Capítulo Um

- Alô? Eu... eu... a pequena Julia, que despareceu, está comigo, eu a encontrei. Venham para esse endereço. - ele disse, falando o endereço e desligando o telefone. Foi até a garota e ficou ao lado dela. - Acabou... acabou... eu completei o desafio... - Murmurava, rindo baixo. 

O ranger da porta do quarto nove se abrindo fez  seu coração acelerar. Respirando fundo, abraçou a pequena Julia, tentando evitar que seu corpo tremesse, seus dentes rangendo, sua mente imaginando quem seria. A criatura? O velho? Talvez ele mesmo?

A porta finalmente se abriu, as luzes ofuscando sua visão, uma de suas mãos indo de imediato para frente de seu rosto, o protegendo da luz. Quando as luzes se abaixaram, pôde ver dois policiais entrando no quarto dez. Eles enfrentaram todos os quartos? Será que eles viram o mesmo que ele? 

 - Hey, garoto! - um dos policiais disse, se aproximando dele, o outro logo atrás, soltando um "meu Deus" ao ver William coberto de sangue, com os olhos arregalados, os encarando, como se não acreditasse no que via. O primeiro chegou perto dele e estendeu a mão para puxar o braço de William e tirar Julia, mas ele se afastou do policial, a boca trêmula, temendo o que o policial faria com ela. - Calma, garoto, calma. Santa Maria... não vou machucar ela nem você. Está seguro, venha. - Dizia, o mais tranquilo possível, enquanto o outro policial chamava por reforços, descrevendo a situação. William não conseguia dizer nada, apenas encará-los. Mais uma vez, o policial tentou tocar seu braço, agora William não recuando. Ele puxou seu braço, pegando devagar Julia no colo. O outro se aproximou - Ela está bem, parece que desmaiou.

- Meu Cristo amado... 

- Ajuda o menino, Edson. 

- Ah, sim, claro, ok. Vem, garoto. - disse o policial Edson, pegando William pela mão e o trazendo consigo. - Consegue me ouvir, falar? - Perguntou. William, lentamente, volto seu olhar para o policial, seus olhos se enchendo de lágrima e assentindo. - Você está... - Antes que terminasse a frase, William o abraçou com força, soluçando descontrolado, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Era real. Os policiais eram reais. Estava mesmo a salvo, a pequena Julia também. O policial Edson o abraçou, olhando para o policial Rogério, que assentiu para ele, tenso. O que diabos teria acontecido ali? 

- Acabou... acabou... acabou... - William começou a murmurar, até que sua visão ficou turva e, em seguida, o mundo ao seu redor apagou.

(10 ANOS DEPOIS) 

A cidade de São Paulo cheirava à fumaça mais do que nunca. Aquele era um dia agitado. Quilômetros de engarrafamento em inúmeras vias. As estações de metro totalmente lotadas, transbordando pessoas. 

Ele voltava de mais um dia de trabalho. Tinha sido um dia cheio. Saíra da polícia há poucos meses. Para não ficar parado, havia decidido agir como uma de detetive particular. Não era como nos filmes. Na cidade de São Paulo, não era tão fácil achar alguém que precisasse de ajuda de um detetive particular, como ele pensou. Mas nas últimas semanas a quantidade de casos aumentara, apesar de geralmente serem casos insignificantes, bastavam para alimentá-lo. Além disso, pelo estilo de vida que tinha, não se preocupava tanto. Agora estava com vinte e cinco anos. Solteiro, vivendo num pequeno apartamento num condomínio de quinta categoria, com um carro antigo da Fiat, um Novo Uno. 

Passara a semana toda atrás de um senhor que estava desaparecido a três meses. Sua esposa havia pedido para que William o encontrasse. Não por sentir saudades dele, mas porque ele tinha desaparecido com boa parte do dinheiro dela e os policiais não estavam ajudando em nada. 

Após uma semana inteira o caçando, descobriu que ele estava em Bom Jesus, na Bahia, aproveitando a vida com sua amante. Depois de conversar com alguns amigos da Bahia, conseguiu fazer com que o velho fosse preso e trazido de volta à São Paulo. A esposa tentou bater nele quando entrou na delegacia, mas os policiais a seguraram. Ela pagou à William pelo serviço e iria tirar uns dois dias de folga. 

Depois de quase três horas dirigindo a quase 5km por hora, graças ao trânsito infernal, chegou em seu condomínio. Era um bairro de classe média-baixa. A maioria dizia que era um bairro perigoso, mas na verdade não era, apenas teve uma má reputação alguns anos antes, devido às ações de algumas facções, mas as mesmas deixaram o bairro tempos atrás. 

O porteiro saiu da guarita a passos lentos e despreocupados, talvez por ter quase cem anos de idade e abriu o portão para William. 

 - Boa-noite senhor Tucano. Com sono? - William perguntou, parando ao lado do porteiro, que soltou uma risada irônica. 

 - Meu filho, são uma e meia da madrugada, você ainda pergunta se estou ou não com sono? Eu já estou para bater as botas aqui. - Sr Tucano lhe respondeu, rindo. O Senhor Tucano tinha uma aparência de velho rabugento, e na verdade era na maior parte do dia, mas só para manter evitar que a maioria das pessoas tivessem muito contato com ele ou evitassem vir reclamar de algo, "encher sua paciência" como ele gostava de falar. Apesar de agir de tal forma com a maioria, tinha um grande afeto por William, pois ele o ajudou quando foi assaltado há quase dois anos e por ter convencido o síndico do condomínio a colocar o Sr Tucano como porteiro. 

O condomínio era formado por três prédios de dez andares. Em cada andar, dois pequenos apartamentos. William estacionou o carro em frente ao segundo prédio e subiu as escadas até o sétimo andar, onde morava. Na porta que ficava em frente à dele estava uma mulher de uns trinta anos, fumando um cigarro. Pela quantidade de fumaça, William deduziu que ela tinha fumado uma caixa inteira. 

 - Isso ainda vai te matar, sabe disso, não é, Helena? - William perguntou enquanto tirava uma penca de chaves do bolso e procurava a chave de sua porta. Ela tirou o cigarro da boca e assoprou a fumaça na cara de William, que ignorou aquilo. 

 - Sei, e não é graças a você. Todo mundo morre um dia. Se é pra eu morrer, que eu morra fazendo algo que gosto. - ela respondeu. Ao dar mais  uma tragada no cigarro, tossiu um pouco. - Você demorou pra voltar dessa vez. Ainda bem que voltou, eu já ia arrombar a porta do seu ap. O telefone não para de tocar faz dois dias. - William olhou para ela, sem acreditar. 

 - Dois dias? Quantas vezes ele tocou em cada dia? 

 - Sei lá... o dia inteiro, a noite, a madrugada... 

- Obrigado por me avisar, Helena, tenha uma boa-madrugada. - de repente um choro de criança veio do quarto dela. - Acho que seu filho está chamando. - comentou, destrancando a porta do seu apartamento e entrando. Pôde ouvir a porta do apartamento de Helena se abrir, e ela gritar algo como "peste, cala a boca por um momento". Ela não era uma boa mãe, muito menos uma boa pessoa. Era ignorante, insensível, fria, egoísta, cheia de frescuras, entre outras "belas" características. Mas não era culpa dela. Tivera um passado terrível. Antes era uma mulher linda, feliz, cheia de sonhos e desejos, que gostava de deixar a todos felizes. Até que se casou com o cara errado. Depois de dois anos de um belo casamento, o esposo simplesmente se transformou num monstro. Foi um ano de terror, ele a espancando e a estuprando quase todas as noites. Até que chegou um dia em que ele cansou e a abandonou, tirando tudo que ela tinha. O bebê era fruto dos últimos dias de sofrimento com aquele homem perverso. Agora era uma mulher cheia de rancor e ódio de quase todos que conhece, por não tê-la apoiado, quase anoréxica, apesar de ainda possuir certa beleza mesmo com o corpo em estado deplorável e que só não havia matado o bebê ainda porque de certa forma tinha um pingo de amor por ele dentro de algum pedaço do seu coração destroçado. Aparentemente a única pessoa que ela não odiava com toda sua força era William, por tê-la ajudado algumas vezes com compras, pagamento do apartamento, etc. 

O apartamento consistia de uma sala onde cabia um sofá de dois lugares, uma TV LED de 30' numa pequena estante, onde também ficava o telefone, ao lado de um notebook, uma pequena junção de cozinha e sala de jantar, e um quartinho onde cabia uma cama de solteiro e um pequeno armário. Estava um pouco bagunçada a casa, mas nada tão exagerado. William foi até o telefone e clicou no botão para ouvir as mensagens. 

- Você tem cem novas mensagens. - A caixa eletrônica disse. As primeiras eram de seus pais, dizendo que morriam de saudade dele, e que deveria visitá-los logo. William pensou como eles estariam. Com certeza bem, seu irmão mais velho provavelmente estava passando um tempo por lá. Uma vaga lembrança de sua infância retornou. Seu irmão era geofísico numa base de petróleo. As outras mensagens eram justamente do seu irmão, Jonas, dizendo que estava passando uns dias na casa dos pais, e que William deveria visitá-los. "Que coincidência". Outras eram de pessoas pedindo seus serviços. Foi lá pela quinquagésima ligação, que William voltou sua atenção de fato para as mensagens. Era um antigo amigo, Pedro, que estava ligando. As mensagens se repetiam. dizendo que ele devia ir à Salvador, para um caso importante, e que precisavam dele para resolver o caso. Mas foi na última mensagem que William foi verdadeiramente pego de surpresa.

- William, sou de novo, Pedro. Pelo amor do santo Deus Pai todo poderoso e Príncipe da paz e da salvação, atende essa porcaria, você tem que vir para cá o mais rápido que puder. Já está comprada a passagem de avião. Você tem que vir, estarei te esperando no aeroporto. Me disseram que não deveria comentar nada sobre até você está aqui, evitar falar isso numa ligação, mas... que se foda, aqui vai... tem haver com o que aconteceu com você, a dez anos atrás. O tal desafio da casa, dos noves quartos. - As lembranças vieram com tanta força que parecia que sua cabeça explodiria. Cada acontecimento daquele dia, o vídeo que tinha surgido em seu computador enquanto jogava, ser levado até aquele bairro desconhecido, o velho que o desafiou, os quartos, o monstro que o atacou, o outro ele. Mas nada era tão mais forte quanto aquela voz: "não tem como você fugir de mim". Não levou dez minutos para que uma mala estivesse arrumada, com tudo de importante para William. Ele saiu as pressas, dirigindo rumo ao seu passado.

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