Capítulo 11
AVISO: Este capítulo pode conter temas sensíveis.
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Muitas vezes, já reclamei de que não saíamos muito de casa. Eu sempre curti explorar o mundo e afins, sem bagunça ou exagero. Preferia mil vezes ir na Missa em uma igreja diferente do que acabar num barzinho qualquer de esquina ou na boate mais badalada do momento. Como um jovem católico desde sempre bem apaziguado, me sentia mal em lugares como aquele.
Ironia? Se a gente rebobinar um pouco e jogar o foco do roteiro na disputa de pular cercas que aconteceu entre meus pais... hum, talvez. Ainda bem que eles sossegaram e me criaram dentro dos bons princípios.
– Ei... – Escutei uma voz e algumas batidinhas na porta.
Eu já estava acordado, mas ainda na fase de ficar me revirando na cama e sem nem acreditar que o sol havia raiado.
Me espreguicei, relaxado.
Mais batidas amadeiradas ecoaram pelo quarto, bem suaves. Bocejei e fui ver o que era, logo destrancando a maçaneta e a abrindo.
– Bom dia, Mica – Millie disse, quase colocando a cabeça para dentro do quarto. Me parecia animado.
– Oi, tudo certo?
– São seis e vinte e dois da manhã.
Fiquei olhando o semblante de Schubert, tentando entender o que ele queria dizer com aquilo.
– E...?
O alemão pôs as mãos na cintura.
– Acorda, princesinha tropicana – Debochou. – Esqueceu de que temos uma pré-temporada?
“Poxa, realmente. Que vacilo”, pensei.
– Nossa, é verdade.
Ele deu de ombros.
– Hoje é dia treze. Vou à fábrica para resolver mais algumas coisinhas. Se quiser ir à Maranello de novo como anteontem, te espero. Pode ser uma das últimas vezes antes da correria começar.
Havia se passado mais dois dias desde o incidente da cozinha. Johanna tinha se trancado no quarto até mais ou menos às onze. Quando a vi naquela manhã, fiz questão de providenciar um café da manhã digno e um remédio para dor de cabeça.
– Caramba – Abri um sorrisinho. – Fico pronto em... ah...
– Sem pressa – Ele interrompeu meus cálculos. – Te esperarei lá embaixo.
– Ok, muito obrigado!
Millie bateu uma continência solta, naquela vibe bem Tom Cruise, e saiu.
Fechei a porta e suspirei. Aquilo tudo era mesmo real? Sendo ou não, eu com certeza estava vivendo a experiência mais incrível de minha vida.
Comecei a procurar uma roupa apresentável para ir. Millie havia me dado um sobretudo preto bem quente, e não medi esforços para achá-lo. No fim, a peça estava pendurada num cabide perto da porta da frente.
Depois de comermos pão com geleia e mel, fizemos alguns planejamentos relacionados ao primeiro Grande Prêmio da temporada... Interlagos.
Inicialmente, a abertura seria na Argentina. Porém, devido aos problemas políticos e econômicos que o pais estava passando naquele momento, o mesmo foi cancelado.
Só de pensar que eu iria assistir uma corrida em minha terra natal me fazia querer gritar de felicidade. A empolgação para aquele momento era quase que onipresente.
– Bom, você precisa comprar umas roupas – O alemão apontou. – Na volta, podemos passar em algumas lojas que temos por aqui. São modestas, mas quebram um galho.
– Acho que essas já são o suficiente, Millie – Tomei um gole de café. – Não é necessário, sabe? Anda gastando bastante comigo.
– Eu insisto, Micael. Não se preocupe com o preço... er... faz aniversário no começo de junho, correto?
– Hum, dia dois.
Ele sorriu e levantou os braços.
– Feliz desaniversário! Considere isso um presente.
Soltei uma breve gargalhada.
– É incrível como você sempre arranja um jeito.
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Depois de um tempo na fábrica, acabei conhecendo ainda mais Jan Hendricksen (que, por sinal, se pronunciava “Ian”). O colega de Millie era bem fechado, mas parecia se soltar um pouco mais a cada tópico que colocávamos em pauta.
– Ei – Falei, num volume baixo. – Me perdoe a pergunta, mas aquele cara sempre te trata mal?
– Por que está perguntando isso? – Indagou, defensivo.
– Escutei algumas coisas ontem na pista e queria saber se está tudo bem.
O holandês fez um muxoxo e não respondeu.
– Se não quiser conversar sobre isso, tudo bem – Falei, me apoiando um pouco mais na parede de uma das garagens do circuito. – Eu só achei aquilo tudo muito ultrajante.
– Devo concordar – Falou, me surpreendendo. Jurava que ele apenas mudaria de assunto. – Esse nosso novo chefe é meio autoritário. No começo, não era assim. Luca di Montezemolo gostava de mim também, mas a partir do momento que ele pediu demissão e o Mattia entrou no lugar...
– Sinto muito, Jan – Falei. – De verdade.
Ele assentiu com a cabeça e disse, como se tivesse lido meus pensamentos:
– Sei o que está se perguntando – Colocou as mãos nos bolsos do sobretudo marrom, sem antes ajeitar a boina que o vento havia deixado levemente torta. – “Todo mundo gosta do Schubert”. Não é bem assim por aqui.
Levantei as sobrancelhas, encafifado.
– Oi!?
– Senhor Ferrari vive me bajulando porque sou um homem daqueles que aceitam o que der e vier e agradecem. Millie reclama de tudo e tenta consertar do jeito dele... que às vezes é melhor do que o dos mecânicos. Enzo odeia que pessoas entrem nos planos dele, e o Maximillan sempre arromba tudo. Só o mantiveram porque ele ganhou o mundial ano passado, e por causa da multa que deveriam pagar se quebrassem o contrato.
Fiquei surpreso com aquela informação. Sabia muito bem que nem todos gostavam de Schubert, mas não que o próprio Commendatore tinha desavenças com ele.
– E como vai o relacionamento entre vocês dois? – Perguntei. – Vejo que, em muitas equipes, os pilotos não se dão bem.
Ele abriu um sorriso.
– O Millie é imprevisível, mas também um doce. Nós dois brigamos uma hora ou outra, mas sempre resolvemos em pouco tempo. Nada grave. Tive minhas ressalvas quanto a ele quando ainda estávamos na BRM, mas foi questão de tempo para tudo se encaixar.
– Fico feliz que sejam amigos.
– Tudo bem que ele é egocêntrico às vezes, mas... – Fez uma pausa. – o Millie sempre foi uma pessoa boa, conseguimos ver isso lá no fundo.
Me lembrei de todas as coisas que ele havia feito por mim, toda aquela hospitalidade, a simpatia, o cuidado, a gentileza. Só não via o coração genuíno dele quem era ignorante ou quando o alemão não queria mostrá-lo.
Logo em seguida, escutamos alguns passos. Vimos que era Schubert se aproximando.
– Tudo mais que certo com o transporte – Falou, com um sorrisinho. – Os três carros chegarão ao Brasil logo, logo. Sem atrasos.
– Isso é bom – Jan disse. – Estou arrumando as malas para pegar um voo amanhã.
Millie levantou as sobrancelhas.
– Você já vai?
– Sim – Deu de ombros. – Um pouco de antecedência não faz mal. Pior é o Jameson que está no lá desde o ano novo, aproveitando o clima daquele lugar... acho que é Guarujá.
– O quê!? – Fiquei perplexo.
O alemão quis rir.
– Wolff está no Brasil há eras, provavelmente curtindo, bebendo, pegando as morenas e cheirando cocaína até o nariz sangrar. Isso é a cara dele.
– Fiquei sabendo que ele assinou o contrato no dia 14 de novembro – Jan disse. – Foi curtir a boêmia com a desculpa de comemorar o fato de não ter sido expulso da Fórmula 1 tão cedo. E olhem a gente aqui, trabalhando.
“Isso é muita informação”, pensei enquanto nos entreolhávamos, tentando disfarçar minha surpresa.
– O que mais me irrita às vezes é que ele é bom – Millie admitiu. – É um idiota inconsequente, mas um idiota com talento. E de brinde, ainda consegue ser carismático. Até para mim é difícil não cair no papinho dele às vezes.
– Jameson vive esfregando as coisas na cara de todo mundo – Jan cruzou os braços. – E agora que ele está na McLaren...
Engoli em seco.
– Será que podemos mudar de assunto? – Millie mudou seu apoio de um pé para o outro, suspirando. – Por mais que eu goste de uma troca de informações...
– Fofoca – Jan me cochichou, me fazendo segurar a risada.
– ... ocasional, temos de discutir algumas questões quanto a Interlagos. Já foi lá, Micael?
– Sim – Falei, sem jeito. – Mas faz bastante tempo, só para ver a corrida.
– Isso é bom – Hendricksen disse. – De onde assistiu?
Meu sangue gelou. Na última vez que eu tinha ido, em 2021, Hamilton havia vencido de forma mais que emocionante. O problema?
Quem era Ayrton Senna da Silva em 1976? Não havia curva alguma chamada S de Senna... na verdade, José Carlos Pace ainda nem havia morrido em uma queda de avião. O autódromo era apenas “Interlagos” naquela época.
– Vi da arquibancada – Pensei rápido. – Ainda não conhecia o Millie.
O alemão deu uma piscadela discreta para mim, me fitando de um ângulo que Jan não conseguisse perceber aquele gesto.
– Interessante – Hendricksen disse. – Lá é um lugar especial, dá para sentir algo diferente no ar.
Abri um sorriso, orgulhoso de minha pátria.
– Você fala isso de quase todos os lugares em que vamos, Jansen – Schubert debochou, de forma saudável. – São Paulo é uma das pistas mais chatinhas do calendário e a infraestrutura não é a melhor que poderiam disponibilizar, mas a torcida, a energia, a vibração... é fora do sério.
Soltei uma gargalhada.
– Quando a gente quer, conseguimos mesmo causar uma boa impressão.
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No dia seguinte, arrumamos as coisas para viajar. As reservas já estavam feitas, o voo autorizado e as burocracias resolvidas. Os cavalos de Carla seriam cuidados pelo mesmo cavalariço de sempre, com a exceção de que ela não iria exercitá-los como o de costume.
E novamente, voltamos a aquela mesma cena; discos sendo arrumados, os cabides ficando cada vez mais vários e pilhas e mais pilhas de roupas separadas para levar. Era um caos organizado, diga-se de passagem.
Tentei estudar o máximo que pude sobre o antigo autódromo de Interlagos. Como não quis perguntar a Millie se ele tinha o traçado do circuito e atrapalhá-lo, tentei dar meu jeito.
Vendo o 4G ativado no meu celular, comecei a pensar sobre o que estava acontecendo, principalmente nas coisas que não faziam sentido. Não era apenas a viagem no tempo; os sonhos estranhos, a queda de pressão que tive ao entrar na despensa, o celular funcionando normalmente apesar da hora ter ficado travada. Eram como um bug, uma falha técnica na Matrix, um glitch...
“Okey, okey”, pensei. “A partir de agora, chamarei essas situações doidas de Glitch’s. Talvez eu me sinta mais no controle por pelo menos dar um nome a isso”.
Digitei algumas coisas no meu bloco de notas e fui pesquisar sobre a pista, voltando a focar no presente (ou passado, sei lá). Eu não era tão inteligente a ponto de descobrir o que estava acontecendo com aquela escassez de informações que estavam disponíveis no momento, então, decidi seguir o roteiro.
Evitei ao máximo que alguém visse o que eu estava pesquisando, logo indo para o quarto. Também foquei em pesquisar sobre o traçado da pista e não no resultado daquela corrida. “Interlagos 1975”, foi o que joguei no Google. Aquela foi a única vitória de José Carlos Pace, e o fato dele ter dividido o pódio com Emerson Fittipaldi a fez ainda mais especial. A primeira dobradinha brasileira na Fórmula 1... e tudo isso no nosso país!
O autódromo de Interlagos tinha incríveis 7,9km de extensão e 17 curvas, algumas bem fechadas. Parecia um intestino de tão conglomerado. Os circuitos da época pareciam ser bem doidos.
Pesquisei “Kyalami 1975” e me topei com um traçado que julguei ser meio zoado. Me lembrei de Johanna, só porque o formato dele parecia o de uma faca.
Hum, Long Beach!? A terceira etapa da temporada?
– Minha nossa senhora – Pensei em voz alta, confuso. – Mas que porcaria é essa!? Isso é quase tudo quadrado, tipo Minecraft. Tem uma curva chamada Toyota, Cook’s Conner ... espere, Ocean Boulevard?
Incrível como a Lana del Rey tem um dedo em tudo. Posso não ser muito fã de músicas atuais, mas adoro as dela. Quase todas de Ultraviolence me agradam, e fico entre Brooklin Baby e Shades of Cool quando penso em qual é a minha favorita do album.
De Pearl Jam a Lana del Rey... meu gosto é estranho às vezes. Mas, ao contrário do que muitos pensam, não comecei a escutá-la do nada.
“Did you know that there's a tunnel under Ocean Boulevard? Mosaic ceilings, painted tiles on the wall”, fechei os olhos e me recordei de quando Esther cantarolou essa música, logo quando eu, ela, Gilles e mais dois colegas de classe fizemos um grupo de estudos. A conheci melhor no segundo ano, me apaixonei no meio do terceiro e marcamos aquele passeio no começo do quarto.
Suspirei. Quando eu a veria de novo? Será que ainda poderia voltar para casa?
Senti meus olhos marejarem ao pensar nas pessoas que deixei para trás. Minha família, meus amigos, gente que amo muito ou aquelas mais chatas com as quais tinha de conviver... sentia falta até mesmo delas.
Me levantei e fui fechar a porta. Deitei na cama, abracei um travesseiro e deixei as lágrimas de dúvida e saudade correrem livres, molhando boa parte do tecido macio da fronha.
Como doía não ter certezas.
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BOOOOOOOM DIA!!! COMO VÃO!?
Peço perdão pelo sumiço de quase um mês. Publicar cansa, mas escrever...?
Em breve, irei liberar o casting do Ato II + um capítulo. Prontos para lerem as emoções do GP do Brasil? E para, finalmente, conhecerem Wolff Jameson? 👀
Espero que tenham curtido essa primeira parte da história! 💕✨️
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Como muitos sabem, comecei a escrever uma fanfic com o meu piloto favorito, o Gilles Villeneuve (sim, igual o amigo do Micael skksks). Está um pouco vergonha alheia? Com certeza, mas é para ter essa vibe mesmo. Tipo, se Sexta Feira Muito Louca e Rush - No Limite da Emoção tivessem um filho, e Gente Grande fosse o tio super presente.
Acreditem, mas estou super feliz por estar escrevendo isso. Independente se alguém ler ou não, vou continuar até o fim no meu Microsoft Word velho de guerra. Quem quiser dar uma olhadinha em "White Mustang", eu agradeceria!!!
(ESSA FOTO DO GIL KKKKKKK)
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