre onde eles costumavam comer, tipos de filme que assistiam ou qualquer coisa que não a vida de Alia, eles teriam respondido sem pensar duas vezes. Mas este não era o caso.

Todos permaneceram em silêncio, e Alia quis cavar uma cova nas areias brilhantes da praia particular de Jane e morrer. Quando a resposta não veio, Jane a salvou:

— Estilista? Isso é incrível! — disse a modelo, piscando com interesse. — Não estou familiarizada com seu trabalho, mas adoraria vê-lo. Quem sabe até possamos trabalhar juntas? Quem estava na sua passarela na última estação?

Alia permaneceu em silêncio. De novo. O que Jane diria se soubesse que Alia fazia os croquis na hora do almoço, entre as reuniões do Sr. Henderson ou até enquanto conversava com Nat no telefone? O que ela diria se soubesse que ninguém, nem mesmo uma só pessoa, jamais usara um vestido criado por Alia? Que todos os croquis dela não passavam de desenhos feitos com lápis de cor baratos?

Então, ela se sentiu idiota. Terrivelmente idiota.

Ninguém estava na passarela dela na última estação. Ninguém exceto Nat, os pais de Alia — e o Sr. Henderson — sabiam da existência daqueles croquis idiotas. Ela não era uma estilista, não de verdade. Alia era só uma secretária idiota que gostava de vestidos, sapatos e trabalhava como um cavalo para pagar o aluguel e ajudar os pais com as contas.

— Alia é um diamante esperando para ser descoberto — disse o Sr. Henderson, pousando a mão sobre a de Alia. Ele sorriu de uma maneira encantadora e, pela primeira vez, não soava como um robô na frente da ex. — Os vestidos dela são incríveis, feitos com paixão. Quem sabe você possa estar na primeira passarela dela quando acontecer? O que me diz, Jane?

Os olhos cinzentos de Jane o encararam por um breve momento. Ela sorriu, o mesmo sorriso contido e controlado das revistas de moda. Com o rosto corado, Jane disse:

— Claro. Será um prazer, Alia. — Algumas ondas quebraram na praia e gaivotas grasnaram antes de Jane perceber o silêncio encabulado de Alia. A modelo terminou o próprio suco e sorriu. — Bem, está ficando quente. Acho melhor voltarmos.

O grupo concordou prontamente.

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O caminho de volta à casa foi silencioso. O Sr. Henderson ria e conversava com Sagger e Zelda, segurando a mão de Alia, mas ela mal conseguia ouvi-lo. Era como se depois daquela conversa sobre o trabalho dela eles tivessem invertido os papéis; agora ela bancava a namorada nervosa e paranoica enquanto o Sr. Henderson agia como o cara relaxado e seguro de si.

Tão logo voltaram ao gramado da casa, Jane se virou para Sagger e Zelda, conversando sobre o próximo trabalho que fariam juntos. Alia era incapaz de ouvir. Sua cabeça, reencenando cada pedaço daquela conversa no gazebo, estava longe dos Hamptons. A história deve ser perfeita.

Alia odiava furos no plot. Sendo uma leitora, ela entendia que toda boa história precisava ser perfeita, sem pontas soltas ou fatos obscuros. Ela era uma estilista agora, e era melhor agir como uma se quisesse que Jane comprasse aquela mentira furada.

Alia estava perdida em pensamentos, admirando os canteiros de flores a uma distância segura, quando o Sr. Henderson a abraçou pela cintura. Ela enrijeceu debaixo do toque dele, franzindo o cenho.

— O que aconteceu? — perguntou ele, sussurrando para que os outros não ouvissem.

— Não prevemos isso. — Alia fez uma careta. Irritada, ela sussurrou de volta: — Era óbvio que Jane perguntaria sobre minha vida.

— Bem, ela engoliu a mentira — respondeu ele, dando de ombros. O Sr. Henderson se inclinou para frente e Alia instintivamente recuou. Ele ficou sem graça por um instante. — Você me disse para... para relaxar. Agora é a sua vez. Respire. Jane acreditou na mentira, Will e Zel nos deram cobertura e tudo vai ficar... bem.

Ela ergueu uma sobrancelha. Sr. Henderson, o homem que agia como um robô há menos de 20 minutos, agora pedia a ela para que relaxasse. Certo. Seria cômico se não fosse triste.

— Odeio furos no plot. — Ela envolveu o pescoço dele com os braços e suspirou irritada, ciente do olhar de Jane. O Sr. Henderson riu. — O quê? Odeio pontas soltas.

— Não entenda isso como um furo no plot. É apenas uma... uma mudança inesperada na narrativa — disse ele. Ela bufou, e o Sr. Henderson apertou sua cintura. — Esqueça isso, Alia. Você está ótima. Na verdade, está se saindo infinitamente melhor do que eu. — O Sr. Henderson deu um sorrisinho malicioso. Seus olhos castanhos de Golden Retriever faiscaram de maneira divertida. — E devo acrescentar que você parece... bastante confortável com essa situação.

Ela franziu o cenho para aquela colocação. Os cabelos desarrumados dele, ainda com um pouco de areia pela brincadeira idiota na praia, brilharam debaixo do sol. O sorrisinho dele fez Alia corar ao perceber que, cedo ou tarde, teria de confessar de onde vinha a facilidade para lidar com situações adversas. Com um suspiro cansado, ela confessou:

— Clube de teatro no colégio.

Antes de ser estilista, o sonho dela era ser atriz. Ser aplaudida nos palcos, conseguir bons papéis e viver mil vidas em uma só eram os objetivos da Alia de 15 anos. Pelo menos até descobrir que tinha aptidão para criar os figurinos, o sonho dela era ser uma atriz famosa, que lotava os teatros todas as noites.

O Sr. Henderson abriu um sorriso animado, levantando as sobrancelhas como a criança que ouve que o Natal chegou mais cedo.

— Você está brincando. — Ele riu e, pela sua expressão, Alia foi incapaz de não abrir um sorriso também. — Mal sabia eu que estava lidando com uma profissional. Bem, agora estou curioso.

— Pelo amor de Deus, não fique — disse ela, rindo. O Sr. Henderson esperou, os olhos grudados no rosto dela. Quando Alia entendeu que não se livraria dele, continuou com cautela, temendo soar idiota aos ouvidos do próprio chefe: — Uma vez, fizemos Grease.

— Por favor, não me diga que minha secretária sabe cantar.

— Como um anjo — brincou ela, ignorando a risada que escapou dos lábios do Sr. Henderson. — Me inscrevi para o papel de Sandy por causa do garoto escalado para ser Danny, mas no final consegui Rizzo. Dá pra acreditar? Fiquei tão furiosa com a Sra. Mills e Savannah Jones, aquela loira idiota que era a cara da Sandy, que decidi me vingar. Interpretei Rizzo, e sabe o que aconteceu?

— O quê?

— Meu solo foi aplaudido de pé e ninguém se lembrou de Savannah Jones. Cada vez que eu entrava em cena depois disso, o público ia à loucura. — Alia riu e deu de ombros. — E acabei namorando o garoto que fez Kenickie por dois anos.

O Sr. Henderson entrou num silêncio contemplativo antes de rir. Por fim, ele a encarou como se fosse dizer algo realmente importante. Uma brisa os envolveu e os braços de Alia se arrepiaram. Balançando a cabeça, o Sr. Henderson disse:

— Não acredito que você era uma daquelas garotas barulhentas do clube de teatro. Não combina em nada com você.

— Eu tinha 15 anos! — Ela riu antes de erguer as sobrancelhas. — E o senhor? De que clubes participava?

Sinceramente, ele não fazia o tipo que participaria de algum clube no colégio. O Sr. Henderson, se ela tivesse de dar um palpite, possivelmente participaria de algo sério como o Conselho Estudantil, o time de robótica ou do grupo de gênios do Decatlo Acadêmico. Ela não conseguia enxergá-lo como alguém do time de futebol ou do clube de fotografia. Ou de qualquer agremiação que não fosse séria e meio sem graça.

O Sr. Henderson ergueu as sobrancelhas, tentando manter o mistério.

— De que clubes a senhorita acha aque eu participava?

— O senhor tem cara daqueles gênios do Decatlo Acadêmico. Aqueles que passavam o tempo inteiro estudando para conseguir os melhores resultados nos testes e aumentar a média e a reputação da instituição. — Ela riu, dando de ombros. — Isso, ou tocando tuba na banda.

— Tocando tuba? Isso é péssimo.

— Bem, de que clubes o senhor participava, então?

— Ora, não vou dizer. Tocando tuba. Que desastre! — Ele balançou a cabeça, simulando estar ofendido. Alia riu. Após um breve silêncio, ele perguntou: — Você sabe que precisará cantar para mim depois dessa declaração, não?

— Nem em um bilhão de anos, senhor. — Ela riu, fechando os olhos por um instante.

Com um olhar de relance, Alia viu Jane ainda conversando com Sagger e Zelda, mas checando constantemente sobre os ombros do casal, espiando-os vez ou outra. Sem graça, Alia acariciou a orelha esquerda do Sr. Henderson. Ele enrijeceu a postura e desmanchou o sorriso.

— Ela está olhando? — perguntou ele, mal movendo os lábios. Alia assentiu, brincando com seus cabelos desarrumados e cheios de areia.

Então, antes que Alia pudesse reagir, o Sr. Henderson puxou-a para perto, pressionando seu corpo contra o dele e plantando um beijo delicado em seu queixo. Apesar da brisa de verão que balançava as árvores e os arbustos, o calor subiu pelo pescoço de Alia. Ele recuou debaixo do olhar sem graça dela, corando.

— Beijos inocentes — sussurrou o Sr. Henderson como quem pede desculpas. — Estou tentando... tentando incorporar a personagem.

— Isso não foi nada inocente, senhor — disse ela, meio abobalhada.

— Eu sinto muito, eu...

— Tudo bem, eu...

Mesmo que Alia tentasse não pensar sobre aquilo, era esquisito ser beijada pelo próprio chefe. O Sr. Henderson era um cara legal, com doces olhos castanhos, cabelos metodicamente desarrumados e, se as coisas fossem diferentes — se ele não fosse o cara responsáel por pagar o salário dela, por exemplo —, Alia estaria super atraída pelo Sr. Henderson. De verdade.

Se a situação fosse outra, se o Sr. Henderson não fosse o chefe dela, se não tivesse a modelo mais sexy da atualidade como ex-namorada e não fosse o dono de uma das maiores empresas de comunicação das Américas, Alia estaria super atraída pelo Sr. Henderson. De verdade.

Mas as coisas não eram diferentes, e de maneira nenhuma ela se apaixonaria pelo próprio chefe. Ela não seria tão burra a esse ponto.

— Espere, isso não é assédio sexual, certo? — O Sr. Henderson perguntou num sussurro nervoso, interrompendo a linha de pensamento dela. — Sinto muito. Acho que eu deveria ter sinalizado de alguma maneira, não? Me perdoe, não vou mais...

— Tudo bem. Eu só... só não estava esperando. — Ela assentiu, sorrindo para reforçar as palavras e afastar o embaraço que crescia entre eles. — E... e o senhor está incorporando a personagem. O namorado amoroso.

— Posso ter um solo?

— O homem de negócios sério e metódico está tirando uma com a minha cara, ou...?

Eles riram. Alia percebeu manchinhas cor de âmbar nos olhos castanhos de Golden Retriever do Sr. Henderson. As covinhas no rosto bem barbeado dele e o cheiro de grama recém-cortada relaxaram os ombros de Alia. Por um instante, enquanto estava nos braços do Sr. Henderson, ela não pensou em Jane, no casamento e no contrato.

Pelo menos até Sagger pigarrear e atrair a atenção deles.

Tão logo o Sr. Henderson percebeu que Jane não estava por perto, soltou a cintura de Alia. Ambos permaneceram num silêncio constrangido, encarando Sagger e Zelda como duas crianças pegas em maus lençóis.

Então, contra todas as expectativas, Zelda riu, balançando seu leque delicado.

— Não sei o que vocês dois estão fazendo, queridos, mas não parem. Até o final desse casamento, Jane estará a seus pés, Colin.

Ele sorriu sem graça e Alia descansou a mão no ombro do Sr. Henderson com um sorriso. Assim esperamos.

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