Capítulo Sete

Por alguns momentos, William voltava a consciência e em seguida desmaiava. Em alguns momentos acordado, se viu sendo carregado pelo açougueiro. Em outro momento, se viu sendo amarrado à uma mesa cirúrgica, e fizeram algum desenho no peito dele, depois o velho falando algumas palavras estranhas. Uma leve pontada no braço direito, e quando se virou, viu um velho com o corpo coberto de tatuagens vermelhas cortando seu pulso, e coletando seu sangue que jorrava para dentro de um vaso de vidro. Talvez tivessem drenado cerca de um litro de seu sangue até encher o vaso. Uma onda de frio tomou conta dele. Seu coração começou a bater veloz, arrítmico, sua respiração acelerou, sua cabeça pesava toneladas, assim como suas pálpebras, que se juntavam cada vez mais até se fecharem. 

William tornou a acordar. Apesar de sua visão estar embaçada, pôde reconhecer o velho que estava com o açougueiro antes. Estava discutindo com o velho tatuado. Suas vozes pareciam distantes, mas conseguiu entender algumas coisas. O velho que estava com o açougueiro estava irritado pelo tatuado ter enfaixado o pulso de William, algo como tirar todo o sangue. O outro protestava, dizendo que deveria manter o sangue quente e fresco dentro de William até a hora correta. O mundo escureceu ao seu redor mais uma vez.

...

Uma música clássica tocava baixo. Parecia vir de uma vitrola antiga. A música que tocava era cheio de violinos, violoncelos, flautas e lamentos.

- Onde... estou...? - Murmurou, enquanto acordava. Estava sentado e amarrado numa cadeira de metal gélida. Uma luz vermelha girava sem parar. Não podia ver muito, a não ser alguns canos nas paredes, o brilho de poças de água no chão do lugar e o cheiro de mofo. Uma porta se abriu. Rapidamente William fingiu ainda estar desmaiado. Mantendo os olhos semiabertos, tentou visualizar quem entrava. Era um homem, mas parecia um cadáver. Seus olhos eram cobertos por uma fina película branca. Sua pele parecia estar em processo de decomposição e seu cheiro confirmava isso. Ele se aproximou devagar de William, pegou uma faca e começou a cortar as amarras. Outros dois entraram e ficaram esperando o primeiro terminar de cortar. Depois de alguns minutos, todas as amarras estavam cortadas e William estava solto. Não valia a pena tentar a sorte. Sentia tontura, enjoo, dor-de-cabeça, e estava fraco demais para tentar qualquer coisa contra aquelas criaturas. Se tentasse enfrentá-los não duraria muito. Os dois que haviam entrado na sala foram até ele, o agarraram e começaram a carregá-lo por um conjunto de corredores, a música ecoando pelo ambiente, até chegarem numa ala com algumas celas, semelhantes à que viu quando saiu do abatedouro.

- Seus zumbis desgraçados! Soltem ele - Pedro gritava. William olhou com cuidado para Pedro. Pelo que pôde ver, Pedro estava com a maior parte da roupa rasgada, cheio de feridas e manchas de sangue. Sua perna estava enfaixada com um pano que parecia ser uma roupa. Não só isso, uma enorme cicatriz tomava parte do lado esquerdo de seu rosto, tendo perdido um dos olhos. "Que droga Pedro... me perdoe não ter conseguido te ajudar" pensou. Pedro conseguiu agarrar o braço do zumbi a direita de William, fazendo com que o soltasse e deixasse William cair no chão. Pedro o segurou com toda força contra as barras de metal. Os outros dois se direcionaram para ajudar o companheiro a se soltar de Pedro. William agarrou uma pequena barra de metal caída no chão. Ainda de costas, William agarrou um deles e atravessou a barra pela sua nuca, o mesmo caindo no chão, sem vida. William arrancou a barra da nuca dele e conseguiu esquivar do segundo zumbi que tentou agarrá-lo, Pedro ainda segurando o outro. William saltou em cima do zumbi que vinha em sua direção, o derrubando no chão e forçando a barra até seu cérebro pelo globo ocular do mesmo, até que parou de se mover. Sua cabeça começou a girar, sua visão turva, caindo no chão. Usando toda a força que tinha, Pedro asfixiou o último zumbi, o qual desmaiou, caindo no chão. William tentou murmurar o nome de Pedro, porem, mais uma vez, apagou.

...

- Vamos lá cara, acorda! - A voz de Pedro aos poucos o alcançava. William se esforçava para abrir os olhos, mas era como se suas pálpebras pesassem toneladas. Podia sentir seus pés sendo arrastados pelo chão. Era difícil ver, mas parecia que Pedro estava o arrastando por dentro daquele lugar sinistro. 

Cada passo levava minutos. Pedro estava fraco, carregava William que mal conseguia se manter acordado e sua perna estava quebrada. Depois de quase meia hora de caminhada sofrida, eles chegam à uma pequena sala e se trancaram dentro. Parecia uma sala comum da delegacia, não fosse as manchas de sangue. Pedro deitou William sobre a mesa, logo depois de jogar todos os objetos no chão, e trancou a porta. 

- Está sentindo alguma coisa? Os outros zumbis parecem estar longe. Só tinha aqueles três quando fui trazido para cá.

- Sede... fome... dor-de-cabeça... cadê... Ju... Jul... Ju...? - William tentava murmurar o nome de Julia sem parar, tentando se levantar. Pedro o forçou de volta à mesa, o mantendo deitado.

- Pare de falar, cara. Vou procurar água e alguma coisa para a gente comer. Não se mova. - Pedro disse, quando William mais uma vez apagou. 

...

William sonhou que estava sentado numa cadeira, numa praia. Todos que ele conheceu na vida estavam lá, estavam bem, até mesmo Helena, sua vizinha. Ao longe vira sua irmã mais nova e seu irmão mais velho, duas pessoas que sempre William vira de grande importância para si. 

Julia estava sentada ao lado dele. Ela o abraçava bastante e estava feliz. Ela tinha um aliança no dedo. Tinha casado com alguém. Com quem, se perguntava? Olhou para o próprio dedo e viu uma aliança também. Estavam casados? Julia olhou para ele e ficou sorrindo. Ela levantou e sentou-se em seu colo, lhe beijando na testa. William pôs as mãos nos quadris dela. Se era um sonho, não queria acordar.

- Meu herói... olhe ao seu redor... todos que você ama estão aqui, estão bem, estão tão felizes... Mas isso tudo vai acabar - ela disse pondo lentamente as mãos nos olhos dele. Quando ela retirou, William gritou aterrorizado. O sol estava vermelho, o mar era sangue. Todos estavam empalados, espalhados em vários lugares da praia. Julia ressurgiu, emergindo do mar de sangue, correntes presas as suas mãos a erguiam. Estava nua e seu corpo inteiro, dos pés à cabeça, estavam cheios de desenhos pintados de preto. - William... eu não quero morrer... socorro... me salve... eu não tenho muito tempo - Ela dizia, chorando. Raios começaram a atingi-la e, quando pararam, um ser envolto em fumaça preta estava no lugar dela. - Desista, guerreiro. Não pode impedir meu retorno... - disse o ser, com uma voz que parecia tempestade. - Pode servir-me e reinar ao meu lado, ou meus servos farão de tudo, absolutamente de tudo, para não conseguir interferir em meus planos e tornarei tua vida a personificação da desgraça. - Ameaçou, lançando-se sobre William, que acordou desesperado. Pedro havia acabado de entrar na sala com um saco nas mãos. Ele tentou sair da mesa, mas quase caiu, atordoado. Pedro correu até ele e o ajudou a se sentar na mesa.

- Você não pode sair daqui cara! Está cansado e sem forças. Demorei um pouco, eu sei, mas foi difícil evitar os zumbis. Consegui essa latinha de milho e ervilha, essa outra aqui de sardinha, esses garfos de plástico e essas três garrafas de água. Dá para abrir com a faca. - Pedro começou a abrir os enlatados e então entregou para William um talher de plástico. - Bom apetite. - Começaram a devorar tudo e, apesar de Pedro insistir para que William comece mais, no final dividiram os enlatados em quantidades iguais. Em menos de cinco minutos devoraram tudo. Cada um bebeu uma garrafa de água, e Pedro deixou a terceira garrafa dentro de uma sacola. - Desculpa, mas não achei nada para dor-de-cabeça.

- Tudo bem, estou me sentindo MUITO melhor, acredite. - Disse, ofegando, cansado por cada gasto de energia. Quando seu corpo perde quase toda a força. até mesmo o ato de levar um garfo à boca se torna cansativo. - Pedro, sabe dizer mais ou menos onde estamos? - Pedro respirou fundo.

- Estamos em um dos postos policiais do bairro. O número dos postos policiais têm aumentado cada vez mais desde as tentativas de ataque que interceptamos durante as Olimpíadas aqui no Brasil. Ainda bem que conseguimos abafar qualquer possível notícia das tentativas terroristas. Esse mesmo é bem perto da delegacia.

- Ótimo, temos que ir para lá o mais rápido possível. Lembra-se do notebook de Zion? Deve conter alguma informação que nos ajude - William disse, imaginando se Zion estaria bem. William fora capturado e por pouco não morreu. Teria Zion também sido pego? Torcia para que não. Pedro o segurou quando tentou se levantar.

- Não! Ainda... ainda não... quando me trouxeram para cá, diferente de você, eu estava consciente. As coisas estão muito feias lá fora. O pior não são nem os zumbis, ou seja lá o que são esses monstros... o governo está em desespero. O exército está por toda parte e eles... eles... meu Deus, William, estão matando todos. Não importa se você for só um sobrevivente... vão te matar. Os zumbis que me carregavam e eu quase fomos mortos por esse soldados. Na minha cela, tinha um pequeno buraco, pude ver eles atirando em tudo que se movia. Acho que aqui estamos seguros. Pelos corpos no lado de fora, acho que esse lugar já foi varrido. Duvido que venham aqui de novo. Só precisaremos evitar os zumbis e...

- Presta atenção, porra! - William disse, empurrando Pedro para longe. - Precisamos ir para a delegacia pegar o notebook... Você não sabe o que essa seita fará... se eles conseguirem cumprir o plano doentio deles, o que aconteceu com essa parte da cidade vai se espalhar e Salvador se transformará numa cidade sombria, imersa em trevas e não vai parar. Eles se espalharam pelo estado, o país, o mundo inteiro... e não terá volta. Se existe alguma chance de impedirmos, deve estar em meios às informações que Zion tem no notebook. Agora entende? - Pedro ficou pensativo durante alguns instantes, ponderando a ideia de buscar pelo notebook.

- Puta que pariu... tá bom. O problema é lá fora. Teremos que passar pelos malditos zumbis, sem falar que, quando sairmos talvez tenhamos que enfrentar o exército... talvez outras criaturas que estejam por aí... e pra melhorar a situação eu estou com a perna quebrada e você perdeu muito sangue. Por sorte, tem uma saída pelo outro lado desse posto. Espero que lá esteja limpo... - A porta se abre bruscamente, um zumbi entrando e se jogando sobre ele. Pedro o agarra e joga no chão, cravando uma faca em sua nuca. Podiam ouvir vários passos rápidos e pesados. Mais daquelas criaturas corriam em direção à sala. Pedro fechou a porta, a segurando no momento em que os zumbis chegaram, se jogando contra a porta, forçando a sua abertura enquanto Pedro a segurava o melhor que podia.

- Droga... William, foge! Lá no outro lado, tem uma janela... dá para passar por ela sem problemas, vai! - Pedro gritava, se esforçando para segurar a porta, sua perna ferida começando a vacilar. William levantou da mesa com dificuldade e ficou o encarando.

- Não, não vou te abandonar! Nós podemos...

- Cala a boca, cara, só vai embora, pega a porra do notebook e descubra o que for preciso para pará-los. O que está esperando? Corre, porra, corre! - Pedro gritou. William, com os olhos imersos em lágrimas, se virou, indo em direção à janela que Pedro mencionou. - William! - Pedro gritou. Com lágrimas escorrendo pelos os olhos, disse: - Sobre aquele dia... me perdoa. Tive medo, fui fraco, covarde... mas agora posso consertar as coisas. Farei o que é certo. Quando sair, desçar a rua e vire na terceira direita, se não me engano, e você deve chegar à delegacia... até a próxima, parceiro. - William assentiu, se virando e correndo, tentando ignorar a dor que sentia na perna e o cansaço físico. Pouco depois de sair, seu corpo paralisou por alguns instantes ao ouvir os gritos de Pedro agonizando em dor e sofrimento até simplesmente desaparecerem em silêncio.

William sentiu, no fundo de seu coração, que não teria uma "próxima".

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