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🔮

— Você realmente não me conhece, não é, Jungkook? Não sabe nada sobre mim. — Então, revela: — O que eu escondo não são minhas tatuagens. É outra coisa.

Meus olhos continuam presos aos pulsos de Jimin, sempre cobertos pelas mangas longas que, até segundos atrás, eu jurava estarem ali para esconder suas tatuagens.

Agora, eu não sei mais o que pensar sobre o que estou pensando.

— É triste, Jungkook. É triste de verdade que você tenha se agarrado com tanta convicção às suas conclusões. Me faz perguntar se você me odeia tanto pelo que eu realmente sou, ou se é pelo que você pensa saber sobre mim.

É desconfortável não saber o que falar, sequer ter a coragem de me atrever a discordar de sua ponderação. Porque, no fundo, eu sei que ele está certo. A cada vez que me pergunto por que o odeio tanto, as respostas parecem cada vez mais vagas e sem sentido, todas baseadas nas minhas próprias interpretações cruéis.

Mas, afinal, não é essa a natureza humana? Não é natural que criemos nossas percepções sobre as pessoas que nos cercam baseando-nos na forma como interpretamos o que elas fazem, nas intenções que acreditamos que carregam, mais que na intenção que verdadeiramente têm?

Não são as intenções que moldam nossa imagem perante nossos semelhantes; são as interpretações que estes atribuem a elas.

No fim, aos olhos de cada um, não somos mais que reflexos da vivência e crenças daqueles que nos julgam. Então a forma como eu, você, ele ou ela vemos e definimos alguém, diz mais sobre nós mesmos que sobre o caráter julgado em questão.

Então admito que, e o faço conscientemente pela primeira vez, tudo de ruim que penso sobre Jimin é mais consequência dos meus próprios sentimentos maus, que dos dele.

E descobrir que meu julgamento sobre suas tatuagens esteve tão errado até agora me dá total garantia sobre isso, ao mesmo tempo em que continuo irracionalmente ressentido sobre ele, incapaz de mudar meus sentimentos que o desejam longe de mim e o colocam como vilão. E por trás de toda essa confusão de sensações, eu reconheço, surpreendentemente, vergonha.

Diante do meu silêncio, incapaz de perceber meu constrangimento resultante de minhas reflexões fora de hora, Jimin umedece os lábios e aponta para a direção do acervo.

— Eu vou procurar por Hoseok desse lado. Você procura nas salas de estudo. — Ele define, então. — Já perdemos tempo demais. — E diz. Apesar disso, não se move, parecendo estar à espera de algo.

Meu corpo alavanca suavemente para a frente, em sua direção, e me sobe o impulso de dizer algo. No entanto, tal coisa não parece se transcrever em palavras dentro de minha mente, permanecendo como um desejo abstrato que logo me faz recuar.

Quando minha boca volta a se fechar num claro sinal de que nada será dito, Jimin continua em silêncio, as mãos se escondem nos bolsos de sua jaqueta jeans e, dessa mesma maneira, ele gira sobre os próprios pés. De costas para mim, começa a caminhar.

Ainda no mesmo lugar, meu corpo reage sozinho e minhas mãos tomam decisão própria quando se abrigam nos bolsos de minha própria jaqueta de couro. Então eu começo a caminhar na direção apontada. Dois passos depois, o desejo irrefreável de olhar para trás toma conta de mim e, acreditando não correr qualquer risco, eu olho sobre o ombro para Jimin. No entanto, sou rápido em desviar o olhar quando, segundos depois, ele também olha para trás, em minha direção, e nossos olhares se cruzam por uma fração desconfortável de tempo. Ansioso, eu aperto o passo.

Passeando pelo salão onde estão dispostas as mesas coletivas, os cubículos de estudo e as carroças que insistem em chamar de computadores, eu passo meus olhos pelo horizonte limitado, sempre em busca do rosto conhecido de Jung Hoseok. Antes de encontrá-lo, no entanto, escuto gemidos.

— Fala sério... — Resmungo, apesar de não estar surpreso. Nem mesmo a ruptura no conceito de tempo seria capaz de mudar a realidade inabalável da Biblioteca Central da Hangsang. E a realidade é que os alunos ainda usam as cabines de estudo para fins sexuais.

Constrangido pelos gemidos indiscretos na cabine ao lado e consequentemente irritado por sentir que minhas bochechas mais uma vez correm o risco de tonalizarem em vermelho, eu aperto meus punhos dentro dos bolsos da jaqueta e respiro profundamente. Com o peito cheio, grito com toda a potência de minha voz:

— JUNG HOSEOK?

De alguma forma, meu chamado feroz parece inibir os sons imorais dos pombinhos, ao passo em que chama a atenção dos outros alunos espalhados pelas cabines mais distantes, que ficam de pé para procurarem a fonte do grito.

— Shh! — Um deles sussurra de maneira estranhamente familiar. Procurando-o, encontro Yoongi dentro de uma das divisórias, sentado, com o corpo curvado para fora enquanto me olha com os olhos impacientes, e com o que parece um tampão de ouvido em uma das mãos. — Não grite na biblioteca, seu sem noção!

— Ou o que? — Pergunto, azedo e impaciente.

Em outras ocasiões, eu não usaria esse tom com ele. Quer dizer, todo o lance de ser um bruxo ou um piromaníaco ou um bruxo piromaníaco inibe um pouco as pessoas. Mas agora é diferente, já que ele não irá lembrar que eu o desafiei, então não terá tempo para fazer seja lá que tipo de bizarrice esse cara faz com suas bruxarias e sei lá o que.

Ou...

Espera.

— Não vou perder meu tempo com um valentão. Vou chamar o segurança — É tudo que ele diz ao arrancar o outro tampão de ouvido, sem se intimidar, já de pé para fazer o que disse que faria.

Se os boatos forem verdade, Yoongi é um bruxo.

Talvez...?

— Você gritou no meio da biblioteca?! — A voz de Jimin sobrepõe meus pensamentos. Apesar do tom de repreensão, ele também não está falando muito baixo.

Eu viro para olhá-lo, prestes a dizer em voz alta que Yoongi é um suposto maldito bruxo. Por mais que toda a universidade conheça os boatos, só agora me ocorre que alguém que pratica bruxaria talvez seja bastante útil na situação atual. No entanto, meu discurso morre na garganta quando vejo que Jimin não está sozinho.

— Eu o encontrei. — Agora, seu tom está mais brando, cheio de alívio, enquanto ele toca suavemente no braço do cara ao seu lado.

Jung Hoseok. Ele está mesmo vivo.

Por mais que eu nunca tenha criado vínculos, saber que ele sobreviveu a essa disruptura no tempo me traz um estranho alívio, expulsando um suspiro genuíno por meus lábios que antecede a minha percepção sobre a forma como sua aparência parece tão diferente do que costumava ser.

Antes, Hoseok parecia a personificação da felicidade. Sempre com um sorriso no rosto, uma risada alta ecoando entre seus comentários alegres e passos de dança decorando suas caminhadas pelo campus. Agora, eu vejo olheiras tão marcadas quanto as minhas, nenhum traço de um sorriso e os braços apoiados um sobre o outro em seu abdômen, num gesto defensivo e acuado.

Outra coisa me chama a atenção, além da mudança brusca. Yoongi parou de andar. Seus pés pararam de se mover sobre o piso lustrado da biblioteca e eu seus olhos pousaram permanentemente sobre Hoseok, incapazes de esconder algo que reconheço como preocupação, talvez.

— Hoseok? — Ele chama, com o tom menos arredio que o que utilizou comigo. — Você está bem?

Eu não sabia que eles dois se conheciam, mas não perco muito tempo pensando sobre isso. No lugar, me atento à reação de Hoseok, que fraca e falsamente responde com um sim mudo.

— Nós três precisamos conversar. — Jimin diz, calmo apesar da urgência da situação. Seu braço circunda o ombro de Jung num gesto para confortá-lo que parece um pouco íntimo.

Também sem me prender a isso, eu desvio os olhos, mirando-os rapidamente em Yoongi, que continua com a expressão preocupada. Sem perder tempo, pergunto:

— Você é mesmo um bruxo?

Sua feição preocupada se transforma em algo que oscila entre estranhamento e irritação quando sua atenção recai em mim.

— Jungkook. — É Jimin quem chama, dizendo meu nome em tom de repreensão.

Eu olho em sua direção, notando que seu braço não está mais ao redor de Hoseok. Depois de prestar atenção nessa mudança, meu olhar sobe até seu rosto enquanto aponto para Yoongi.

— Um bruxo seria uma ótima ajuda, você não acha? — É o que digo, simplesmente.

A carranca que Jimin exibe a princípio demonstra sua breve confusão, mas seu pensamento é rápido o bastante para que logo seus olhos, antes confusos, exibam o familiar brilho de entendimento.

— Do que vocês estão falando? — Yoongi questiona. Diferente de Jimin, sem entender lhufas.

— Ok. Nós quatro precisamos conversar. — Park diz, em correção ao seu anúncio anterior.

— Eu estou ocupado. — Yoongi volta a dizer, ainda com a testa franzida e os olhos curiosos.

— Isso é importante. — Jimin diz. Parece um gesto automático quando seu braço volta a envolver Hoseok, que continua calado, apático. Com a expressão suave e os olhos pairando sobre o bruxo que pode ser nossa nova vantagem, Jimin completa: — Por favor.

Yoongi olha para Hoseok. Seus lábios se comprimem numa linha incomodada e, voltando a olhar para Jimin, responde: — Tudo bem.

Jimin suspira e exibe um sorriso bonito de agradecimento, com o dente ainda sujo de chocolate.

Enquanto Yoongi nos pede para esperar um pouco e caminha de volta até a cabine onde estava, eu sinto minha respiração falhar por um instante e a circulação em minhas bochechas se tornar mais concentrada quando percebo a naturalidade em que vi a beleza do sorriso de Jimin.

— Você está vermelho de novo. — Ele aponta, atento à mudança rápida em minha feição. Dessa vez, sem parecer saber qual o motivo.

Minha expressão demonstra impaciência, agora, que se atenua quando percebo que o calor em meu rosto não está amenizando.

Fugindo de seu olhar, eu volto a esconder minhas mãos nos bolsos da jaqueta e procuro Yoongi, já vendo-o caminhar de volta para nós, mas agora com sua mochila nas costas.

— Se é importante, é melhor conversarmos num lugar onde não vou precisar de tampões para não ouvir a transa alheia — Ele diz, mesmo que os gemidos anteriores tenham cessado há algum tempo.

Eu acho que Jimin está prestes a rir, ou o mais próximo disso permitido na conjuntura em que nos encontramos, mas para no meio do caminho quando seus olhos pousam em algo atrás de mim. Curioso e impulsivo, eu sigo o rastro de sua atenção e vejo dois caras saindo do cubículo de onde vinham os gemidos, o da frente sendo abraçado pelo que vem atrás, recebendo beijos despudorados no pescoço enquanto caminham e riem sem nos notar.

Sem precisar de muito esforço, reconheço que o da frente é Jinhei, o cara com quem Jimin andou saindo. E, de acordo com o que Namoo diz, a pessoa por quem ele está apaixonado.

No entanto, sua expressão não demonstra mais que uma surpresa que logo se apaga, dando lugar a um novo sorriso de canto quando ele levanta a mão e suavemente acena na direção dos dois. Da mesma forma, Jinhei não demonstra culpa ou qualquer sentimento semelhante.

— Jimin. Não te vi na aula do professor Jitae hoje. — Ele diz casualmente quando para perto de nós.

— Estou resolvendo algumas coisas. Perdi algo importante?

— Não. Mas não seria problema se perdesse, já que você é um maldito gênio, não é? — Jinhei aponta com um sorriso meio torto.

— Essa é uma palavra muito forte.

— Não para você. Aliás, — Meu veterano, amante de Jimin e aluno indisciplinado aponta para o cara que agora está ao seu lado vendo algo no celular, que parece mais interessante que qualquer um de nós. — preciso explicar?

— Você sabe que não. — Jimin diz tranquilamente. Não o que eu esperava de uma pessoa apaixonada, mas não tenho lá muita vivência em romances para saber de qualquer coisa. — Nós realmente precisamos ir agora. Te vejo depois? — Sugere, sempre agindo como se nossa realidade não estivesse um completo caos.

— Você sabe onde me encontrar. Mas... Jimin? — Jinhei o chama. Tem um sorriso mal contido no rosto quando aponta para o próprio dente, gesticulando.

— O que? — Questiona, sem entender.

Yoongi suspira. Então, é ele quem diz: — Seu dente está sujo de alguma coisa. Achei indelicado avisar antes.

Eu não sei o que acontece. Parece que o universo propositalmente planeja coisas assim. Porque, no exato momento em que falho em conter uma som arrastado de risada, os olhos de predador de Jimin pousam em mim, apertando-se em insatisfação e julgamento.

— Sério? — Ele pergunta. Com a boca fechada, usa a língua para esfregar seus incisivos superiores. Depois, insiste: — Custava dar um toque, Jeon?

Com as mãos escondidas nos bolsos da minha jaqueta, eu ergo os ombros num gesto displicente, o sorriso debochado ainda resistindo em meus lábios por mais que eu tente vencê-lo.

— Ninguém vai lembrar, de qualquer forma. — É o que digo. Para todos os outros, talvez exceto Hoseok, minha ponderação parece inofensiva. Mas eu e Jimin sabemos bem o peso que carrega. Por isso, ele suspira, retomando seu foco.

— Tanto faz. Vamos conversar em outro lugar. — Sugere. Sua mão vai até as costas de Hoseok, repousando na altura da lombar quando o pressiona levemente para que volte a andar. Antes de fazê-lo, Jimin lança uma olhadela para Jinhei e ele sorri em despedida: — Até mais.

Meu veterano apenas sorri de volta, acenando com algum desleixo.

Enquanto sigo os outros três para fora, eu ainda lanço uma olhadela para trás, vendo o caso de Jimin voltando a dar sua atenção ao cara com quem estava muito provavelmente fodendo instantes atrás. Inevitavelmente, meu cenho se franze.

Isso não faz sentido. E não que eu seja fiel defensor da monogamia, mas o conceito de estar apaixonado por alguém e se sentir perfeitamente confortável em ver esse alguém com outra pessoa é, inegavelmente, estranho para mim. E eu lembro perfeitamente de Namoo falando sobre Jimin estar apaixonado por alguém.

Se não for Jinhei, quem mais seria?

De qualquer forma, essa deve ser a menor de minhas preocupações agora, por isso eu sacudo minha cabeça e apresso meu passo para alcançar os outros três quando eles se dirigem à saída da biblioteca.

— Eu estava fazendo meu trabalho de conclusão — Yoongi diz, algum tempo depois de puro silêncio. — Espero que isso seja mesmo importante.

— E é. — Jimin garante, ainda enquanto caminhamos. Mal nos afastamos quatro passos da escada de entrada e logo percebemos Yoongi parando e virando para trás. Quando seguimos seu olhar preocupado, encontramos Hoseok se apoiando no corrimão de pedra, seu corpo se curvando, sem força, até que ele se senta no primeiro degrau.

— Hoseok? — O bruxo piromaníaco o chama, a voz tão preocupada quanto seu olhar.

Ali sentado, o aluno de dança curva o corpo para a frente, respirando com alguma dificuldade enquanto os cotovelos apoiados em seus joelhos sustentam seus braços para que ele pressione a base da palma das mãos contra os próprios olhos.

— Eu estou tonto — E diz, então. — Eu não comi, nem dormi direito durante os últimos dias... — Ele pausa, o cansaço dolorosamente visível em cada palavra dita. — Eu não sei se posso chamar de últimos dias, já que tudo sempre se repete...

Eu e Jimin trocamos um olhar silencioso, ambos completamente cientes de que, apesar de tudo resetar à meia noite, nossos corpos sofrem efeitos contínuos.

— É diferente para nós, Hoseok. — Ele quem diz. O olhar de Yoongi oscila entre preocupação e confusão. — O que acontece com nossos corpos é acumulatório. Você precisa se cuidar.

— Espera. — Yoongi se manifesta assim que Jimin termina de falar. Suas mãos estão abertas num pedido de calma, apesar de ele ser claramente quem está mais nervoso, e seus olhos mudam de mim, para Jimin, se demoram mais em Hoseok e repetem todo o ciclo logo em seguida. — Alguém pode me explicar o que está acontecendo?

Mais uma vez, eu e Jimin nos olhamos em silêncio. Quando ele suspira, eu percebo que a conversa acontecerá agora.

— Senta aí. — Ele aponta para parte do espaço ao lado de Hoseok. — Mas senta com a mente aberta. A situação é... incomum.

Incomum.

Nunca soube que Jimin é fã de eufemismos.

De qualquer forma, a descrição eufemística é o suficiente para fazer os olhos já miúdos de Yoongi se apertarem ainda mais, mesmo que ele lenta e desconfiadamente se mova até sentar ao lado de Hoseok.

Jimin sobe no degrau. Com o corpo perpendicular aos outros dois, recosta o quadril no largo corrimão de pedra. Enquanto ele parece procurar a melhor maneira de começar, Yoongi procura algo dentro de sua mochila. Quando encontra, retira dali um rolo de kimbap protegido por papel filme.

— Aqui. — Ele diz, estendendo-o para Hoseok. — Coma enquanto eles explicam.

Hoseok move o rosto para olhá-lo. Seus olhos recaem no kimbap antes de pousarem em Yoongi, e ele não esboça muitas reações quando, depois de olhá-lo em silêncio, silenciosamente aceita o que lhe foi oferecido.

O piromaníaco continua olhando-o mesmo quando o dançarino volta a desviar o olhar para baixo, mas ao fim volta a alternar seu olhar entre Jimin e eu.

— Então?

Jimin ainda parece incerto, então não me resta outra alternativa.

— O universo quebrou. — Anuncio de uma vez. Park arregala os olhos. Bem, Yoongi também.

— Como é?

Eu cruzo meus braços sobre o peito, ainda de pé e de frente para todos eles.

— O universo quebrou. — Repito.

— Isso é alguma brincadeira?

— Jungkook. — Jimin me chama, mais uma vez com o tom de repreensão e aviso. Eu reviro os olhos, mas me calo. Ainda sem falar qualquer coisa e cansado de ficar em pé, eu me ponho de cócoras no chão, com os braços cruzados sobre meus joelhos enquanto o olho à espera da sua explicação que será tão melhor que a minha.

Ele parece perceber o desafio em meu jeito de olhá-lo, porque acaba revirando os olhos como eu mesmo fiz instantes atrás. Ou só está sendo implicante, como sempre.

De qualquer forma, ele volta a encarar Yoongi, que espera com as sobrancelhas arqueadas enquanto Hoseok come ao seu lado, sem muita vontade aparente.

— Você pode me dizer que dia é hoje? — Jimin então pergunta. Abordagem sutil.

Yoongi franze o cenho mais uma vez, puxando o celular para fora do seu bolso. Depois de checar a data, ele volta a olhar para a única pessoa, agora, de pé.

— 21 de outubro.

— Exato. O problema é que é 21 de outubro há quatro ou cinco dias. — O bruxo pisca, certamente sem acreditar nessa conversa. Em resposta, Jimin pisca desse seu jeito característico antes de tentar convencê-lo: — Eu sei que parece loucura ou uma brincadeira de mal gosto. — Seu tom é brando, apesar da seriedade. — E nós não entendemos o que está acontecendo, mas está acontecendo. E eu, Jungkook e Hoseok somos aparentemente os únicos que percebem.

Yoongi deixa uma risada amarga escapar, agarrando a alça de sua mochila antes de fazer menção de levantar.

— Eu tenho muito o que fazer. Não acredito que vocês me atrapalharam para isso.

— Espere. — Jimin pede. Não existe alteração em sua voz, apenas um pedido que soa como uma ordem suave. — Me deixe terminar de explicar antes de decidir que nós estamos somente brincando com você.

Yoongi parece em dúvida por um instante, mas acaba estalando os lábios num gesto desistente quando volta a soltar sua mochila e mais uma vez relaxa seu corpo sentado sobre o degrau da escada.

Por um instante, Jimin demora. Seus olhos viajam alguns degraus acima e eu entendo o motivo quando vejo Jinhei e o cara que estava com ele, descendo. Eles trocam mais um aceno desajeitado e Park espera que ambos se afastem antes de umedecer seu lábio e voltar a falar:

— Eu não me recordo da primeira vez, mas Jungkook lembra. Hoseok, ele e eu sofremos um acidente e Jeon foi o único sobrevivente. Nós acreditamos que isso foi o que desencadeou tudo, já que nós três somos as únicas pessoas que percebem que estamos todos presos num loop temporal.

— O que? Tipo em Efeito borboleta? — Yoongi questiona, ainda cético demais. Não é a posição que eu esperava de um suposto bruxo.

— Não. — Finalmente, Hoseok volta a falar. Seu rosto ainda aponta para baixo. — É mais como em Meia noite e um. Mas até onde sabemos, não existe nenhum acelerador de partículas envolvido, nem precisamos evitar nenhuma morte. O dia simplesmente se repete assim que chega à meia noite. Nossas ações mudam o rumo de alguns dos acontecimentos, mas tirando isso... é exatamente a mesma merda de dia, todo dia.

— Isso soa bastante como algo chamado rotina. Já ouviram falar?

— Yoongi, isso é sério. — Jimin insiste. — Pode não parecer tão sério já que você não percebe a repetição, mas você também está preso a isso. Você está vivendo o mesmo dia repetidamente. Você nunca vai fazer algo diferente, porque, diferente de nós, você não tem a autonomia de mudar o rumo do que faz. Você acorda e faz exatamente tudo que planejou fazer no dia 21 de outubro, em todos os dias até o resto de sua vida, ou até revertermos toda essa confusão. Isso não te assusta?

— Claro que assusta. Assustaria, se eu acreditasse em vocês. — Mais uma vez, ele faz menção de ficar de pé, e joga a mochila nas costas assim que o faz. — Claramente tem algo de errado com vocês, se acreditam nisso. Mas não é de minha ajuda que vocês precisam. É de um médico, ou sei lá. Então... — Ela aperta os lábios e ergue as sobrancelhas. — Eu vou indo.

— Era óbvio que ele não acreditaria. — Jimin suspira enquanto vemos, em silêncio, Yoongi caminhar para longe de nós.

— Eu achei que valeria à pena tentar. — Resmungo, já em tom defensivo. Agora, cansado de ficar de cócoras, eu já sentei minha bunda no chão e cruzei minhas pernas.

— Não estou te culpando por nada. Eu também achei que tínhamos uma chance. — Ele diz, o tom visivelmente desesperançado.

— Parece que somos só nós três, então... — Hoseok diz, com a voz ainda mais desanimada, tão diferente do que costumava ser. Enquanto Jimin assente, ele aperta o papel filme que envolvia o kimbap em uma bolinha.

— Encontrar você e saber se você continuava vivo foi a única coisa em que pensamos. — Confessa. — Agora, não sabemos mais para que lado ir.

Hoseok move a cabeça numa concordância conformada, mas eu me recuso a me conformar. Por isso, forço minha mente a tentar descobrir algo. Encontrar alguma ponta solta, alguma pista, e minha mente viaja por cada mínimo acontecimento.

Tão concentrado, eu não percebo quando minhas mãos viajaram mais para a frente e começaram a desamarrar o cadarço da bota de Jimin, enrolando a corda preta em meu dedo, depois desenrolando-a e repetindo tudo em um loop exatamente como o looping temporal que nos cerca.

Quando percebo meu indicador completamente envolvido pelo cadarço, eu volto a desenrolá-lo. Meus olhos viajam até a bola de papel filme na mão de Hoseok. Por último, volto a olhar para Jimin.

— Você está com a expressão de quem pensou em algo. — Ele diz, parecendo não se importar com seus cadarços completamente bagunçados por minha culpa. Aliás, eu devo estar fazendo isso há pelo menos dois minutos e em nenhum instante ele reclamou ou me repreendeu.

— Esse kimbap. — Eu digo. Parece caseiro. Se foi Yoongi quem fez, os ingredientes que ele usou, não vão mais existir quando o loop de amanhã iniciar, porque já foram absorvidos pelo corpo de Hoseok.

Nenhum dos dois parece entender meu devaneio. Sem tempo para explicar, eu apoio minhas mãos no chão para me impulsionar para ficar de pé, e somente ouço o chamado confuso de Jimin quando os deixo para trás, seguindo o mesmo caminho que Yoongi seguiu.

Minhas passadas são largas e apressadas, e eu somente paro quando alcanço Yoongi, segurando-o pelo braço para que se vire e me olhe. Ao fazê-lo, eu já o vejo com as sobrancelhas apertadas em desagrado.

— Você de novo?

— Aquele kimbap que você deu a Hoseok, — Eu digo, tentando não evidenciar minha respiração atrapalhada pela corrida. — você quem fez?

— Que tipo de pergunta é essa?

— Só responde.

Ele continua com a expressão desconfiada, mas cede com um suspirar resignado.

— Sim. Era o meu almoço. Eu preparo todo dia antes de dormir.

— Então quando você acordou, ele já estava pronto? — Ele assente com obviedade e impaciência. — Quando o loop reiniciar, você vai acordar e o kimbap não vai estar na geladeira.

— E de acordo com sua própria teoria, eu não vou lembrar que você está me dizendo isso, então qual o seu ponto?

— Você não vai lembrar, mas eu, sim. Se eu te procurar e te disser que eu sei que o kimbap que você fez, desapareceu, você vai acreditar em mim? — Pergunto, levado pela última ponta de esperança.

— Supondo que toda essa fantasia de vocês seja real... Eu provavelmente vou acreditar que você invadiu minha casa e roubou meu kimbap, então eu vou ficar puto. Mas caso você me conte tudo que me contaram hoje, eu posso dar uma chance.

— Então você vai nos ajudar?

Ele ergue os ombros. — Só não sei como. Não entendi por que vocês acham que eu sou tão capaz de ajudar de alguma forma.

— Você é um bruxo. — Eu afirmo.

— Oh, meu deus... — Ele ri, desacreditado. — Vocês realmente acreditaram nisso? Você, o gênio do departamento de matemática?

Eu fico calado. Então ele não é bruxo coisa nenhuma?

Por que inferno eu estou tão desesperado por sua ajuda, então?

— Com esse tamanho todo, essa cara sempre de bravo e as mil tatuagens, eu sempre pensei que você era mais cético, mas pelo visto é tão inocente quanto inteligente. — Ele diz. Me confunde quando o vejo tirar um caderno da mochila para escrever algo numa folha de papel. Depois, ele arranca o pedaço de folha e o entrega para mim. — Eu confio mais em você agora que sei que você é mais inocente que parece, então esse é meu número. Se amanhã for 21 de outubro mais uma vez, como você diz, me ligue e me fale exatamente tudo que disse hoje, inclusive sobre o kimbap. Não vai ser tão fácil, mas eu provavelmente vou ceder um pouco mais.

Eu seguro o pedaço de papel, sabendo que ele desaparecerá assim que der meia noite. De qualquer forma, memorizar números nunca foi tarefa difícil para mim.

— Mas eu não sei como sua ajuda vai ser importante agora, já que você não usa magia coisa nenhuma. — Confesso, um tanto irritado.

— Eu sei de alguém que pode ajudar. — Ele volta a pousar a mochila nas costas. — Mas não vai ser fácil me convencer a levar vocês até ela, então vocês vão precisar ganhar minha confiança antes, porque eu sinceramente ainda não acredito em toda essa baboseira que me contaram.

Eu olho para o pedaço de papel mais uma vez e assinto, sabendo que essa é minha melhor chance.

— Te ligarei, então.

Ele faz que sim, ainda cético demais. — E sendo verdade ou não, façam Hoseok dormir e comer mais algo. Ele está péssimo.

— Eu percebi como você ficou preocupado. — Aponto, sem qualquer intenção de provocá-lo. Mesmo assim, Yoongi parece constrangido.

— É óbvio que tem algo de errado com ele. Qualquer um se preocuparia — Ele diz, defensivo. — Agora me deixe, Jeon. Eu tenho mais o que fazer.

Eu franzo as sobrancelhas, dando de ombros ao fim. Quando ele começa a se afastar, eu enfio o papel com seu telefone no bolso da jaqueta e giro sobre meus pés, retornando para onde Jimin e Hoseok ficaram.

Agora, só nos resta esperar.

Continua no próximo capítulo.

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