03. estratégia é fundamental

Quando desceu do carro e pisou no gramado da casa de Jane Vincent, Alia teve certeza de pelo menos uma coisa: aquela casa era a casa dos sonhos de todas — ou quase todas — as pessoas do mundo. O gramado era largo, de um verde brilhante e envolvente que se estendia para todos os lados, formando um caminho para a casa mais linda que Alia já pusera os olhos. Pássaros cantavam em pequenas fontes de pedra, flores de todas as cores se balançavam em canteiros e não havia uma só nuvem no céu.

Estar naquele gramado era como ser envolvido por um pedacinho do Paraíso.

É claro que Jane Vincent teria uma mansão nos Hamptons. Lá, artistas de cinema, astros da música e top models se escondiam em feriados prolongados com as famílias — e amantes —, se recuperavam do vício de álcool e drogas e davam festas incríveis. De repente, o estômago de Alia se embrulhou feito papel de presente.

O que diabos estava pensando quando aceitou competir com um campeão da Fórmula 1 e uma modelo famosa, considerada três vezes a mulher mais sexy pela People, Esquire e Playboy?

Ela fechou a porta da SUV, os olhos ainda presos à casa, admirando as janelas de caixilho branco, os tijolos vermelhos sem manchas e o incrível telhado cinzento brilhando contra o sol da tarde. O Sr. Henderson colocou a mala de Alia entre eles e suspirou, enfiando as mãos nos bolsos da bermuda e admirando a casa com uma expressão nostálgica.

— Bem, aqui estamos.

— Quando o senhor disse casa, pensei ter ouvido casa, não... mansão.

O Sr. Henderson riu, fazendo covinhas aparecerem em seu rosto bem barbeado.

— Não entendo muito de arquitetura. Para mim, uma casa é uma casa.

— Pelo menos o bairro parece calmo.

— Ah, sim. Os vizinhos daqui são fantásticos — concordou o Sr. Henderson. Apontando o indicador para além da propriedade, continuou: — Lá é a casa do Tom Cruise. Algumas casas abaixo é a da Beyoncé. E se não estou enganado, a casa da Meryl Streep é... lá.

E o pior de tudo: ele falava sério. Alia abriu a boca, chocada demais para dizer qualquer coisa. O Sr. Henderson riu, mas suas maneiras relaxadas sumiram feito fumaça quando a voz dela chegou até eles.

— Veja só quem chegou!

Jane Vincent, injusta com todas as outras mortais, era mais linda ao vivo do que em todos aqueles desfiles, catálogos de moda e entrevistas. Alia viu o lindo cabelo castanho-escuro num coque bagunçado no topo de sua cabeça, o corpo alto e esguio enfiado numa blusa cinzenta folgada, e as pernas, aquelas pernas que valiam milhões de dólares, caminhando num par de jeans velhos e justos. Ela se vestia como se não se importasse e, talvez justamente por isso, por não se importar com a aparência, ela se tornava mais linda do que já era.

Natalie, melhor amiga de Alia, costumava dizer que quando Jane sorria, as orelhas dela eram pontudas demais e que o nariz altivo se parecia com o pênis de um menino. Sabe, ela não pode ser tão bonita assim na vida real, querida. E se é, aposto que tem bafo ou algo assim, Natalie dizia, pegando outro pedaço de pizza enquanto viam Jane pela televisão.

Alia mal podia esperar para voltar e dizer que Natalie estava errada. Com ou sem bafo a mulher era uma deusa.

Jane sorriu para o Sr. Henderson, e eles partilharam o olhar desconfortável de duas pessoas que costumavam estar num relacionamento. Alia virou o rosto, admirando um canteiro de flores e se sentindo uma intrusa naquele momento.

Então, Jane mordeu o lábio e abraçou o Sr. Henderson. Antes que ele pudesse abraçá-la de volta, a modelo se afastou, olhando para baixo. O silêncio cresceu. Alia sorriu ao sentir os olhos cinzentos de Jane nos seus. Também sorrindo, a modelo estendeu a mão pálida, ao que Alia prontamente apertou.

— E você deve ser Alia. É um prazer.

— Digo o mesmo. Você tem uma casa incrível — Alia elogiou, sem saber ao certo o que dizer para a ex de seu namorado falso. Jane agradeceu e sorriu de maneira triste para o Sr. Henderson.

— Estou feliz que vocês tenham... vindo.

Um silêncio muito esquisito os abraçou. O Sr. Henderson respondeu num muxoxo e baixou o rosto, cutucando um pedaço de grama com a ponta do tênis. Jane endireitou a postura, buscando afastar o embaraço com um sorriso.

— Meus pais chegaram há pouco — disse ela, voltando a atenção para Alia. — Vamos entrar. Vou mostrar o... o quarto de vocês.

Ela sorriu uma última vez antes de seguir para a casa. Ao ver o Sr. Henderson se afundar em constrangimento ao seu lado, Alia cerrou o maxilar. Seria um longo feriado.

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O interior da casa era ainda melhor. A mobília de madeira, as cortinas de cores sóbrias e as almofadas fofas transformavam os espaços amplos em locais aconchegantes. O piso de carvalho brilhou debaixo dos pés deles enquanto se dirigiam à cozinha onde, de acordo com Jane, todos estavam.

Mas não foi a bela decoração da sala de estar e o cheiro de rosas por todo canto que atraíram a atenção de Alia. Desde que Jane aparecera no gramado, o Sr. Henderson não dissera uma só palavra.

Ele segurava a mão de Alia, carregando as bagagens com a mão livre e tinha no rosto uma expressão indecifrável. Alia sentiu o suor dos dedos do Sr. Henderson se misturando ao dela, e isso não era bom sinal. Ela não fazia ideia do que dizer enquanto Jane os guiava até a cozinha, comentando sobre o novo papel de parede aqui, as novas cortinas ali e pontuando todas as modificações pelas quais a casa passou nos últimos seis meses para afastar o silêncio medonho que se alastrava pelos cômodos.

Quando entraram na cozinha bem equipada, Alia viu um homem grisalho sentado numa banqueta, lendo o jornal do dia e sacudindo a cabeça como se as manchetes fossem desoladoras. Ao seu lado, uma mulher de meia-idade arrumava um arranjo de rosas, franzindo os lábios para as pétalas caídas. Um pouco distante, espremidos contra o balcão da cozinha, um casal se beijava com mais ardor do que o necessário. Pela maneira como se olhavam e se agarravam, Alia julgou estarem em início de relacionamento. Quando tudo o que você quer é se beijar e deixar todo mundo desconfortável.

— Colin, querido! Vocês finalmente chegaram! — A mulher arrumando o arranjo de flores, que Alia julgou ser a mãe de Jane, abriu um sorriso e envolveu o Sr. Henderson num abraço curto. — Como estão as coisas, querido?

— Grande Colin! Pensamos que você não viria, rapaz. — O homem de cabelos grisalhos fechou o jornal e sacudiu a mão do Sr. Henderson. — Dylan, May! Parem de se agarrar por um minuto e venham dizer "olá" ao Colin. Como você pode ver, nada mudou por aqui, filho.

O Sr. Henderson sorriu sem vontade.

— Deixe os jovens se divertirem, Rupert! — A mãe de Jane deu um tapinha no ombro do marido, rindo para Alia. Jane tinha os mesmos olhos cinzentos e o sorriso contido da mãe. — E você, querida?

Foi quando todos os olhares caíram sobre Alia. Desconfortável por ser o centro das atenções, ela quis sumir ao perceber que Dylan e May — o tipo de casal aparentemente inseparável — haviam parado de se beijar para observá-la.

— Alia — disse o Sr. Henderson numa voz robótica, apertando os dedos dela com tamanha força que Alia prendeu a respiração. — Ela é... minha... minha... namorada.

— Ah — disse a mulher. Alia percebeu mãe e filha trocarem um olhar. Jane assentiu com um sorriso, como se aprovasse a questão silenciosa da mãe. Com um sorriso, ela disse: — Sou Carol. É um prazer conhecê-la, querida.

— Igualmente, Sra. Vincent — disse Alia, ouvindo um Por favor, me chame de Carol, querida logo em seguida. — É igualmente um prazer, Sr. Vincent, Dylan e May.

O pai de Jane respondeu com um gesto de cabeça. O casal anuiu ao mesmo tempo, ainda abraçados e sorrindo de maneira idêntica. Então, tudo caiu no mais tenebroso silêncio. O Sr. Henderson apertou os dedos dela com mais força. Ele estava à beira de um colapso nervoso sendo que o feriado nem havia começado. Se você continuar assim, isso não vai prestar, ela pensou quando entendeu que ninguém quebraria o gelo.

Então a cozinha bem-equipada tornou-se incrivelmente sufocante.

— Se vocês não se importam — começou Alia, desconfortável pelo silêncio e nervosa com a falta de atitude do Sr. Henderson —, a viagem foi um pouco cansativa, e nós...

— É claro. Que cabeça a nossa — respondeu Jane, seus lindos olhos cinzentos presos no Sr. Henderson. Com um sorriso, ela pegou uma maçã de cima da ilha. — Vou levá-los até o quarto, apesar de você... saber o caminho.

Jane e o Sr. Henderson trocaram um olhar sem graça. Alia engoliu em seco. Aquele feriado seria mais difícil do que imaginara.

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O Sr. Henderson estava sentado na beirada cama, admirando o tapete persa no chão de carvalho com olhos tristes. Alia suspirou, colocando as mãos na cintura e refazendo o caminho entre o sofá de couro e a cama de casal, tentando enxergar uma luz no final daquele túnel tão, tão, tão escuro.

— Olha, não podemos continuar assim — disse ela, deixando escapar um suspiro. Ele não ergueu a cabeça. Alia cruzou os braços, irrequieta com a situação. — Se queremos que as pessoas acreditem que estamos apaixonados, precisamos agir como se estivéssemos. Foi por isso que assinamos o contrato.

— Eu sei — admitiu ele com uma expressão culpada. — É só que... não sei o que fazer. Tudo parece exatamente como era antes, e eu...

— Ok, me ouça — disse ela, parando de se mover. A brisa entrou pela porta da sacada, e o cheiro de lavanda dos lençóis envolveu o quarto. — O senhor precisa relaxar. Quando encontramos os pais dela, o senhor parecia um robô. Relaxe. É uma situação esquisita para todos, mas tente agir como Jane. Ela parece bem... bem ok com o fato de vocês serem amigos.

Na verdade, Jane não parecia ok. Ela parecia mais surpresa pelo fato do Sr. Henderson trazer uma acompanhante, uma namorada de verdade, do que qualquer outra coisa, mas ele não precisava saber disso. As orelhas do Sr. Henderson estavam vermelhas quando ele coçou a cabeça.

— Amigos. Sim. Você está certa. Posso fazer isso.

Ele soou hesitante, mas ela assentiu.

— Fale com ela, seja legal, mas o senhor não precisa ser amigo dela se não quiser — disse Alia, dando de ombros e abrindo a própria mala. O Sr. Henderson sorriu quando ela se virou, segurando uma toalha e a escova de dentes na mão. — O senhor tem uma namorada agora, e vamos mostrar a ela o quão... excitante e divertido o senhor é. Relaxe. Tudo vai ficar bem.

Alia sorriu de maneira encorajadora, mas tão logo pisou no banheiro, o sorriso se desfez feito fumaça.

O que diabos você estava pensando? Todos perceberam como o Sr. Henderson estava nervoso na cozinha, apertando a mão dela e pronunciando a palavra namorada como se sua boca estivesse cheia de areia. Ela escovou os dentes, tentando afastar o pressentimento ruim, mas foi inútil.

Quando Alia voltou ao quarto, o Sr. Henderson estava de pé, caminhando de maneira ansiosa de um lado para outro. Quando os olhos castanhos dele encontraram os dela, o Sr. Henderson ficou rígido como uma estátua.

— Me ajude a relaxar.

— O quê?

Alia ergueu as sobrancelhas. O Sr. Henderson, se afogando em ansiedade, não percebeu o sentido esquisito de dizer aquela frase para a própria secretária. Corado, ele umedeceu os lábios.

— Sinto muito, mas eu... é difícil para mim, você entende? Relaxar. Me ajude, Alia — pediu ele, se aproximando de súbito. Os cabelos castanhos e desarrumados e as bochechas coradas do Sr. Henderson o deixavam parecido com um garotinho perdido no parque. — Me diga o que fazer. Confio inteiramente em você.

— Certo — disse ela, antes que ele cavasse um buraco no tapete e sumisse. Alia respirou fundo. Jesus, isso é mais difícil do que parece. Olhando para uma velha revista de viagem em cima do sofá de couro, ela disse: — Pense que estamos... de férias.

— De férias.

— Isso. Imagine que somos um casal feliz de férias nos Hamptons. E que... que estamos hospedados nesse hotel lindo — disse Alia, lendo a manchete em amarelo berrante que anunciava os melhores hotéis da China. — Mas quando entramos nesse hotel, encontramos sua ex e a família dela. Somos pessoas civilizadas, então seguimos com nossas vidas, porque estamos apaixonados e nada mais importa. O que somos, Sr. Henderson?

Ele pareceu confuso por um instante, até seu semblante se abrir com a realização da resposta.

— Um casal feliz de férias.

— Certo. E agora que encontramos Jane e a família dela, o que seremos?

— Um casal feliz de férias — repetiu o Sr. Henderson, assentindo. Um sorriso aliviado se espalhou por seu rosto bem barbeado. — Você é boa.

Alia descansou as mãos nos ombros do Sr. Henderson. Ele enrijeceu por um momento, mas ela sorriu.

— Sempre que o senhor sentir que vai explodir de ansiedade, pense nisso. Casal feliz. É uma ótima estratégia.

Ele assentiu. Ela deixou as mãos caírem. O Sr. Henderson sorria, parecendo mais calmo do que antes. Uma brisa invadiu o quarto pelas portas abertas da pequena sacada, envolvendo o aposento no cheiro de lavanda dos lençóis. Alia sorriu novamente. O Sr. Henderson assentiu. Tudo estava na mais perfeita paz.

Até alguém bater à porta.

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