Primeiro conto: Um roqueiro de Natal

A temperatura no aplicativo do celular de Sara indicava 30 graus em São Paulo, mas ali espremida na grade dentro do Allianz Parque a sensação era de 50 graus pra mais. Eram dez horas da noite e ela ainda não tinha jantado, e nem tinha tido tempo de almoçar, coisa que não era muito comum pois como uma estudante de nutrição, a garota fazia questão de se alimentar muito bem e colocar isso como prioridade na sua lista. Mas não naquele dia.

Isabella ao seu lado deu uma cotovelada em alguém atrás dela, se virando para gritar pela milésima vez:

- Não empurra, caramba! – Se voltou com os olhos em fúria para Sara, que ria ainda de bom humor.

- São escolhas, Isa. Quanto mais perto do palco, mais aperto você vai passar.

Em outra situação, Sara estaria surtando com o fedor de suor das pessoas ao seu redor, sua falta de alimentação apropriada e as barras de ferro que a separavam do setor seguinte que espetavam seu estômago vazio cada vez que a multidão atrás dela se espremia um pouco mais para ver o palco. Ela mesma não via muita coisa dali, mas em se tratando de Anchors at the Sea, todo esforço valia a pena. Anchors at the Sea era sua banda de rock favorita composta pelos incríveis membros Alt, o baixista, Syrus, o baterista e favorito da Isa, Toby, o guitarrista, e o maravilhoso e incrível vocalista, Down, por quem Sara poderia morrer. Eles quase nunca incluíam o Brasil em sua turnê mundial, mas nesse ano, por um milagre, aqui estava ela prestes a ver seus ídolos de perto – ou quase isso – pela primeira vez.

Ainda faltava cerca de quarenta minutos para começar o show. A banda de abertura já tinha feito seu trabalho, levantando ainda mais a energia do público, mas para Sara estava ficando cada vez mais impossível segurar sua ansiedade, sua cabeça chegava a girar de tanta animação.

- Será que eles vão cantar alguma música de natal? – Isabella perguntou, lembrando Sara de mais esse detalhe: além de causar a agonia das fãs quase nunca aparecendo pelo Brasil, a banda favorita de Sara tinha escolhido fazer um único show em São Paulo dia 24 de dezembro, véspera de natal.

É óbvio que ela teve que lidar com todo o drama e reprovação de seus pais, afinal, quem passa a véspera de natal longe da família? Mas ela não tinha pensado duas vezes, comprou o ingresso (pista comum, mas ainda assim, valia a pena), parcelou em todas as vezes que pôde e ali estava, prontíssima para viver seu sonho. Estava tudo perfeito, as luzes, o céu que apesar de escuro por causa do horário estava limpíssimo, perfeito para ver as estrelas, e ainda por cima estava ali com sua melhor amiga. Nada poderia estragar aquele momento.

- Sara – Ouviu a voz de Isa chamando meio distante – Sara, olha pra mim.

Sara se virou e olhou, vendo a imagem de Isabella meio embaçada.

- Não faz isso agora, amiga, pelo amor que você tem a mim!

Sara tentou perguntar o que Isabella queria dizer com aquilo, mas a resposta do seu corpo foi cambalear por cima dela, se segurando com menos força que imaginava ter nas barras da grade na sua frente. Sua visão ficou turva e só então Sara percebeu que os pontinhos brilhantes que via não eram estrelas, pelo menos não estrelas literais.

Isabella agarrou Sara pelo braço e passou a puxá-la em direção a lateral, Sara relutou.

- Vamos perder nosso lugar – Choramingou.

- Sim, é verdade – Retrucou Isa, falando alto e entredentes próximo ao seu ouvido – Mas se aquele segurança ali ver que você está passando mal, vai te carregar pra ambulância e você não vai mais ver show nenhum, é isso que você quer?

Sara fez que não com a cabeça, mas Isabella não pode ver por estar muito ocupada fazendo seu caminho para longe da multidão. Sara quis chorar de frustração por ter estragado o próprio sonho e carregado a amiga consigo, mas se sentia tão fraca que sabia que se chorasse, provavelmente iria desmaiar.

Isabella carregou a amiga fazendo o caminho todo até o banheiro com a maior cara de paisagem do mundo e Sara se esforçou para não parecer estar morrendo e nem bêbada. Se arrastaram até o primeiro banheiro que puderam encontrar, que estava absurdamente lotado de garotas e de seguranças que controlavam a entrada e a saída.

- Quer fingir que está grávida? – Sara mal pôde responder a piadinha da amiga, de tão mal que estava, apenas encostou na parede e tentou respirar – Não se sinta tão mal, você ficou eufórica, só isso. É normal a gente esquecer das necessidades básicas de sobrevivência quando se trata de amor de fã.

Sara nem mesmo levantou os olhos para responder.

- Não viverei meu amor de fã justamente porque esqueci das minhas necessidades básicas de sobrevivência. Se eu tivesse comido pelo menos alguma coisinha, ainda estaríamos lá na frente.

- Mas nós nem estamos na pista premium. Se a gente estivesse na grade da pista premium, de frente pro palco, eu provavelmente te deixaria morrer.

Sara deu uma risadinha, sabendo que era verdade.

- Eu não te deixaria morrer, se não o Murilo provavelmente me mataria depois.

Isa respondeu fazendo uma cara, aquela cara que pessoas apaixonadas fazem quando aqueles por quem elas são apaixonadas são mencionados na conversa. Isabella e Murilo eram o casal mais fofo e meloso que Sara conhecia, sendo ele o cara mais tranquilo do planeta terra, daqueles gentis até com uma formiguinha, e ela um vulcão em erupção o tempo inteiro (não é preciso dizer mais nada). Eram opostos que se atraíam, eram um clichê, e eram extremamente amáveis.

- Aliás, eu deveria ligar para ver como ele está – Isa continuou fazendo a cara – Trabalhando em plena véspera de feriado.

- Sendo abandonado pela namorada em plena véspera de feriado...

- Ele sabe que não pode contra o Syrus.

Sara riu e depois ficou em silêncio, esperando a amiga terminar a melosa ligação. A garota teve a sensação de que tinha cochilado por um segundo quando sentiu Isa puxando seu braço com urgência em direção à passagem antes bloqueada por seguranças que se encontrava livre. Só então Sara notou o tumulto que se formava dentro do banheiro envolvendo gritos, unhas e um apito de policial. Foi quase impossível acompanhar o passo rápido e silencioso de Isa em direção ao próximo banheiro vazio, mas Sara fez seu melhor.

Entraram rapidamente com os olhares furtivos e cuidadosos de Isa ao redor, para garantir que não tinham sido vistas. Isa era tão boa naquilo que dali onde estavam Sara não podia mais nem ouvir a confusão na qual estavam segundos atrás, e ela nem tinha percebido que tinham andado tanto assim.

- Tudo isso para usar um banheiro, céus! – Sara se sentou no chão, sem se preocupar se o banheiro parecia limpo ou não.

- É que esse banheiro é perto de uma das saídas que estão bloqueadas, então eles bloqueiam o banheiro pra que ninguém entre ou saia escondido, algo assim.

Isabella explicava enquanto remexia em sua bolsa, procurando o pacotinho de bolacha salgada que tinha escondido antes de entrarem. Assim que Sara colocou o primeiro pedacinho na boca, ouviu o estômago reclamar, coisa que ela sabia que significava mais um "é só isso que você tem pra mim?" do que um "que delícia de biscoitinho!" Mas pelo menos sentia que estava um pouco melhor do que antes e um pouco mais capaz de aguentar em pé uma hora e meia de show sem desmaiar ou ser carregada até a ambulância.

Depois de recuperar a sanidade – se é que podia ser chamada de pessoa sã depois da loucura que tinha feito consigo mesma - olhando para o relógio, Sara notou que faltavam apenas dez minutos para os Anchors at the Sea entrarem no palco.

Sem perceber, Sara estava esperneando no banheiro igual a uma criancinha.

- Não acredito que eu fiz isso, não acredito que estraguei o nosso natal – Choramingava alto, o que fez Isa arregalar os olhos e dar um pontapé em sua perna – Aiii – Reclamou, mas baixinho dessa vez.

- Para de reclamar e levanta daí. Você não acha que eu consigo abrir caminho para a gente até lá na frente de novo?

- Claro que não – Sara falava com a completa consciência de que parecia uma criança do ensino fundamental e não uma universitária prestes a se formar – O show tá pra começar, tá todo mundo se apertando lá e eu não tenho suas habilidades naturais de ladra da 25 de março...

Antes que Sara pudesse terminar, Isabella pulou na sua frente, tampando sua boca. Sara arregalou os olhos, mas não ousou dizer mais nada ao olhar de sua melhor amiga que claramente pedia silêncio. Só assim ela pôde ouvir as vozes que vinham do lado de fora.

- Não acredito que estamos fazendo isso – Uma das vozes exclamou, Sara demorou a entender o que a voz dizia – Amanhã é natal e está calor. Está calor! Que tipo de lugar não tem neve no natal?

O coração de Sara lutou para permanecer no lugar. Aos poucos ela foi compreendendo o porquê da dificuldade de entender o que a voz estava dizendo, era porque estava falando em inglês.

Antes que Sara pudesse dizer qualquer coisa, Isabella já estava correndo para o lado de fora. Sara até se esqueceu de qualquer mal-estar que tinha sentido antes quando correu atrás dela.

Isa estava parada, estagnada, petrificada de frente com o rosto que elas conheciam muito bem de assistir clipes e vídeos na internet. Syrus a encarava, acompanhado por uma mulher baixinha toda vestida de preto e Alt atrás deles, olhando curioso. Sara viu que era a primeira vez na história que presenciava sua melhor amiga sem palavras ou reação alguma, mas olhando para ela pôde ler em seus olhos que a qualquer momento ela poderia começar a gritar de alegria, ou chorar desesperadamente.

As duas ficaram ali sem saber o que fazer ou dizer, Sara formulava frases em sua mente, mas temia que seu inglês falhasse logo agora e ela passasse vergonha na frente das últimas pessoas que ela gostaria de envergonhar.

- É a magia do natal – Isa sussurrou.

- Onde vocês estavam? Estão atrasando todo o show! – A mulher baixinha falou primeiro, o rosto franzido de preocupação.

Sara estava prestes a dizer que não sabia do que ela estava falando quando Isa saiu do transe.

- Nós... estávamos... toalete! – Exclamou com seu inglês péssimo – Estamos agora... hãn... prontas.

Sara fez uma careta para a amiga, tentando perguntar que raios ela estava pensando em fazer, mas Isabella agia de forma mais normal possível. Alt permaneceu em silêncio, encarando as meninas como se desconfiasse de alguma coisa, mas era o único, pois em seguida a mulher pegou seu celular e mandou uma mensagem de voz.

- Achamos as estrangeiras, a partir de agora nos dê vinte minutos – E se virou andando em direção de onde tinha acabado de vir.

Isa não hesitou em seguir e Sara foi junto, se perguntando o tempo todo se não tinha mesmo desmaiado na pista do show e estava agora sonhando. Enquanto andavam, Alt olhava periodicamente para trás e as encarava, fazendo Sara se sentir desconfortável. Isa ao seu lado, caminhava como se tivesse caminhado ao lado deles a vida inteira.

- Vinte minutos ainda é muita coisa – Syrus falava baixo, só para ela ouvir.

A mulher deu de ombros e então virou bruscamente para trás, colocando uma credencial em cada uma das garotas, permitindo o acesso aos camarins e backstage. Tinham chegado em uma ala mais aberta, com várias portas ao redor. O som era abafado ali e estava mais limpo que qualquer outro lugar da arena, porém tão lotado quanto. Pessoas andando para lá e para cá, falando no celular, ditando ordens. Ninguém pareceu notar a entrada de duas completas estranhas no lugar, nem mesmo notaram quando os garotos da banda entraram e sentaram no meio da bagunça, se esticando naturalmente como se estivessem em casa.

- Só deem a ele o que ele quer, ok? – Disse a mulher antes de empurrar as garotas para dentro de uma sala e desaparecer ao fechar a porta atrás delas.

E então estavam sozinhas de novo no que parecia ser um dos camarins. Era como a entrada de um apartamento, com uma pequena entrada onde estavam e um arco as separando do restante do cômodo.

Isabella dramaticamente se apoiou na parede, os olhos fechados e as mãos sob o coração.

- O que foi isso, amiga? O que foi isso!

Sara ainda não sabia o que sentir.

- Eles pensam que a gente é alguém que eles estavam esperando. Ouviu o que ela disse, "só deem a ele o que ele quer"?

- Só ouvi a parte do give, e minha amiga pra esses homens eu give, give mesmo!

- Quem está aí? – Uma voz veio de dentro do cômodo. Sara sentiu as pernas ficarem bambas ao reconhecer aquela voz.

Isabella deu um cutucão em seu ombro, arregalando os olhos e abrindo o sorriso. Sara sentiu que tremia, mas sabia que não estava em condições de fazer aquilo naquele momento. Dentro daquele cômodo estava Down, ela podia reconhecer sua voz em qualquer lugar, seu maior ídolo e amor da sua vida. Sara ouviu o som de passos se aproximando e tentou imaginar o quanto se odiaria no futuro se saísse correndo dali naquele minuto e se conseguiria viver com isso. Felizmente (ou infelizmente) Sara tinha Isa.

Isa empurrou Sara para frente e se posicionou para sair antes que a amiga a impedisse.

- Tá fazendo o quê, Isabella? Vai me deixar sozinha?

- Bebê, eu tenho o Murilo, não posso sair give por aí, por mais que eu queira – Isa conseguiu abrir a porta e empurrou Sara em direção ao cômodo – Feliz natal!

Sara cambaleou, ainda pouco capaz de segurar o próprio corpo de pé, se segurando desesperadamente na parede em sua frente e se perguntando como ela não tinha notado a cortina ali antes.

Mas não era uma cortina, claro que não, era a camiseta do pijama de Down que Sara puxava para se firmar de pé. Quando a garota finalmente pôde olhar para frente, viu o rosto furioso do seu ídolo olhando para ela, vestindo um pijama fino e azul claro, com pantufas do filme da Disney, Monstros S.A., para completar o visual. Sara franziu o rosto, mas ao encontrar com o olhar fulminante de Down, interrompeu qualquer pensamento ridicularizador que estava prestes a ter.

- Por que demorou tanto? – A voz grave de Down definitivamente não combinava com aquela pantufa, o inglês carregado de sotaque britânico.

- Demorei? – Sara já tinha lido sobre aquilo em fanfics, só de olhar para ela, ele saberia que eram destinados a ficar juntos e perguntaria onde ela estava esse tempo todo...

- Sim, demorou, todos aqui nesse país são tão lerdos como você?

Down olhava para ela com desprezo, o que fez Sara perder a ilusão de estar vivendo uma fanfic. Sem dizer mais nada, Down voltou para dentro do cômodo que se revelou ser mais um quarto do que um camarim. Sara olhou ao redor, se perguntando se estava em algum programa de pegadinhas ou algo assim. O quarto onde seu astro do rock favorito se inspirava minutos antes de subir no palco e começar o rock n'roll, era um quarto repleto de bichos de pelúcia. Estavam em todo lugar, nos cantos das paredes, espalhados pelo chão e em cima da grande cama onde Down tinha agora se jogado e deitado, as mãos apoiadas atrás na nuca como se esperasse por ela. Uma posição considerada bem sexy, se não fosse a figura da Boo em seus pés.

Ao ver a reação de Sara, Down revirou os olhos.

- Você vem ou não?

- "Vem" o quê? – Sara respondeu, sem conseguir tirar os olhos da Boo sorridente na pantufa – O que exatamente fui chamada para fazer?

Por mais que aquele fosse seu maior ídolo, Sara não se sentia no clima para se prostituir em plena véspera de natal e no meio de todos os personagens de desenho animado que já existiram.

- Me conte uma história... – Down tinha pego o urso marrom mais próximo e abraçado. Olhava para Sara com expectativa – De aventura, de preferência, algo novo e bem brasileiro...

Enquanto explicava, parecia que a idade de Down diminuía. Sara não se mexeu. Pensava que, um astro de rock ao requisitar a presença de duas mulheres estrangeiras, poderia querer qualquer coisa menos isso. Talvez a mente dela é que fosse maldosa demais, mas aquilo parecia piada. A garota ficou à espera de uma câmera ser revelada e um apresentador rindo da cara dela.

- Por favor! – Com a falta de reação de Sara, Down começou a gritar – Não posso subir no palco sem relaxar, não consigo relaxar sem ouvir uma história! Por favor, por favor!

Os gritos de Down deixaram Sara em pânico, seria cômico se não fosse trágico ouvir o som de sua paixão eterna pelo vocalista se partir.

- Ok, fica calmo! Céus, o que é isso... – Sara se aproximou e se sentou na ponta da cama, sob o olhar ansioso de Down, se perguntando como era possível esconder um traço de personalidade tão forte como esse debaixo da pose de badboy que ele geralmente tinha. Down se virou levemente de lado para poder olhar melhor para Sara.

Sara queria dizer que depois de toda aquela apresentação e toda aquela informação nova, nunca mais diria que era fã daquela criança mimada, mas seu coração continuava pulando só de receber o olhar de Down. Nada mudava o fato de que ele era lindo e escrevia as canções mais incríveis que mexiam com ela.

- Posso só perguntar uma coisa antes? – Sara começou sentindo a energia antes ansiosa de Down mudar para birrenta de novo – É dessas histórias que você tira inspiração para as canções?

Down apenas acenou que sim, suspirando. De repente Sara ficou tensa. Aquele processo era mais importante do que ela imaginava, daquele momento com ela, Down poderia tirar outra composição maravilhosa e só ela saberia. De repente, ela quis ser a melhor contadora de histórias do Brasil, esquecendo completamente dos outros detalhes que tinham quase – quase mesmo – tirado toda a graça de seu momento de glória, conhecendo seu ídolo.

- Ok, vamos começar – Sara se preparou, Down se aconchegou mais ao urso de pelúcia em resposta – Pode ser uma história de natal?

E aquela foi a pior frase que poderia ter dito naquele momento, se ao menos ela tivesse lido nas entrelinhas...

- Você está brincando? – A atitude de Down mudou de repente, voltando a ser o adulto furioso e assustador, a não ser pelo fato de que atirava violentamente ursinhos de pelúcia na direção de Sara – Claro que não pode ser uma história de natal! – Falava pausadamente, para que pudesse repor as munições – Eu odeio o natal! Por que acha que viemos fazer um show aqui, nesse país patético sem neve – E jogou o urso marrom – Sem trenós – E um Mickey Mouse acertou Sara no rosto – E sem todas as tradições de natal ridículas que eu odeio – Por mais que a voz de Down fosse grave e assustadora, seu discurso ainda o fazia parecer uma criança.

- Me desculpa, eu não sabia! – Sara tentava se defender do ataque de pelúcia quando Alt entrou rapidamente no quarto e acenou para que ela saísse. Sara não pensou duas vezes e o seguiu, dando as costas para o surto de Down que esperneava – literalmente.

Ao sair do quarto e fechar a porta atrás de si, Sara se deparou com todas as pessoas que antes pareciam distraídas a encarando, inclusive Isa que aparentemente tinha parado no meio de uma selfie com Syrus e Toby. Apesar de tudo isso, ninguém parecia surpreso além dela mesma e de Isa, era como se aquilo fosse um acontecimento de rotina.

- Então, cancelamos? – Foi Toby quem falou primeiro.

- É o que acontece quando alguém finge ser quem não é – Alt tinha encostado na porta do quarto de Down com os braços cruzados e olhava sério para Sara. Sara entendeu que ele soube o tempo todo que elas não eram quem eles estavam esperando.

A mulher baixinha de antes apareceu novamente.

- O que quer dizer? Que essa contadora de histórias é uma farsa?

Isabella do outro lado da sala ainda sentada com Syrus, fez sua maior expressão de choque possível.

- Eu? Eu sou uma farsa? – Sara sentiu a fúria subir em seu sangue, juntamente com o constrangimento porque de fato não tinha fingido ser ninguém, mas também não tinha negado ser quem eles pensaram que ela era – Já olharam para a criança que vocês criam aí dentro? E querem me chamar de farsa?

- Down é apenas complicado – Syrus foi em defesa do companheiro de banda.

Isa ao seu lado parecia entender apenas parte da conversa, por não ter um inglês tão bom assim, mas acompanhava tudo com os olhos.

- Ele estava vestindo pantufas do Monstros S.A. – Sara disse em português para Isa.

Isa arregalou os olhos, segurando o riso.

- Não precisamos explicar Down para vocês, que nem deveriam estar aqui – Alt parecia genuinamente com raiva e então olhou para Sara – Se não vamos fazer o show hoje e estragar o natal de milhares de pessoas, a culpa é toda sua.

Sara se sentiu mal mesmo sabendo que não deveria. Estava extremamente decepcionada e de coração partido com seu maior ídolo e agora teria que carregar a culpa de estragar o show mais esperado do ano para várias pessoas que ela conhecia que, assim como ela, eram fãs de Anchors at the Sea. De repente se arrependeu de deixar a ceia, seus pais e o especial do Roberto Carlos para estar ali. Pior que isso era a imagem mental de Down esperneando no meio dos ursos de pelúcia que assombrariam seus pesadelos para todo sempre a partir dali.

- Ok, então vamos lá, temos muito trabalho a fazer – A mulher baixinha tomou a dianteira enquanto todas as outras pessoas passavam a se mexer e organizar o espaço. Isa foi deixada sentada sozinha e Sara não se moveu um centímetro quando os músicos começaram a guardar seus instrumentos e desconectar todos os fios que tinham em si quando estavam preparados para entrar no palco.

- Então é isso? Vão cancelar o show porquê a estrelinha tá de bico ali dentro? – Sara falava indignada.

- Você já viu uma banda se apresentar sem vocalista? – Syrus perguntou, guardando suas baquetas da sorte, que Sara sabia serem especiais por todas as vezes que ele as tinha mencionado em entrevistas.

A garota pensou que aqueles eram bons tempos, quando ela tinha sua própria ideia de quem eles eram e não os conhecia de verdade, quando podia olhar para eles e imaginar as festas incríveis que frequentavam e as brigas que tinham quando discordavam, um sendo mais rebelde que o outro, e não desistindo de um show por causa da birra de um deles. Sara se perguntou quantos fãs restariam se todos tivessem a oportunidade que ela tivera ali.

De repente, uma ideia surgiu.

Isabella ainda do outro lado, olhou para ela como se perguntasse que loucura ela estava imaginando.

- É minha culpa estarem cancelando o show – Sara começou – É minha responsabilidade consertar isso.

Dizendo isso, abriu novamente a porta do quarto de Down, entrando rapidamente sabendo que se fosse fazer o que estava para fazer, teria que ser muito, muito rápida. Pensou se tinha aprendido o suficiente com as habilidades de ladra da 25 de março de Isabella.

Ao vê-la entrando, Down, que estava deitado no mesmo lugar abraçando o mesmo urso, fechou ainda mais a cara. Sara pensou que era a posição perfeita. Pegou o celular e fotografou seu ídolo do rock de pantufa no meio de seus ursos de pelúcia.

Down se sentou num movimento rápido, os olhos arregalados.

- Você tem dez minutos para esse show começar – Sara balançou o celular – Ou essa foto cai na internet. E por mais que eu não tenha nenhum preconceito com homens que gostam de pelúcia, não são todos que gostam de homens infantis.

Sara não ficou para ver qual seria a próxima reação de Down, apenas saiu o mais rápido que pôde, parando apenas para responder ao questionamento de Isa:

- O que você vai fazer?

Sara mostrou a ela a foto no celular.

- Salvar o natal.

E então correram.

Correram o mais rápido do que achavam ser capazes, ouvindo ao fundo os gritos distorcidos de Down dizendo "Parem essa garota agora!", mas a essa altura elas já estavam longe. Isa acompanhava os passos da amiga rindo, Sara também ria, surpresa por estar se divertindo tanto com aquilo. Por onde elas passavam, a notícia de que Sara estava ameaçando destruir a carreira de seu amado vocalista ainda não tinha chego, então não tiveram problemas em passar por cada segurança e cada funcionário até chegar no backstage do palco.

As duas pararam para recuperar o fôlego.

- E agora? – Isa falou primeiro – Eles vão prender a gente?

Sara não respondeu. Sua mente maquinava seu próximo movimento.

- Com licença – Falou com um dos funcionários que estava por ali, fazendo questão de mostrar sua credencial all acess entregue pela mulher baixinha que ainda não sabiam o nome – Onde estão as imagens que passam no telão?

Isabella cobriu a boca com as mãos, tentando esconder o riso.

- Parece que não sou a única com habilidades criminosas.

O homem as acompanhou até uma mesa cheia de botões que nenhuma delas entendia, controlada por um homem gordinho e careca, que olhou desinteressado quando elas se aproximaram. A mesa ficava bem próxima a escadaria que dava para o palco, dali Sara pôde ver alguns rostos cansados e em expectativa dos fãs da banda, que ainda esperavam pelo show começar.

- Preciso conectar este celular ao telão – Sara explicou ao homem, que depois de olhar sua credencial, de forma ainda desinteressada entregou um cabo longo para ela que parecia funcionar como um USB qualquer.

Sara pegou o cabo e entregou para Isa.

- Não liga ainda – Pediu, e andou até a escadaria, de onde pôde ver o pandemônio vindo da área dos camarins, provavelmente procurando por elas.

Assim que a viu parada nas escadarias, Down passou a andar ainda mais rápido, agora vestido com uma camiseta e calça qualquer, descalço. Olhava para Sara com todo o ódio que havia na terra. Os outros membros vinham atrás, Alt ainda sério, mas Syrus e Toby escondiam seus risos debochados atrás do vocalista furioso.

- Só se aproxime se for subir e arrasar nesse palco – Sara gritou para todos ouvirem, fazendo-os parar – Caso contrário...

Apontou para Isa, que estava na mesa balançando o celular e o cabo USB, prontos para serem usados. O homem responsável pela mesa ao perceber o que estava realmente acontecendo, tentou tirar o celular da mão de Isabella, que ameaçou ainda mais conectar o cabo ao celular. Todos então ficaram parados em silêncio enquanto Down se aproximava de Sara.

Quando estavam cara a cara, Sara pensou que em outra situação, teria amado aquela proximidade, mas naquele momento só conseguia sorrir vitoriosa.

Sem dizer mais nada, Down subiu as escadas batendo os pés, sendo acompanhado em seguida pelos outros integrantes. Alt passou por Sara com o mesmo rosto sério, mas Syrus e Toby a cumprimentaram com toquinhos no ombro e bagunçando seu cabelo.

Sara se virou a tempo de ver as luzes do palco acendendo e o público indo a loucura quando Down pegou o microfone e eles começaram a introdução de sua música favorita. Não demorou muito até Isa ir acompanhá-la, pulando e gritando de euforia. Em nenhum momento de sua vida Sara imaginou estar ali, assistindo o show de seus ídolos pelo backstage após ter ameaçado um deles, ainda assim ali estava.

Assistiram todo o show com a mesma animação que tiveram desde o começo, quando terminou, Sara só pensava em ir para casa e encher a cara de ceia de natal.

Já tinha passado da meia-noite, mas ninguém ali dentro esboçou reação, provavelmente por causa do repúdio de Down, Sara pensou.

Quando a banda finalmente saiu do palco, Isa correu até Syrus para o parabenizar pelo show incrível, pulando como uma perfeita tiete. Sara permaneceu sentada no chão, fechando os olhos ao ouvir o estômago roncar de novo, pensando em toda a carne que estava perdendo.

Sentiu um toque de leve em seu joelho e abriu os olhos para Down, que a encarava de pé, esticando a mão para entrega-la um urso de pelúcia vestido de Papai Noel que tinham jogado no palco.

- Feliz natal – Falou, a voz grave causando arrepios em Sara. A garota pensou ver um brilho de diversão em seus olhos, mas logo Down se virou e se afastou, sem olhar para trás.

Isa se aproximou da amiga.

- Vamos? Ainda quero encontrar o Murilo.

- Espera só um segundo – Sara pegou o celular, foi até a foto que tinha tirado de Down pensando em como não poderia contar sobre aquilo para mais ninguém, mas aquela confusão seria sua lembrança favorita de natal. Clicou em cima da imagem e tornou-a seu plano de fundo.

Isa gargalhou e puxou a amiga pela mão, saindo da arena cantando uma música de natal qualquer, com a melhor voz de rock que podiam fazer.

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