Capítulo Quinze

William e a pequena Camila continuaram a caminhar através da neblina, que ficava cada vez mais espessa. Ele tentava falar algumas coisas, mas ela não respondia, então, depois de alguns minutos, decidiu também permanecer em silêncio. Depois de quase uma hora de caminhada em silêncio, eles se depararam com uma enorme escada, no meio da floresta. A escada de pedra, que parecia ter saído de um filme medieval, estava aos pedaços. Parecia que, bastava pisar nela, e ela desabaria. William tentou ver até onde ela ia, mas seu fim esta encoberto pela neblina.

- Até onde ela vai? - ele perguntou, quebrando o silêncio.

- Descobriremos. É melhor continuarmos. Quanto mais tempo demoramos, mais ele toma força em seu corpo. - Camila disse, subindo na escada. William olhou para escada, e sentiu certo receio em subi-la. Não porque aparentava estar em péssimo estado, mas por algum outro motivo que ele não entendia. Uma sensação estranha que nem mesmo ele sabia explicar.

Camila olhou para trás e viu William parado diante da escada, sem mover um músculo.

- Pode subir, confie em mim. - Ela disse o mais doce e suave possível. William deu alguns passos para trás.

- O que... o que é essa escada? De onde ela veio? Tem algo muito errado aqui. - William dizia enquanto recuava lentamente.

 - "Tem algo muito errado aqui"? William, estamos presos dentro de sua mente, num sonho, enquanto o mundo é lentamente destruído e está prestes a ser controlado por uma criatura milenar que matará todo mundo se tiver a chance. Aqui está menos errado do que lá fora, na minha opinião. Agora, por favor, sobe nessa escada.

 - Para onde ela nos levará?! - Ele perguntou mais tenso. Camila suspirou, descendo a escada lentamente.

 - Provavelmente para seu próximo desafio. Assim como eu fui a primeira, haverá outros. Vamos logo, não temos tempo. - Pediu, parada no primeiro degrau, encarando William com um olhar de dor e pena. William ficou encarando aquele olhar... ele conhecia aquele olhar...

Quinze anos atrás

 William caminhava tranquilo dentro da quadra do seu colégio. Era um local tranquilo, sossegado. William gostava de entrar escondido no ginásio para descansar um pouco.

Naquele dia havia entrado em mais uma briga com alguns garotos do primeiro ano. Eles sempre brigavam com ele. O chamavam de palito de fósforo, dizendo que seu corpo era fino e a cabeça enorme, arrancavam sua mochila dele e espalhava suas coisas no chão. William nesse momento decidiu voltar a fazer o que fazia quando antes era perturbado: agredia.

Quando tinha cinco anos, era considero a pessoa mais "brigona" do colégio. Batia em qualquer um que chegasse perto, e muitas vezes implicava com os professores. Muitos diziam que ele era muito problemático, e que não queria nada com ninguém. Certa parte era verdade, ele não queria nada com ninguém, mas não por ser problemático. Nas primeiras semanas, ao entrar no colégio, muitos dos seus novos colegas implicaram com ele. Sua primeira reação foi falar com a professora, mas o seu jeito tímido junto com o fato dos garotos negarem tudo que estavam fazendo passou a impressão de que ele estava mentindo, e a professora o colocou de castigo.

Sua segunda e unica reação foi se defender, atacando os colegas que o perturbavam. Desde então, qualquer um que o incomodasse era atacado. 

Com o tempo, percebera que brigar nem sempre o ajudava e começou a ficar mais quieto. Fazia um ano que William não entrava em nenhuma briga, mas quando aqueles garotos do primeiro ano o perturbaram, não aguentou e partiu para cima deles.

Não houve vitória nem derrota. A fúria do pequenino garoto de dez anos contra os de quinze anos e seu jeito esguio foi o único motivo pelo qual conseguira contra-atacar e, no fim, fugir.

Depois da briga, William se refugiou novamente no ginásio, como sempre fazia, e ficou lá, pensativo. As vozes de todos que diziam que ele era o errado, o problemático, o brigão, entre outras coisas, ecoavam na mente dele.

Como poderia viver assim?

Seus professores o culpavam, seus colegas se aproveitavam da situação para tirar vantagem dele. Até seus pais, que ficavam confusos sem saber em quem acreditar, no fim acreditavam nos professores 

E por que não acreditariam?

Diziam que ele deveria melhorar seu comportamento. Todos os problemas agora eram responsabilidade dele. Até o que ele nem tinha o conhecimento de que tinha acontecido, seria culpa dele. Para uma criança de sua idade, era como se o mundo desmoronasse. Por mais que tentasse fazer algo certo, sempre acontecia alguma coisa que o fazia voltar atrás, e falhar mais uma vez.

Um ano inteiro evitando brigas, tentando dar seu melhor, mas no fim acabou voltando a ser o problemático. Ninguém o ajudara, ninguém vivia o que ele estava vivendo. Estava sozinho.

"Eu estou sozinho"

O chamavam de estranho por gostar de histórias arrepiantes, de filmes de guerra, de ler livros de terror, de querer saber mais sobre o paranormal.

"Eu estou sozinho"

O interessavam, porque fugia dos padrões, do normal, do que é certo, e ele queria saber mais, não por intenções más. Conhecer aquele universo era uma válvula de fuga, era, além disso, uma "explicação" para tantos atos ruins. Talvez não fossem as pessoas más, e sim algo que as fizesse assim. Ele olhou para frente, encarando a escada que dava para parte superior do ginásio, a única coisa para qual ficava olhando quando estava naquele lugar, longe de todos.

 - Eu estou sozinho... - ele sussurrou para si mesmo. Ninguém poderia entender o que ele pensa, nem porque era assim, não poderiam ajudá-lo, nem lhe salvar das suas loucuras. Como poderia a mente de um pequeno garoto de pouco mais de dez anos estar tão confusa? Por que isso estava acontecendo com ele?

Agora

 - Eu estou sozinho... - William disse para si mesmo. Camila se aproximou. - Essas escadas, elas, elas... Elas fazem parte de algo que deixei pra trás... 

 - Elas representam aquilo que moldou sua forma de ser. Degraus, desafios, sofrimento. As pessoas nem imaginam o quão frágil pode ser a mente de uma criança e o quanto ela pode sofrer nas escolas. Não sabem como é difícil e árduo para aqueles que sofrem bullying dos mais velhos. Você tem duas opções aqui, William. Pode simplesmente fazer como sempre fez, ficar parado diante da escada, nunca subir e, no final, dar as costas... ou enfrentar os seus problemas, como sempre fez. A questão William, é que você sabe, não é?

- Eu sei... eu não estava sozinho.

- Quantos não sofrem tanto ou pior que você? Que não têm a força que você tem, mas ainda sim seguem em frente? William, você nunca esteve só. Só precisava de alguém que lhe estendesse a mão para continuar a subir. - Camila disse, erguendo a mão para ele, sorrindo. - Preciso que você suba essas escadas, mas ninguém pode te obrigar. É você quem precisa dar o primeiro passo. - Terminou de falar, esperando. William respirou fundo e avançou, segurando a mão de Camila.

Ele pisou o primeiro degrau, e a escada tremeu, assim como seu corpo.

Camila não estava mais lá. Ao olhar para trás, a viu, alguns metros distante. William assentiu e avançou para o segundo degrau, o terceiro degrau, o quarto, e assim sucessivamente. A cada passo, a escada tremia cada vez mais, começando a cair aos pedaços, mas ele continuava a avançar.

Finalmente chegou ao fim. A escada havia desaparecido detrás dele. Ele olhou ao seu redor, estava em cima de uma nuvem. A sensação era estranha, mas se sentia melhor. Chegara ao fim do segundo desafio. 

- Acho que só me resta seguir. - William disse para si mesmo, caminhando sobre a nuvem. O tempo não parecia passar normal naquele lugar. Um minuto? Uma hora? Um dia? Ele não sabia direito, mas não sentia angustia em estar ali sem saber quanto tempo havia passado, apenas seguia caminhando.

De repente tudo ficou escuro. Não havia luz. William estava em pé, no nada.

 - Como você pôde... - uma voz familiar falava. De repente o chão surgiu debaixo de seus pés, emitindo uma luz roxa estranha. - Como ousa tentar tomar o controle de volta? Como pôde passar dos dois primeiros desafios? - William não o via, mas sentia, no fundo, quem era.

- É assim que funciona para criaturas como você? Aproveitam de pequenas fraquezas da mente humana para controla-la. Mas essas coisas não são mais fraquezas. Agora... por que você não aparece? - William gritou. Ele sentiu algo estranho, e quando se olhou, sua roupa estava diferente. Estava apenas com uma camisa preta sem nenhuma imagem, que geralmente ficava um pouco apertada nele. Sua calça jeans cinza e sapato. O coldre no seu cinto, junto com a arma no lado direito, e no esquerdo seu canivete. "Mas o quê..."

 - Aparecer... eu apareci uma vez, tentei abrir seus olhos para a verdade, mas você se negou, e não só isso, te dei a opção de se tornar alguém mais forte, mas preferiu me esfaquear em vez de fazer o que era necessário, e me abandonou.

 - Me enfrente de uma vez, desgraçado. - William exigiu.

No outro lado do enorme lugar, apareceu o dono da voz. As mesmas roupas, mesmas armas, a mesma pessoa.

Era ele no outro lado.

O "William" sorriu para ele.

 - Feliz em me ver?

- Nenhum pouco. O que você quer? - perguntou William, mesmo sabendo que a resposta era óbvia.

 - O mesmo que eu sempre quis. Te tornar mais forte, mais poderoso, sem fraquezas, alguém que fará o que for preciso para vencer, matar quem estiver no seu caminho. Ser o que você deve ser. Com Mulak nesse corpo, poderemos alcançar tal objetivo, mas para isso, esse seu "eu" deve morrer. - Respondeu. Dezenas de pilares e paredes saíram da terra, formando um enorme cenário em ruínas. William olhou ao seu redor, assustado. William pegou sua pistola e verificou o pente, totalmente carregado.

Ele estava perto do fim de tudo aquilo, sentia isso. Agora era tudo ou nada.

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