[f(40) = 80 - x] Cem ou mais

Vamos à antepenúltima atualização de Cem chances? <3

🔮

Eu quero que você redescubra seu antigo desejo de explorar o mundo além de Busan... e venha para Seul comigo.

Esse é o desejo de Jimin para o ano novo.

O meu? Sei lá. Acho que eu desejo finalmente aprender a ser uma pessoa menos esquisita.

Porque, sério, a minha primeira resposta foi:

— Você é doido, Jimin.

Que tipo de pessoa dá uma resposta dessas na situação em questão?

Sinceramente, como é que ele, ele, Park Jimin, se apaixonou por essa tragédia ambulante que gosta de frango frito, matemática e absolutamente não sabe se comunicar?

É. Não era o momento certo de verbalizar, mas ele é definitivamente doido. Pirado mesmo.

Mas ele é um doido que sabe contornar as situações improváveis. Ao contrário de mim, é muito bom com as palavras — o que parece injusto, porque ele é bom com números, tem um raciocínio invejável, é arte pura quando dança, é impecável em relações interpessoais e, como se não fosse o suficiente, também é lindo feito o cacete.

Tipo, tão lindo que lindo não chega nem perto de descrever.

Definitivamente, não é justo com as outras pessoas. Ele está completamente acima da média.

E ele é meu namorado. Ele me ama. Ele quer que eu venha para Seul com ele.

E eu, no que parece ser o extremo oposto de todo o seu afastamento positivo do ponto médio das qualidades humanas, ocupo uma posição que tende ao zero e, em toda a minha tragicidade de ser, digo que ele é doido.

Ele? Ele disse:

— Doido por você. Sim, sou. Muito.

Cafona demais. Eu sei, ele provavelmente sabe, mas é uma resposta suficientemente leve, acompanhada de um sorriso manso, para não permitir que minha reação fosse um completo assassino do clima gostoso que nos cercou mesmo em meio às brigas bobas durante as exageradas compras que ele fez para a nossa festa a dois.

Ele não só não pareceu ofendido por ser chamado de doido depois de me confessar algo que parece ter hesitado em verbalizar; ele sequer ficou surpreso.

Acho que me tornei previsível para Jimin, o que é bom. Eu me tornei previsível porque, a esta altura, ele já me conhece bem demais. E mesmo assim ainda quer ficar comigo, ainda gosta de mim e ainda é feliz ao meu lado.

Apesar de constantemente insatisfeito sobre meus próprios defeitos e ações e falas desajeitadas, o que sinto é o oposto a cada vez que percebo que meu relacionamento com Jimin não é construído com base em projeções. Quer dizer, talvez elas existam. Acho que, por mais que a gente tente evitar, nós automaticamente projetamos expectativas sobre as pessoas que nos cercam, e é a partir dessas projeções que nascem as pequenas decepções quando nossas expectativas não são atendidas.

É normal. Cada pessoa tem a própria forma de agir diante de cada situação e nem sempre vão agir como queremos ou esperamos que ajam, por mais que nós tenhamos a certeza de que conhecemos aquele indivíduo profundamente.

Não posso dizer, então, que tais expectativas não existem em nosso relacionamento. Existem, sim, mas acho que o importante é reconhecer que existem, moderá-las e, principalmente, saber lidar com a quebra delas.

No entanto, eu posso, sim, dizer que tais expectativas se projetam em pequenas ou grandes ações, não na forma como enxergamos um ao outro como indivíduo. É a este ponto que quero chegar: Jimin me conhece bem o suficiente para que eu saiba que está apaixonado por mim e não por uma imagem minha que criou em sua cabeça.

E a recíproca é completamente verdadeira.

Talvez isso torne a situação mais leve. Certamente, foi o suficiente para não me fazer fugir do assunto.

Assim, com toda a falta de jeito que ele já conhece, perguntei:

— É sério? Você quer mesmo que eu venha para Seul?

Somente então, em minha frente e preso em um abraço frouxo que não desfazemos, Jimin suaviza o sorriso e balança a cabeça para cima e para baixo, sério.

— Eu odeio a ideia de ficar longe de você, Jungkook.

— Eu também, Ji, mas...

— Eu sei que é pedir demais, amor. — Ele diz, tão suave quanto o carinho que faz em meu rosto. — Sua família, sua vida inteira estão em Busan. A minha também, mas estudar dança em uma Academia como a de Seul é o meu sonho. Eu tenho motivos para vir, Jungkook-ssi, e é por isso que estou tentando. E o meu desejo impossível é que você redescubra seus próprios motivos para vir também, porque eu sei que posso ser um deles, mas não o único.

Eu umedeço meus lábios e massageio minha nuca, sempre sentindo seu carinho manso e cuidadoso, assim como seus olhos que são sempre intensos, mas tão carinhosos quando mirados em mim.

— Eu nunca te pediria para vir somente por minha causa, Jungkook. E nunca te culparia por decidir ficar em Busan ou em qualquer outro lugar do mundo. Nós vamos dar um jeito, não importa como. Nem o destino conseguiu nos separar, não é a distância que vai conseguir.

Silêncio. As palavras se tornam mudas enquanto minha mente viaja por lembranças antigas do desejo que, antes, tanto tive de me aventurar além dos limites de Busan.

Mas era meu pai quem mais me fazia sonhar acordado com a vida em outro lugar. Ele dizia que Busan era pequena demais para um gênio como eu. Eu acreditava. Mas então ele se foi e o mundo inteiro se tornou pequeno demais para a saudade enorme que passei a sentir.

Eu perdi muito quando o perdi. Perdi sonhos. E tudo mudou para pior, de uma hora para a outra.

Assim, mudanças nunca mais foram bem-vindas em minha vida. Eu passei a abominá-las. Então qual o sentido de uma mudança tão brusca quanto sair de minha cidade natal?

Desde que a chance noventa e nove começou, muita coisa mudou e, a despeito de minha completa rejeição a mudanças, todas elas vieram para o bem.

Agora, a semente do pensamento e se parece criar raízes em minha mente a partir do momento em que Jimin trouxe o assunto de Seul à tona.

Não é algo que eu posso decidir de uma hora para a outra. E Jimin sabe. Ele respeita e é paciente. Por isso, diz:

— Se algum dia você decidir vir... amor, você sabe que eu sempre vou te receber com o coração queimando de felicidade.

— E se eu nunca decidir vir?

— Então meu coração vai queimar de felicidade toda vez que pudermos matar a saudade — Ele diz, nas pontas dos pés para poder abraçar meu pescoço e tocar sua testa na minha.

Minhas mãos o seguram pela cintura sem muito cuidado, mas com inegável carinho.

Depois de alguns instantes, pergunto:

— E quem fica com Jungoo?

— Isso é pergunta que se faça, gracinha? Óbvio que eu.

— Então você é mais pai que eu?! Porque se não fosse, essa decisão seria muito mais complexa.

Jimin ri, pressionando um selinho em meus lábios.

— Diz o que você acha: — Pede, então: — ela fica comigo. Você adota uma outra coelha, que nós podemos chamar de Ji. Ou Jiji? Enfim... pode não ser agora, mas algum dia nós vamos morar juntos e casar. Você sabe que vamos. Quando esse dia chegar, a família inteira finalmente se reunirá e nós teremos nossas duas filhas sempre perto.

Parece bobo, até otimista demais, mas a verdade é que Jimin está certo.

Eu sei que ficaremos juntos e um dia dividiremos uma casa com nossa ou nossas filhas orelhudas.

Seja em Seul, Busan, ou em qualquer outro lugar do mundo... eu simplesmente sei.

Assim, eu o abraço por inteiro, colando seu corpo completamente ao meu e beijo sua testa antes de decidir:

— Beleza.

— Sim?

— Sim. Tranquilo. Vou encontrar a nossa Jiji assim que voltar para Busan.

— Pensando bem... Jiji não parece um bom nome.

— Você é doido. — Repito. Desta vez, muito certo sobre o que digo. — Vai ser Jiji, sim.

Jimin ri, sem tentar prolongar a discussão. Ele escolheu sozinho o nome de Jungoo, então agora é a minha vez.

E, pensando bem, talvez eu também tenha que adotar uma coelha para a minha mãe. Eu achei que, depois dos traumas com a merda dura de Junghee, ela não se afeiçoaria a um bicho que caga tanto, mas acho que eu estava errado.

Acho que é uma ideia a se considerar. Mas, por hora, o que temos é o restante do dia inteiro juntos, que aproveitamos com conversas, filmes, carinhos e algumas eventuais brigas toda vez que ele de novo colocava Meu frango frito na maior altura na caixa de som que inventou de comprar mais cedo.

À noite, fodemos um pouco. Conversamos mais. Vimos Jungoo por vídeo chamada e, enfim, dormimos abraçados mais uma vez.

Pois é, quem diria que eu me tornaria a pessoa que gosta de dormir agarrada a outra.

O universo é louco mesmo.

É um dia gostoso e calmo, como acho que merecemos depois de tudo.

Esse ano foi definitivamente longo em proporções inimagináveis, mas, enfim, chegou ao seu último dia.

— Se contarmos todas as noventa e nove chances... sabe quantos dias o ano teve? — Eu pondero no dia seguinte, enquanto, muito de má vontade, ajudo a arrumar a decoração exagerada que Jimin escolheu para hoje.

— Hm? — Ele murmura, concentrado demais do beregodego cheio de glitter que arruma na parede.

— Quatro mil seiscentos e vinte e dois. O ano teve quatro mil seiscentos e vinte e dois dias se desconsiderarmos os dias que se repetiram. Você tem noção de quanto é isso?

— Você fez essa conta de cabeça? — Ele pergunta, ainda ocupado com o treco de glitter.

— Mais de doze anos, Jimin. — Eu ignoro a pergunta dele para responder a minha. — Um ano teve a quantidade de dias equivalente e mais de doze anos.

Ele finalmente faz o olhar ferino viajar em minha direção e sorri, meio convencido:

— E foi você quem provocou isso. Por mim.

— Para de sorrir. Ainda é bizarro.

— Completamente, gracinha. E a parte mais engraçada ainda é saber que você chamava Yoongi de bruxo. Insuperável.

Eu reviro os olhos, muito pouco habilidoso ao simplesmente desistir de tentar fazer alguma decoração com a estola de plumas que ele também jurou que era extremamente necessário.

Depois, caminho até ele, que já voltou a atenção ao item que muito mais cuidadosamente usa para decorar a sala e abraçando-o pelas costas, amasso meu queixo no topo de sua cabeça até ele resmungar e se curvar.

— Você realmente acha que a função do queixo humano é ser pressionado contra a cabeça alheia, não é?

— A função do meu queixo é ser pressionado na sua cabeça. O dos outros, eu não sei.

Ele ri, sem resmungar novamente mesmo que eu o abrace com força o suficiente para arrancar seus pés do chão por um instante, até que enfim descanso minha bochecha contra a sua, e digo:

— Sobre esse lance de ser bruxo ou sei lá o quê... Eu não sou mais. Eu abri mão de todos os poderes que tinha para que a chance cem começasse exatamente como começou, Ji.

Ele fica em silêncio por um instante, até dizer:

— Eu sei. Yoongi parecia já saber disso. E é melhor assim, não é? Acabou mesmo. De vez, amor...

Eu expulso o ar.

Ainda é louco pensar em tudo o que aconteceu.

Mas, é... acabou.

— Mas — Ele começa, de mãos livres, girando em meu abraço para ficar de frente para mim e me dar um beijo na bochecha, antes de dizer: — a arrumação não acabou. Pare de enrolar.

Eu reviro os olhos novamente, ainda mais furiosamente, mas nem penso em negar o que ele me diz para fazer.

Assim, não demora para que o apartamento esteja decorado para a chegada do ano novo, assim como não demora para que a noite chegue e, com ela, nossa festa se complete virtualmente.

Meu deus — Yoongi diz, ocupando um dos dois quadrados da tela de vídeo chamada. — O que é essa decoração atrás de vocês, filhote?

— Gostou? — Jimin pergunta. E eu juro que discordo cem por cento da necessidade de decorar o apartamento, mas se Yoongi não elogiar a decoração que ele escolheu...

Tá lindo, Jimin-ssi! — É Taehyung quem diz, ocupando, com Junghee e minha mãe, o segundo quadrado da chamada.

Aposto que Jungkook hyung reclamou horrores, esse rabugento...

— Só não te meto porrada nessa cabeçona porque estamos longe, moleque folgado!

Não mete porrada porque se meter porrada nele, eu meto porrada na sua moto velha! — Minha mãe não demora para apresentar sua manifestação, que em nada combina com suas mãos exibindo Jungoo para a câmera.

Mãe, tá colocando a coelha na frente do Tae...

Deixa só ela dar oi para os pais. Diz oi, fedorenta!

Vocês já estão online?! — De repente, a voz de Hoseok surge antes que sua imagem apareça ao lado de Yoongi. Ele lambe os dedos de uma mão; com a outra, acena energicamente. — Oi, gente! Como vocês estão? Esperem, vou chamar Seokjin e Namjoon!

Eles já estão... — Yoongi começa, mas a voz de Hoseok encobre a sua, quando ele grita a ponto de assustar Jungoo:

SEOKJIN! NAMJOON! JÁ ESTÁ TODO MUNDO NA CHAMADA!

Hoseok, eu te adoro, mas se você assustar minha neta mais uma vez... eu te quebro. Eu te jogo um coquetel molotov. Não me teste, criança.

Eu olho para a imagem de minha mãe agarrada à coelha, como se a protegesse.

É: definitivamente, precisarei adotar uma para ela também.

Acho que agora a tradição da família, além de saber, mas nunca fazer coquetéis molotov, será amar e adotar coelhos.

Olá! — Enquanto Hoseok se desculpa diretamente com Jungoo, Seokjin aparece ao lado de Namjoon, que acena junto de um sorriso que vem acompanhado das benditas covinhas.

Certo. É oficial: Kim Namjoon foi mesmo minha primeira paixonite — mas quem poderia me julgar por isso?

Com a mão amassando os cabelos castanho claros, ele se posiciona atrás do sofá ocupado por Yoongi, Hoseok e, agora, Seokjin, que bebe qualquer coisa alcoólica em uma taça e faz uma careta ao se aproximar da tela. Então diz:

Credo, que decoração cafona, pombinhos.

Como você é inconveniente, Seokjin — Yoongi resmunga. — Eu disse que vocês não deveriam ter chamado esse sem noção.

Aposto que você pensou a mesma coisa, Yoon — Seokjin devolve com um dar de ombros e, em seguida, bebe mais da bomba que álcool que tem em mãos.

Claro que pensei. Porque está cafona, mas não precisa dizer, né?

Com licença? — Digo, inconformado. — Eu tenho certeza de que você estava prestes a ofender nossa decoração assim que a chamada iniciou, cara de pau do cacete.

Ah, mas pelo amor de deus, pra quê esse exagero todo?!

Eu gostei. — Hoseok intervém, cheio de sorrisos. — Ficou fofo. Gosto do contraste do fundo colorido e feliz com a cara de bravo de Jungkookie.

Eu reviro os olhos, entediado, de braços cruzados e com certeza com a maior cara de bosta.

Eu posso reclamar da nossa declaração. Eles, não.

Nós ainda temos um bom tempo até a virada — Namjoon enfim diz algo. — O que vamos fazer até lá?

Fofocar! — Taehyung responde de imediato.

Esse é dos meus! — Seokjin responde com uma gargalhada exagerada e oferece a mão para um toque virtual: — Bate aqui, Tae!

O pior é que moleque-ssi bate mesmo a mãozona na câmera.

Cacete, viu...

Tem uma coisa que eu quero saber! — Junghee eleva a voz para ser ouvido, senão as risadas de Seokjin e Hoseok encobrem tudo.

— Não, eu não comprei nada para você, moleque, nem vou comprar. Toma vergonha na cara.

Hyung!

Hyung nada, você que tem que comprar presentes para mim pra compensar todo o sufoco que eu passo com a sua bosta, cabeçudo.

Mãe! Ele já vai começar!

Impossível — Minha mãe resmunga, inconformada. — É impossível ser mãe desses dois e ter paz na vida. Sinceramente!

Ele que começou!

Rinha de irmão!

Seokjin, pelo amor de deus... — Yoongi resmunga.

— Acho que vai rolar rinha de irmão por aí também — Jimin aponta todo risonho.

— Calado, filho único.

Jimin me olha de canto, contendo o riso quando tenta me repreender com uma careta e um soquinho bobo no braço.

Jimin — Namjoon se inclina ainda mais sobre o encosto do sofá. — Foi mal, mas eu preciso perguntar: Jungkook é um namorado tão ogro quanto parece ser?

— Um cavalo.

— O cacete.

— Viu?

Lá na chamada de Yoongi, os quatro caem na risada, juntos com Taehyung na tela ao lado, enquanto Junghee e minha mãe brigam para decidir quem vai passar os próximos minutos com Jungoo no colo, mas a doida decide sozinha que não quer ficar com ninguém, lasca uma mordida na mão do moleque e salta para o chão.

— Inclusive, Jungoo é bruta assim porque também é filha dele. — Jimin faz questão de dizer, diante da cena trágica, mas corriqueira.

— É cada uma... Fica dizendo que eu sou bruto, mas quem é que faz cafuné em você até você dormir, seu ingrato?!

— Depende da noite, amor.

Eu arregalo os olhos e escancaro a boca, prestes a explodir em uma gargalhada diante da resposta inesperada, mas sou interrompido ao ouvir Seokjin anunciar:

Rinha de namorados!

Aí, não é só a minha gargalhada que se transmite pela chamada de vídeo. Todo mundo começa a rir. Jimin, também rindo bobo, se aproxima todo arrependido até me abraçar e encher minha bochecha de beijos enquanto eu dramaticamente tento esquivar de todos, por mais que queira cada um deles.

— Você sabe que eu amo seu jeitinho bruto, gracinha.

Eu reviro os olhos somente pelo drama, mas simultaneamente já vou envolvendo a cintura dele com o meu braço para segurá-lo perto, porque eu sou assim: completamente rendido por Park Jimin.

E, no que se torna uma noite inesperada, aproveito a sua companhia e a companhia da minha família e de nossos amigos, mesmo que por vídeo chamada, enquanto esperamos os instantes finais do ano mais louco que já vivemos.

Um minuto! — Taehyung anuncia, exagerado. — Falta um minuto!

— Um minuto pra acontecer nada — Eu digo, o que me faz levar um beliscão na cintura. — Qual foi?! Não menti!

Alguém tira esse filhote da chamada, pelo amor de deus — Yoongi pede. Aí, é ele quem leva um beliscão de Hoseok.

Quarenta segundos!

— Todo mundo já entendeu, moleque-ssi.

Deixa ele contar! — Junghee resmunga, todo inconformado. Eu reviro os olhos; Jimin segura o riso.

Trinta segundos, Jungkook-ssi! — Agora, sei que ele está fazendo de propósito para me irritar. — Vinte, Jungkook-ssi!

— Eu vou te moer na porrada assim que voltar pra casa, moleque do inferno!

Não tem problema! Até lá eu já terei cumprido minha missão de vida, que é dar muitos, muitos beijos em Hee!

A carinha de bravo de Jungkook! — Hoseok aponta. — Todo vermelho. Que fofo, meu deus.

Quem quer saber da cara de bravo desse ogro? — Seokjin resmunga. — Nove! Oito! Se... — Ele começa, mas não termina, ao perceber que a taça está vazia. — ué?

— Desaprendeu a contar, foi?

Três, Jungkook-ssi!

— Dois, um! — Junghee é quem finaliza a contagem, agitando-se inteiro quando ele e Taehyung trocam um abraço desajeitado e ao mesmo tempo tentam abraçar minha mãe.

Eu tenho quase certeza de que Yoongi e Hoseok se beijam, mas não tenho tempo de confirmar minha impressão, porque logo eu sou beijado.

Dividindo o sofá comigo, em um apartamento quase desconhecido, Jimin me faz sentir conforto, como se estivesse em casa, ao mesmo tempo em que dispara a inconfundível sensação de frio na barriga ao segurar meu rosto e me beijar lentamente.

— Feliz ano novo, amor — Ele diz, ainda tocando meu rosto, com a boca próxima à minha.

Eu o abraço com força até que ele sente em meu colo, e pressiono um beijo em seu pescoço.

— Feliz ano novo, Ji. Que dessa vez o ano tenha somente trezentos e sessenta e cinco dias.

— Se eu estiver com você, pode ter muito mais.

Eu aperto a coxa dele em repreensão. Muito bravo, digo:

— Cuidado com o que você diz, seu doido. Vai que atrai?

— Acho que estamos seguros — Ele pondera, acariciando a minha nuca e deslizando a ponta do seu nariz miúdo contra o meu. — Meu namorado super-poderoso perdeu os poderes, afinal...

O impulso de rir nasce no fundo de minha garganta, mas é calado quando a boca de Jimin toca a minha e, no lugar de desenhar palavras, meus lábios desenham carinhos contra os dele.

Safados!

Claro que estava demorando para alguém encher o saco.

Será que vocês podem parar? Tem criança na chamada! Esses casais de hoje em dia...

Não tem problema, tia, eu e Hee nos beijamos muito também!

Tae!

Oi, Hee.

Ainda dentro de meu abraço, com os olhos mirados na tela do notebook, o corpo de Jimin se agita junto do riso delicioso.

Feliz ano novo, gente. — Finalmente, as felicitações começam, e é Namjoon quem dá início a elas.

— Feliz ano novo! — Hoseok responde, enérgico, com o sorriso brilhando como o sol durante a primeira madrugada do novo ano.

É... vendo todas essas pessoas, mesmo que à distância, é isso mesmo o que temos hoje. Um ano novo feliz.

— Sabe qual é a primeira música que eu quero escutar no ano? — Jimin questiona com o sorriso travesso que já conheço bem.

— Não. Não vai ouvir Meu frango frito de novo, não. Maluco. Esquece essa música.

Jimin me olha sem chateação alguma, demorando-se neste gesto até que sorri todo bandido e levanta em um pulo, correndo até o próprio celular para pegá-lo.

— Bandido!

Ele ri alto quando eu levanto e corro atrás dele, abraçando-o por trás e tentando tirar o celular de sua mão, mas falho em fazê-lo antes que ele conecte o aparelho à caixa de som portátil e dê início à música escrita por ele.

Em um gesto de derrota, eu abaixo minha cabeça e suspiro alto antes de rir, conformado.

— Você vai enjoar se ouvir tanto assim, Ji.

Ele gira em meu abraço e envolve minha cintura com seus braços esguios, com as tatuagens expostas graças à blusa de mangas curtas que decidiu vestir, sem esconder suas cicatrizes, sejam de tinta ou não.

Assim abraçado comigo, vestindo uma das blusas que tanto gosta, mas que tanto tinha receio de usar, Jimin prova que não fui o único a mudar na chance noventa e nove.

E, para mim, ele diz:

— Esse foi o ano mais louco da minha vida, Jungkook... mas também foi o mais feliz de todos. Obrigado por ser meu namorado, amor.

Eu beijo o topo de sua cabeça, beijando-a demoradamente antes de dizer, sério:

— Eu que agradeço por você ter um gosto bastante duvidoso e gostar de mim.

Ele me repreende mais uma vez com um tapa suave nas costas, mas a primeira coisa que diz, é.

— Eu gosto de você. E eu te amo — Sorri, bobo, antes de completar: — meu pão com carne.

— Eu amo você, frango frito.

Ele ri da nossa própria cafonice e, sorrateiro e longe da câmera, eu deslizo minha mão até a bunda dele, onde deixo dois tapinhas antes de dizer:

— Aliás, te chamar de frango frito é muito conveniente. Você é gostoso como um.

Com um sorriso bandido e a mão pequena devolvendo um apertão em minha nádega direita, Jimin responde:

— Eu que o diga. Você faz pão com carne parecer sem graça.

Eu sorrio, meio azedo, somente para desafiá-lo:

—É porque é sem graça, Ji.

Ele fica bravo. De alguma forma, falar mal da comida favorita de Jimin é a mesma coisa que insultá-lo diretamente, então os soquinhos de vitória que ele costuma dar no ar dessa vez são dados em meu peito em tom de repreensão, o que me faz rir e segurar seus pulsos.

Ei! Estão fazendo safadeza, é?!

Ainda segurando os braços do meu namorado, é ele quem ri enquanto eu reviro os olhos furiosamente para a voz de Taehyung que soa estridente.

— Hora de encerrar a chamada. Minha paciência acabou.

— Como que acaba uma coisa que nunca existiu?

Eu reviro os olhos furiosamente mais uma vez, soltando-o com cuidado para caminhar de volta ao notebook enquanto ele volta a se acomodar no sofá.

Ajoelhado na frente do computador portátil de Jimin apoiado na mesa de centro, eu posiciono o cursor do mouse sobre o ícone para encerrar a chamada e digo:

— Feliz ano novo. Tchau.

Ei! Hyung!

— Tchau.

Fedorento mal educado!

— Fedorenta rabugenta.

Jeon Jungkook!

— Boa noite, Jeon Ga-eul. Pare de dar comida demais para Jungoo, você vai explodir a coelha. Falou!

Tchau, neném! Quando você voltar, hyung te paga um balde de frango frito!

E é com a promessa de Hoseok que, enfim, mas com um sorriso, eu encerro a chamada depois que Jimin acena em despedida para eles e fecho o notebook logo em seguida.

— Eu, hein. — Resmungo, virando para trás para encontrar Jimin acomodado no estofado, deslizando os dedos curtos pelos cabelos até jogá-los para trás enquanto sorri de canto para mim.

— Mais cavalo que nunca.

— Vai começar?

O sorriso pequeno pouco a pouco cresce até que se transforma em uma risada, e é quando ri que o rosto de Jimin se torna indiscutivelmente lindo.

Enquanto a caixa de som transita da música que compus para outra da playlist que fiz para Jimin, eu caminho na direção dele, sem cerimônias quando sento sobre suas pernas, com meus joelhos cercando seu quadril, e ele espontaneamente toca em minha cintura.

Olhando-o daqui, tomo meu tempo para analisar cada pequeno detalhe do rosto que ainda faz meu coração acelerar enquanto ele gentilmente serpenteia os dedos para baixo do meu moletom e acaricia a pele que recobre minhas costelas.

— Você é lindo demais, Jungkook — De repente, diz o mesmo que eu pretendia dizer para ele.

Eu aproximo meu rosto até deixar um beijo suave em sua bochecha e, todo rendido, logo em seguida me curvar para deitar a cabeça em seu ombro.

Sem filtrar o que sai de minha mente e se transforma em palavras, eu digo o que subitamente sinto ao poder ficar assim com ele:

— Consegue imaginar só poder estar assim comigo em alguns finais de semana?

As mãos dele param o carinho que fazem diretamente em minha pele até que enfim deslizam por minhas costas e ele me envolve em um abraço. Com um beijo em meus cabelos, responde:

— Consigo... e é por isso que eu já sei que vai doer muito.

Eu expulso todo o ar, ainda com a mente incerta demais para decidir qualquer novo rumo para a minha vida agora. Assim, apenas decido o que parece mais certo para o momento:

— Acho que é melhor a gente aproveitar enquanto pode estar tão junto... e depois a gente vê como vai ser.

Eu sinto o movimento suave da cabeça de Jimin quando ele desenha uma concordância no ar; em seguida, encontro-o com um sorriso suave que me diz tudo que não é necessário ouvir.

Por hoje, por agora, isso será o suficiente: estar um com o outro e aproveitar o que temos. Então é isso o que fazemos.

O primeiro dia no novo ano se inicia assim. E, até o primeiro nascer do sol, nós continuamos acordados, juntos, comendo o restante dos petiscos que compramos para mais cedo e até nos arriscando a fazer uma gororoba com os poucos ingredientes que temos aqui, neste apartamento alugado.

Nós rimos às vezes sem saber do quê, trocamos beijos e carícias, embora nenhuma delas evolua para algo a mais. É simplesmente um carinho inocente e a sensação gostosa da companhia um do outro por toda a madrugada.

Quando o céu desperta e começa a se colorir com as cores do sol, nós dormimos juntos. Juntos, acordamos, e passamos todo o restante do dia exatamente assim, vivendo o nosso romance desajeitado, mas tão certo para nós.

— Ji? — Quando o segundo dia chega, eu o chamo ao perceber que ele congela diante da porta, sem coragem de me seguir para o lado de fora.

É enfim o dia da apresentação de Jimin e, apesar de não ter demonstrado qualquer nervosismo até então, ele finalmente esboça pânico puro, olhando para mim com a expressão quase pálida. E assim, com todo o drama possível na situação atual, revela:

— Eu estou com dor de barriga e não sei se é porque preciso mesmo ir ao banheiro ou se é pelo nervosismo.

Eu não esboço qualquer reação exagerada; no lugar apenas aperto os lábios e levanto minhas sobrancelhas antes de perguntar:

— Quer que eu aperte pra ver se sai alguma coisa?

Jimin fica pensativo de verdade; ao fim, balança a cabeça para cima e para baixo, para dizer:

— Talvez. — E gesticula, chamando-me. — Aperta aqui.

Eu vou. E aperto. Observo atentamente a expressão dele, que logo se transforma em uma careta, para que ele conclua:

— É pelo nervosismo mesmo.

Eu deixo que uma risada discreta nasça, abraçando-o com cuidado e beijando a sua bochecha antes de erguê-lo do chão e carregá-lo comigo para fora do apartamento.

— Vai dar tudo certo, Ji. Você é o melhor.

Sinceramente, é assim que penso. Ele é definitivamente o melhor. Jimin, no entanto, parece duvidar do que se tornou verdade absoluta para mim e não parece se acalmar durante todo o percurso, até que chegamos ao teatro da Academia, ele autoriza a minha entrada como acompanhante e diz:

— Me deseja sorte?

Eu o acaricio discretamente, apesar de ter a vontade de abraçá-lo inteiro e beijá-lo até fazer essa incerteza abandonar sua mente linda.

No entanto, os olhos que avaliarão sua performance podem estar em qualquer lugar próximo e ver Jimin trocando carícias com outro homem pode prejudicá-lo diante deles. É uma merda ter esse tipo de preocupação, como se estivéssemos fazendo algo de errado, mas o medo existe e me faz recuar única e exclusivamente por ele.

— Boa sorte, Jimin-ssi. Estarei aqui te assistindo, beleza?

Ele sorri, ainda nervoso, e assente antes de respirar fundo e, diferente do meu próprio receio, se inclina para beijar minha boca suavemente antes de recuar.

— Obrigado por estar aqui, gracinha. — É a última coisa que ele diz.

Sozinho, eu escondo minhas mãos nos bolsos do moletom e sigo a um dos vários assentos vagos.

Na imensidão deste teatro, apenas eu e alguns outros acompanhantes fazemos plateia para as performances a serem iniciadas. E, agora que estou longe dos olhos de Jimin, permito que o nervosismo se aflore; porque eu confio no potencial dele. Eu sou apaixonado pela dança de Jimin; no entanto, uma coisa que aprendi foi que nada é impossível, então até mesmo a improbabilidade de Jimin não conseguir uma vaga pode se tornar real.

E eu sei que ser aprovado significará que precisaremos viver em cidades diferentes. Apesar de não querer isso, quero ainda mais que Jimin conquiste seu sonho e seja feliz, então torço com todo o meu coração para que tudo dê certo para ele.

A cada performance, meus pensamentos fogem do meu controle e concluem, sempre: Jimin dá de dez a zero em todos eles.

Ele é o melhor. Qualquer outra pessoa pode subir naquele palco e eu ainda pensarei: Jimin é o melhor do mundo inteiro.

Mas minha certeza não me poupa do nervosismo insano que explode em mim quando ele é chamado ao palco e, de pés nus, calça justa e mangas compridas cobrindo todo o seu corpo de preto, meu amor se posiciona no centro do palco para mostrar a todos o que eu mesmo já sei.

O medo já não parece mais existir nele. A expressão de Jimin é poderosa. Me faz morder o lábio, daqui de longe, enquanto eu lembro que, cacete, ele é meu namorado.

Com os pés naturalmente habilidosos para a dança, ele faz a primeira pose.

O palco é grande; facilmente faria parecer vazia qualquer outra apresentação. Mas não a dele. Não quando Jimin o preenche inteiro com movimentos guiados pela música, quando seu corpo toca o chão e sua alma inteira se expressa para os poucos olhos privilegiados que podem assistí-lo agora.

Não é proposital, mas minha boca fica aberta durante toda a apresentação; meu corpo, curvado.

Duas cadeiras ao lado, a acompanhante de algum outro candidato diz, sem pensar:

— Meu deus.

E eu, ainda que não seja a pessoa mais propícia a interagir espontaneamente com desconhecidos, respondo:

— Eu sei.

É só isso. Nada mais dizemos, ainda impressionados com os poucos minutos intensos que Jimin performa até encerrar, ofegante, mas cheio da elegância e graciosidade natural.

Ninguém aplaude. Não é o tipo de ocasião para isso; no entanto, eu facilmente percebo que todos aqui pensam o mesmo que eu.

Uma vaga é dele.

Uma vaga é definitivamente de Jimin.

E algo que talvez os outros não percebam, concentrados demais no que sentem ao fim da performance para prestarem atenção em mim:

Eu amo Jimin. Eu o amo enlouquecidamente.

— Amor! — Nós nos encontramos na saída. Ele chama, feliz, ciente de que deu o melhor de si. — Você...

Eu o interrompo.

Basta olhar ao redor para ter certeza de que não estamos sozinhos no salão e eu calo o que Jimin estava prestes a dizer ao segurá-lo pela mão e puxá-lo comigo.

Do lado de fora, em um canto escondido no estacionamento, eu o empurro contra a parede para beijá-lo com vontade.

Ele é pego de surpresa, mas não rejeita meu gesto. Do contrário, eu logo sinto suas mãos me puxando desesperadamente e sua boca correspondendo meu beijo afoito, motivado pela paixão que pulsa em mim.

Quando paro de beijá-lo, juro que me sinto ofegante, ainda pressionando-o contra a parede, antes de dizer:

— Eu sou sortudo feito o cacete. Não acredito que você é mesmo meu.

— Não de um jeito possessivo? — Ele pergunta, com humor.

— Nunca de um jeito possessivo.

— E isso tudo quer dizer que você gostou da minha performance...?

— Foi do cacete, Ji. Meu deus. Uma mulher do meu lado literalmente chamou por deus. Todo mundo ficou sem palavras, você é, puta merda... puta merda!

Ele sorri, visivelmente feliz com minha reação. E, diante de tudo, diz sinceramente:

— Obrigado, amor.

— Obrigado você por existir. Cacete!

Jimin explode em um riso genuíno, me abraçando com mais força enquanto eu retribuo seu abraço e questiono:

— Agora é só a entrevista, não é? Amanhã. E então, aguardar o resultado.

— Sim. Eles disseram que o e-mail de resposta será enviado dentro de uma semana.

— Ok. Então você pode, sei lá, foder? Eu quero muito foder você, pode me foder também. Eu só quero você antes de voltar para Busan, Ji...

— Minha dança te deixa assim? Se eu soubesse disso, teria te conquistado há muito mais tempo, Jungkook-ssi...

— É sério.

— Você está mesmo com tesão?

— Eu estou com vontade de amar seu corpo inteiro depois de ver a arte que ele fez enquanto dançava naquele palco, Jimin.

— Jeon Jungkook... alguém aprendeu cantadas não matemáticas?

Eu não consigo conter um sorriso suave, que morre quando Jimin beija minha boca delicadamente e decide, apesar da brincadeira:

— Então vamos voltar e fazer amor até a hora de você ir.

O que ele decide, nós fazemos.

Com a minha passagem de trem reservada para hoje à noite, eu e Jimin passamos mais um dia grudados um no outro até o último segundo.

Eu simplesmente não me canso da companhia, dos toques que se alternam entre suavidade e brusquidão, dos sorrisos e da voz sempre mansa quando ele fala comigo. Eu não me canso de Jimin, assim como não me surpreendo por tê-lo desejado sempre perto mesmo quando minhas memórias estavam escondidas e esquecidas em mim.

Não que eu seja o tipo de pessoa a ver tudo pelo lado positivo, mas é impossível não pensar que esse tempo sem minhas lembranças da chance noventa e nove talvez tenha cumprido sua missão. Foi como se o infortúnio do esquecimento pudesse provar a genuinidade do nosso enfim acerto: Jimin não mais escondeu a verdade sobre o seu padrasto; eu, não mais o culpei por algo pelo que nunca teve culpa.

E não foi o colapso do universo que nos fez agir da maneira oposta àquela planejada pelo destino; foi amadurecimento.

Cem chances depois, estávamos prontos para lidar com a verdade.

O que não quer dizer que eu esteja pronto para lidar com tudo.

— Tem certeza de que precisa ir hoje? Eu posso pagar sua passagem e você volta depois de amanhã comigo... — Jimin oferece, manhoso e burguês, enquanto joga os braços ao redor de meu pescoço.

Ele se voluntariando a pagar a facada que é uma passagem de última hora e eu aqui ainda pensando no maldito troco que deixei com o motorista.

No entanto, o que mais me atormenta no momento não é isso.

É a condição de minha mãe, aquela estabelecida quando ela se ofereceu para pagar as minhas passagens para que eu viesse até Jimin.

— Preciso ir, Ji — Respondo, tocando-o na cintura estreita.

Ele me olha atentamente; com a expressão suave, mas olhos perceptivos, facilmente entende:

— Nós vamos nos ver de novo em dois dias, então não deve ser saudade antecipada... quer me dizer por que você está com essa carinha triste, Jungkook-ssi?

Ainda que comunicação nunca tenha sido meu forte e guardar as coisas para mim quase sempre tenha sido a minha primeira opção, a mansidão da fala e do toque de Jimin em meu rosto me faz confessar:

— Eu vou visitar o túmulo de meu pai.

Ele umedece os lábios cheios e é fácil perceber os olhos bonitos contraindo-se suavemente porque, a essa altura, Jimin já sabe perfeitamente bem que visitar o túmulo de meu pai é algo que evitei até hoje.

— Vai? — Num dos raros momentos em que ele não encontra palavras certas para dizer, seu questionamento vem atrapalhado e surpreso.

— Foi a condição de minha mãe para que eu viesse te ver. Ela não quis me forçar, mas me pediu para prometer que pelo menos tentaria, então... farei isso amanhã, depois de três anos fugindo daquele lugar como fugia da MoonMoon.

Jimin me toca com cautela, assim como pergunta:

— Você está pronto?

E, sinceramente, respondo:

— Não... Mas eu nunca vou estar.

— Quer que eu vá com você?

— Você tem a entrevista amanhã e eu não posso adiar mais... se fizer isso, perco a coragem — Confesso, sem orgulho algum. — Pode ficar tranquilo, Ji. Se eu ficar baqueado, você me consola depois com um boquete ou sei lá.

Ele percebe minha tentativa falha de dispersar o assunto; percebe meu desconforto, tensão e medo, então nada faz além de sorrir um sorriso preocupado.

— Sério — Insisto, somente para tranquilizá-lo. — Tá tranquilo. Ok?

— Eu te conheço bem demais para saber que não está tranquilo, Jungkook.

— Aprendeu a ler mentes, foi?

Ele finalmente sorri com um pouco mais de espontaneidade, enquanto eu seguro seu rosto para beijá-lo na testa, nariz e, enfim, boca.

— Relaxa, Jimin-ssi. De verdade. Eu preciso ir ou perco o trem e não tenho dinheiro para outra passagem, porque diferente da sua família que caga dinheiro, a minha caga pedra. Até depois de amanhã, não é?

Ele apenas assente. Eu, findo nossa despedida com mais um beijo rápido e enfim, com a mochila nas costas, sigo à porta do apartamento para ir embora — cenário que, em breve, talvez se torne constante daqui para a frente: um sempre se despedindo do outro.

Durante todo o percurso dali até a estação de trem e da estação de trem até Busan, minha cabeça é bombardeada por sequências desconexas de pensamentos sobre absolutamente tudo.

Pilotar Belinda não provoca nenhuma mudança no cenário; Chegar em casa, menos ainda, mesmo com a recepção calorosa de minha mãe, meu irmão e minha filha.

Quando a casa dorme, é somente Jungoo quem me faz companhia no silêncio do quarto, descansando depois de ser modelo de várias fotos que capturo para mandar para Jimin.

— Queria que sua guarda fosse compartilhada, xará — Digo para ela, acariciando o corpo gordo e peludo deitado em meu peito.

Jungoo continua quieta, movendo apenas o nariz no ritmo frenético de sempre. Eu, ainda pensando demais, corrijo:

— Na verdade, queria poder estar sempre perto de você e do seu outro pai. Você também sente falta dele quando ele fica longe, não é?

Do teto, passo a olhar atentamente para a coelha que, por sua vez, mal parece perceber minha existência.

Mantendo uma mão cuidadosamente em suas costas, eu uso a outra para pegar meu celular e viajo diretamente até a conversa de Jimin; depois de encarar a tela sem digitar qualquer nova mensagem, eu umedeço os lábios com tensão e troco de aplicativo.

No mecanismo de busca, pesquiso por aquilo de que tanto preciso: vagas de trabalho.

Mas em Seul.

Isso de maneira alguma quer dizer que minha decisão está tomada; do contrário: parece cada vez mais incerta.

Mas a verdade é que a confissão de Jimin me faz pensar em uma possibilidade que há muito tempo parecia ter se tornado inalcançável.

Sem chegar a qualquer decisão, também sem encontrar paz para ter boas horas de sono, a madrugada se arrasta de maneira lenta e cansativa até o momento em que o sol nasce e eu sou forçado a sair da cama na qual revirei por toda a noite.

— Fedorento... — Minha mãe chama assim que me vê. — Que cara de bosta é essa?

Eu expulso o ar, sem paciência, enquanto descanso meu corpo sobre uma das cadeiras da cozinha. Jungoo, no outro canto, come a ração no potinho que minha mãe tirou do meu quarto e colocou aqui.

Sem dizer qualquer coisa, eu continuo olhando para a coelha enquanto minha mãe continua olhando para mim, atenta à expressão cansada em meu rosto.

Muito tempo depois, sem olhar para ela, digo:

— Tem duas coisas que não saem da minha cabeça.

— Quais são, filho? — Questiona, aproximando-se para sentar em minha frente. — Diz pra mãe.

Hesito novamente. Depois de alguns instantes, confesso a primeira:

— Não sei se estou pronto para visitar o túmulo de meu pai.

Ela nada diz, de início. Depois, alcança minha mão sobre a mesa e toca carinhosamente, para garantir:

— No seu tempo, fedorento. Eu só pedi que você tentasse... se ainda não conseguir, tudo bem.

Eu puxo minha mão somente para então colocá-la sobre a de minha mãe em um gesto manso que nem sempre condiz com meu jeito. Neste momento, no entanto, é necessário para preparar o terreno.

— A segunda coisa é que eu talvez esteja pensando na possibilidade de ir para Seul com Jimin.

Agora, o silêncio é absoluto. Ela não esboça qualquer reação, enquanto eu apenas espero por uma.

Talvez seja cedo demais para anunciar uma ideia que ressurgiu há tão pouco tempo; no entanto, prefiro ser rápido ao revelar, no lugar de deixar para soltar a bomba caso a decisão de ir seja tomada. Preparar o terreno, não é?

E por sua reação, ou completa ausência de uma, diante de uma mera possibilidade, eu sei que minha mãe teria um treco mortal caso eu algum dia simplesmente anunciasse que decidi ir embora.

— Você não está falando sério, está? — Ela pergunta baixo, desacreditada.

— Não quer dizer que eu vou... só quer dizer que a ideia existe.

— Vocês estão juntos há menos de dois meses, Jungkook. Não pode ser sério que você está pensando em mudar de cidade por ele.

Eu me preparo para explicar que não é somente por ele; se fosse, a decisão já estaria tomada. E, apesar de minha vontade de estar com Jimin ser, sim, um dos motivos, tem muito mais a ser ponderado para que eu seja capaz de escolher o que será melhor para mim. Então não é por ele, é por mim.

Antes que minha fala se atrapalhe em dar vida ao que tão claro tenho em minha mente, preciso engolir as palavras ao ver Junghee caminhar para dentro da cozinha com os olhos inchados de sono, o cabelo todo de pé e os pés se arrastando sobre o chão.

— Bom dia... — Ele diz, ainda sem força para viver.

— Bom dia, bebê. — Minha mae diz para ele; para mim, lança um olhar que diz: conversamos depois.

— Por que vocês estão com essa cara de enterro?

Nós não respondemos. No lugar, eu fico de pé e me preparo para voltar para o quarto, mas, antes, anuncio:

— Mais tarde vamos visitar pai.

Eu sequer sei se conseguirei passar dos portões do cemitério; se passar, não sei se conseguirei ficar diante de seu túmulo. Ainda assim, eu prometi que tentaria, então o farei.

O problema é que o passar do tempo apenas me deixa mais inquieto e eu demoro o dobro ou triplo de tempo fazendo qualquer coisa que precise ser feita.

Quando o meio da tarde se aproxima, eu me preparo para a primeira tentativa em três anos, mas a vagareza de todas as minhas ações que antecederam o atual momento apenas parece se intensificar e, diante do guarda roupa aberto, eu permaneço parado por longos minutos.

A campainha de casa toca, mas eu não me movo.

Logo ouço os passos apressados de Junghee para que ele receba seja lá quem estiver nos visitando, assim como ouço sua voz surpresa e animada dizer:

— Jimin hyung!

Meu cenho se contrai imediatamente.

Jimin deveria voltar amanhã.

Meu deus, quanto tempo eu fiquei parado diante do armário?!

Confuso, eu saio do quarto vestindo minhas roupas velhas e confortáveis, seguindo até a porta de casa para ver que meu Ji está mesmo aqui, com mala e tudo.

Meu coração se enche de felicidade ao vê-lo, mas também de confusão.

— Jimin-ssi?

— Oi, gracinha — Ele diz. Parece ofegante. Olha para Junghee já preparado para sair, depois para mim, e pergunta: — Vocês já foram?

Eu nego, ao que ele reage com alívio puro e tira os sapatos antes de entrar de uma vez, caminhando em minha direção.

— Ji... seu voo não era amanhã...?

— Cancelei minha passagem de avião e vim de trem. Você disse que gostaria de me ter com você quando fosse visitar seu pai, então... eu também queria muito estar aqui hoje, Jungkook.

Meus olhos vagam, perdidos, até pousarem em Junghee. Ele parece surpreso, meio impressionado mesmo, e acho que eu pareço da mesma forma.

— Você não precisava fazer isso, amor... — Digo, atordoado.

Eu realmente não esperava que ele viesse. Eu não esperava mesmo.

— Eu sei que não precisava, Jungkook-ssi. Mas eu queria.

— E sua entrevista? Jimin, pelo amor de deus...

— Eu participei da entrevista, por isso não consegui vir mais cedo — Confessa, tocando minha nuca carinhosamente. Com a voz baixa, diz: — Ainda bem que cheguei a tempo.

Eu olho para ele ainda sem acreditar.

Assim como estive determinado a encontrá-lo em Seul para dizer que o amo, Jimin estava determinado a bagunçar seus planos e voltar antes para Busan para provar, em mais uma das infinitas vezes, que me ama.

Eu sinto a reciprocidade como nunca senti antes.

Agora, sei que assim como eu colapsei o universo inteiro por ele, Jimin colapsaria o universo e mais por mim.

Ter sua companhia, assim como ter minha mãe e meu irmão comigo, me traz algum inesperado conforto na situação que vivo. Por isso, não faço questionamentos, apenas o abraço em agradecimento e digo:

— É tão fácil ser romântico quando se tem dinheiro, né?

Ele explode em uma gargalhada e estapeia meu braço enquanto eu, no lugar, beijo seu pescoço inteiro e ouço Jimin garantir:

— Se não tivesse dinheiro, eu atravessaria o país a pé por você, gracinha.

— Claro que ia — Digo de maneira falsa, somente para implicar um pouco mais com ele.

Ainda bem que Jimin é paciente. Qualquer outra pessoa provavelmente já teria me comido no soco.

— Eu vou trocar de roupa — Anuncio, então, tomando um último instante para abraçá-lo bem forte.

Se pudesse, não soltava mais nunca.

— Ok... — Ele diz junto de um riso leve. — Vai trocar de roupa grudado em mim...?

Eu nego, mas não o solto, e continuo abraçando-o, até escondo meu rosto em seu pescoço por longos instantes, apreciando o calor e o cheio familiar.

Pela primeira vez no dia, então, digo o que ele merece ouvir sempre:

— Eu te amo, Ji.

Ele não responde com nada além de um carinho gostoso em minha nuca e um beijo em minha cabeça. A essa altura, a ausência de palavras recíprocas não mais seria capaz de me fazer entrar em paranóia duvidando de seus sentimentos, porque já estou indiscutivelmente certo sobre cada um deles.

Quando enfim me afasto, meu olhar encontra o seu, as fendas desenhadas como por garras de algum animal feroz que abrigam as íris castanhas intensas.

Nunca vou parar de me perguntar como um dia fui capaz de não gostar de seus olhos. Como fui capaz de não gostar de qualquer coisa em Park Jimin.

Agora, os olhos intensos e bonitos sempre me olham com um carinho e amor que não parecem existir quando ele olha para qualquer outra pessoa.

Pessoa.

Porque, quando seus olhos deixam de me olhar e miram um ponto ao chão, o carinho e amor ali presentes permanecem e ele logo se abaixa para receber Jungoo, que se aproxima com saltos alegres e desajeitados da mesma forma que um dia me fez entrar em desespero.

— Meu amor — Ele diz quando a coelha enfim para de saltar de um lado para o outro e permite que as mãos pequenas e cuidadosas de Jimin peguem seu corpo peludo e gordo. — Eu não me aguentava mais de saudade de você...

Eu amo Jimin. Eu amo Jungoo. Definitivamente, amo ver o amor entre eles.

Por isso, ainda fico um tempo parado olhando para o meu namorado enquanto ele olha para a nossa rabugenta, até que enfim ela mete a maior dentada no queixo de Jimin enquanto ele enche Jungoo de beijos e eu explodo em uma gargalhada sincera.

— Bem vindo de volta, Ji.

Ele olha para mim dividido entre diversão e surpresa pela mordida, mas ao fim acaba se desfazendo em riso.

Enfim, eu sigo ao quarto assim como Junghee voltou ao seu e, mais ágil que antes, pego uma calça escura, duas camadas de moletom e, vestido, volto à sala. Assim que o faço, fico mortificado ao ver minha mãe ali, de frente para Jimin, dizendo:

— Que história é essa de que você quer levar meu filho embora?

Misericórdia...

— Mãe, pelo amor de deus!

— Não se mete, fedorento! Não é da sua conta!

Jimin olha para mim, para minha mãe, depois para mim novamente, constantemente alternando o foco de sua atenção, sem saber como reagir.

Depois nós falamos sobre isso — Digo. Cacete, meu deus, era melhor ter ficado calado.

Depois é o inferno, Jeon Jungkook! Eu quero saber como é possível que eu tenha recebido Jimin tão bem nesta casa somente para ser apunhalada pelas costas enquanto ele tenta roubar o meu filho! E a minha neta!

— Mãe!

— Tia, eu...

— Calados!

Nós nos calamos. Jimin está sentado no sofá. Minha mãe está em sua frente, de pé, com os braços cruzados, e o cabelo preso em um rabo de cavalo baixo jogado para trás, dando visão completa de seu rosto muito furioso.

Diante de nosso silêncio, ela arqueia as sobrancelhas de maneira inquisitiva e alterna a atenção entre nós:

— Então?! Vocês não têm nada a dizer?!

Jimin pressiona os lábios com toda a vida, contendo o próprio riso.

— A senhora que mandou a gente se calar, velha doida, fedorenta!

Minha mãe avança até o sofá, pega a almofada e joga em minha direção, depois exibe a mão para mim que, apesar de não ser grande, é pesada como um cacete de uma bigorna.

— Olhe a boca, Jeon Jungkook!

Eu me controlo para não revirar os olhos ou sei que a mão voa em minha cabeça e talvez na cabeça de Jimin também.

Ainda indisposto para ter a conversa que ela quer ter, eu faço uso do meu escudo ao gritar:

— Junghee, estamos indo!

Minha mãe me lança um olhar bravo, que logo precisa disfarçar quando o moleque aparece, todo bonitinho com o cabelo penteado na cabeçona e a roupa meio folgada em seu corpo magricelo.

— Tô pronto! — Ele diz.

Com um sorriso vitorioso ao ver minha mãe novamente precisando adiar a conversa, eu sigo à porta para enfiar meus pés nas botas de combate exageradas e logo em seguida passo para o lado de fora.

Quando estamos todos acomodados no carro velho de minha mãe, no entanto, e Junghee vai no banco da frente buscando alguma música que considere adequada o suficiente, eu relembro que a conversa sobre Seul não chega sequer perto de ser tão desesperadora quanto o que estamos fazendo agora.

Durante o percurso, pouco é falado. Minha perna se agita constantemente, em agonia, e minha inquietação cresce a cada metro percorrido em direção ao destino que tanto evitei.

A mão de Jimin repousa em meu joelho. Imediatamente, minha perna para de se balançar. Meu coração, por outro lado, segue em agonia exponencial mesmo quando ele deita a cabeça em meu ombro em um gesto que sei que tem o intuito de me dar algum conforto.

Talvez seja fácil perceber que, desta vez, não há nada no mundo capaz de me confortar. Não há nada no mundo capaz de confortar um coração prestes a reencontrar a lápide que representa, por todo o sempre, o fim da vida de alguém que tanto amei.

Quando o carro para diante do cemitério, meu coração parece saltar em meu peito. Eu sinto minha garganta seca e minhas mãos suadas.

Do banco do motorista, minha mãe me olha. Já sem a impaciência de mais cedo, tudo que existe em sua expressão é uma compreensão acolhedora.

— Tudo bem, filho?

Eu balanço a cabeça para cima e para baixo, ainda que todos possam perceber que é uma resposta mentirosa.

Sem dizer qualquer outra coisa, eu respiro fundo duas vezes e alcanço a maçaneta da porta, abrindo-a para sair do carro unicamente porque me sinto sufocado.

Assim que o faço e deslizo as mãos por meu rosto antes de jogar meus cabelos para trás, meus sentidos se confundem quando minha audição captura os sons das outras portas abrindo para que todos desçam do carro, mas meu cérebro consegue processar somente o que meus olhos vêem: a vastidão do cemitério à frente coberto por uma fina camada de neve que parece mais quente que a sensação sufocante em meu estômago.

— Filho? — Minha mãe me chama mais uma vez. Nenhum deles dá sequer um passo à frente antes que eu o faça.

Junghee é quem carrega o pequeno e simples buquê de flores trazido por nós. Minhas mãos, sempre em agonia, se escondem e se aquecem nos bolsos de minha calça, num dos quais sinto o papel dobrado que não poderia deixar de trazer hoje.

Ainda incapaz de dar qualquer resposta verbal, eu concentro toda a minha coragem em dar os primeiros passos. Depois, em dar os próximos.

Cada passo dado é uma vitória, ainda que eu me sinta derrotado por esse acúmulo de sentimentos que me marcam a alma há três anos, mas, hoje, ganham ainda mais força.

Um passo depois do outro.

Está tudo bem.

Eu consigo.

Um passo depois do outro, em um ritmo lento, até que eu sou devolvido à inércia da falta de movimentos quando avisto o túmulo de meu pai.

Quando avisto, diante dele, uma pessoa de pé.

Meu coração dispara e eu sinto que poderia vomitar. O ar foge de mim, deixando um rastro momentâneo no ar frio, e eu ouço as batidas de meu coração martelarem em meus ouvidos enquanto minha atenção recai inteira na mulher diante do nome do meu pai cravado em uma pedra.

— Mãe... quem é ela? — Eu ouço Junghee perguntar, confuso.

Lentamente, o rosto enrugado vira em nossa direção; o corpo, coberto por um grosso agasalho e pela camisola da ala psiquiátrica do hospital, cobre o corpo pequeno e frágil, tão diferente dos olhos, que parecem carregar toda a força do mundo.

Lee Seon Yeong está aqui, em mais uma de suas repentinas aparições desde o dia em que Yoongi nos apresentou e eu vi, na velha tida como louca, um misto contraditório de insanidade e sabedoria inalcançável.

Sua presença sempre veio a nós, ou a ela fomos levados, em momentos de desespero.

Lee Seon Yeong é quase como mau presságio.

Diferente de minha mãe e de meu irmão, que nada sabem sobre a velha e se enchem de confusão diante de sua presença aqui, eu me encho de súbito pânico diante das possibilidades por trás de sua aparição.

— Com licença... — A velha se aproxima com passos lentos e a voz nasce com a ingenuidade que sei que não pertence a ela, para pedir: — Eu acho que me perdi...

— Oh — Minha mãe facilmente se convence pelo teatro que me faz trocar um breve olhar com Jimin, tão assustado quanto eu. — Nós podemos te ajudar...

— Eu faço isso — É tudo o que digo ao interrompê-la, com o coração acelerado, sabendo bem que é comigo que Seon Yeong quer falar.

Ela estava me esperando. Por algum motivo, cansou de esperar e veio até mim.

Ainda em pânico, mas me forçando ao máximo para fingir bem, eu seguro o braço da velha, dizendo alto o suficiente para que minha mãe e meu irmão possam escutar:

— Eu te acompanho.

Por algum tempo, tudo o que ouço é o som suave de nossos pés desenhando o caminho sobre a fina camada de neve que caiu mais cedo, trilhando nosso percurso dali em direção aos grandes portões enferrujados do cemitério quase completamente vazio.

Até estarmos suficientemente afastados, eu me mantenho em silêncio. Seon Yeong tampouco diz qualquer coisa, com a expressão quase serena no rosto velho e enrugado, enquanto minha agonia se manifesta em gestos escondidos nos bolsos da calça, que escondem e aquecem minhas mãos firmemente fechadas em punho.

— Eu ia até você — Digo depois de olhar discretamente para trás e perceber que já estamos longe o bastante. — Não precisava vir até mim. Definitivamente, não precisava vir até mim logo aqui.

Os olhos intensos, mas serenos da avó de Yoongi vigiam o céu enquanto seus pés, protegidos por botas aquecidas, abrem passadas curtas que preciso me forçar a acompanhar.

— Lembra de quando seu tempo estava acabando, criança? — Ela pergunta, sem pressa.

— Difícil esquecer do que me atormentou por semanas.

— Sim... — É tudo que diz, sempre calma. Depois de uma pausa que apenas me traz mais agonia, finda: — Agora, é o meu tempo que está acabando.

Eu aperto meus olhos, parando de andar assim que entendo suas palavras.

Seon Yeong também para um passo depois. Demora um pouco para se virar para mim, mas enfim o faz sem que sua expressão mude mesmo diante da minha.

— Você vai...?

— Morrer, minha criança. É claro que vou. Todos nós morremos um dia, não é o que dizem?

Ela parece completamente inabalada diante do anúncio da própria morte. Até mesmo sorri, com os cabelos grisalhos, suavemente arrepiados, emoldurando sua face amadurecida pelo longo tempo de vida.

— Você parece assustado, Jungkook.

— Incomodado. Você é doida mesmo, de anunciar uma coisa como essa. Você é velha, não quer dizer que já está com o pé na cova.

— Mas eu sei. Eu sei de muitas coisas, criança. Esqueceu? Você me procurou para tentar encontrar respostas porque sabia que eu as tinha.

— Não que você tenha dado alguma. Tive que lascar meu cérebro tentando entender seus avisos pela metade.

Ela sorri um pouco mais, nada ofendida por minhas palavras.

— Eu sabia as respostas, mas também sabia que não podia simplesmente dá-las a vocês. Uma intervenção assim mudaria tudo, menino. Você sabe disso.

— É — Respondo, encolhendo meus ombros, ainda parado no mesmo lugar. — Mas eu ainda não sei de muitas coisas.

— Assim é a vida. Podemos saber muito, mas a quantidade de coisas que não sabemos sempre será maior.

— Não parece o seu caso.

— É o meu caso. Eu sei mais que alguns, mas não sei tudo.

— Mas você sabe o suficiente para responder às perguntas que tenho.

— Talvez. O que quer saber?

— Por que eu sou assim? Ou era... não sei. Por que nós somos como somos? Por que não somos como os outros parecem ser? Por que nós?

— Essa é uma pergunta que sempre me fiz, Jungkook. Talvez seja simplesmente o destino... quem sabe? Não parece haver razão, nós simplesmente... somos. É algo intrínseco à nossa existência.

Há uma pergunta que eu realmente quero fazer, mas me falta coragem para verbalizá-la, talvez por medo da resposta. Então adio, perguntando, no lugar:

— Está realmente acabado? Eu consegui salvar meu Jimin de uma vez por todas?

Ela olha para algum ponto por cima do meu ombro, na direção da qual viemos, e poupa o próprio tempo até voltar a olhar para mim e dizer:

— Essa resposta você já tem.

Eu umedeço meus lábios e sinto o alívio correr em meu corpo ao descobrir que não estava errado.

Eu definitivamente o salvei. Contra deus e contra o universo, eu verdadeiramente o salvei. Está acabado.

— Ele tem uma longa vida pela frente, Jungkook.

Eu passo as mãos pelo rosto, expulsando a sensação esmagadora que, no fundo, ainda resistia: a sensação de medo, o medo de, mesmo depois de tudo, ver o universo reivindicar a vida de Jimin antes que ele viva tudo o que merece viver.

— É impressionante — Ela diz, fechada nos próprios pensamentos. — Eu sou vista como uma pessoa louca porque poucas coisas me surpreendem, porque eu acredito no que a racionalidade não explica. Ainda assim... você me surpreendeu como nada nesta vida, menino.

— Por quê? — Questiono, verdadeiramente sem entender. Eu entendo que o que fiz impressiona qualquer um, mas ela?

— Quantos como nós você acha que existem? E quantos de nós você acha que são capazes de mudar completamente o destino? Quantos de nós você acha que são mais poderosos que o próprio universo?

— Eu não sou. Eu abri mão do que quer que fossem esses poderes. Se eu não fizesse isso, não conseguiria mudar o destino de Jimin, então a chance cem seria tão fracassada quanto todas as outras e tudo terminaria exatamente como foi destinado a ser. Eu perdi noventa e nove batalhas de cem. Vencer uma vez não faz de mim poderoso.

— Isso é o que mais me intriga. Jungkook... vocês tinham cem chances. Eu via que a chance de número cem era a última e acreditava que era porque, cem vezes depois, seu limite seria alcançado, mas eu estava errada. Você é tão imprevisível que, mesmo vendo o seu futuro, eu fui incapaz de entender o que estava prestes a acontecer.

— Como assim? — Questiono, cada vez mais confuso.

— Criança... quando eu via a chance cem como a última, não era porque esse era o seu limite. Era porque, na chance cem, você conseguiria vencer e não precisaria mais de novas chances.

— Então... — Cacete. Eu era mesmo maluco de tão poderoso.

— Então, se a chance cem não prosperasse, você seria capaz de tentar de novo e de novo.

— Mas se você já via o futuro e sabia que a chance cem seria a última, isso quer dizer que aquilo já estava escrito como o meu destino e o destino de Jimin? Salvar Jimin foi... meu destino?

Ela sorri, parecendo se divertir com meus questionamentos. Eu prossigo, com minha mente expandindo em confusão:

— Se o que estamos vivendo agora já estava definido, eu nunca lutei verdadeiramente contra o destino. Porque ele já estava traçado... não é?

— Sim, menino... mas porque foi assim que você destinou sua própria história. Você escolheu o próprio destino e cada uma de suas ações te trouxe a este momento, não o contrário. Não foi o destino que te fez agir como agiu.

Fazia tempo que minha mente não se acelerava como agora, buscando unir as pontas soltas da loucura que é a minha vida e do que eu mesmo fiz com ela.

Eu absorvo cada uma de suas palavras, sentindo o frio atormentar a pele exposta do meu rosto, mas absorto demais para verdadeiramente perceber a sensação.

Enfim, não consigo mais adiar a pergunta que passou a me atormentar desde que descobri que fui eu que provoquei todo o colapso iniciado em vinte e um de outubro.

Com o coração acelerado no silêncio sepulcral que domina o lar do descanso de tantos que se foram, minha mente viaja à lápide que carrega o nome de meu pai e o vento leva minhas palavras quando elas, enfim, enchem-se de coragem e nascem:

— Seon Yeong... se eu sempre fui tão poderoso, por que eu não tentei salvar a vida de meu pai?

O sorriso dela não mais existe; na face desenhada por rugas, tudo que existe é uma expressão cheia de condescendência; parece existir pena, também.

E, diante do seu silêncio, de cada mínimo traço de sua expressão e até mesmo do suspiro leve que deixa seus pulmões, meus olhos se abrem assim como minha boca, ao que minhas sobrancelhas se contraem e meu coração parece ser completamente esmagado, porque eu percebo:

— Eu tentei... eu tentei salvar meu pai também.

Eu tentei... e não consegui.

— Quantas vezes? — Pergunto, sufocando em minha própria dor. — Quantas vezes eu tentei impedir que ele morresse?

Ela parece não querer responder, mas, diferente de antes, o faz, quase receosa:

— Vinte e uma vezes.

Então, escondida em minha mente, no mesmo lugar em que se escondem as memórias de noventa e oito chances perdidas com Jimin, vive a dor de ter perdido meu pai mais de vinte vezes?

— Por que eu não tentei mais? — Insisto, sentindo minha respiração se tornar ruidosa, o ar parece não chegar aos meus pulmões. — Por que eu não consegui salvar logo ele?!

— Você era novo, Jungkook. Seus poderes não tinham amadurecido o suficiente... você não podia fazer mais do que fez.

— E por que eu não lembro? Por que eu não tenho sequer um flash de lembrança de ter tentado?

— Porque talvez você esteja errado. Talvez o deus que rege o nosso universo não te odeie, criança. Ele te poupou da dor de lembrar de perder alguém que amava mais de uma vez, assim como está te poupando da dor de lembrar de perder Jimin noventa e oito vezes, não é?

Eu nego, hiperventilando, agitando-me sobre meus pés.

— Ele me odeia. Se não me odiasse, por que me faria passar por tudo isso?!

— Não é essa a pergunta que deve ser feita. Perguntas erradas não nos levam a respostas certas, Jungkook.

— Qual é a pergunta certa, então? O que é certo nessa bagunça infernal?!

— Você deveria se perguntar o oposto: por que ele permite que você seja poupado de ainda mais dor? Por que ele permitiu que Hoseok acontecesse na chance noventa e nove? Eu também estive errada sobre ele... achei que aquele menino era um erro, mas a presença dele mudou suas atitudes, ainda que minimamente... ele possibilitou que as nuances sutis da penúltima chance abrissem caminho para que a chance atual seja exatamente como está sendo... você não percebe?

Eu não percebo.

Não consigo, não agora que meu coração está sobrecarregado com a certeza de que, se eu fosse um pouco mais poderoso, poderia ter mudado o destino de meu pai.

— Hoseok foi um presente que os céus deram a você e ao número noventa e nove, criança. Acredite em mim... deus não te odeia.

Se não odeia, porque dói tanto?

Por que eu não consigo aceitar que as coisas simplesmente fiquem assim?

À medida que minha mente une todas as pontas, eu sinto a queimação em meu peito dominar meus olhos.

Agora, é definitivamente impossível. Eu não mais posso salvar meu pai, não se abdiquei de todo o poder que me permitiria tentar novamente.

— Como eu faço para voltar? — Pergunto, desespero puro percorrendo minhas veias e se espalhando por todo o meu corpo, fugindo de mim para dominar minhas palavras trêmulas. — Como eu faço para o meu poder voltar?

— Jungkook...

— Eu quero de volta! Eu quero salvar meu pai! Eu posso fazer isso!

— Não é assim, menino... você sabe que não é...

— Eu sei que preciso tentar! Aquela voz... a voz sem som que ecoa em minha mente... eu ouvi uma vez mesmo depois de abdicar do poder que tinha. Isso quer dizer que talvez ele esteja voltando, não é?! Não é?!

— Jungkook... aquela voz nada mais é que sua própria voz. É a consciência presa em seu inconsciente. Por favor, minha criança, respire...

Eu recuo com um passo, afastando-me de Seon Yeong, negando.

Eu não consigo aceitar que poderia ter tentado mais e, agora que sei, sou incapaz de fazê-lo.

Eu poderia salvá-lo.

Eu poderia salvá-lo.

Com a mesma frase repetindo-se incansavelmente em minha mente, eu recuo com mais um passo. E com outro. Quando dou por mim, sentindo o ar gelado queimar todo o caminho até meus pulmões, meu corpo já virou, apressando-se em passadas largas e rápidas de volta ao lugar onde está minha família.

Seon Yeong não me chama. Ela não tenta me impedir. Mas, quando me aproximo o suficiente, meu corpo para sozinho.

Junghee está agachado diante do túmulo de nosso pai. Parece conversar com a lápide, gesticulando na direção de Jimin enquanto minha mãe arruma as flores depois de espalhar cuidadosamente a camada de neve.

Nenhum deles me percebe aqui, olhando-os, por mais que eu o faça por longos instantes.

Não consigo dar sequer um passo até o momento em que minha visão se torna completamente borrada sob as lágrimas que nascem, acumulam-se e, sem demora, escorrem por minhas bochechas.

Então, eu me aproximo.

Minha mente não mais consegue se ater à racionalidade. Ela se torna nublada demais, focada apenas em minha dor.

Eu poderia salvá-lo.

— Filho... — Minha mãe diz com o inconfundível tom preocupado ao me ver voltar a caminhar na direção de todos eles.

Junghee e Jimin me olham com igual preocupação. Eu ouço os chamados assustados e nervosos, mas nada consigo dizer para eles.

Meu coração consegue permitir apenas uma palavra, que é dita sob lágrimas quando paro diante do túmulo e, sem forças, caio ajoelhado diante dele:

— Volta...

— Hyung... — Eu ouço Junghee chamar. É imediato: basta me ver assim para que sua voz se torne chorosa.

Eu não quero machucá-los. Não quero provocar dor em ninguém, mas não quero sentir a dor que estou sentindo, então insisto, inclinando-me o suficiente para deitar a testa na lápide fria:

— Por favor, pai... volta... deixa eu tentar de novo...

— Meu amor... — Minha mãe tenta me chamar novamente. Eu sinto suas mãos tentando me puxar para seu abraço, para me proteger, mas eu mantenho meu corpo rígido.

Sem que ela me afaste, eu consigo puxar para fora do bolso o papel que trouxe comigo, amassando-o entre meus dedos enquanto sinto as lágrimas correrem por minha bochecha, acumularem-se em meu queixo e, dali, caírem no chão.

— Volta, pai... deixa eu cantar a música que escrevi para você... por favor, volta...

— Jungkook — Desta vez, é Jimin quem chama. Ele me toca nas costas, mas não me faz abandonar o lugar no qual me ajoelho para sentir a minha dor.

Eu o salvei. Eu salvei Jimin, mas não salvei meu pai.

Eu continuo suplicando, implorando para que ele volte, com mais dor banhando minha voz até que ela não mais consiga existir, perdida detrás de soluços intensos.

Junghee chora ao meu lado. Não preciso olhar para saber que ele e minha mãe estão chorando, os dois tentando me acalmar com suas mãos cuidadosas, tentando me abraçar, incapazes de entender o que sinto agora.

Então eu imploro, imploro e imploro... mas é em vão.

Nada muda.

Nada vai mudar.

Com a dor dilacerando meu peito e o choro sonoro e dolorido sendo carregado pelo ar, eu derramo, diante do túmulo do meu pai, todas as lágrimas que sempre estiveram presas em mim, sufocando minha existência por três longos anos.

— Jungkook... — Minha mãe volta a me chamar, beijando o topo de minha cabeça constantemente. — Meu bebê... desculpa. Eu não deveria ter te pedido para vir...

Eu não consigo negar.

De alguma forma, chorar me faz sentir mesmo sufocado... mas não me faz sentir menos dor.

Minha alma parece enfraquecida; meu corpo, ganha força.

Eu não consigo continuar aqui.

Assim, basta o instante de um soluço e um impulso para que eu me afaste bruscamente, pondo-me de pé antes de recuar com um passo.

É neste momento que vejo a dor e as lágrimas de minha família e do meu amor. E eu estou como uma bagunça completa, impossível de ser organizada novamente, mas não quero provocar ainda mais dor em nenhum deles, da mesma maneira que não consigo esconder a minha.

Por isso, eu recuo. Recuo mais, até começar a me afastar com passadas longas.

— Jungkook! — Minha mãe chama.

Os passos que logo ouço seguirem os meus, mas que demoram para me alcançar, no entanto, são de Jimin.

— Amor — Ele diz, conseguindo se por em meu caminho. Jimin tenta tocar meu rosto, mas eu me esquivo. — Amor, o que ela te disse? — Pede, com os olhos derramando lágrimas como os meus. — Conversa comigo, por favor...

Eu nego, perdendo o ar durante um soluço engasgado que precede minhas palavras impensadas:

— Eu te salvei... por que não o salvei também?

— Amor...

Minha cabeça mais uma vez é balançada para os lados; Jimin tenta me tocar, mas eu me esquivo novamente e, ao ouvir minha mãe e meu irmão se aproximando com chamados cada vez mais perto, digo, com a voz baixa:

— Eu não consigo fazer isso.

Talvez Jimin não entenda o que exatamente não consigo fazer; sinceramente, nem mesmo eu sei.

Não consigo ficar aqui, não consigo aceitar que falhei em salvar meu pai, não consigo explicar tudo o que estou sentindo... são muitas coisas e eu sequer sei a qual delas me refiro.

A única coisa que sei é que eu fujo de cada um deles, ouvindo seus chamados desesperados enquanto me afasto com passadas tão rápidas quanto meu corpo suporta.

Quando sigo em direção à saída, deixando-os para trás, não mais encontro Seon Yeong.

Ela já foi, assim como estou indo, nem sei para onde.

Mas eu vou e não paro de ir, cortando caminhos para que não me alcancem e não me encontrem, levando meu corpo em uma caminhada que busca a exaustão de meu físico assim como o dia de hoje exauriu toda a minha alma.

Eu ando e fujo, já não sei se da dor ou das pessoas que amo. Eu simplesmente continuo seguindo, sentindo meu corpo exausto, a dor física ganhando intensidade à medida que até respirar se torna doloroso demais.

Não sei por quanto tempo ando; não sei quantas pessoas, no caminho, olham para mim.

Definitivamente, não sei se vir parar aqui foi proposital ou se foi uma maldita coincidência.

Mas é a este lugar que chego.

Com as rajadas de vento ainda mais violentas, correndo sobre o rio para me alcançarem, eu me posiciono no mesmo lugar em que encontrei Jimin no início da chance noventa e nove, o mesmo lugar em que prometi, para ele, que faria tudo dar certo.

Eu venho à ponte.

Atrás de mim, os carros correm de um lado ao outro enquanto eu permaneço parado diante da mureta. Daqui, olho para baixo, para a superfície calma do rio que esconde um turbilhão nas águas escuras.

Eu continuo olhando para baixo; meu coração continua estilhaçado em meu peito; minha voz ainda suplica:

— Eu quero tentar salvá-lo... por favor, só uma vez...

Nada. Absolutamente nada acontece.

Já sem força, no limite de meu corpo, eu viro para trás e sento sobre o chão sujo, recostado à mureta enquanto sinto o frio me envolver em um abraço cruel que em nada consola as lágrimas que voltam a escorrer uma atrás da outra, como o rio que corre debaixo da ponte.

Eu envolvo minhas pernas. Escondo meu rosto em meus joelhos, ouvindo o som brutal das rajadas de vento e o inconstante dos carros passando em velocidade de um lado ao outro.

Quanto tempo fico aqui, não sei.

Mas, de repente, um dos carros que ouço não parece seguir caminho. Ele para. Logo, no lugar do acelerador fazendo seu trabalho, ouço portas abrindo e fechando, antes de ouvir meu nome junto de passadas apressadas.

— Filho! — Minha mãe é a primeira a me chamar; ela senta ao meu lado, puxando meu corpo para um abraço intenso e protetor, desesperado assim como o choro que não vejo, mas ouço. — Jungkook, meu amor...

Eu não consigo dizer nada. Sentindo sua presença, assim como sinto Junghee e Jimin aproximando seus corpos quentes para aquecer o meu castigado pelo frio, apenas choro mais ao tê-los aqui.

Eles não tentam me fazer levantar; não me fazem perguntas. Apenas me protegem, me fazendo sentir o amor que têm por mim enquanto, em um lugar tão improvável, aceitam meu choro e choram junto comigo.

— Eu só queria voltar no tempo e salvar a vida dele — Consigo dizer, enfim, encolhendo-me ainda mais.

Meu choro não para.

Minha mente parece tão exausta quando meu corpo e meu coração.

Eu só queria voltar no tempo mais uma vez.

Continua no próximo capítulo

Olá! Como vocês estão?? <3

SIM, eu sei que atrasei a atualização dessa vez e me desculpem!! ): eu tô BEM ocupada mesmo, fiquei doente, aí melhorei, fiquei doente de novo, melhorei, sempre com um monte de coisa pra fazer, e não consegui terminar de escrever antes. Pelas próximas semanas, ainda estarei muito atarefada, mas cem chances tá bem pertinho mesmo do fim, então vou focar nela e manter as atualizações quinzenais

Faltam apenas dois capítulos para o fim. Gente, dois capítulos ): já to morrendo de saudade...

Mas, por conta dessa correria toda, Hemisférios vai entrar em hiatus ): eu não vou conseguir mesmo atualizar as duas simultaneamente e, como cem chances tá muito, mas MUITO perto do fim, acho que faz mais sentido focar nela, tudo bem?

O futuro de hemisférios será anunciado assim que eu tiver tudo organizado e cem por cento definido! inclusive, em breve anunciarei outras coisinhas também

BEM, enfim mais respostas sobre os poderes de Jungkook! Vocês já tinham se perguntado por que ele não tinha tentado salvar o próprio pai?

Ah, gente, pelo amor de deus, desculpem se passou qualquer erro muito grosseiro ): tentei revisar direitinho, mas não consegui me concentrar tão bem pq minha mente tá bem dispersa, querendo focar em mil coisas ao mesmo tempo D:

Mas por hoje é só! Nos vemos no próximo ou na #BelindaEPandora <3

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