2. Filha de Perséfone

Fecho meus olhos e enterro minha cabeça no lugar macio em que estava apoiado. 

Eu estava no mundo. 

— E o que é isso? — Murmuro, percebendo que estou em um lugar macio. 

Olho para o meu corpo, que estava seco e sem meu outro vestimento. Olho para mim que estava deitado, ficando ainda mais confuso. Ergo minha cabeça notando o que estou vestindo. Eu estava nu. completamente nu. 

Levanto do negócio macio e tento procurar algo que pudesse refletir-me, esbarrando nas coisas que tinha no quarto. 

— Que merda de quarto é essa? — Questiono ao bater minha coxa em um lugar duro. 

Encontrei um espelho na porta do guarda-roupa. Olho meu reflexo, com uma pequena iluminação que vinha da parte de fora. Olho para o meu símbolo que, no mesmo instante, pareceu formar em chamas, flutuando no ar. Olhando ainda através do espelho, franzi a sobrancelha, vendo o pequeno fogo se mover, subindo para cima. 

Estranho ao vê-lo caminhar até em meu rosto parando em minha frente. Mas a confusão sumiu ao vê-lo rapidamente atingir meus olhos, começando a arder e a fumaça sair, como se estivesse queimando meus próprios olhos. 

Passo a palma de minhas duas mãos em meu rosto, tentando apagar as chamas. Aquilo ardia, como se estivesse corroendo e queimando meus olhos ao mesmo tempo, como uma verdadeira onda de explosão de dor. 

— Hades!! — Rosnei.

Bato em um lugar e segundos após meus olhos incrivelmente parar de doer, como se nada estivesse acontecido há alguns segundos atrás. 

Incrível.

Que merda.

Tiro minhas mãos do rosto e pisquei algumas vezes, ainda sentindo um pequeno incômodo. Olho em volta checando que estou vendo normalmente. Voltei para o espelho e, agora, meus olhos estavam vermelhos, finalizando a pequena e a última parte que estava marrom, dando ao lugar de um vermelho escuro, como se estivessem se cicatrizando e entrando em meus olhos.

— Obrigado, querido pai! — Digo ainda olhando meu estado, soltando um pequeno suspiro. — Você disse que esperaria minha resposta. 

Olho para os lados buscando achar um interruptor. Caminho cuidadosamente até a porta, vendo um ao lado e acendo, clareando definitivamente o quarto todo. Ignoro a pequena bagunça que estava no cômodo e solto um suspiro.

Vou até o guarda-roupa e abro, procurando uma roupa qualquer para que eu fique mais apresentável para qualquer pessoa que esteja na casa.

Após me vestir, paro tentando sentir algum calor corporal ou algum hormônio. A pele profunda do meu ouvido dilata, me dando a capacidade de ouvir mais distante e melhor. Ouço passos calmos e ao mesmo tempo firmes, sua energia parecia forte. Seu hormônio cheirava à pele humana, entretanto, fortes. Homem.

Ouço seus passos se aproximarem. Apresso em colocar a camisa, voltando a olhar no espelho. 

— O que diabo vou fazer com esse olho? — Pisco forte para ver se sumia, mas não adiantava. 

Os passos ficam ainda mais próximos. 

Fecho as pálpebras e começo a bater, vendo se assim daria certo. 

— Merda!

Bato com mais força. 

— Por que está batendo em seus olhos e...rosto? 

Paro no mesmo instante, percebendo que havia um homem no quarto, especificamente na porta, segurando a maçaneta e com seu semblante confuso. 

Analiso-o. Alto, tonalidade escura, careca e um suporte forte, parecendo estar um pouco gordo. 

— Estão ardendo. Você é meu tio? 

— Do que está falando, Zegrel? 

— Então você sabe quem eu sou? 

Ele sorri de lado, relaxando levemente seus ombros. 

— Eu não sei do que você está falando. 

— Você é meu tio? — Repito, confuso. 

— Certo. Já fiz o jantar, estou te esperando lá ou se quiser pode comer no quarto mesmo. 

Ele fecha a porta me deixando ainda confuso. Noto que ele ainda não tinha perguntado sobre meus olhos. Caminho até a porta, abrindo e saindo. Ando pelo pequeno corredor. Olho para as paredes que estavam com  alguns retratos e um deles vejo esse homem e ao lado uma mulher branca. Paro, estudando melhor a foto. A mulher também tinha os olhos vermelhos, com um sorriso e com as mãos apoiadas na barriga. 

Volto a caminhar, saindo do corredor e entrando em uma sala com a televisão ligada e a luz apagada. Continuo a andar ouvindo colher colidir no prato com uma pequena porção de cuidado. Olho em volta vendo se tinha mais algum outro quadro, achando alguns ao lado do sofá. Pego o quadro em minha mão. Um pequeno garoto estava sentado no chão de uma varanda comendo maçã, enquanto a mesma mulher em que vi no outro quadro estava sentada e ao lado dela um homem que agora estava na cozinha. 

Ouço seus passos e seu calor fica mais intenso. Conto o quadro na pequena mesa e ergo a cabeça, encontrando o homem saindo do cômodo ao lado. 

— Ela também faz falta para mim.

Fico alguns segundos quieto, olhando entre a foto e para ele. 

Anui. 

— Você era muito apegado a ela. Feito pele e carne.

Fico quieto, sentindo uma onda de confusão voltar a me atingir. O que ele estava falando? Quem era ela? Eu não nasci nessa família. 

— Sua mãe era uma grande mulher, a mais corajosa que já vi. Ela lutou por você, mesmo que você não lembre ou não esteve por perto. 

— Imagino, embora eu não me lembre muito dela, mas não duvido da capacidade dela…pai. 

— É a primeira vez que você me chama de “pai”. 

Franzi o cenho. — Por que eu não chamaria? Você é o meu pai, não é? 

— Eu sou o homem que sempre te criou desde a partida de sua mãe. 

— E isso é algo legal? — Digo sem um pingo de emoção. 

— Depende em que sentido. Você teve alguém que te criou desde a partida dela. 

Olho para a televisão que começou a falar do tempo. 

— Em que estação estamos? — Digo confuso. 

— Primavera. — Ele diz indiferente. Sinto meu corpo levemente tremer. 

— Primavera. — Repito, baixinho. 

Merda.

Estação da cultivação, de reinar seu poder na terra e dar todo seu melhor, na beleza e plantação. Isso me lembrava apenas uma única deusa: Perséfone; a deusa que não carrega um ponto de mim, casada com hades e traída pelo mesmo. 

Nunca ao menos foi revelado seu rancor sobre mim, apenas estive ciente que eu tinha um nome igual a de seu filho, Zagreus, na qual foi destruído por titãs, mandado pela deusa Hera. 

— Sim, não gosta de primavera? 

Olho para o homem que ainda estava na minha frente. Pisco algumas vezes afastando meus pensamentos. 

— Gosto, acho bastante interessante as flores e as vegetações crescendo tão belos nesse período. 

— Certo. Não está com fome? não quer comer? — Ele enrugou sua testa, mostrando estar curioso. 

E naquele momento sinto meu corpo pedir por comida. Almas. Eu precisava me alimentar e essa vinda para cá, me deixou ainda mais faminto. Meu corpo pedia, como minha energia que parecia ter gradualmente sumido. 

Umedeço meus lábios pensando o que eu poderia fazer, engolindo seguidamente as salivas que se formou em volta de minha boca. 

Neguei. 

— Não estou faminto. Não agora. — Minto, quando na verdade eu apenas queria comer. 

— Certo. — Diz. Ele inala fundo e em seguida faz uma careta. — E vai tomar um banho! Você está cheirando bicho morto ou sangue podre, não sei bem esse cheiro. — Ele dá um passo para trás.

Tento disfarçar, afirmando apenas com a cabeça, segurando uma pequena e minúscula risada que se formou em minha garganta ao ver a reação do homem em minha frente. Ele parecia ter se enjoado em ficar na minha presença por tanto tempo, inalando o cheiro. 

— Tudo bem. Vou tomar banho e irei me deitar. — Dou um passo para trás ao vê-lo confirmar. 

Viro meu corpo e saio dali, agora em busca do banheiro, mas não parecia não ser tão difícil de achar já que a casa parecia não ser muito espaçosa e tampouco com muitos cômodos. 

Olho para o centro da mesa, vendo uma carteira com uma identidade do lado. Olho para o nome, 

George Jason. 

… 

Por mais que estávamos na primavera, naquela noite, uma massa de ar frio parecia inundar aquela região, atrapalhando até mesmo a temperatura comum de qualquer primavera. Meu corpo esquerdo, onde localizava o calor intenso de meu corpo, parecia ter se reduzido e gradativamente sentia-se baixa. 

Após tardar no quarto, George tinha ido dormir, desligando tudo. Aproveitei a oportunidade de ter a certeza que o homem estava em seu sono, me arrumei o mais rápido que conseguia, vestindo por fim um tênis, um moletom e uma mochila com poucos vestimentos. 

Ainda eu estava faminto e precisava ir para algum lugar que pudesse ter alguma alma perdida ou abandonado. Eu precisava ir para algum cemitério. 

Decido sair pela pequena sacada que tinha, parecendo um pouco estreito, mas ainda assim ideal. Olho para a porta e abri ainda mais a porta de vidro. Saio e

— Perfeito. Eu moro no campo! — Digo frustrado, olhando em volta.

Seguro na cerca feito de bateria e aperto os meus dedos, com uma pequena irritação dentro de mim. Eu estava faminto e não sabia quanto tempo demoraria para eu achar um cemitério ou algo do gênero. 

Pulo e começo a andar para longe dali, no entanto tropeço em uma pedra com uma certa força, fazendo meu corpo cair no chão e meu pé começar a dor no mesmo instante. Curvo meu corpo ao sentir a dor e grunho, segurando entre meus dentes um gemido de dor.

Olho para a pedra jurando que nada estava ali antes de eu passar. Algo dentro dela brilha e seu formato vira poeira, subindo para o ar e indo em minha direção. Observo as poeiras se transformarem em uma carta. Seguro ao ver finalizar as poeiras se juntar por completo, revelando um selo de fogo no meio. 

Abro. 

Estava em branco, entretanto as letras começaram a surgir em larvas, espalhando por todo o canto, formando em palavras retas e marcantes. No final das palavras, um desenho é feito, saindo fumaça. 

— Você irá precisar disto. Saiba usá-la, na hora certa e no momento certo. Pegue-a. — Leio. 

Olho novamente para o desenho, pensando como irei usar aquilo ou para que irei usá-la. 

Levo minha outra mão livre para a direção do desenho, tirando o desenho em objeto. Estudo, olhando o que essa coisa poderia ser ou o que eu poderia fazer com isso. 

— Isso não pode ser um simples pote. — Digo um pouco frustrado, porém a circunstância que aquilo não passasse de um simples pote, ficava ainda mais visível. 

O objeto em minha mão parecia uma mistura de pote e jarra, fazendo deixar eu ainda mais confuso, mas no momento não me importava além de querer saber o que aquilo significava. Abro a tampa e um assobio de vento disparou, puxando os ares para dentro com toda força, parecendo estar descontrolado. 

Assustado, peguei a tampa e fechei, respirando fundo olhando para aquela coisa. Pego e jogo em minha mochila juntamente com a carta. Levanto com uma pequena dificuldade de dor no pé e comecei a andar rápido, ignorando inteiramente a dor. 

Decido ir pela floresta, mas ao chegar perto, uma placa pequena ao meu lado é formada por madeiras e tronco de árvore. E como na carta, as letras são formadas por queimadura, logo se espalhando e formando em palavras. 

— Ande por onde a luz toca. — Leio baixinho, segurando fortemente a alça da minha bolsa. 

Frouxo meus dedos, olhando para trás e observando a luz lunar brilhar por quase toda parte. Havia vários caminhos iluminados e isso me fazia questionar por onde eu poderia ir. 

— Está de brincadeira. — Falo incrédulo, olhando para os pontos e caminhos iluminados. 

A floresta parecia estar mais perto e, certamente, Hades me deu a opção de ir em algum lugar iluminado. Volto a andar para a floresta, não ouvindo qualquer vestígio suspeito, nem mesmo as folhas das árvores. 

Adentro mais, agora tendo apenas pequenas claridades da lua, mas ainda assim dava para ver algumas coisas. 

A floresta parecia quieta. Quieta demais. Nem mesmo os galhos faziam barulho, mas continuei andando, suportando o frio que aquilo estava causando, apesar que cada minuto estando ali, era um grau a menos dentro de mim. 

Continuo andando pela trilha no chão que parecia estar aos poucos sumindo pelo tempo e folhas caídas ali. Ouço um pássaro cantar e algo cair em minha frente, causando-me no mesmo instante parar e estranhar. 

Olho para o chão e vejo um pássaro…morto. Ao tentar agachar para ver o que estava acontecendo, um vulto preto cai, agachando e pegando o pássaro. Dou um passo para trás, sem nenhuma proteção em minhas mãos. 

— Você o matou. — Uma voz grossa e afeminada ecoa entre o silêncio. 

— Do que está falando? — Indago, alerto pela figura em minha frente. — Eu nem olhei para isso. 

— Eles sentem sua maldade. Pássaros são frágeis ao ponto de sentir toda sua ruindade. — Ela responde. 

— Bom, não fui eu quem o criou. Isto não é culpa minha! — Rebato, agora curioso para saber quem era ela. 

Inalo discretamente seu cheiro. Ela cheirava cultivação, flores, terra e mundano, na qual o mesmo inundou meu nariz. 

Filha de Perséfone. 

Seu cheiro era evidente. 

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