Capítulo Doze


- O que... o que está acontecendo... - William murmura, sua visão turva, sua cabeça latejando de dor, tentando recordar o que ocorrera. Seu corpo inteiro estava enfaixado, as faixas já encharcadas de sangue. O chão sob suas costas era duro e gélido como metal e balançava suavemente.

As lembranças retornaram como um tiro em sua mente, desde quando chegou em Salvador, até o momento de sua luta contra a baronesa, quando ela enfiou o "braço-lâmina" em sua barriga. Devagar e tomado pela dor, William se forçou a se levantar, analisando. Estava pendurado numa gaiola dentre várias. Abaixo das gaiolas, escuridão. As paredes esverdeadas por causa dos musgos que as cobria. Dentro das outras gaiolas, pôde ver pessoas em sofrimento, a beira da morte, corpos em decomposição e esqueletos. William olhou seu corpo. Estava apenas com sua calça e seu colar. Talvez seus pertences estivessem perdidos para sempre. No teto, pôde ver onde as correntes ligadas às gaiolas ficavam presas. Apesar de tudo que já vira, mais uma vez sentiu um frio na espinha, o medo e terror o tomando. 

No topo, havia uma criatura dormindo tranquilamente. O que seria aquilo? Difícil explicar sua forma. O enorme corpo semelhante à um escorpião, mas com dois troncos humanos, os quatro braços peludos, com garras em vez de mãos. Apenas uma cabeça, ligada aos dois troncos por pescoços finos e longos, e um cabelo negro tão longo que talvez fosse maior que William. Raios e trovões ecoaram ao longe, junto com um grito. Parecia ser Julia! Ele precisa sair dali, o mais rápido possível. Correu até a fechadura. Estava bem enferrujada. Poderia quebrá-la com um chute, mas corria o risco de acordar aquela criatura horrenda, e não fazia a mínima ideia de como agir contra ela. Pegou um pedaço de osso dentro de sua gaiola e o forçou contra a fechadura, dando leves batidas contra a porta da gaiola, até que finalmente a fechadura se desfez e a gaiola abriu. Infelizmente, o barulho fez a criatura acordar. De imediato, William começou a saltar de gaiola para gaiola.

Não levou dez segundos para que a criatura aparecesse em frente à William, o encarando profundamente. A criatura ficou parada em frente à ele, com cada pata de escorpião numa gaiola. O enorme ferrão se erguendo lentamente acima de sua cabeça, e os cabelos negros cobrindo o rosto. William respirou fundo, preparado para lutar contra aquilo.

- Meu senhor, por favor, volte pra sua gaiola. Logo, logo tudo chegará ao fim. - A voz veio da criatura. Mas aquela voz não pertencia à ela, e sim à Julia. Como aquilo era possível? E não era só a voz de Julia, normal, mas tinha uma doçura, uma delicadeza, um amor naquela voz, uma sensação tão forte, que não tinha como não obedecê-la. Seria voz, não de Julia, mas sim de um anjo? William respirava ofegante, sua mente confusa ao ouvi-la.

- Mas que... como... - William falava, tentando se livrar daquilo, seja lá o que fosse aquilo. Uma das garras se estenderam lentamente até ele, e acariciou seu rosto. Ele resistiu por uns instantes, até que um dos olhos da criatura apareceram, brilhando, por entre os longos cabelos negros. O olho branco como a lua, com um brilho hipnotizante.

- Por favor, meu querido, volte para seu quarto. - Ele começou a voltar, se pendurando nas gaiolas, em direção à dele. Ele olhava para trás, e via a criatura parada, apenas o observando, esperando pacientemente que ele voltasse para sua gaiola. Quando ele estava prestes a entrar nela, viu, a alguns gaiolas em frente, uma porta, provavelmente a saída. 

...

Não importa mais a saída, Julia estaria com ele em alguns instantes, bastava ele entrar na gaiola. Ele havia acabado de por um pé na entrada da gaiola, quando um grito ecoou pelo lugar. Um grito de dor, de sofrimento, de alguém que ele conhecia e amava.

...

- Julia... - Ele murmurou. Pôde sentir seu cérebro se libertar da hipnose. Se enchendo de coragem, começou a saltar pelas gaiolas até a porta.

- MESTRE! - a criatura berrou, a voz agora não só de Julia, mas de dezenas de pessoas falando ao mesmo tempo. A criatura não demorou para alcançá-lo, tentando atingi-lo com o ferrão da calda, William esquivando de acordo com que pulava para outra gaiola, pessoas gritando para que as salvassem, outras torcendo por ele, algumas agarrando a criatura para desacelerá-la. William alcançou a porta e tentou abri-la. 

Trancada. 

A criatura saltou contra ele e desferiu mais um golpe, que atingiu a porta, a destruindo. Antes que ela conseguisse desferir outro golpe, algumas pessoas das gaiolas puxaram os cabelos do monstro, o distraindo. William passou pela porta e correu sem parar, ignorando a dor que sentia a cada passada. O monstro gritava por ele, seu tamanho o impedia de passar pela porta. Os gritos de Julia ainda ecoavam pelos corredores. Ele sequer sentia mais a dor da ferida. Enquanto corria, dois servos apareceram. William saltou contra um deles, acertando a caixa torácica com as duas pernas, ao mesmo tempo em que agarrava a cabeça do outro e o derrubava no chão. Ainda segurando a cabeça de um, William começou a batê-la contra o chão até desfigurá-lo. O outro servo tentou se levantar, mas William pisou tão forte em seu peito, que a caixa torácica afundou. Ele ofegava, sentindo uma força que nunca sentira antes. Cada grito de Julia fazia com que ele ficasse mais forte. O que era aquilo? Ele não sabia, sequer entendia. Ouviu vozes vindas ao longo dos corredores. Talvez alguns servos indo impedi-lo de fugir. 

Uma raiva doentia percorria seu corpo. Ele olhou para as próprias mãos e notou que seus braços possuíam alguns desenhos. O que era aquilo? Não importava. Ele olhou para o corpo do servo caído no chão. Um buraco estava no centro de seu peito, onde William havia pisado. Agachou-se e arrancou uma das costelas do morto.

Os gritos de Julia ainda ecoavam em seus ouvidos, e a cada vez que ouvia, mais força, mais ódio sentia. Ele viu vários homens avançando contra ele, vindos dos corredores. Sua visão ficou turva, e então tudo escureceu. Ele ouvia apenas gritos de dor, seu corpo se movimentando e se chocando contra outros, desferindo golpes, algum líquido quente o sujando, e a voz de Julia gritando ecoando em sua mente. Imagens dela surgiram. Ela estava amarrada num altar, no topo do castelo. O velho que ele vira, o líder da seita, injetava o sangue nela. 

O seu próprio sangue. 

Cada injeção fazia com que ela gritasse de dor. A pobre Julia estava despida, pendurada pelos pulsos, O corpo cheio de desenhos feitos a partir de cortes feitos à faca em sua pele. Cada injeção dada também fazia com que as feridas emitissem uma luz avermelhada estranha, e sua pele se escurecesse.

- Tem algo de errado... sinto que tem algo errado. - Disse o velho. Um servo correu até ele.

- Senhor, o guerreiro fugiu. Ele está lá embaixo, nas masmorras... e tem algo de errado. O senhor disse que ele ficaria mais fraco a cada vez que ficássemos mais perto de trazer nosso mestre de volta, mas ele está ficando mais forte!

- Não... não... não pode ser! Era o que eu temia. Mas isso não faz muito sentido, ele foi o guerreiro que fugiu da prisão, que venceu o desafio da casa, o único a sair vivo com a garota! Como isso é possível? Eu li algo errado nas escrituras? Vá, diga para todos terem cuidado, irei acelerar o processo, para que ele não chegue a tempo. Vocês têm ordem de matá-lo, não importa se isso vai interferir no processo do ritual, o mestre encontrará outro jeito para se refazer por completo. E mande a baronesa!

A visão de William retornou. Ele estava completamente coberto de sangue. Como aquilo havia acontecido? Olhou ao seu redor, e via apenas corpos espalhados pelo chão, estraçalhados. Quando? Como? Por quê? 

Ele então levou um soco. Era Jonathan, que gritava alguma coisa. Ele estava bastante ferido. Ele percebeu alguém se levantando à alguns metros. Era Zion. O que estava acontecendo? Sua visão começou a escurecer novamente. Antes de tudo apagar, ele olhou para o lado e viu a baronesa caída no chão, sem a mandíbula, imóvel no chão. Quem teria feito aquilo? Não importava... ele precisava chegar à Julia...

- ...NÃO IMPORTA QUEM ESTIVER EM MEU CAMINHO! - Ele ouviu a própria voz, parecendo varias pessoas falando ao mesmo tempo, e mais uma vez a escuridão tomou sua mente.

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