Capítulo Oito

William caminhava rápido e silencioso possível, olhando para todos os cantos, o pavor tomando cada vez mais o seu ser. Havia zumbis por perto, podia ouvi-los vez ou outra, murmurando, gemendo, grunhindo, rosnando, sedentos por vítimas. Vez ou outra escutava alguns tiros, as vezes longe, outras vezes bem perto. O exército estava na área e eram impiedosos. 

A cidade estava em ruínas. Não havia nenhuma construção que não estivesse intacta. Se aproximando cada vez mais da delegacia, William viu, ao longe, uma enorme mansão, sobre a qual o céu estava mais negro, atraindo raios para si, como se saísse de um filme do conde Drácula dos anos sessenta. Pôde sentir. Ele estava dentro daquele lugar. Se o tal demônio que a seita almejava tanto trazer de volta existia mesmo, então o ritual para sua invocação seria lá. 

Enquanto corria o máximo que podia para alcançar a delegacia, escutou um barulho próximo que o fez se esconder atrás de um pedaço de concreto com pouco mais de um metro de altura, talvez o pedaço de algum prédio que caíra ali. Com cuidado, olhou em direção à origem do barulho. Saindo em meio a destroços, um grupo de zumbis caminhava. Alguns levavam corpos para a mansão, outros estavam vasculhando os destroços das casas, retirando os mortos e feridos que encontravam numa grande pilha de corpos, numa visão perturbadora, William sentindo seu estômago revirar diante de tal cena. Os zumbis que não carregavam ninguém se dirigiam à pilha, agarravam um corpo, e seguia os outros, em direção à enorme mansão. 

Não podia demorar muito ali, ele precisava chegar a delegacia o quanto antes e encontrar o notebook de Zion. Com cuidado, caminhou por entre os destroços, se escondendo sempre que um zumbi aparecia. Seu coração acelerava a cada metro que se aproximava da pilha de corpos, que aumentava mais e mais. Homens, mulheres, crianças, até corpos de bebês, jogados sem a menor importância, como sacos de lixo. William respirou fundo, se impedindo de chorar perante uma cena tão perturbadora. 

Estava, por fim, ao lado da pilha de corpos, próximo à rua que precisava ir. Antes que pudesse correr até ela, um grupo de zumbis se aproximou. Sua mente raciocinou rápido. Não havia esconderijo próximo. Qualquer movimento que fizesse para uma das construções faria com que fosse notado. Pedindo perdão à Deus, oprimindo todo sentimento de nojo e ânsia de vômito, se jogou na pilha de corpos, fingindo ser apenas mais um. Para seu azar, um dos zumbis caminhou até William, o agarrando e o arrastando pelo pé, seguindo a fila de zumbis que levavam corpos para a mansão. "Puta que pariu... com tantos vem logo me escolher?". Sem opções, permaneceu agindo como se fosse apenas um cadáver. Qualquer ação e os zumbis o atacariam sem piedade.

O som de rajadas de tiro próximas dali fizeram todos pararem. Os zumbis ficaram olhando ao redor durante alguns segundos, quando, em meio aos destroços, apareceu um zumbi gemendo algumas palavras que William não compreendeu e então voltaram aos afazeres. Provavelmente eram alguns soldados atirando. Uma ideia nasceu em sua mente, não era boa, na verdade era suicida, mas talvez desse certo. Respirou fundo e chutou a perna do zumbi que o carregava, o derrubando. Rapidamente se levantou e começou a correr, sua visão ficando vez ou outra turva, perdendo um pouco o senso de direção, seu corpo, ainda bastante debilitado, ameaçando "desligar". Os zumbis rugiram e começaram a correr atrás dele. Não eram rápidos, mas no estado em que William se encontrava, poderiam pegá-lo. Ele desviou de quatro zumbis que tentaram agarrá-lo e derrubou outro que estava em sua frente. Continuou correndo enquanto um grupo de quase trinta daqueles zumbis o perseguiam, seguindo-o pelas ruas. Como medida extrema, começou a gritar o mais alto e forte que pôde.

De repente, saindo de uma das ruas, surgiu um carro militar, vários soldados ao lado marchando. Eles ergueram as armas e, sem aviso prévio, começaram a atirar, William conseguindo se jogando dentro de um carro destruído, enquanto a chuva de balas alvejavam os zumbis, que continuaram a correr, indo em direção aos soldados. Os tiros pareciam não ter efeito, apenas quando atingiam a cabeça. Dois zumbis continuaram atrás de William, um conseguindo entrar no carro destruído, arrancando um pé-de-cabra preso no próprio corpo e desferindo golpes contra ele que tentava se defender inutilmente. Gritava de dor a cada golpe que a criatura desferia, a outra dando a volta no carro e o enforcando. William pôs as mãos na cabeça dele, com dificuldade, enquanto sua visão e consciência começavam a sumir lentamente.

Finalmente, ao achar a posição certa, colocando uma mão na nuca do zumbi e a outra no rosto, girou sua cabeça para trás, caindo imóvel no chão. Pedaços do cérebro do zumbi que o espancava com o pé-de-cabra voaram sobre seu corpo ao receber um tiro que atravessou sua nuca, saindo pela testa.

Os tiros cessaram. Os soldados haviam vencido aquela luta. Rápido, William saiu do carro e rastejou para entre os destroços dos prédios, fugindo da vista do soldados. Fora da vista deles, voltou a correr em direção ao seu objetivo.

Ao virar uma das ruas, avistou ao longe a delegacia, com alguns carros militares na frente. Talvez estivessem usando como base. Começou a andar agachado em direção a ela. Se aproximou e se escondeu atrás de um dos carros. Dois soldados estavam próximos à entrada, conversando. Abriu a porta do carro lentamente, evitando fazer barulho. Achou uma pistola carregada e um fuzil IMBEL IA2. Colocou o fuzil nas costas e continuou com a pistola na mão. Chegou o mais perto possível dos soldados. Não poderia matá-los. Tiros só chamariam a atenção. Pegou uma pedra e a jogou longe, fazendo um barulho próximo aos soldados, que sacaram suas armas e foram investigar. "Caramba, pior que funciona mesmo" William pensou, rindo baixo. 

Dentro da delegacia, escura e sombria, não viu movimentação alguma. Sem soldados, zumbis ou qualquer outra coisa do tipo. Sem pensar duas vezes, correu em direção à sala onde Zion deixara o notebook.


Claro... por que ainda tinha esperanças? Não estava lá.

- Mas que... eles devem ter pegado. - Disse para si mesmo. Ouviu vozes vindas do primeiro andar. Talvez estivesse lá. No andar de cima, algumas luzes estavam acesas, provavelmente por causa do gerador dela. Isso era bom e ruim. Bom pois poderia se locomover com facilidade. Ruim, pois era mais fácil de verem-o.

Dez soldados tomavam o primeiro andar. Conversavam sobre o fato de usar as informações que conseguiram. William olhou ao redor da sala e viu o notebook nas mãos de um soldado que parecia ser o de maior patente. Cabelos grisalhos, expressão mal-humorada. William conseguiu se aproximar, por entre as mesas, evitando que o vissem.

- Senhor, nenhum dos homens que foram a mansão deram sinal de vida. - Um dos soldados disse. Ele era alto, moreno, olhos castanhos e cabelo crespo. Havia algo nele que intrigou William, mas preferiu ignorar. O capitão ficou parado, olhando a tela do notebook.

- Já sabemos o porquê... deve ter sido essa criatura aqui: "Guardião Divino". Interessante... "O Guardião Divino é aquele que guarda a entrada para o templo sagrado do grande deus. Os profanos são executados são pela lâmina do Guardião e jamais poderão enfrentá-lo, pois aos pés do templo protegido está". Guardião Divino... quero que se foda. Leve dez homens e explodam tudo. - Disse o de maior patente.

- Sim, senhor. - Respondeu o soldado, apontando para três soldados que o seguiram.

- Quais são as ordens agora, senhor? - perguntou um dos soldados.

- Como estão as... "equipes de limpeza"? - O de maior patente perguntou, colocando o notebook sobre uma mesa.

- Tivemos poucas baixas matando os infectados, senhor. Foram aproximadamente quinhentos infectados eliminados até agora. Perdemos sete homens.

- Ok. Vocês cinco, venham comigo e você me arranje uma ligação com o tenente-coronel. - disse, seguindo para uma sala e se trancando dentro. Só haviam sobrado um soldado observando a sala e ele estava olhando o lado de fora da delegacia pela janela. William pegou uma mochila de uma alça só que estava em uma das mesas e se aproximou com cuidado da mesa onde estava o notebook. Caminhou com os olhos presos no soldado, rezando para que ele não se virasse e o visse. William alcançou o notebook, o fechou e colocou dentro da mochila, voltando para a escada. "Mas que sorte que eu..." pensou, até que um tiro passou raspando pela sua orelha.

- Peguem aquele desgraçado! - Gritou o soldado de maior patente, atirando contra William, que revidou os tiros. Ele sequer desceu correndo a escada, simplesmente pulou até a parte de baixo. Ao cair, mirou logo na porta, atirando contra os dois soldados que guardavam a entrada. Não tinha como sair pela porta da frente. Rápido, correu para uma das salas com janela para fora da delegacia e saltou para fora, procurando um esconderijo. Soldados gritavam e o procuravam no interior da delegacia. O mais rápido que pôde, correu até um jeep militar, a chave na ignição, ligando o carro e dirigindo o mais veloz possível, um tiro atingindo a superfície de seu ombro. Agora precisava chegar à mansão.


...

Próximo à mansão, viu os soldados que iam para lá lutando contra alguns zumbis, ou, como eles chamavam, "infectados". Eram muitos e os haviam encurralado. William parou o carro e desceu, pegando o fuzil. Sabia que os soldados o matariam, mas não podia deixá-los morrer daquele jeito, talvez pensassem duas vezes antes de atirar nele. Ajustou a mira e, com precisão, começou a atirar contra os infectados. Depois de alguns segundos, estavam mortos. William andou em direção aos soldados, que miraram nele.

- Parado aí! - Disse o soldados que falou com o capitão. William parou de caminhar. - Abaixa a arma, agora!

- Qual é cara, acabei de ajudá-los. Sai da minha frente. - respondeu William. O soldado atirou perto do pé dele.

- É, eu sei disso, e por isso ainda não te matei. Agora abaixa a arma! - disse, mantendo o foco. William abaixou a arma e continuou caminhando. - Eu não disse que você poderia avançar.

- Quem é você rapaz?

- Eu sou o segundo-sargento Jonathan dos Santos. E quem é você? Como conseguiu essas armas?

- Me chamo William, William Oliver. Sou investigador e, assim como vocês, estou aqui com o objetivo de parar esse inferno. Encontrei as armas junto com alguns soldados que morreram. - Dizia, enquanto avançava. John atirou próximo à William, mandando-o parar. William jogou o fuzil no chão e a pistola. - Você acha que são capazes de enfrentar o Guardião? Mesmo que consigam, Não fazem a mínima ideia de como é lá dentro. Estive lá dentro com outros dois parceiros. Deixe-me seguir em frente. - Os homens abaixaram as armas, olhando para Jonathan, que continuava a apontar a arma para William, pensativo.

- Investigador William Oliver... William Oliver... seu nome me é familiar... - Jonathan murmurou. William se aproximou dele, o encarando. O que havia no rosto daquele soldado? Por que sentia que o conhecia?

- Meu nome foi famoso por um tempo. Deve lembrar do caso, de dez anos atrás, de uma garotinha que misteriosamente desapareceu... uma garotinha chamada Julia... e que foi encontrada numa casa na periferia da cidade de Feira de Santana... salva por um jovem de 15 anos... - Pedro abaixava a arma enquanto William falava. - Eu era aquele jovem.

- William... eu não acredito. Finalmente lembrei de você. E você não lembrou quem sou eu, não é? - Jonathan comentou, um sorriso nascendo em seu rosto. William, por fim, lembrou, arregalando os olhos por finalmente se lembrar daquele homem.

- John... irmão de Julia? - Assim que disse tais palavras, Jonathan o abraçou.

- Eu não acredito... você está aqui. É bom revê-lo. - O sorriso no rosto de Jonathan minguou, sua expressão feliz por reencontrar aquele que salvou sua irmã se transformando em tristeza. - Eu sinto lhe dizer que Julia... ela...

- Ela o quê? Você a encontrou? - William perguntou, seu coração doendo a cada segundo que Jonathan passava em silêncio. Respirando fundo, ele terminou:


- Ela está morta, cara. Minha irmã, ela... ela... ela estava na região onde todo esse fenômeno teve início. Ninguém sobreviveu. - Jonathan limpou algumas lágrimas que desceram pelo seu rosto. William suspirou, sorrindo. Ele não sabia de tudo.

- Acredite, ela não morreu, mas.... - Continuou a falar, antes que Jonathan perguntasse. -... se demorarmos aqui, algo muito pior que a morte acontecerá com ela. Precisamos entrar naquela mansão agora. Ela está lá dentro. Os mesmos responsáveis que a sequestraram anos atrás são os mesmos por trás de tudo isso. Podemos impedi-los, mas preciso ir junto com vocês, por favor. Com aquelas armas, de preferência... - William disse, esperando o que John diria. Ele caminhou até as armas de William, as pegou e o entregou. - Obrigado. - disse, dando as costas e correndo para a mansão.

- Ei! - disse John. - Espere um pouco. Marcos, você está encarregado de proteger essa área, nenhum infectado se aproxima mais do castelo, entendido? - Marcos, um soldado negro, forte, olhos verdes e com uma barbicha, assentiu. John foi até William. - Acho que quanto menos pessoas para invadir a área, melhor, não é?

- Sim, com certeza. Quanto maior estivermos em quantidade, mais atenção iremos atrair. Tem certeza que virá comigo?

- Claro, ou acha que deixarei você salvar minha irmãzinha sozinho de novo? - William olhou para os soldados por um instante. Seriam capazes de segurar uma horda, com certeza. Voltou seu olhar para Jonathan e assentiu, ambos entrando no carro que William pegou e seguindo para a mansão. - Onde encontrou esse carro?

- Ah... então... também encontrei por aí... - Jonathan encarou William, sério. - Ok, eu roubei ele lá daquela delegacia onde você estava. Desculpa, mas estavam atirando em mim e eu não podia me dar ao luxo de morrer. Descobri coisas que podem nos ajudar lá dentro, sem falar que não posso abandonar Julia e meu parceiro que está lá dentro.

- Você não tinha dito "parceiros"?

- Sim, mas... - William lembrou de Pedro, evitando chorar. -... mas um dos meus colegas se sacrificou para me salvar... outro motivo para eu não morrer. - Jonathan voltou seu olhar para a estrada, assentindo.

...

Finalmente estavam em frente à mansão. Havia uma enorme clareira coberta pela sombra criada pela mansão, ou "templo", separando-os da entrada, uma enorme porta com símbolos desenhados com sangue. Dezenas de corpos de soldados estavam espalhados pela clareira, dilacerados. Alguns urubus matavam suas fomes com as carnes e órgãos expostos dos mortos. Jonathan começou a andar lentamente, o fuzil preparado para atirar contra qualquer coisa que aparecesse. William pôs a mão na frente dele, o parando. Havia alguma coisa errada. O Guardião estava por ali... mas onde? 

- O que houve? - Jonathan perguntou. William ergueu o fuzil em direção à clareira e deu um tiro. Nada. Olhou outra parte e atirou. Nada. John começou a fazer o mesmo. Davam um tiro em todo lugar. Depois de vários tiros, pararam. William de algum modo podia sentir que havia algo estranho.

- E agora, vamos? - Jonathan perguntou, começando a ficar impaciente.

- Não... ainda tem alguma coisa errada. Olhe ao seu redor. Está tudo escuro, não é? - Perguntou William, ainda analisando a situação. Jonathan confirmou. - Mas... veja. Há uma divisão ali, na própria sombra... isso é possível? É como se houvesse uma sombra menor dentro dessa maior... e onde é que começa a ficar mais escuro? - Perguntou, apontando justamente para onde os soldados estavam mortos.

- O que isso quer dizer? Se passarmos dali, morremos? É algum tipo de arma? - perguntou.

- Não... é o Guardião... tem mais de uma lanterna aí?

- Sim, essa na minha arma e essa outra. - Disse, entregando-a para William, que a aclopou em seu fuzil, a ligando e começou a avançar devagar, Jonathan ao seu lado. Se aproximavam cada vez mais do primeiro corpo morto. 

Depois de vários passos lentos, estavam ao lado do primeiro corpo. Ainda nada. Olharam ao redor. Jonathan deu um passo a frente. William ouviu um barulho e, movido pelo instinto, saltou na direção de John, o derrubando, ambos saindo da área mais escura da sombra. Uma lâmina passou assoviando perto de John. Rapidamente William se virou e atirou. A coisa que o atacou não estava ali. 

- Mas que merda foi essa?! - Disse, se levantando e ajudando William a se levantar.

- Ele está aqui.

- Como? Ele é invisível? - perguntou John, mirando em todas as direções. Quando sua lanterna iluminou algo a alguns metros dele. William mirou na coisa. Era um tecido preto, melado de sangue. Eles começaram a subir a lanterna lentamente, passando por um tronco, até as lanternas iluminarem o rosto de um ser mascarado, os cabelos negros longos, os olhos brancos como a lua. Porém só conseguiam ver onde a lanterna o iluminava. Ele parecia estar usando uma enorme lança. - Mas o quê...

- Ele... ele fica invisível debaixo da parte mais densa da sombra. - Afirmou William. O Guardião riu, saindo da luz da lanterna, desaparecendo.

- Parabéns rapaz, muito inteligente. Deve ser o profano... o mestre disse que se você aparecesse, deveria lhe capturar vivo. Quanto ao outro... não há razões para deixá-lo viver. - O Guardião disse, sua voz sumindo num eco. A lamina da lança ressurgiu, mirando o pescoço de Jonathan, que se jogou no chão, saindo do caminho, William atirando onde deveria estar o Guardião. As balas perfuraram seu corpo, o fazendo recuar e sair mais uma vez da iluminação da lanterna. - Tolo... acha que esses tiros me deterão? Ninguém passou por mim... e jamais passaram. - Jonathan e William caminharam para dentro da sombra mais densa, apontando suas lanternas em todas as direções possíveis, vez ou outra o Guardião reaparecendo ao longe sumindo. - Acham que vale a pena investir nessa luta? Ninguém em mais de mil anos me derrotou e jamais me derrotarão! - Berrou, enquanto o som da lâmina da lança cortava o vento, rumo ao seu alvo.


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