Capítulo Dois
aDurante o voo, William adormeceu, sua mente o jogando de volta no passado, naquilo que vivenciou dez anos atrás, quando era apenas um garoto com a mente perturbada pelos eventos que vivenciou.
[DEZ ANOS ATRÁS]
- Então, pelo que disse: dentro daquela casa minúscula, caindo aos pedaços, existiam nove quartos, onde em cada um você foi... testado, de formas diferentes. Sem falar que um dos quartos era um deserto e outro levava à cidade, onde você pegou um ônibus e viu sua família morta, mas que morreu só nesse quarto, porque ainda estão vivos, e ainda um quarto onde um clone seu aparecia? - Um dos policiais perguntou, incrédulo. Após serem retirados da casa, a polícia investigou o casebre, composto apenas por dois minúsculos quartos separados por uma parede, o primeiro sem mobília alguma e no segundo o quarto onde estavam William e Julia. Os vizinhos disseram nunca ter visto o menino antes em toda a vida e que aquela casa era abandonada à anos. William e Julia foram levado à delegacia, onde a garota se encontrou com a família, que agradeceu à William por tê-la salvo, e agora William explicava o que acontecera, apesar do quão absurdo e insano soasse aos ouvidos dos policiais. - Foi verdade! Tudo isso foi real! - William exclamou, nervoso com a incredulidade dos policiais, mas se acalmando logo em seguida. Sabia o quão louco soava sua história. - Eu... eu... eu sei que aquilo foi tudo na minha cabeça, mas ele fez aquilo de alguma maneira, aquele velho desgraçado... Mas quando eu me vi... aquele meu outro eu... eu... eu me matei? Eu enfiei uma faca em mim mesmo, não? Aquele era outro eu... eu nunca tinha matado ninguém... eu... - Os pensamentos começaram a se embaralhar em sua mente, William diminuindo o som de sua voz até se tornar apenas murmúrios, enquanto coçava a cabeça, confuso.
- Nem matou, garoto. Certo, encontramos sim uma faca, suja de sangue, o que até pode confirmar a parte de em que você esfaqueou alguém, sem falar que você estava banhado de sangue. Só que o sangue era seu e isso que não... - O policial respirou fundo para não gritar com o jovem em sua frente, cerrando os pulsos e mordendo os lábios por um instante, até sentir que estava mais calmo. - Olha, só quero entender como é que você não tem nenhum ferimento e de onde saiu todo aquele sangue... Garoto, olha, por favor: conta a verdade, faz quase três horas que estamos aqui, isso já está muito chato. Só fala se você pegou alguma bolsa de sangue sua e... sei lá...
- Cara, é sério que você tá pensando nisso? Eu só tenho quinze anos!
- Garotos mais novos que você fazem coisas muito piores...
- Sério isso? É sério mesmo?! - William perguntou, irritado. Os policiais ficaram ao redor dele, pensando no que fazer, até que então entrou na sala um homem, e todos o encararam, sem saber quem seria. Usava um blazer cinza escuro por cima de uma camisa social rosa claro, colocada por dentro de sua calça social cinza, com cinto e sapatos de couro brilhosos. Sua pele era branca, cheia de sarnas, como de alguém que fica muito tempo com o rosto exposto ao sol da praia, e o cabelo loiro com alguns fios castanhos, num penteado rastafari.
- Qual foi galera, sentindo um ar pesado nesse lugar aqui... Que tal me deixarem a sós com o guri, pra eu bater um papo legal com ele? - Pediu, sua voz carregada de sotaque estrangeiro, com um sorriso debochado.
- E quem seria você? - Perguntou o policial que interrogava William. O homem puxou de dentro do blazer sua carteira e mostrou para o mesmo, que ficou sério por um instante, assentindo logo em seguida para ele e fazendo sinal para que os outros saíssem da sala. O homem se sentou ao lado do garoto, e de repente sua expressão ficou séria, fria, estava muito diferente.
- E então, garoto, que tal me dizer o que aconteceu, desde o início. Quando digo desde o início, quero dizer antes mesmo de você chegar a casa. Aconteceram algumas coisas antes, não foi? - ele perguntou. William o encarou, intrigado. Não tinha contado nada sobre o que aconteceu antes da casa.
- Quem é voc...
- Quem é o "senhor". Tenha mais respeito, garoto. Meu nome é Zion Sahani. Trabalho num departamento específico do FBI. - As letras F, B e I ecoaram na mente de William. Por que o FBI estaria ali para falar com ele? - Agora que falei.... pode me falar sobre o que aconteceu antes? - William respirou fundo e assentiu. Ele começou a falar sobre quando estava jogando e apareceu a imagem do quarto, depois o noticiário, e então ter acordado e ido para aquele lugar, e depois os quartos, o que passou em cada um, sem deixar de falar o que sentiu, viu e ouviu. Zion se levantou da cadeira, começando a caminhar de um lado para o outro, pensativo.
- Ah... senhor Zion... acredita em mim?
- Sim, por que não?
- Sabe de alguma coisa sobre tudo? - Zion assentiu. - Pode me falar? - Pediu. Zion respirou fundo, pensativo. Pela sua expressão, não era algo que podia simplesmente dizer do que se tratava.
- Olha... - Ele começou, passando a mão na testa e os dedos nos olhos. - É mais complicado do que parece ser. Sinceramente, não tenho autorização para fornecer informações, mas no seu caso, sinceramente não vejo porque não falar. Você não foi o primeiro a enfrentar o Desafio da Casa. "Ela" existe ao redor do mundo inteiro. Centenas de casos de pessoas que passaram por coisa muito semelhante. A diferença entre todos e você é que, bom, você foi o segundo mais jovem a sair da casa. O mais jovem foi a garotinha que você salvou, Julia. Só que o mais interessante é que, até agora, nenhum dos outros passou pelas mesmas experiências que você. Nenhum foi possuído, ou coisa do tipo, e nenhum foi guiado por um motivo heroico. Sem falar que você foi o único até agora que saiu da casa e, como digo isso em suas palavras...
- Isso... o quê?
- Enlouqueceu, acho que é essa a palavra. Todos os outros que passaram pela "casa" estão internados em hospícios ou estão em suas moradias, a base de muitos remédios. Quase nenhum deles acredita que saiu da casa ainda. Então isso te torna especial, eu acho. Ah não ser que o efeito da loucura em você está atrasado.
- Espero que isso não seja verdade, sobre o efeito estar atrasado.
- Eu estou brincando, garoto. Olha... quero fazer uma proposta para você. Um acordo, aceita?
- Acho que sim... - William disse, meio desconfiado.
- Posso dar um jeito de cuidar de você e sua família. Fornecer maior segurança, ajudar em questões financeiras, coisas do tipo. Acredito que seria algo muito bom, não?
- Claro que seria... mas o que você quer?
- Basicamente o mesmo que seus pais te pediriam. Primeiro: focar nos estudos. Quero que seja o melhor da sua turma até acabar o colégio. Acho que você deve acabar com dezessete anos. Ano que vem, quero que tire toda a documentação possível. Com dezoito as coisas mudam só um pouquinho. Quero que entre para a polícia. Darei um jeito de fazê-lo crescer aqui dentro. Mas quero que entre e se torne o melhor. Faça isso, e me agradecerá no futuro, acredite. Temos um acordo? - Zion perguntou, erguendo a mão para William, que depois de longos segundos, apertou sua mão.
[AGORA]
William despertou com o avião pousando. Pegou sua bagagem e caminhou em direção à saída do aeroporto, mandando uma mensagem de texto para seu colega que o chamara para a Bahia.
Após alguns minutos do lado de fora, um carro se aproximou dele, piscando as luzes. Era um modelo antigo do Siena, talvez de 2015. Ele abriu a porta do fundo do carro e jogou suas coisas, sentando-se no banco da frente logo em seguida. O silêncio perdurou entre ele e seu colega no banco do motorista.
- Já faz um temo, não é? - Seu colega perguntou.
- É, Pedro. Um bom tempo, desde o dia em que quase morri resolvendo aquele caso e você recebeu total reconhecimento. - William respondeu, sério. Pedro e ele se conheceram quando entraram para a polícia. Ambos haviam feito concurso para se tornar investigador. Durante três anos, dos dezenove aos vinte dois anos de William, trabalharam próximos, até que um dia aconteceu um problema durante uma investigação, na qual, após uma casa pegar fogo e o suspeito morrer, William foi o culpado e Pedro recebeu o reconhecimento, tudo isso graças à fatores como William buscar atalhos e agir quase sempre a margem da lei para solucionar seus casos. Estressado com o ocorrido, saiu da polícia e se mudou para a cidade de São Paulo, trabalhando de forma autônoma.
- Qual é cara, não vamos lembrar do passado...
- Como assim, "não vamos lembrar do passado"? Você me chamou aqui para algo relacionado com o que aconteceu comigo há dez anos atrás, e não quer que eu relembre do passado? Ou não quer que eu lembre apenas que você não me deu um pingo de ajuda quando me ligaram ao incêndio e morte do suspeito? - William gritou, dando um soco no porta-luvas do carro, ofegante. Pedro permaneceu calado, tenso, Aos poucos, William se acalmou, respirando fundo. - Sinceramente, não me importo tanto, não mais. Agora pode me explicar porque estou aqui? - William perguntou. Pedro respirou fundo e balançou a cabeça.
- Espera só um pouco, ele deve ter acabado de chegar. - Pedro respondeu. William o encarou, curioso. Antes que perguntasse, a porta do banco de trás se abriu, uma sacola sendo jogada dentro. William encarou o homem passar pela frente do carro, sorrindo para ambos, até chegar em sua porta e abri-la.
- E aí garoto, faz um tempo, não? - disse Zion, sorrindo. Estava mais velho, com cara de uns cinquenta anos, mas ainda com as mesmas roupas, e o mesmo cabelo. A única diferença era a barba e as rugas. - Não que você tenha que se importar, mas vai pro fundo. - William olhou para Pedro, que apenas ergueu os ombros. Suspirando, ele foi para o banco do fundo, Zion sentando em seu lugar e começando a dirigir.
- E então, Zion, faz muito tempo, não? Achei que nunca mais te veria - William disse.
- Já eu pensei o contrário. Só achei que demoraria menos. Fico feliz que tenha cumprido sua promessa, apesar do que aconteceu uns dois anos atrás.
- Na verdade eu acho que cumpri muito bem minha promessa. Ela só ia até o momento em que eu entrava para polícia e me tornava o melhor. Não durou muito, mas eu era o melhor. Agora, se não se importa, que tal me explicar por que diabos estou aqui? O que está acontecendo, e o que tem haver com o que aconteceu comigo há dez anos? - Perguntou. Zion jogou em seu colo um envelope. Ele abriu, e quando tirou o que tinha dentro, viu um conjunto de fotos da mesma pessoa. Um senhor de idade: o velho que William viu na frente da casa do desafio. - O que tem esse velho? Foi ele que me fez o desafio, parece o mesmo daquele dia... - William notou as datas das fotos. - Pelas datas, é como se nunca tivesse envelhecido...
- Sim, boa observação. O que mais pode falar?
- São locais diferentes. Sempre a mesma roupa, mas nenhuma foto foi no mesmo lugar, acho que nem no mesmo país. Esse desgraçado viaja bastante.
- Também. Mas você ainda não percebeu o mais importante. Olhe as datas de novo... - William olhou. A de Paris havia sido tirada às 8:37 AM, enquanto a de Pequim também havia sido tirada no mesmo dia... mas às 9:04AM. - Percebeu?
- Como ele conseguiu sair de Paris até Pequim em menos de uma hora?
- Eu tenho algumas alternativas: ele tem um irmão gêmeo e ambos são imortais, ele tem um clone e são imortais... ou ele tem a habilidade de se teleportar para onde quiser...
- Isso que vocês estão falando... é sério? - Pedro perguntou, se intrometendo na conversa.
- Sim, agora fica calado e continua dirigindo. - Zion disse, Pedro respirando fundo para não discutir com ele.
- Tudo bem, tudo bem. Já entendi o quão estranho isso é, mas porque estamos em Salvador? - William perguntou. Zion olhou para Pedro, que os encarou por um instante e, após um longo suspiro, respondeu:
- Houve um massacre no Museu Rodin uns dias atrás. Vinte mortos e um ferido. O "ferido" é o velho da foto. A caminho do hospital ele só não parava de falar dois nomes: o seu e de outra pessoa.
- Que "outra pessoa"? - William perguntou.
- Não sabemos, não é possível compreender. - Respondeu.
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