[f(7) = 2x - 7] Fora da curva
🔮
— Jeon? — Jimin me chama novamente, diante da minha ausência de resposta e constante expressão de dor e confusão. — Jungkook?
Minha mente gira e eu pressiono ainda mais minha palma contra a lataria do carro no qual me apoio, o osso do maxilar travado para conter um grunhido frustrado e confuso.
— Jeon, há quanto tempo você está com febre? — Park insiste, inquisitivo. — Você está pegando fogo!
Diante de sua afirmação assustada, eu retomo a consciência sobre seus dedos em minha testa e seguro seu pulso para afastar sua mão de mim, num gesto enfraquecido pela vertigem.
— Não é febre, eu só... — Tento dizer, mas falho. Não é a dor em minha perna que me faz gaguejar, mas a confusão desesperadora em minha mente.
— Isso definitivamente é febre. Passar a madrugada inteira na ponte deve ter detonado você — Ele pondera.
Sua preocupação é esquisita. Por que Park Jimin se preocuparia comigo?
Eu quase me deixo levar pela possibilidade de que talvez ele não me odeie tanto quanto imaginei (e quanto nega odiar) mas me sinto idiota ao perceber. Eu sou a única pessoa com quem ele pode contar agora.
Esse é seu único motivo para se preocupar.
— Quer saber? Você precisa de um banho quente e de um café da manhã mais reforçado. — Jimin muda de ideia de repente, e volta a me puxar pelo braço.
— O que você está fazendo? — Pergunto, desconfiado.
— Cuidando de você.
Essas são, certamente, as palavras que eu nunca esperava ouvir de Jimin, mas ele parece surpreendentemente sério sobre isso.
— Só preciso fazer algo antes — Continua, alheio ao meu choque, enquanto eu cambaleio, seguindo-o em direção à calçada, e seus dedos continuam envolvendo meu pulso até que saímos completamente do estacionamento e, na calçada, paramos diante do velho do hambúrguer, que está encolhido no banco ao lado da entrada da MoonMoon.
— Jimin — O senhor diz, feliz ao vê-lo. — Veio cedo, hoje.
— Oi, Namoo. — Ele responde, já se agachando na frente do senhor para abrir a bolsa que esteve pendurada em seu ombro, então tirou dali a mesma manta que usou para nos cobrir. — Não vou poder vir mais tarde, então trouxe isso para você.
Eu continuo parado no mesmo lugar, silenciosamente observando enquanto Jimin usa o tecido grosso para cobrir as pernas do senhor magro.
Ele realmente volta aqui todos os dias para fazer isso?
— Tome isso também — Ele prossegue ao retirar da bolsa duas barras de cereal. Por último, retirou duas notas de sua carteira e passou para o velho. — As barras não são gostosas, mas são nutritivas. E o dinheiro é para o hamburguer, porque nem só de coisas saudáveis vive o homem.
— Jimin, você sabe que eu não posso aceitar seu dinheiro... — O senhor diz, hesitante.
— Só dessa vez. — Insiste, empurrando as notas contra a mão do outro com cuidado. Ao completar, ele parece se sentir culpado: — Não quero que você fique com fome e eu realmente estou com um pouco de pressa.
O senhor olha para as notas pousadas sobre sua luva gasta, então encolheu os ombros e ofereceu um sorriso para Jimin, que fica de pé novamente.
— Você é um menino de ouro, rapaz. — Jimin nega com um gesto singelo, e Namoo olha para as coisas em sua mão antes de olhar para Park novamente. — Aquela pessoa de quem você gosta... já disse a ela como se sente?
Eu sei que essa pergunta já foi feita antes, mas o reset da meia noite apaga as memórias do senhor. Por isso, Park responde como se fosse a primeira vez, pacientemente:
— Não, Namoo. É complicado. — Ele diz, ainda com um sorriso pequeno, mas menos entusiasmado.
— Você deveria dizer. Aposto que você vai ser correspondido. Tem que ser muito ruim para não gostar de alguém como você!
— Acredite em mim, isso dificilmente vai acontecer... Mas ele não é uma pessoa ruim. É só... como eu disse, complicado — Jimin ri, então recua com um passo, parecendo prestes a se despedir.
Antes que diga qualquer outra coisa, os olhos do velho finalmente pousam em mim com curiosidade, até que sua expressão se torna um pouco surpresa.
— É seu amigo? — Ele pergunta, voltando seu olhar para Jimin. Em seguida, está me analisando novamente. — Eu lembro de você, rapaz...
— Ah... sim. — Subitamente, me vejo completamente sem jeito, tímido como era quando ainda frequentava esse lugar. — Eu costumava vir bastante aqui...
— Já faz um bom tempo... você cresceu bastante. Seu rosto está mais forte — Ele diz, acho que é um elogio. — Como você está? E seu pai? Seu irmão sempre vem aqui e sempre me dá um pouco de comida, como você fazia antes... mas seu pai não vem aqui há tanto tempo quanto você...
Eu percebo o olhar tenso de Jimin pousar em mim. Talvez ele imagine que eu estou prestes a ser completamente rude com Namoo, mas eu não consigo.
A raiva que eu passei a nutrir com tanto empenho durante os últimos anos não se faz presente agora. Então, tudo que sinto é saudade e tristeza. E isso sufoca.
É por isso que eu sinto raiva. Ela machuca menos que a angústia. A raiva me protege.
Por isso, eu não prolongo a conversa, tampouco uso minha acidez contra o senhor, que parece verdadeiramente ter sentido minha falta mesmo que nunca tenhamos conversado por mais que poucos minutos.
— Eu preciso ir. — Digo ao gesticular para ele, sem energia, deliberadamente ignorando sua pergunta. — Tchau... é, Namoo.
— Beom Seok. — Ele corrige. — Meu nome é Baek Beom Seok. Jimin me chama de Namoo porque diz que combina mais comigo. Mas você também pode me chamar assim, se preferir.
Eu não sei o que dizer sobre isso, então me atrapalho inteiro ao tentar gesticular mais uma vez e, ao fim, apenas lanço um aceno desajeitado antes de apressadamente virar as costas e voltar ao estacionamento.
Deixado para trás, eu ouço Jimin se despedindo do senhor com mais calma, sem precisar se apressar em suas passadas quando, instantes depois, segue o mesmo caminho que eu. Porque, dessa vez, não é dele que estou fugindo.
E se estivesse, de qualquer forma, não iria longe com o desconforto que voltou a se alastrar por minha perna depois daqueles segundos que ainda agora não consegui entender.
O tempo está acabando?
Tempo de que?
— Jungkook. — Jimin me chama. Sua voz continua com essa característica paciente e cuidadosa, o que é estranho de verdade.
Parado ao lado de Belinda, eu tento me concentrar em qualquer faísca de raiva. Eu não quero que Jimin se preocupe comigo. Eu odeio até mesmo sua voz. Então por que, agora, não consigo substituir a sensação de vazio pelo ódio que sinto por ele? Por que não consigo afastar a tristeza, substituindo-a por raiva, como sempre fiz para me proteger?
Alheio à minha própria confusão, ele prossegue:
— Vem comigo. Vamos cuidar da sua febre.
— Ir para onde? — Devolvo, desconfiado.
Ele suspira, apontando a chave para destravar o carro. Só então volta a olhar para mim e pisca demoradamente antes de dizer:
— Para minha casa.
Eu olho para ele sobre o ombro, sem conseguir conter o movimento de minhas sobrancelhas num gesto completamente surpreso.
— Meu padrasto acordou resfriado, ontem. Quer dizer, não na segunda de ontem, mas no domingo. — Ele suspira com a confusão. — Você entendeu. Enfim, à noite minha mãe fez sopa de repolho e sobrou bastante, então ainda está lá. Você sabe, o botão de reset...
— Eu não quero ir à sua casa, Jimin. — Digo sinceramente, mas não existe raiva em minha voz.
— Nós vamos, você vai comer e tomar um remédio para essa febre, depois vamos descansar até a hora de irmos até a universidade para tentar encontrar Hoseok. — Ele se mantem firme, já caminhando na direção de Pandora. — Vamos.
— No seu carro? — Pergunto. Só piora. — Eu não vou deixar Belinda aqui.
— Você está com febre e, pelo amor de deus, mancando. Você disse que sofremos um acidente, então vamos evitar outro, ok? As coisas já estão complicadas demais.
Eu olho para minha Bee outra vez. Quero me opor ao que Jimin diz, mas sei que ele tem razão e não me resta energia para discutir.
Por isso, eu toco cuidadosamente em Belinda antes de respirar fundo e ceder quase pacificamente pela primeira vez, o que me provoca uma sensação estranha de desagrado e alívio ao mesmo tempo.
É a primeira vez em muito tempo que não deixo minha teimosia cega vencer a batalha e é sempre cansativo quando o oposto acontece. Ao mesmo tempo, eu não consigo evitar e bato o pé não importa qual seja a discussão, ou com quem a tenha.
Agora, eu estou esgotado e isso basta para transformar minha atitude. Embora eu saiba que não irá durar por muito tempo, e logo a exaustão será provocada pela sensação desgastante de não gostar da forma como ajo, ao mesmo tempo em que não consigo mudar.
O que me incomoda é que a exceção aconteceu justamente com a última pessoa de quem esperava isso.
— Obrigado. — O dito cujo quase sussurra quando percebe que aceito sua sugestão, o que torna tudo ainda mais estranho.
Em silêncio, incapaz de responder, eu acompanho-o até o interior de sua Pandora, que é luxuosa como nada que já tive em minha vida, e me recosto no banco enquanto ele dirige para longe dali.
Durante o percurso, ele não tentou conversar comigo, tampouco a iniciativa partiu de mim.
Então, depois de longos, silenciosos e desconfortáveis minutos, chegamos em sua casa.
E é exatamente como eu imaginava. Tem um jardim enorme, bem cuidado, cheio de flores e árvores ornamentais cuidadosamente podadas em esferas, protegido por portões de ferro que se abrem quando Jimin aciona o controle. Assim que o faz, os pneus deslizam pelo caminho de concreto e grama que leva à garagem aberta. Ao lado, está erguida uma casa enorme com paredes de tijolinhos vermelhos, portas e janelas de madeira branca e plantas trepadeiras subindo do chão em direção ao telhado de telhas escuras, de onde desponta uma chaminé gloriosa.
Eu engulo em seco ao ver de perto o luxo que é a vida de Jimin, mas ele não parece perceber e logo está descendo do carro. Ainda sem dizer qualquer coisa, eu também desço de Pandora e o sigo até a porta de entrada, daquelas duplas que se vê nas mansões dos filmes, e que ele abre sem cerimônia.
— Fique à vontade. — E diz, tirando os sapatos com os próprios pés. Ainda desconfortável, eu me abaixo para tirar meus coturnos e os deixo de canto, onde Jimin deixou suas botas de combate.
Traiçoeiro, eu analiso o meu redor e percebo que o interior é ainda mais luxuoso que a fachada.
O sítio de entrada tem mais móveis que minha sala inteira, e é preciso passar por um arco largo e descer dois degraus para pisarmos na sala. Os móveis são perfeitamente distribuídos pelo espaço aberto, criando três ambientes diferentes num único vão. Sala de estar, sala de TV e sala de jantar.
A escada é larga, ladeada por um corrimão que reflete a luz, de tão limpo, chegando ao andar superior, onde se cria uma espécie de mezanino com o corrimão se prolongando de uma ponta à outra para criar o parapeito.
— Jimin? — De repente, minha atenção deslumbrada é atraída quando ouço uma voz feminina e meus olhos se atentam à mulher descendo as escadas com os pés descalços e um vestido simples, com uma estampa horrorosa de flores coloridas.
— Oi, mãe. — Ele diz, sorrindo para ela, que se aproxima com a expressão preocupada até segurar o rosto do filho.
— Você não deveria estar na aula? Aconteceu alguma coisa? — Pergunta, olhando-o como quem procura um machucado em uma criança.
Jimin me olha de esguelha, parecendo um pouco confuso sobre o que dizer.
— Meu... amigo... não estava se sentindo bem, então eu achei melhor matarmos aula hoje. A senhora se importa?
— Uma vez na vida acho que não faz mal. — Ela disse, ainda tocando carinhosamente em Jimin. Em seguida, ela olhou para mim e sorriu de forma branda, convidativa, antes de dizer: — Sinta-se em casa, querido. Podem me chamar se precisarem de algo, sim?
Eu assinto, olhando-a com mais atenção agora que seu rosto está virado para mim e percebo que ela é familiar.
Ela era mesmo uma das garçonetes da MoonMoon, ainda na época em que meu pai me levava até lá, então não entendo como, hoje, ela e o filho moram nesse lugar.
— Aliás... — Ela pisca, parecendo perceber alguma familiaridade em meu rosto. — Eu lembro de você. Você é filho de Ga-eul, não é? Eu e ela trabalhávamos juntas na lanchonete! — Seu sorriso surpreso se abre ainda mais: — Meu deus, você cresceu! Como sua mãe está?
Inconscientemente, escondo minhas mãos nos bolsos da jaqueta num gesto esquivo e ergo os ombros, um pouco acuado.
— Ah, sim... sou filho de Ga-eul. Ela está... bem — Minto.
Minha mãe definitivamente não está bem. Nenhum de nós está.
— Que bom. Que bom de verdade. — Sem se dar conta de minha mentira, a mãe de Jimin parece aliviada. — Nós perdemos contato depois que saí, mas eu adorava Ga-eul. Ela tinha o sorriso mais contagiante, me animava até nos piores dias.
Novamente, eu não sei o que dizer porque a única coisa que vem à minha mente é que aquele sorriso não existe mais. Por isso, apenas concordo silenciosamente, até que ela suspira.
— Certo. Vou deixar vocês dois. Estarei na sala de leitura, se precisarem de mim — Ela avisa, simpática, com o sorriso pressionando seus olhos, deixando-os quase completamente fechados exatamente como o sorriso de Jimin faz com os dele.
— Nós vamos comer no meu quarto. — Jimin avisa, aceitando de bom grado o beijo que sua mãe deixa em seu rosto.
— Aproveite e limpe a bagunça que Jungoo fez — Ela diz, acariciando o filho uma última vez antes de acenar para mim e caminhar para longe.
Enquanto isso, eu caio em confusão novamente.
— Bagunça que eu fiz? — Pergunto, completamente confuso.
Jimin parece sentir vontade de rir com minha pergunta, mas se esforça para disfarçar e nega. Depois, gesticula com a cabeça na direção do que pressuponho ser a cozinha, já caminhando para lá, e diz, sem parar de andar:
— Ela não estava falando sobre você. Já te explico. Vamos pegar a comida antes.
Eu ainda pisco em pura confusão antes de começar a seguí-lo, e fico de pé no meio da cozinha gigantesca enquanto ele revira a geladeira. Eu nunca estive num lugar tão luxuoso assim, então não sei como agir e isso é duplamente desconfortável, então eu apenas estanco no mesmo lugar. Ao me olhar por cima da porta aberta, ele ri ao me perceber completamente sem jeito.
— Pode sentar, Jungkook. É de graça.
Eu olho ao redor, encontro bancos americanos num dos lados de um balcão retangular no meio da cozinha e caminho até ali, ainda acuado. Jimin me olha uma última vez antes de virar as costas e tirar um recipiente de vidro de dentro da geladeira, junto a uma garrafa de suco natural. Então, ele serviu a sopa que estava na travessa em dois pratos fundos e colocou o primeiro no microondas.
— Torrada? — Ele oferece e eu apenas dou de ombros numa resposta vaga, enquanto ele já pega o pacote de pão na cesta sobre o balcão. No momento em que fez isso, no entanto, ele pareceu completamente confuso, e seus olhos miraram a embalagem cheia pela metade.
— O que foi? — Pergunto, porque não é natural ficar tão surpreso ao olhar para um pão.
Ainda com a expressão suspeita, Jimin negou e pegou um terceiro prato.
— Não é nada... — Ele diz, mentiroso, já colocando fatias do pão de sete grãos no prato.
Desconfiado, eu continuo atento à sua feição pensativa enquanto ele passa manteiga em cada fatia, depois leva-as à torradeira e esquenta o prato restante de sopa de repolho e serve o suco, antes de arrumar tudo em duas bandejas.
No fim, ele coloca um comprimido para a febre ao lado do meu suco e um pedaço de cenoura crua ao lado de seu prato.
Uma cenoura crua.
Mas o que... ?
— Vem, vamos comer no quarto. — Ele diz, pegando uma das bandejas e deixando a outra para mim.
Eu tento ignorar a bendita cenoura, porque não quero ter conversas além do necessário, mas isso me deixa tão encucado que acabo falhando depois de cinco segundos de tentativa árdua:
— Então... você gosta de cenoura? — Pergunto, verdadeiramente confuso.
— Não é para mim. — Responde. — É para Jungoo.
Certo. Isso não esclarece muita coisa.
— Cara, sério... quem é Jungoo? — Pergunto, levemente irritado. — Parece que você continua falando sobre mim.
Jimin me olha sobre o ombro com um sorriso travesso, mas não diz nada até parar diante de uma das portas fechadas no segundo andar e equilibrar a bandeja em um só braço para poder abri-la. Então, disse:
— Essa é Jungoo.
Parado ao seu lado, meus olhos vasculham o quarto até pousarem em um coelho deitado sobre um tapete próximo às portas abertas de uma varanda, através das quais o vento entra e bagunça os pelos curtos e finos do orelhudo.
— Jungoo é um coelho? — Eu pergunto com estranheza. Honestamente, um pouco ofendido também.
— Uma coelha. — Ele corrige com um sorriso orgulhoso e caminha quarto adentro enquanto eu continuo parado exatamente no mesmo lugar. Então, se acomoda no chão, ao lado do bicho orelhudo, e oferece a cenoura para ele antes de enfiar um pedaço de torrada na boca. Ainda de boca cheia, me pergunta: — Vai ficar aí?
Eu fecho os olhos lentamente, antes de voltar a erguer minhas pálpebras e manter minha expressão séria ao perguntar:
— Por que motivo o nome de sua coelha soa exatamente como o meu?
Jimin ergue as sobrancelhas num gesto cínico, com um sorriso de mesmo tom, e gira seus olhos em direção ao bicho, que devora o pedaço de cenoura.
— Você sabe que coelhos possuem temperamentos muito diferentes? Alguns são muito carinhosos, outros já são mais independentes... Jungoo é uma coelha brava. Coelhos costumam bater as patas de trás quando estão irritados e Jungoo faz isso com uma frequência horrorosa. Ela é muito estressada e, bem, obviamente é dentuça. Como você. Então eu pensei... por que não?
Eu o olho incrédulo. Eu esperava uma resposta mal humorada dizendo que era só uma coincidência infeliz, mas ele propositalmente colocou o nome da coelha por minha causa?
— E não me leve a mal. Quando meu padrasto me deu Jungoo, no início do ano, ele me jurou que era um macho. Quando eu descobri que era uma coelha, já era tarde demais...
Minhas mãos agarram as alças da bandeja com mais força e eu fecho os olhos com lentidão, completamente desacreditado.
— Ah. — Ele parece lembrar de mais algo. — E o pêlo dela tem várias manchinhas pretas. Como suas tatuagens. Me pareceu muito coerente dar seu nome a ela.
— Jimin...
— O que? Se algum dia você tiver um bichinho de estimação bochechudo, eu vou aceitar de muito bom grado que você dê meu nome a ele. — Responde, ainda com esse tom de risada.
Eu nego mais uma vez, irritado ao perceber que quero rir.
Eu não vou rir com Park Jimin.
— E você já leu aoharaido? Se tiver lido, deveria saber que até que isso é boa coisa. Agora vem, senta e come. — Ele diz, mergulhando mais um pedaço de torrada na sopa. — Pode sentar na cama ou na poltrona, se não quiser sentar no chão. O que preferir.
Eu ainda não acredito que estou mesmo aqui. Que estou no quarto de Jimin e não como um invasor prestes a destruir todos os seus pertences em vingança.
Tão incrédulo quanto, me sinto quando me sento no chão, distante dele, e daqui vejo como seu rosto parece sereno sob a luz do sol que entra pela janela enquanto ele olha carinhosamente para a coelha ao seu lado, com as bochechas já gordas ainda mais estufadas pela comida.
Observando-o em silêncio, eu retomo seu questionamento ainda sem resposta.
Por que, afinal, o odeio tanto?
— Você pode me admirar e comer ao mesmo tempo, Jungkook. — Então ele diz, e eu relembro os motivos que tenho para, no mínimo, achá-lo um pé no saco.
Com um revirar de olhos, eu desvio minha atenção e começo a comer enquanto observo seu quarto. Diferente do meu, que tem uma parede preta e outra cheia de posters de bandas punk, o de Jimin é claro, cheio de figures action que somados devem custar mais que Belinda, vinis organizados numa estante com CDs mais modernos, um desktop da apple, uma TV maior que a da sala da minha casa e uma cama de casal cheia de travesseiros.
— Como? — Eu pergunto, confuso por tantas coisas. — Sua mãe acabou de me dizer que trabalhava com a minha. Como você mora numa casa como essa e tem tantas coisas caras?
Jimin olha ao redor, com um sorriso que não é convencido, mas orgulhoso.
— Meu padrasto. Eu e minha mãe vivíamos uma vida bem difícil, mas desde que ela se casou novamente... parece que eu tenho a vida dos sonhos.
— Pelo menos um de nós. — Digo, amargo, voltando minha atenção para a sopa insossa.
— E você? — Ele pergunta. Quando ergo meu rosto, percebo seu olhar atenciosamente pousado em mim. — Seu pai...
— Não. Não vamos ter essa conversa. — Eu o interrompo imediatamente.
Jimin desliza a língua pelo lábio, mas assente, por fim.
— Desculpe. Deve ser um assunto complicado para você.
Eu não preciso dizer que sim. Qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade é capaz de perceber que falar sobre meu pai não é coisa fácil, mesmo três anos depois. Então, Jimin se cala, e nenhuma de nossas vozes é ouvida até que acabamos de comer e ele olha ao redor, antes de voltar a olhar para mim.
— Você gosta de chocolate, Jeon?
— Quem não gosta de chocolate?
Ele sorri, inclinando brevemente a cabeça.
— Agora, sim. Além das tatuagens, essa parece ser a primeira coisa que temos em comum.
Eu não digo nada. Não sei o que dizer, porque interagir pacificamente com Jimin ainda é algo completamente estranho, então apenas o observo silenciosamente quando ele fica de pé e caminha até o pequeno móvel ao lado de sua cama. Ali, ele abre a gaveta miúda e curva seu corpo brevemente ao se abaixar para pegar algo. A calça jeans preta se aperta ao redor de suas coxas e sua bunda arrebitada se aponta em minha direção, coisa que me faz desviar os olhos de imediato.
Apesar de demonstrar ser muito mais atento do que eu acreditava, dessa vez ele não percebe que eu o sequei por cerca de dois segundos.
Graças a deus.
— Jungkook... — Ele me chama, parecendo tenso por outra coisa.
Alarmado por seu tom, eu volto a olhá-lo e o vejo com duas barras pequenas de chocolate nas mãos, olhando-as com a mesma expressão assustada com a qual olhou para o pacote de pão lá na cozinha.
— O que foi? — Eu pergunto, achando-o um completo esquisito.
Jimin move seus olhos até pousá-los em mim, e diz:
— Eu tinha três chocolates nessa gaveta. Agora tenho dois.
Minhas sobrancelhas se erguem, exibindo toda minha estranheza sobre sua súbita confusão por algo tão pequeno.
— Eu comi um chocolate ontem. Na segunda-feira de ontem. — Ele diz. — Depois da meia noite, o reset deveria fazer o chocolate reaparecer aqui, não é? Mas ele não reapareceu.
— Sua mãe deve ter comido hoje de manhã. Ou seu padrasto. Talvez sua coelha. — Devolvo, ainda sem entender qual o motivo da surpresa.
— Não... minha mãe é intolerante à lactose e meu padrasto só gosta de chocolate meio amargo. Eu nem vou falar sobre Jungoo. — Ele diz, recostando-se em sua cama, com a expressão pensativa. — O mesmo aconteceu com o pão. Ninguém mais come aquele pão, só eu, e eu comi duas fatias dele no loop de ontem. Agora estão faltando exatamente duas fatias.
— Onde você está querendo chegar? — Pergunto, finalmente percebendo o motivo de sua confusão.
O reset deveria funcionar para tudo, exceto para nossas memórias. Porque parece não estar funcionando para a comida?
Depois de parecer pensativo por segundos de silêncio, os olhos de Jimin pousam em mim e se mantêm atentos ao meu rosto por um período de tempo desconfortável, até que repentinamente ele levanta da cama e caminha em minha direção, até se agachar em minha frente, com seu rosto muito perto do meu.
— Suas olheiras... — Ele diz, pensativo.
Eu poderia ficar irritado por vê-lo apontando as marcas cada vez mais arroxeadas abaixo dos meus olhos, resultado das últimas noite muito mal dormidas, mas subitamente entendo.
— Elas não somem depois da meia noite. — Digo em voz alta.
— No loop de ontem eu bati minha perna no móvel da sala. O hematoma ainda está aqui.
— Minha perna também está machucada, do acidente. Foram quatro resets, mas nenhum fez o machucado sumir. — Continuo. Nossos olhos se encontram, entregando toda nossa surpresa ao juntar mais algumas peças.
O silêncio vem, até que Jimin verbaliza o que nós dois parecemos concluir disto:
— O reset não se aplica aos nossos corpos.
— Talvez por isso... — Pondero, quase em choque. — Quando nós comemos algo, a comida é modificada química e fisicamente até ser transformada em compostos que são absorvidos e geram energia. Se as mudanças em nossos corpos não são desfeitas depois da meia noite, então a comida que nós ingerimos não pode sofrer o efeito do reset também, porque ela age diretamente em nosso organismo.
Eu massageio minha nuca, com a mente explodindo, e Jimin aperta as sobrancelhas e umedece o lábio depois de me acompanhar em segundos de silêncio.
— Uma coisa não faz sentido. — Ele diz, então, junto a um gesto negativo.
— Uma? Jimin, eu posso listar exaustivamente uma sequência de itens sem sentido que seria maior que suas bochechas.
— Jeon, é sério, vai com calma com as piadas sobre minhas bochechas. — Ele resmunga.
Eu ergo as mãos em sinal de redenção, então ele respira fundo e continua:
— O reset não se aplica a nossos corpos, não é? Mas você disse que eu morri em um acidente com Jung Hoseok. Se eu morri e estou vivo agora... — Ele diz, com uma careta para a própria suposição. — o reset se aplicou a mim, em algum momento. No momento da morte.
Eu absorvo o que ele diz, antes de franzir minhas sobrancelhas exatamente como ele fez.
— Então... a regra geral não se aplica ao dia em que o acidente aconteceu?
— Você continua com o corpo machucado. O meu teve todos os efeitos do acidente revertidos. — Ele pondera, com sua expressão se tornando cada vez mais assustada.
— O que você está pensando? — Pergunto, preocupado.
— O dia do loop em que aconteceu o acidente parece um ponto fora da curva. Um dia no qual as regras não se aplicam como nós acreditamos que devem se aplicar. Então...
— Então? — Insisto.
Jimin cai sentado de uma vez no chão, com os braços apoiados em seus joelhos dobrados e a expressão indecifrável.
— Então talvez Jung Hoseok esteja mesmo morto.
↬ Continua no próximo capítulo.
Enfim voltamos às atividades!
Eu tenho um tantinho de coisa pra falar, então peço um pouco de paciência nessas notas finais. Pra quem quiser pular todo o meu falatório, adianto aqui que: cem chances vai ser finalizada. ok?
Algumas mudanças aconteceram, sim, e serão preservadas, mas nenhuma delas interfere no andamento da fanfic. A quem possa interessar:
-Já faz um tempo que desinstalei o aplicativo do wattpad do meu celular, então meu único acesso é pelo computador e mesmo assim eu quase nunca entro por aqui. Por isso as mensagens não foram respondidas (eu já era péssima pra responder com o app, imagina sem ele :x)
-Parei de usar minha conta antiga do twitter onde eu postava avisos e compartilhava tweets sobre todas as minhas fanfics, agora estou na @eucatastrophia e é por lá que vou ficar! maaas essa conta é voltada para acompanhar os meninos e reclamar da vida (porque ninguém é de ferro haha). não aconselho seguirem caso tenham interesse em se manter atualizados sobre a obra, mas ele vai ser o meio de contato entre a gente porque eu realmente vou entrar aqui só pra atualizar mesmo ): eventualmente pode ser que eu poste algum aviso importante lá, mas não será o foco
Os motivos dessas mudanças/restrições foram dois. Um, eu iniciei o nono período, já estou dando início ao projeto do meu TCC, me preocupando com as horas de estágio obrigatório, além das disciplinas que estou cursando. A carga meio que triplicou em relação aos outros períodos, então vou precisar dar atenção especial à universidade agora. E dois, depois de me formar eu pretendo ir embora do Brasil. Nas últimas semanas recebi uma notícia maravilhosa sobre isso e eu já tenho os meios pra conseguir logo depois da formatura, mas pra isso eu preciso também estudar MUITO. Então, mais ocupações.
Nos últimos 2 anos, eu transformei minhas fanfics quase em prioridades. Elas não empatavam com a vida acadêmica por pouco, mas eu só me dei conta quando, depois de tudo aquilo, precisei me afastar um pouco. Eu gastava muito tempo checando o wattpad, lendo os comentários novos, vendo as hashtags no twitter e me metendo em brigas pra defender minhas bichinhas *rindo de nervoso* a questão é que com essas férias que me dei, eu percebi que consigo conciliar tudo (inclusive a vida social! adivinhem quem voltou a sair com os amigos com frequência?) se fizer isso do jeito certo. O objetivo era voltar aos pouquinhos a ser ativa por aqui, mas com essa percepção que tive, eu decidi que talvez tenha sido mesmo o melhor tanto pra minha vida pessoal quanto pra minha vida acadêmica! E isso não quer dizer que teremos atualizações super lentas nem nada do tipo (mas pode ser que o ritmo diminua um pouquinho), porque eu sempre encontro uma brecha pra escrever e tudo o mais. Só quer dizer que, agora, eu vou me focar justamente nisso: na escrita, e não nas interações.
Espero que entendam de coração que eu AMO ler os comentários de vocês, acompanhar as # e tudo o mais. Mas eu já estava atrasada demais pra definir minhas prioridades e precisava fazer isso com urgência ): então eu ainda vou vir aqui quando tiver uma folga, ler o que acharam das atualizações e tudo o mais, mas farei isso somente quando minhas obrigações permitirem!
O conceito de felix culpa acabou se aplicando muito bem à situação e eu fiz meu melhor pra colher bons frutos das coisas que aconteceram, e esse é o resultado. Eu sei que muitos se preocuparam comigo, e agradeço de coração pelos sentimentos de vocês (também peço desculpas pelo sumiço), mas eu estou bem de verdade! Só precisava colocar as coisas em seus devidos lugares (porque aqui fora também ficou meio agitado e muita coisa aconteceu, então o trabalho foi grande :xxx)
Mas enfim, é isto! Espero que tenham gostado da att depois de tanto tempo (e que não tenham esquecido de metade da história como acontece comigo quando to lendo aksaisjiak). Um beijo e até o próximo!
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