[f(36) = 3x - 72] Memória do corpo

Ansiosos pra ver como andam as coisas na centésima chance? <3

🔮

Desafio em Tóquio é definitivamente o meu filme favorito, não só da saga Velozes e Furiosos. Essa é uma afirmação geral. Eu amo esse filme.

Naturalmente, existem poucas coisas na vida que me distraem quando me proponho a assisti-lo mais uma vez. Mas, enquanto Tokyo drift faz a trilha sonora de uma das cenas mais memoráveis, existe algo que me chama ainda mais atenção.

Jimin.

Esse inferno de cara que, ao meu lado, segue atento ao filme como se não estivesse me comendo o juízo simplesmente por existir e ser tão bonito.

Repetidamente, eu me percebo deslizando os olhos em sua direção. E, quando me dou conta, já passei uns bons segundos encarando seu rosto com essa boca que meu deus do céu.

As bochechas gordas são bonitinhas demais. O nariz miúdo, nem se fala.

— Jungkook? — De repente, ele me chama.

Os olhos afiados viajam em busca dos meus e eu mal tenho tempo de disfarçar quão hipnotizado estava. Ainda assim, tento, o que me rende um pavoroso momento no qual viro o rosto para a frente em velocidade desastrosa e, ao perceber que apenas fui mais indiscreto, mudo de ideia e volto a olhar para Jimin.

Enquanto isso, Jungoo dorme pacificamente em meu peito, completamente alheia ao pavor que sinto.

— Qual foi? — Quase morto de vergonha, pergunto.

A intenção não é ser grosseiro, mas eu logo percebo que talvez Jimin assim entenda e me encho de arrependimento imediato. No entanto, ele já parece mesmo habituado com minhas habilidades rudimentares de comunicação e não fica acuado por minha escolha infeliz de palavras.

— Foi mal. — Ainda assim, peço. — Não quis ser grosso.

Jimin suaviza o olhar; sem me tocar, me acaricia somente com esse jeito manso de sorrir, paciente.

— Você fica nervoso, não é? — E conclui o óbvio. — Perto de mim.

Já estamos perfeitamente cientes sobre a situação atual. É claro que eu não posso agir exatamente como o cara que ele namorou durante as últimas semanas, não quando não tenho qualquer registro sobre esse Jungkook em minha memória.

E, apesar das garantias de Jimin, eu ainda me sinto completamente acuado ao estar aqui, ocupando o lugar de uma pessoa que não sou mais e que sequer sei quão diferente foi.

— Não sei como agir. — E, tão óbvio quanto ele, digo. — Você ainda sabe como agir comigo, mas eu não sei mais como falar com você, não sei o que te ofende ou o que você gosta.

Jimin pisca lentamente, desse jeito esquisito.

Na tela do notebook, a imagem do filme congela quando ele pressiona a barra de espaço e arruma a postura para ficar sentado, sem pressa e sem impaciência.

Eu, com Jungoo continuamente deitada aqui, apenas continuo na mesma posição, completamente exposto ao olhar cuidadoso de Jimin.

E, depois de alguns instantes de ponderação, ele questiona:

— Você acha que nós devemos ir com mais calma?

Eu deslizo a mão sobre a cabeça da coelha gorda, acariciando-a enquanto absorvo o questionamento de Jimin.

— O que é ir com mais calma para você?

— Não sei. Talvez não te sufocar tanto com a minha presença tão constante — Ele sugere, sei que lutando para conseguir dizer as palavras que diz.

— Você disse que queria estar comigo.

— Eu quero! Jungkook, é claro que eu quero, mas eu não quero te sobrecarregar. Se você achar que é melhor ter mais tempo para ir se ajustando, eu vou entender.

Eu olho para Jungoo. É mais fácil olhar para ela, e não para Jimin, ao precisar dizer a verdade em toda sua feiura:

— Eu não sei.

Jimin não reage. É óbvio que estar diante de um namorado desmemoriado o afeta dolorosamente. Ainda assim, ele se esforça, o tempo todo, para me poupar de culpa.

— Quer que eu vá embora agora?

Para o momento exato e não para o cenário geral, eu consigo desenvolver certezas mais ferrenhas.

— Não quero que você vá.

Ele inspira profundamente, como em alívio. E eu, em agonia no lugar, confesso:

— Eu não sei é se vou conseguir lidar com essa merda de pensar demais o tempo todo sobre como agir. Não é que eu não saiba se quero te ver, Ji.

Minha confissão é completamente sincera. O que me deixa confuso aqui é essa coisa de ponderar demais cada mínima coisa que faço, porque ele já está acostumado a uma forma de ser tratado que não é a mesma de agora.

No entanto, apesar de deixar ali subentendido que quero estar em sua presença, a expressão de espanto que ele exibe me deixa confuso demais.

— Você me chamou de Ji?

Ah...

Chamei?

— Foi sem pensar. — Percebo, enfim, com a mesma falta de jeito. — Você gosta?

Jimin balança a cabeça para cima e para baixo, lentamente. Eu, em minha espetacular habilidade social, apenas faço um gesto com as sobrancelhas, arqueando-as junto a um pressionar de lábios.

— Ok — Ele diz, depois de se forçar a se recuperar do choque ao ser chamado dessa forma. — Posso te dizer uma coisa?

— Pode, né.

De novo.

Fui grosseiro? Ele se ofende quando falo assim?

Antes que ele me diga o que tem a dizer, eu me adianto:

— Cara... isso é cansativo. Me diz logo o que você não gostava das coisas que eu fazia e falava. É mais fácil.

— Era sobre isso que eu queria falar, Jungkook-ssi. E se, no lugar, você agir exatamente como quer agir? Do jeito que quer o Jungkook de agora. E se você fizer algo que me magoe ou ofenda, eu digo.

— É mais fácil dizer logo.

— É. Mas eu não quero que você fique preso tentando agir de uma forma que não é o seu natural no momento, Jungkook.

Jungoo acorda com minha movimentação impensada. Quando ela salta para meu travesseiro e bate as patas traseiras ali como se estivesse irritada, eu finalmente me ponho sentado de frente para Jimin. E, nesse momento, ele diz:

— Acredita em mim, gracinha... você pode ser você. Você sempre pode ser você quando está comigo.

— Eu sou meio grosso o tempo todo e nem é por querer. Você vai ficar puto.

— Não vou. Eu juro. Eu amo seu jeito e me divirto muito com suas falas mal calculadas. E se em algum momento me deixar meio bravo ou chateado, eu prometo que vou conversar com você.

Eu começo a levar minha mão para dar uma bela de uma coçada na nuca, mas paro no meio do caminho quando vejo Jimin estender o mindinho minúsculo em minha direção.

— Ok? Eu prometo, Jungkook-ssi.

Eu suspiro, cedendo às suas garantias quando envolvo seu dedo menor com o meu antes de pressionar nossos polegares juntos.

Aí, ainda segurando-o assim, digo:

— Você é todo compacto, não é? Até seu dedo é minúsculo.

Assim, tão subitamente, a expressão de Jimin inteira perde a suavidade e o carinho até então inabaláveis. No lugar, ele se enfurece.

— Compacto coisa nenhuma, Jeon.

E eu, tão enfurecido quanto, devolvo:

— Jeon é o cacete.

— Diga de novo que sou pequeno e eu nunca mais te chamo de outro jeito.

Eu o desafio com o olhar, mas Jimin está bem decidido em sua posição de me repreender até me fazer desviar os olhos com um gesto enviesado, quando no fundo preciso conter uma risada muito inoportuna.

E, diante da inofensiva implicância quase natural que nasce e que alimento, eu percebo, caso esse traço em minha personalidade não tenha mudado ao longo de nosso namoro:

— Deve ter sido um inferno me namorar.

Jimin expulsa o ar, diante de minha suposição.

— Sinceramente? — Questiona.

Pronto.

Lá vem.

— Você era irritante. Ainda é irritante. Me provocava de propósito o tempo todo sobre meu tamanho quando eu nem sou pequeno de verdade.

— Mas você é...

Ele me fuzila com o olhar, mas cai na própria armadilha quando me vê conter o riso e acaba se perdendo em uma gargalhada própria.

— Viu? Implicante. Insuportável. Mas me faz rir como ninguém.

Pelo menos isso ainda não parece completamente perdido e, de alguma forma inexplicável, sou capaz de fazer Jimin rir.

Porque essa risada...

— Namorar você foi a melhor coisa que me aconteceu, Jungkook. — E, enfim, ele diz. — E sua existência é a melhor coisa que já aconteceu nesse mundo.

Eu fico meio calado, meio sem reação. E, em minha frente, Jimin pede:

— Me deixa ser seu namorado, gracinha.

— Você já era...?

— Eu estou pedindo de novo, para esse Jungkook de agora. Me deixa ser seu namorado. Eu sei que não lembrar de tudo ainda é confuso para você, então você não precisa me namorar de volta, não até estar pronto... e se ainda me quiser.

— Como cacete você vai namorar uma pessoa que não te namora? Jimin, não complica, pelo amor de deus...

Ele sorri com ternura e carinho. No espaço limitado dessa cama, se aproxima de mim até sentar entre minhas pernas, cara a cara comigo enquanto suas mãos me acariciam cuidadosamente. Ao fim, ele se aproxima um pouco mais, com o cuidado de quem se aproxima de um animal arisco, e me segura o rosto para então deixar um beijo em minha bochecha.

— Só deixa eu te conquistar de novo, Jungkook.

É estranho falar em conquista quando meu coração já fica todo descompensado com sua presença. Ainda assim, Jimin é atento a cada mínimo detalhe de minhas reações, e diz:

— Eu quero que você saiba novamente todos os motivos pelos quais foi apaixonado por mim. Então deixa eu te conquistar de novo. E aí, quando eu conseguir, você me namora de volta.

— Quanta segurança... — Eu resmungo, incapaz de pensar em coisa melhor para dizer.

Mas que direito tenho de julgar suas certezas de que me conquistará mais uma vez?

Eu estou convivendo como se fosse a primeira vez com ele há menos de quarenta e oito horas e já percebi vários motivos indubitáveis que me fariam, e provavelmente me farão, ser apaixonado por ele.

— Se você soubesse, Jungkook... agora, eu tenho todos os motivos do mundo, do universo, para ter certeza de que você sempre vai se apaixonar por mim.

Que metido.

Mas acho que tem toda a razão.

Se nem uma cacete de amnésia me fez desapaixonar completamente por esse cara, não sei mais o que faria.

— Beleza. — Eu digo, enfim.

— Beleza? Você vai deixar?

— Sim. Me conquiste de novo.

Jimin sorri com tanta satisfação quanto pode existir diante de um namorado sem memória. E então se inclina para demorada e carinhosamente me beijar a o rosto, a ponta do nariz, minhas pálpebras e por fim minha testa, antes de pressionar a sua contra a minha.

Tudo isso, para dizer:

— Vai ser uma honra, amor.

Hesitando por longos minutos, minha mão vai e volta continuamente até que enfim faz o que queria fazer e se acomoda na cintura de Jimin, acariciando-o suavemente antes de assim segurá-lo quando deslizo minha palma para suas costas e o puxo mais para perto.

Ele se aninha, sentado contra meu corpo, enquanto eu me recosto contra a parede e sinto a cabeça do meu... namorado... deitada em meu peito.

— Mas ei. — Eu chamo, inevitavelmente pensativo.

— Sim?

— Você me pedir isso... quer dizer que não acredita que eu vou recuperar a memória?

Jimin não me solta. Ele se aconchega ainda mais em meu corpo, com sua mão pequena em meu abdômen e a cabeça deslizando suavemente até que a ponta de seu nariz pressione a pele de meu pescoço, antes de deixar, aqui, um beijo que me arrepia inteiro.

— É você, gracinha... então eu acredito, sim. Mas, lembrando ou não, eu quero estar aqui com você e quero que você sempre saiba por que quer estar comigo também.

Com menos hesitação que da primeira vez, meu outro braço se junta ao primeiro para envolver todo o corpo de Jimin. Sem resistir ao impulso, o abraço forte, quase instintivamente pressionando meu nariz no topo de sua cabeça para sentir o cheiro gostoso que tem seu cabelo.

E nada mais precisa ser dito, não por agora.

— Anda. — Ele diz, sem se afastar. Habilmente, usa o próprio pé para alcançar o notebook e pressionar a barra de espaço mais uma vez, retomando o filme até então pausado. — Vamos terminar de assistir essa porcaria.

Eu expulso uma risada muito incrédula, antes de abraçá-lo com toda a minha força e pressionar meu queixo em sua cabeça até ouvir ele reclamar enquanto ri.

— Como eu odeio quando você faz isso, meu deus — Ele diz, sem pensar.

Mas, aparentemente, isso é algo que eu fazia com frequência quando estávamos juntos. Agora, de forma tão natural, faço de novo.

Talvez o Jungkook do qual me esqueci não seja tão diferente assim.

Talvez eu não precise tanto competir com as lembranças que ele deixou para as pessoas que me cercam, caso minhas próprias memórias nunca retornem.

De qualquer forma, com Jimin, eu sinto cada vez mais que não preciso competir. Não agora, nem quando o filme acaba e nós passamos tanto mais tempo juntos na cama, em companhia de Jungoo, enquanto ele me explica por que escolheu esse nome e por que ela dá tantos pulos desajeitados quando está perto de mim.

É gostoso deitar ao lado de Jimin, com o corpo gordo e peludo da coelha entre nós, enquanto nossas mãos se encontram repetida e talvez não tão despropositadamente ao acariciarmos juntos a orelhuda mal humorada.

— Gracinha? — Ele me chama, de repente, enquanto seus dedos mais acariciam minha mão que a coelha sob ela.

— Fala.

— Eu sei que Jungoo é meio brava e estressada, mas ela é muito boa em cuidar de nós dois e eu trouxe todas as coisas dela. Então, se você quiser, ela pode ficar aqui por alguns dias.

— Pode?

— Pelo visto você quer...

Eu olho para o chão do meu quarto. O banheirinho improvisado dela está cheio de bolotinhas de merda, que também se espalham em menor quantidade pelo chão, transformando-o em um campo minado fecal.

Diante disso, deveria decididamente negar.

— Quero. — Mas é o que digo.

— Ok. — Ele decide, puxando a coelha um pouco mais para perto, até conseguir pressionar um beijo no pescoço peludo. — Então cuide bem de Jungkook-ssi, filha. Sem mordidas enquanto ele estiver dormindo, pelo amor de deus.

— Ela vai me matar durante o sono, não vai?

Jimin gargalha, mais uma vez enchendo a coelha de beijos até que ela se irrita, bate as patas, o ameaça com uma mordida incompleta e vai embora.

Ele suspira, com visível bom humor.

— Adolescentes...

A risada que tão facilmente nasce, também facilmente perde a força quando Jimin começa a se erguer até sentar na ponta do colchão, deslizando os dedos curtos entre os cabelos escuros para realinhá-los.

— Já vai embora? — Percebo, quando ele pega o próprio celular e também começa a guardar o notebook.

— Sim. É bom te fazer sentir um pouco minha falta. Faz parte do meu processo de conquista.

Eu aperto os olhos, meio inconformado, e vou logo me sentando na cama também quando ele fica de pé.

— Não foi com isso que eu concordei, não.

Ele ri, aproximando-se e curvando o corpo ao segurar meu rosto para beijar minha bochecha.

— É brincadeira, gracinha. Eu preciso mesmo ir, minha mãe tinha me pedido ajuda com algumas coisas do curso dela. Mas amanhã volto, se você quiser.

— Tranquilo, então. Até amanhã.

Ele sorri. Me dá mais um beijo na bochecha. Eu pensei que ficaria por aí, meio a contragosto, mas, de repente, Jimin começa a falar sem parar:

— As verduras de Jungoo estão etiquetadas na geladeira, já deixei todas lavadas, mas lave de novo antes de servir para não ficarem muito geladas. Amanhã eu trago mais feno. Tem um medidor no pacote da ração, basta repor na tigela duas vezes por dia, de manhã cedo e logo no final da tarde. Não atrase muito, porque ela fica estressada e vai te morder com ódio durante o dia todo. Também não coloque comida a mais, ela come tudo sem dó. E sempre cheque a água.

— Ô, cacete. Me arrependi. Pode levar Jungoo embora.

Ele nega, sem me levar a sério. Não que eu esteja falando sério. Mas não que seja cem por cento brincadeira.

— Não dá trabalho, mas talvez você queira esconder os fios da casa. Ela rói fio que é uma beleza, já estragou três carregadores meus. Também gosta de roer armário. Enfim. Tirando isso, o temperamento e a quantidade surreal de cocô que ela faz sem parar, Jungoo é um anjo.

Eu olho para a coelha gorda cheia de manchinhas no pelo branco. Depois, olho para Jimin novamente.

— Volte amanhã para garantir que estou fazendo tudo certo. E que estou vivo.

— Claro que vou voltar, gracinha. Mas agora preciso mesmo ir.

Ele ainda está aqui. Parece ponderar algo por longos segundos, ao fim dos quais pressiona o próprio lábio com os dentes; o meu, ele pressiona suavemente com a ponta de seu polegar.

Olha para minha boca, por um instante longo, antes de olhar em meus olhos e perguntar, com seu dedo tão suavemente posicionado em meu lábio:

— Posso?

A única resposta que consigo dar é um balançar de cabeça meio atrapalhado, porque esse seu jeito de me olhar, como se quisesse minha boca mais que qualquer coisa no mundo, me deixa inevitavelmente nervoso.

Sem qualquer outro instante de espera, Jimin volta a se inclinar e me segura o rosto com as duas mãos para lenta e carinhosamente pressionar nossas bocas juntas.

Eu suspiro contra ele, sem a intenção de fazê-lo.

Assim que o selar suave encontra o fim e Jimin apenas deita sua testa contra a minha, eu permaneço de olhos fechados até sentir um novo beijo inocente deixado em minha boca.

Lentamente, quase a contragosto, ele vai findando o contato entre nós.

— Até amanhã, Jungkook-ssi. — E diz, ainda se demorando em um último olhar. — Cuidem bem um do outro.

Eu massageio minha nuca, olhando-o sem parar mesmo quando ele começa a se afastar depois de minha despedida.

Sozinho com Jungoo, eu volto a deitar em minha cama e vejo a coelha fazer uma pausa para beber água antes de se aventurar mordendo alguém ou alguma coisa.

Pouco tempo se passa em companhia única da coelha que carrega uma outra versão do meu próprio nome, porque, não muito depois de Jimin ir embora, alguém toca a campainha de casa e, assim que ouço a voz do recém chegado, reviro os olhos.

— Oi, Jungkook-ssi! — O moleque diz, já entrando em meu quarto.

— Sai daqui.

— Tá bravo porque Jimin-ssi foi embora, né? Eu o vi entrando em um táxi quando tava chegando. Não se preocupe, não, ele volta!

Eu lanço meu olhar para Junghee, que fica parado na porta enquanto o moleque folgado ajeita o boné na cabeça e toma a maior liberdade de sentar em minha cama, sorrindo para mim.

Ainda com essa energia meio incompatível com a minha, mas também com um cuidado inesperado, pergunta:

— Além de bravo como sempre, como você tá hoje, Jungkook-ssi?

Nem é algo consciente, mas facilmente minha expressão se torna mais suave diante de sua preocupação que parece, sim, genuína.

— A coelhinha de Jimin-ssi tá aqui, né? — Diante de minha resposta, que demora um pouco para vir e nem vem, ele comenta, sem se ofender. Junghee continua parado como um poste, lá na porta. — Você fica fofo brincando com ela.

— Ah... é. Fofo, não. Mas, sim, ela vai ficar aqui. E eu estou ok.

Ele sorri. Finalmente, Junghee entra no quarto com essa cara bandida e, de pé em nossa frente, diz:

— A gente vai assistir anime, hyung. Quer assistir também?

Eu olho para os dois. Pelas expressões sinceras e até meio bobas, o convite não parece estar sendo feito somente por educação. E, ainda meio afetado pela percepção de que eu voltei a ter uma boa relação com Junghee, que ele tem um amigo e que esse amigo também aprecia minha companhia, eu aperto os ombros em uma confirmação desajeitada.

— Ok! — Taehyung logo comemora, ficando de pé ao me puxar junto. — Vamos fazer pipoca!

Meio indisposto, ou apenas condicionado a assim agir, eu faço uma careta para ele, mas não ofereço resistência enquanto o moleque folgado me puxa pelo pulso e o moleque bandido me empurra pelas costas.

Não demora para que estejamos os três acomodados no sofá; eu todo esparramado em um canto, Junghee e Taehyung no outro, próximos demais.

Enquanto como a pipoca em minha tigela e o anime escolhido por eles é iniciado, constantemente lanço olhadelas na direção dos dois moleques. Aí, percebo que não é exclusividade de Junghee. Os dois são bandidos.

Eu até arrumo um pouco mais da minha postura e me inclino para ver melhor, sem acreditar no que vejo. Mas é verdade. Enquanto ignoram a pipoca deixada de lado, a mão de Junghee repousa ao lado da mão de Taehyung, no pouco espaço entre os dois corpos que parecem meio tensos.

Com as sobrancelhas contraídas e a pipoca murchando sob minha saliva enquanto esqueço de mastigá-la, eu vejo Taehyung fazer o primeiro movimento e esticar o dedo mindinho para tocar a mão de meu irmão.

De tão tensos, eles nem percebem meu olhar incrédulo. De mesma forma, não notam que eu me inclino ainda mais quando eles, tímidos e hesitantes, se aproximam ainda mais até que estejam de mãos dadas.

Meu deus... o romance entre eles é real...?

Antes que eu faça qualquer coisa, quase como se previsse o caos de meus futuros questionamentos, minha mãe se aproxima por trás do sofá e me abraça pelo ombro antes de cheirar carinhosamente minha cabeça e, nela, deixar um beijo meio inesperado.

— Precisa de alguma coisa, fedorento? — Ela pergunta, atenciosa, ainda me abraçando desse jeito que me pega de surpresa.

— Hm... — Preciso saber se ela aprova esse namorico de Junghee! — Não. Tudo tranquilo.

Eu sinto que ela deita a bochecha em minha cabeça por longos instantes, antes de me deixar mais vários beijos.

— Então vou descansar um pouco — Diz, afastando-se em seguida. Para atrás de Junghee, abraçando meu irmão da mesma forma que me abraçou, por trás do sofá. — Minha coluna está doendo.

Quando ela enche nosso caçula de beijos carinhosos e estalados, Junghee se encolhe e ri, todo fofo, e seus olhos assim como os meus acompanham o último movimento de minha mãe para que, também cheia de carinho, ela deixe um beijo demorado na cabeça de Taehyung, que abre o maior sorriso que já vi na minha vida.

— Comportem-se. — Ela diz, por fim.

— Não quer massagem, mãe? — É Junghee quem oferece, antes que ela vá para o quarto.

É claro que a proposta é tentadora. Então, ao invés de ir direto para sua cama, ela pondera silenciosamente antes de, enfim, aceitar a oferta.

— Foi para isso que eu fiz filho.

Eu reviro os olhos, balanço a cabeça em negativa e contenho o riso tudo ao mesmo tempo, enquanto ela dá a volta no sofá para ocupar o lugar antes ocupado por Junghee, quando o cabeçudo fica de pé para se posicionar atrás dela.

Enquanto ele faz massagem nos ombros de nossa mãe, Taehyung também oferece:

— Eu sei fazer uma massagem muito boa no pé, tia. Quer?

— E é por isso que eu deixo meus filhos trazerem amigos em casa. — É a resposta dada.

Sem demora e sem vergonha, Taehyung sai do sofá e senta no chão, já iniciando a segunda dose simultânea de massagem que, pouco tempo depois, faz minha mãe olhar em minha direção, com a mão estendida para mim em uma ordem inicialmente silenciosa.

— Alise meu braço.

— Nem vem.

Ela agita a mão, sem que seja necessário insistir verbalmente. Com um intenso revirar de olhos, eu seguro o braço dela para começar a acariciá-lo na maior má vontade, tempo durante o qual percebo seu anelar sem a aliança de casamento com meu pai.

Eu lembro de quando ela tirou. Já faz um tempo. Lembro que eu fiz a maior confusão e nós brigamos feio, uma das piores brigas que já tivemos. Desse dia até o último do qual me lembro antes do acidente, eu não aceitei que ela o fizesse.

Agora, a sensação de relembrar da ausência da aliança ali ainda é estranha. Incômoda. Me faz perguntar se, nos meses dos quais não me lembro, isso mudou. Se eu aprendi a lidar melhor com a ausência de meu pai e todas as consequências de sua morte.

Me pergunto se, nesses dois meses, fui capaz de lidar com algo que, durante três anos inteiros, não consegui.

Não é o momento de fazer questionamentos diretos, então eu apenas me contenho para fazê-los quando estivermos a sós. Assim, fico em silêncio e a tarde passa, alcança a noite e nós quatro jantamos juntos a comida preparada por Junghee e Taehyung.

Minha mãe vai cedo para a cama, para voltar a trabalhar depois dos poucos dias de folga que teve para me acompanhar no hospital. Eu, de pé na cozinha enquanto lavo a louça, tenho a companhia dos dois moleques, que ficam sentados, me bombardeando com perguntas até que de repente ficam silenciosos demais.

Desconfiado, eu olho para eles por cima do ombro e vejo os dois amontoados ao redor do celular de Junghee, enquanto riem e sussurram um para o outro até que enfim afastam o celular com essas caras bandidas.

— Qual foi? — Pergunto, desconfiado mesmo. — Que é que vocês estão fazendo aí?

— Nada, não. — Junghee diz, o cara de pau. — Acabou aí?

Eu arrumo o último prato já enxaguado no escorredor e, com o pano em mãos para secá-las, viro para trás. Insisto:

— Tão fazendo besteira, né?

— Claro que não, Jungkook-ssi. — O folgado diz, ainda com o absurdo de forçar o bocejo mais falso que já vi. — Nós estamos com sono. Vamos dormir, já que você acabou aí.

— Você dorme no sofá. — Eu digo, quando os dois ficam de pé, mas mais parece que estou falando com as paredes, porque eles fingem que nem ouvem.

— Boa noite, Jungkook-ssi!

— Ah, hyung... nós mandamos umas coisas pra você — Junghee diz, e ele e Taehyung riem de um jeito muito indiscreto. — Vê lá no seu celular, depois.

Antes que eu pergunte qualquer outra coisa, os dois se apressam e quase correm para fora da cozinha, ainda cheios de risadas muito suspeitas.

Enfim livre da tarefa de arrumar a cozinha, porque minha mãe não me dá descanso nem que eu tenha acabado de voltar do hospital, me dirijo ao quarto e rapidamente encontro meu celular.

Nele, vejo as notificações de três novas mensagens de Junghee e até me sento na cama antes de abri-las.

A primeira, é uma foto de nossa sala de estar cheia como nunca esteve, com todas as pessoas de pé enquanto Junghee, no centro, segura um bolo de aniversário.

Minha primeira surpresa é justamente ver tantas pessoas nessa foto. A segunda, é perceber que todos olham para a câmera, menos eu. Meu rosto está um pouco virado para o lado, na direção de Jimin, enquanto eu beijo a cabeça dele e ele me abraça.

Nós éramos um desses casais? Cheios de melosidade e coisa e tal?

Não é completamente estranho, se eu levar em conta os impulsos de meu corpo em tê-lo sempre perto. Mas ainda é um pouco estranho, sim.

E, enfim, minha última surpresa sobre essa foto é ver que Kim Namjoon está nela.

— Kim Namjoon esteve em minha casa?

Ainda confuso e desconfio que um pouco emocionado, minha curiosidade acaba sendo maior e eu passo para a foto seguinte.

Essa é muito mais escura, certamente menos calculada que a primeira. Em minha cama, nessa exata cama na qual estou sentado, eu olho furiosamente na direção da câmera enquanto Jimin dorme ao meu lado, abraçado ao meu corpo e também sendo abraçado de volta.

Meu coração se descompassa em uma batida quando vejo o registro fotográfico e ele me preenche com uma sensação de conforto e familiaridade que até mesmo me impede de passar para a última mídia recebida.

Quando enfim o faço, logo percebo que é um vídeo. E logo inicio sua reprodução, mas, tão rápido quanto, me arrependo.

A filmagem parece ter sido feita através da janela da sala, enquanto eu e Jimin nos beijamos no pequeno jardim. E nos beijamos mesmo, como eu não acho que já beijei alguma outra vez em minha vida.

Meu deus, eles estão beijando mesmo, beijando demais — Eu ouço a voz de empolgação de Junghee, no fundo da filmagem.

Meu deus digo eu.

Cacete.

Meu deus do céu.

O vídeo, com seus poucos segundos, certamente mexe comigo mais do que deveria.

Eu me pego dividido entre a vontade de correr até o quarto de Junghee e perguntar o que ele esperava ao me enviar essas coisas e a falta de força para me mover. No fim, a segunda opção vence e eu continuo no mesmo lugar. Mas, ao invés de continuar olhando para o nada, eu uso meu tempo para buscar a conversa com Jimin, que é uma das primeiras.

Não sei exatamente com que intuito, eu revisito as conversas antigas que tive com ele. Volto até o início, à primeira mensagem que trocamos. E, à medida que desço em direção às últimas, é literalmente como se acompanhasse uma linha do tempo.

As primeiras mensagens são curtas, sobre assuntos estranhos e como se eu sequer sentisse vontade de conversar com ele. As últimas, por outro lado, são mais constantes. Mais carinhosas, cheias de vontade.

É fácil perceber que eu realmente me apaixonei por Jimin.

É fácil perceber que eu não mudei minha essência ao estar com ele. Não quando eu consigo me ver em cada mensagem enviada com um jogo atrapalhado de palavras sempre bem recebidas por ele.

O que é difícil é perceber a dimensão do sentimento que tive.

Eu sinto que não consigo chegar sequer perto de entender quanto senti por Jimin.

Atordoado, eu levo não sei quanto tempo mais para processar as novas pequenas descobertas. Quando tomo impulso para fazer algo, sigo ao banheiro para me preparar para dormir e, ao voltar para o quarto e checar que está tudo bem com Jungoo, meu corpo para.

Meus olhos parecem atraídos para algo em cima da minha escrivaninha.

Fixos na bagunça de cadernos, livros e anotações soltas, eles fazem meu corpo também ser atraído até ali. E, como se soubesse exatamente o que procuro, facilmente encontro.

Em cima do caderno, em um pedaço de papel rasgado, apenas uma coisa cativa minha atenção.

99.

O número ali escrito faz meu coração disparar a ponto de me assustar.

Noventa e nove.

O número parece ecoar ao meu redor, ainda que não exista som algum.

Preso em um transe do qual me faço consciente apenas quando ele chega ao fim, eu sou trazido de volta à realidade quando sinto Jungoo parar perto de meus pés, apoiada somente sobre as patas traseiras.

— Ei, xará... — Eu chamo, ainda com essa sensação estranha.

Me abaixo para pegar o corpo da coelha, deixando um beijo suave no pescoço dela antes de apoiá-la em meu peito nu quando a carrego junto comigo de volta para a cama.

— Sabe o que esse número significa? — Questiono, como se ela pudesse mesmo responder.

Diante do silêncio inabalável, eu suspiro e deito na cama. Meus olhos permanecem focados no teto. Jungoo permanece deitada em meu peito. E assim o tempo passa. Assim, eu durmo.

Exatamente como aconteceu durante minhas noites ainda no hospital, meu sono é visitado por sonhos dos quais não consigo recordar sequer uma coisa ao acordar.

Ainda assim, eu acordo com lágrimas em todo o meu rosto.

Logo cedo, sem lembrar dos sonhos ou dos últimos dois meses que vivi, eu desperto de uma vez, limpando as lágrimas secas assim que as percebo.

A cortina aberta faz meu quarto se encher de luz, forçando meus olhos a se adaptarem a ela enquanto buscam Jungoo.

Eu me desespero um pouco quando não vejo a coelha em nenhum canto e até checo debaixo da cama antes de sair daqui, ainda procurando-a.

— Jungoo...? — Chamo, entre um bocejo e outro.

Antes que eu passe para a sala, meus pés param no mesmo lugar, diante do arco da cozinha através do qual vejo minha mãe já de pé em seu uniforme da lanchonete, segurando Jungoo de um jeito muito errado enquanto também segura um pedaço de maçã para que ela coma.

— Ela morde. — Eu aviso, com mais um bocejo antes de seguir direto para beber água. — E a senhora está segurando do jeito errado. Solta ela.

— Ela não me mordeu. E como é que segura? — Questiona, mesmo que já esteja se abaixando para deixá-la no chão. — Eu não sei. Nunca imaginei que minha primeira neta seria uma coelha.

— Neta?

— E não é?

Eu apoio o copo cheio pela metade sobre o balcão, antes de me recostar nele e ver Jungoo correr, carregando o pedaço de maçã com a boca até um canto da cozinha que considera seguro.

— Ela é a coelha de Jimin, mãe. Deixa de ser emocionada. Que neta o que.

— Ela não é nossa?!

— Claro que não.

— Que chateação. Eu já tinha até pensado no nome. Fedorenta. Em sua homenagem.

— Jungoo não fede e ela já tem um nome em minha homenagem.

Ela parece inconformada. Eu nunca imaginei que minha mãe gostaria da ideia de ter um bicho de estimação em casa, mas ela não parece mesmo feliz em descobrir que Jungoo não é nossa.

Meio indisposto, eu sento no chão da cozinha e dou uns tapas sobre o piso.

— Vem cá, xará. — Chamo, mas sou deliberadamente ignorado.

Ela parece gostar de mim, mas não mais que gosta de maçãs. Bom saber qual é o meu valor.

Ainda assim, eu me matenho sentado e olho para minha mãe enquanto ela começa a organizar a marmita que leva com o almoço para a MoonMoon.

De olhos atentos às mãos metódicas, eu mais uma vez percebo o que percebi ontem à tarde e, aproveitando que dessa vez estamos sozinhos, chamo:

— Mãe?

— Diga, fedorento. — Responde, sequer preocupada em me olhar. Eu, não me preocupo em não ser tão direto.

— Nesses dois meses dos quais não me lembro... eu superei? — Se superei, certamente não é mais o caso, porque me leva um esforço tremendo para conseguir explicar: — O que aconteceu com meu pai... Eu superei?

Ela finalmente para o que está fazendo e vira para mim, acho que desprevenida. Ainda assim, não demora muito tempo para dizer:

— Sinceramente? Não sei se por completo. Mas você deu passos enormes, filho. Acredita que até voltou a frequentar a MoonMoon?

— Não. Não consigo acreditar, não.

Não é que a ideia de voltar àquele lugar, agora, me pareça tão absurda quanto pareceu por anos. O problema é justamente esse passado recente do qual me lembro e durante o qual me opus tão severamente a sequer chegar perto de um lugar tão cheio de memórias.

Como inferno eu superei isso?

Ainda olhando para mim, minha mãe sorri, paciente, ainda que seja fácil perceber a preocupação no fundo do seu olhar.

— Você nunca foi de falar muito sobre o que sente. Sobre seu pai, falava menos ainda. Isso não mudou, Jungkook. Você não conversou sobre como se sentia em relação à morte dele, não comigo. Então eu não sei exatamente o que te responder. Desculpa.

Apenas balanço a cabeça para os lados. Eu definitivamente não sou a pessoa mais comunicativa que existe.

— Talvez você tenha conversado sobre isso com Jimin. — Ela diz. — Pergunte para ele.

— É. Vou ver.

O silêncio ganha força ao longo de alguns instantes, até que minha mãe sinta a necessidade de dizer algo a mais.

— Filho, eu sei que isso está sendo difícil para você. Mas tem muita gente ao seu lado. Mãe está ao seu lado e sempre vai estar. Vai ficar tudo bem.

Eu desvio o olhar, porque não sei reagir muito bem a conversas assim.

Consequentemente, vejo Jungoo finalmente vindo em minha direção com o caminhar adorável, até subir em minhas pernas dobradas.

Eu rapidamente pego a coelha, segurando-a com cuidado enquanto uso meu polegar para acariciá-la.

— Volte para o quarto — Eu digo, apesar de não soltá-la. — A velha fedorenta está sentimental.

— Jeon Jungkook! — A repreensão vem de imediato. Por sorte, nenhum tapa vem junto.

Mais uma vez, eu deixo um beijo no pescoço de Jungoo e, antes de deixá-la no chão, percebo a boca dela toda alaranjada.

— Por que ela está laranja? — Questiono, de imediato.

— Ah! Deve ter sido o pedacinho de cenoura que eu dei...

— A senhora deu cenoura também?!

— Eu estava tomando café-da-manhã e ela veio até a cozinha! Seria ruindade não dar alguma coisinha para ela comer também. A maçã foi sobremesa.

Meu deus. Jimin deixou claro que Jungoo não pode comer muita cenoura, nem comer demais.

— Ela está aqui há um dia e você já vai descompensar a coelha toda! — Digo.

— A coitada estava com fome! — Minha mãe insiste. — Aliás, você também deveria estar. Eu já vou sair, mas não invente de pular o café da manhã ou eu te quebro quando voltar.

Eu reviro os olhos, finalmente deixando Jungoo no chão e ficando de pé em seguida.

— Jungkook! — Ela chama, quando percebe que estou saindo da cozinha.

— Já volto para comer. — Explico, antes que alguma coisa seja atirada em minha direção. — Só vou mijar.

Ela resmunga mais alguma coisa, acho que sobre meu palavreado, mas é para falar sobre algo além que paro, antes de me afastar completamente. Virado para ela, questiono:

— Eu estou de férias, não é?

Ela confirma, ainda me condenando com o olhar.

Beleza.

Mijar, comer e dormir mais, então.

E cuidar de Jungoo, para que ela não me acorde com uma mordida na cara quando perceber que o complemento do café da manhã atrasou.

Com a decisão tomada, é assim que passo as horas seguintes da manhã.

— Que cacete é isso?! — E essas são as primeiras palavras que digo quando acordo pela segunda vez e me dirijo ao banheiro para tomar um banho.

Junghee está aqui. E ele está tentando desentupir o vaso.

Meu deus? Eu reconstruí minha relação com minha família, arranjei um namorado, alguns amigos e Junghee finalmente aprendeu a dar jeito na própria merda de cimento?

— Hyung — Ele choraminga, meio suado, e me olha como quem pede socorro. — Ajuda...

Certo. Era óbvio que esses últimos dois meses não seriam tão loucos assim a ponto de realmente ensinarem Junghee a desentupir o encanamento maltratado por sua prisão de ventre do inferno.

— Sai — Eu digo, então, puxando-o pela gola do pijama para que ele se afaste.

— Queria dar jeito nisso antes de Tae acordar... imagina que vergonha se ele acorda e descobre que eu... sabe?

— O que? — Já assumindo o lugar dele, enquanto Junghee fica ao lado assistindo o início do meu serviço, eu pergunto: — Vai ficar de namorico com o cara e quer esconder seus segredos sujos? Sai dessa, Junghee. Se ele quiser ficar segurando sua mão, vai ter que aceitar que você caga pedra também.

— Você já fez questão de explanar isso! — Junghee diz, contendo o grito em um sussurro. — Mas ele não precisa ficar lembrando!

— Precisa, sim. Quando ele acordar, vou dizer que você entupiu o vaso de novo.

— Não vai, não!

— Me aguarde e veja.

— Você é insuportável!

Eu sorrio para ele com pura implicância antes de tentar dar a descarga pela primeira vez. Sem sorte. O troço gigante continua obstruindo o caminho.

— Nada? — Súbita e novamente preocupado, ele questiona.

— Nada. Pega lá o ácido na lavanderia.

Ele vai. Volta, apressado. Pela primeira vez, ao menos que me recorde, Junghee me ajuda nesse processo sofrido que sempre julguei como a pior parte de ser o irmão mais velho.

Quando dou descarga pela quarta vez e finalmente ouvimos o som desengasgado da água descendo livremente, nós dois suspiramos de alívio.

— Você é cheio de talentos, hyung — Junghee diz, impressionado, olhando para a água reposta e agora limpa.

— Esse eu não queria ter, não. — Confesso.

Enquanto ele olha para fora do banheiro, talvez checando se Taehyung acordou, eu levanto meu braço para cheirar meu sovaco.

Podre.

— Vaza. — Digo, então. — Vou tomar banho.

— Mas eu ia tomar banho primeiro!

— Que pena. Ninguém mandou me dar essa trabalheira toda. Vaza.

Ele ainda me lança um olhar inconformado, mas eu o seguro pela nuca antes de guiá-lo para fora enquanto ele resmunga furiosamente. Deixando-o do lado de fora, eu vejo meu irmão virar para ficar de frente para mim e reclamar de mais algo, mas eu fecho a porta antes que ele diga qualquer coisa e assim tudo é encerrado com uma pancada que ele dá, ao gritar:

— Insuportável!

De banho tomado depois de todo o esforço indesejado, mas já esperado, eu me enrolo na toalha para voltar ao quarto. Mal saio do banheiro, meio indisposto enquanto cutuco meu ouvido com o mindinho, e dou de cara com Taehyung voltando para o quarto de Junghee com um achocolatado em mãos e o cabelo todo para cima.

Com a cara inchada de sono, ele abre um sorriso desses de bandido e levanta as sobrancelhas para mim, com o lábio superior coberto por bigodinho de achocolatado.

— Qual foi? — Questiono, parado no lugar.

Ele olha para mim, depois para a porta aberta do meu quarto, depois para mim de novo e bebe um gole do leite com chocolate, ao dar de ombros com algum desleixo.

— Ainda fico assustado com a quantidade de tatuagens que você tem, Jungkook-ssi.

Eu apenas reviro os olhos, seguindo adiante. Taehyung simplesmente se afasta mais para o lado para que eu entre em meu quarto, sem que eu dê muita importância ao olhar suspeito que ainda me acompanha.

Não é como se eu me importasse. Soquei o corpo todo de tatuagem e gosto que as pessoas vejam, então eu meio que cago para estarem tantas expostas, agora.

Mas dois segundos depois eu entro no quarto e subitamente me importo e fico constrangido, sim.

Porque Jimin está aqui.

Meu dedo trava dentro do ouvido e eu subitamente lanço meu olhar para o tal moleque-ssi, que apenas aperta os lábios para conter o riso e finalmente vai embora, tomando um pouco mais do chocolate.

Estranhamente nervoso enquanto Jimin me olha e eu me sinto consciente demais sobre ter apenas uma toalha ao redor de meu corpo, eu continuo no mesmo lugar.

— Bom dia, gracinha.

Eu umedeço os lábios. Respondo inicialmente com um acenar de cabeça, o que seria o suficiente. Mas, parecendo ávida por me constranger, minha mão resolve dar as caras e mostrar o polegar e o mindinho para ele em um gesto completamente desnecessário.

Jimin sorri sem exagero, apenas um sorriso mínimo, cuidadoso, pouco menos discreto que o deslizar sorrateiro de seus olhos quando ele me analisa todo o corpo antes de desviar a atenção.

É realmente discreto, mas não o suficiente para que eu não perceba. Definitivamente, não discreto o suficiente para que eu não perceba sua língua massageando o próprio lábio enquanto as mãos se ocupam com outra coisa.

— Está fazendo o que? — Questiono, ainda parado no lugar. Aparentemente, desaprendi a andar. — Você arrumou minha mesa?

— Você é muito desorganizado.

— Nem sou.

Ele me lança um novo olhar que combina diversão e repreensão antes de se dedicar exclusivamente a juntar todo o pó de borracha. Quando descarta tudo na pequena lixeira ao lado de minha mesa de estudos, bate uma mão contra a outra, limpando-as, e pergunta:

— Quer que eu saia para você se vestir?

— Ah — Novamente consciente sobre minha nudez parcial, eu me atrapalho antes de decidir, incerto: — Sei lá. Não? Tá tranquilo.

— Ok. Prometo não olhar.

Eu nem digo mais nada. Apenas coço minha nuca em um gesto meio nervoso e sigo ao meu armário.

Visto a boxer e a calça de moletom por baixo da toalha, antes de pendurá-la na maçaneta do guarda-roupas e deixá-la ali mesmo para vestir um casaco canguru.

Quando volto a me virar, vejo Jimin na cama, acariciando o corpo de Jungoo que descansa sobre meu travesseiro.

— Ela se comportou? — Pergunta.

— Yep. Não matou ninguém e quase não me mordeu.

Ele sorri gentilmente para a coelha. De mesma maneira, sorri quando olha para mim e me percebe ainda parado no mesmo lugar, do outro lado do quarto.

O olhar dele demora alguns instantes. A expressão, suave, ganha um quê sutilmente mais ousado, quando diz:

— Vem cá.

E eu vou.

Ainda nervoso, como a presença de Jimin aparentemente costuma me deixar, eu vou ansioso em sua direção. Paro em frente a ele, que continua sentado em minha cama, e nada é feito, não enquanto nossos olhos se firmam uns nos outros e, ainda assim, eu percebo a forma suave como ele repuxa o lábio entre os dentes.

De coração acelerado, eu espero que ele faça alguma coisa, mas nada faz.

Sentindo meu peito subir e descer com lentidão, eu levo um longo tempo para apoiar minhas mãos na cama, cercando o corpo dele com meus braços quando começo a me inclinar.

Assim que estou perto o suficiente, a mão de Jimin segura minha nuca e ele desliza o nariz pequeno contra o meu antes que seja eu a avançar o restante necessário para que nossas bocas se toquem.

É o terceiro selinho que trocamos desde que eu acordei no hospital namorando alguém de quem tão pouco lembro.

E, assim como das duas primeiras vezes, o beijo não avança.

Mas eu espero por isso. Espero que ele o faça, enquanto lembro da forma como nos beijamos no vídeo que vi e, de mesma maneira como me percebo ardendo de desejo de experimentar aquilo novamente, também percebo que meu corpo arde de vergonha.

No entanto, o que Jimin faz, depois de um longo selar, é se afastar, continuamente acariciando minha nuca com os dedos hábeis.

Ele sorri, ao me olhar.

— Por que você ficou tão vermelho, Jungkook-ssi?

— Não estou vermelho.

— Está. Bastante. Vermelho e emburrado — Ele complementa, deslizando os dedos até beliscar minha bochecha. — Eu amo essa sua cara de bravo, coisa linda.

Eu pisco umas três vezes antes de recuar com o corpo, devolvendo-o à posição normal. Sem saber o que responder, eu procuro qualquer outra coisa para dizer e é assim que percebo:

— Esse moletom é meu.

Jimin olha para o agasalho que recobre o próprio corpo, depois para mim. E, como se eu não tivesse feito uma afirmação, balança a cabeça para cima e para baixo.

— Você se importa que eu continue usando?

— Por que me importaria?

— Você é meio rabugento.

Nem posso negar.

— Eu me importava antes?

— Não. Você gostava. Sua jaqueta de couro ainda está comigo, aliás.

Minha jaqueta de couro está com ele? Eu emprestei voluntariamente?

Cacete. Eu devo mesmo ter atingido níveis inimagináveis de paixão por esse cara.

Aquela jaqueta é minha favorita e eu não dou uma foda se é de couro sintético, ainda sou meio egoísta com minhas coisas. Já é estranho o suficiente que eu voluntariamente empreste meus moletons para Jimin, mas a jaqueta também?

Mas o pior é perceber:

— Ainda não me importo, não. Fica bonito em você.

— Que bom. — Ele diz, encolhendo os ombros quando esconde as mãos no bolsão frontal do moletom. — Eu gosto de ter sempre um pouco de você comigo.

Ok. Fofo e etecetera e tal.

Mas, na moral... e aquilo?

Porque ele não me beija de verdade?

Beleza. Beleza mesmo. Eu entendo a situação atual, talvez melhor que qualquer um. Sou eu que estou com um rombo na memória, então é claro que percebo que talvez ele apenas esteja sendo cuidadoso e tentando não avançar para não me pressionar.

Mas eu literalmente pedi por um beijo, mesmo que sem palavras. Eu fiquei com a boca colada na dele por sabe deus quanto tempo, à espera. E nada.

Jimin mentiu? Ele não gostava de me beijar, não?

Meio frustrado, eu expulso o ar e sigo à beirada da cama para me jogar, deitado, atrás de Jimin. Minha cabeça deita ao lado de Jungoo que, ainda deitada, aproxima o nariz miúdo de meu rosto, fazendo cócegas quando o bigode longo toca minha pele.

Com um gesto meio desavisado, eu pego a coelha e puxo o corpo pequeno e peludo para que ela deite em minha barriga. Quando o faço, no entanto, ela logo se rebela ao bater as patas traseiras furiosamente, dar uma cabeçada na minha mão e pular para fora da cama.

— Ingrata. — Resmungo, quando ela se vai definitivamente.

Ainda sentado, Jimin vira o corpo um pouco mais para poder me olhar melhor, e eu logo giro meu corpo até deitar com a barriga para baixo. Meu rosto, com a bochecha afundada no travesseiro, guia meu olhar para ele, porque aparentemente eu gosto muito, demais, de olhar para esse cara.

Mas, cacete, como não gostar?

Ele é muito bonito. Insuportavelmente bonito. Caralho, Jimin é a pessoa mais bonita que eu já vi.

— O que foi? — Ele pergunta, contendo o riso. Eu apenas nego, simultaneamente desviando o olhar.

— Deu merda com seu carro? — No lugar de uma resposta, pergunto, de repente.

— Com Pandora? Não. Por que?

— O moleque folgado disse que ontem você foi embora de táxi.

— Eu não gosto de dirigir com Jungoo, então tinha deixado Pandora em casa, mas ela está bem. Fofo de sua parte se preocupar.

— Só fiquei curioso. Achei que poderia ser por conta de suas pernas — E, obviamente, quis desviar a atenção dos longos e constrangedores instante durante os quais, mais uma vez, o encarei feito um doido. Não que ele precise saber. — Elas estão normais?

— Sim. Quase cem por cento. Vou ensaiar hoje, aliás. — Ele sorri, massageando a própria coxa.

Desgraçado.

Que coxas, meu deus do céu.

— Show.

— E você, gracinha? O que vai fazer depois que eu for embora?

— Sei lá. Ler, ver filme, procurar umas vagas de emprego.

Jimin murmura algo, pensativo, e olha para algo além de mim enquanto parece pensar na próxima coisa a dizer para que a conversa continue.

E, para que ele não pense que é o único que está tentando fazer isso aqui dar certo, eu mesmo tomo a iniciativa de dizer a coisa seguinte.

— Deita aí.

E talvez não tenha sido a melhor coisa a dizer.

Jimin é pego de surpresa, mas acaba por sorrir suavemente, de um jeito muito covarde e que me faz estremecer todo. Mas, ao fim, ele aceita meu convite mal calculado e deita de lado, com o rosto virado para o meu.

— Ei, gracinha?

— Diga.

— Yoongi e Hoseok querem te ver. Tem mais gente querendo te ver também. Eu não sabia se iria te sobrecarregar, então pedi que esperassem mais um pouco. Mas Seokjin tem folga em alguns dias e, não sei, pensei que poderíamos fazer algo com todo mundo que quer te ver... se você quiser.

Eu não sei se quero, ou não. Mas sei que quero saber:

— E quem é Seokjin?

— Irmão de Yoongi. Desculpa. Esqueci que você esqueceu. Ele é bem bacana e é ótimo em deixar Yoongi puto da vida. Você vai gostar.

— Ah. Show. Não sabia que Yoongi tinha irmão. Aliás, se nós somos amigos até da família dele, já descobrimos a verdade, não é?

— Que verdade, gracinha?

— Yoongi é bruxo mesmo? E piromaníaco?

Jimin ri, diante da pergunta. Os olhos bonitos são engolidos pelas pálpebras que forçosamente se fecham e o nariz miúdo se expande para os lados, de um jeito tão adorável que, mesmo diante de uma curiosidade real, acabo sorrindo junto.

— Não, amor. — Ele responde, acho que sem pensar, mas logo se repreende ao fechar os olhos de maneira arrependida. — Desculpa. Acho que é melhor não ficar te chamando assim por enquanto.

— Eu não me importo.

— Não?

— Só não me chama de Jeon.

A expressão de Jimin suaviza e eu percebo, de tão atento a ele, o jeito como o corpo tão bonito se enche de ar quando ele inspira, e como se move sutilmente em minha direção ao expirar.

Jimin está mais próximo. Eu sinto sua perna quase roçar na minha e meu corpo reagir ansioso por tê-lo ainda mais perto.

Mas, como se não estivesse talvez até propositalmente me provocando essas sensações, ele diz:

— Yoongi não é bruxo, não. Aliás, você ficaria surpreso com a ironia da vida...

O comprimir de meus olhos é o suficiente para deixar claro que não entendo seu comentário final. Mas, no lugar de explicá-lo, Jimin apoia a mão abaixo do rosto e muda o rumo da conversa:

— Então? O que você acha? Pensei que poderíamos ir à praia com os outros, daqui a alguns dias.

— Acho que pode ser. Só não quero ver ninguém agora. Ainda é... — Enfim. Ele deve entender. — É meio esquisito.

— Eu sei. E todo mundo quer respeitar seu tempo, Jungkook-ssi, eu juro.

Eu umedeço meus lábios, sem uma boa resposta na ponta da língua. Não que isso seja novidade.

Na sequência, questiono:

— Nós costumávamos fazer isso? Ir à praia?

— Não. Só fomos uma vez e não foi no melhor momento. Mas eu quero que você saiba que não estou tentando recriar tudo que nós fazíamos, Jungkook. Nós podemos fazer coisas novas. Teremos outras primeiras vezes juntos, então vai ser tão novo para mim quanto para você.

Jimin é estranho.

Aliás, a forma como ele me afeta que é.

Meu coração está meio disparado, enquanto meu corpo se faz consciente demais sobre sua proximidade. Então me sinto nervoso, ao mesmo tempo em que esse nervosismo me faz desejar sua companhia ainda mais. E agora, nesse pequeno caos particular, as palavras de Jimin me provocam também algum alívio.

Alívio de saber que ele se preocupa com os mínimos detalhes; que se preocupa em demonstrar, de seu jeito meio único, que eu não estou mesmo sozinho. E que, apesar de seja lá tudo que já vivemos juntos e esqueci, ainda assim podemos viver coisas que serão novas para os dois.

— Você é um namorado show, Jimin-ssi — E é assim que sintetizo meus pensamentos.

Ele encobre suavemente o lábio inferior com o superior. Parece tentar disfarçar um sorriso. Parece se aproximar um pouco mais.

Eu vejo o trajeto inseguro de sua mão, que vem cuidadosa até pousar em meu rosto. Com o polegar, ele acaricia minha bochecha. E com o olhar e a voz mansos, diz:

— Você merece tudo de melhor nessa vida, Jungkook.

Eu expulso todo o ar com cuidado. Preciso lutar para não fechar os olhos sob o carinho que Jimin faz em minha bochecha. E, no fim, perco a batalha.

Com as pálpebras fechadas, eu toco o dorso da mão de Jimin com a palma da minha, pedindo silenciosamente para que o toque não tenha fim. E, no que me parece instinto, seguro sua mão assim para mover meu rosto até que meus lábios encontrem o pulso encoberto pelo moletom. Sem saber o porquê, uso meu nariz para fazer a manga do agasalho escorregar para baixo.

Ao fim, beijo a pele do pulso de Jimin, demoradamente.

Diante do silêncio que se prolonga, eu abro meus olhos lentamente e preciso me ajustar ao choque nos olhos bonitos de Jimin.

Confuso sobre sua reação, eu lenta e receosamente desvio minha atenção até que meus olhos observem a pele que beijei e, nela, vejo uma longa sequência se cicatrizes paralelas.

Eu entro em desespero. Não sei se ultrapassei algum limite ao, sem pensar, tocar algo que parece tão íntimo.

— Jimin...

E, então, mais uma vez me encho de surpresa. Porque Jimin sorri. Os olhos brilham, quase como se encobertos por uma camada de lágrimas que não se derramam.

Ele se aproxima ainda mais. Os dedos correm para minha nuca mais uma vez e eu sinto sua respiração alcançar a minha quando pressiona nossas testas juntas, com os olhos fechados.

E, para mim, ele diz:

— Com você, o amor está sempre acima da dor, Jungkook...

Não é como se eu entendesse de fato a totalidade do que suas palavras parecem querer dizer. Ainda assim, permito que elas se instalem em mim, em minha consciência e em meu coração.

E eu, em meu silêncio, percebo que a pele de Jimin carrega tantas marcas que vão além de suas tatuagens.

Ele me deixou conhecer e entender essas cicatrizes? Me deixou conhecer as marcas de tinta que mapeiam sua pele?

Eu quero saber. Mas, como ele, não quero viver em função do que já conversamos e vivemos. Então, nesse momento, não verbalizo essas perguntas que tentam retomar o que passou. Não agora.

O que pergunto é algo novo, porque quero conversar com ele. Quero conhecer Jimin sem me fazer refém dos limites do passado.

— Ei. — Chamo.

Simultaneamente ao chamado, deslizo minha mão por seu braço, levando minha palma em direção ao ombro dele. Jimin se afasta minimamente, apenas para me olhar, e meu toque se aventura um pouco mais, até pousar em suas costas, onde permanece nesse meio abraço desajeitado.

— Você pretende fazer alguma outra tatuagem? — Ele balança a cabeça, em resposta. Uma resposta positiva. — Qual?

Jimin sorri levemente. Meu braço o envolve com um pouco mais de força, quando ele aproxima o corpo ainda mais e seu peito toca o meu.

Assim, tão perto, responde:

— Noventa e nove. Eu vou tatuar o número noventa e nove.

É claro que sua resposta de imediato dispara a lembrança da noite anterior, quando vi o mesmo número escrito em um pedaço de papel.

— O que significa? — Pergunto, tenso. — Eu encontrei um bilhete com esse número. O que ele significa, Jimin?

Ele parece incerto sobre como responder, mas não demonstra desconforto. Apenas um longo instante de pensamentos não verbalizados, até que diga:

— Noventa e nove é o número que mudou nossas vidas, Jungkook. É o número que salvou a minha.

Isso não explica muito. Mas, antes que eu fale qualquer coisa, Jimin cala meus pensamentos ao se aconchegar em meu corpo. Sua cabeça deita contra meu pescoço e seu braço envolve meu corpo, assim como o meu envolve o seu. Ele desliza uma perna, acomodando-a entre as minhas, e em resposta eu o puxo tão mais para perto quanto possível.

E, assim, ouço Jimin dizer:

— Um dia, se for mesmo preciso, eu te conto toda a história, Jungkook. Mas, por enquanto... só fica assim comigo. Por favor.

Eu respiro devagar, com cuidado, e balanço a cabeça em uma concordância. E, assim como ele pediu, é desse jeito que ficamos.

Os carinhos são sutis. Jimin me acaricia sobre o tecido de minha roupa. Seu pé, entre os meus, se move suavemente. Sua respiração nasce e morre contra a pele sensível de meu pescoço, enquanto a minha constantemente aterrissa contra o topo de sua cabeça e meus dedos pressionam suas costas.

Eu inspiro cada vez mais demoradamente. Faço gestos sutis, puxando-o um pouco mais, pressionando meu nariz em sua testa, enquanto meu ser inteiro mais uma vez, rapidamente, é tomado pelo desejo de ter mais de Jimin.

Eu quero beijá-lo. Constantemente.

Mas, ainda que a tensão entre os corpos seja palpável, ainda que ele suspire repetidamente contra minha pele e seu corpo se esfregue quase imperceptivelmente contra o meu a cada sinal que eu dou, Jimin não me beija.

Ele não beija, não quando estamos deitados juntos, nem depois. Selares suaves são o que ele se limita a me dar, quando nossas bocas se tocam.

E, por mais que minha vontade apenas cresça, o passar dos dias não traz muitas novidades.

Não me traz minhas memórias, não me traz beijos intensos com Jimin e não me traz coragem para ser eu a tentar iniciá-los.

Mas Jimin vem todos os dias por quase uma semana, sempre com o cuidado de perguntar se quero vê-lo ou se prefiro ter um tempo.

Durante esses dias, a casa fica mais cheia que o comum. Taehyung também passa bastante tempo aqui e minha mãe, ao contrário do que imaginei, parece gostar de ter todas essas pessoas fazendo parte de nossa rotina.

— Está pronto? — Jimin pergunta quando, agora, me vê retornar à cozinha.

Eu paro ao seu lado, sem dizer mais que um "sim" meio enervado enquanto observo as mãos pequenas terminando de lavar a pia depois de limpar toda a louça.

Como eu disse, minha mãe não se importa. Mas a presença constante de Jimin e Taehyung aqui em casa conferiu, a eles, o título de quase-membros-da-família. O que, na linguagem de Jeon Ga-eul, significa que agora eles dois fazem parte permanente da distribuição de atividades domésticas.

— E está nervoso? — Enquanto seca as mãos, ele vira para me perguntar.

— Um pouco. — Respondo com sinceridade.

Depois de uma semana ouvindo Jimin fazendo breves apresentações sobre os meus supostos amigos, chegou o dia de encontrá-los. Ele me perguntou se eu não preferia fazer isso aos poucos, mas achei melhor utilizar a técnica do band-aid. O que, agora, não sei se foi a melhor das ideias.

— Se ficar desconfortável, você pode me falar, Jungkook-ssi. E nós voltamos para casa — Ele diz, aproximando-se cuidadosamente até apoiar a mão em minha cintura. — Sério. Na hora que quiser voltar, voltamos.

— Jimin, relaxa. — Eu peço, apesar de ser grato por seu cuidado. — Eu não sou criança, não.

Ele respira fundo e meu olhar automaticamente se contrai quando ele me toca o outro lado da minha cintura e escorrega as mãos para minhas costas, abraçando-me suavemente.

E, com a maior cara de pau, diz:

— É, sim. Você é só um bebê mal humorado, gracinha.

Eu logo envolvo o pescoço de Jimin com o braço, pressionando-o como em uma repreensão que o faz rir suavemente ao mesmo tempo em que seu rosto se aproxima do meu.

E, no lugar de afirmar que sou bebê coisa nenhuma, o que eu faço é conter minha respiração enquanto o olho, percebendo a forma como ele precisa inclinar a cabeça para me olhar de volta.

Concentrado demais, sequer me desfaço da careta brava enquanto alterno minha atenção entre seus olhos e seus lábios.

Por que inferno do cacete ele não me beija de uma vez?!

— Tae já tá pronto! — Em resposta, é isso que ouço quando Junghee passa direto pela sala, em direção à porta de casa. Lá, ele grita: — Andem logo!

Eu puxo o lábio para dentro com a língua, antes de castigá-lo com leves e suaves mordidas que se encerram no momento em que desfaço o abraço ao redor do pescoço de Jimin e recuo.

— Parabéns pela ideia de convidar os dois moleques — Eu digo, então. — Agora aguente a encheção de saco.

Jimin leva um segundo para internalizar seja lá o que estava sentindo e rir de minha reclamação. Ao fim, apoia a mão em minhas costas para me guiar para o lado de fora.

Quando saímos, eu vejo Junghee já acomodado no banco traseiro do conversível, mas olho pouco para ele, porque o que verdadeiramente atrai minha atenção é o espaço no qual eu deixava minha Bee. Agora, ele está completamente vazio.

Jimin percebe a resistência de meu corpo quando paro, sem planejar fazê-lo, e olho para o lugar dela.

— Gracinha... — Ele chama. Eu balanço a cabeça suavemente para afastar a melancolia e olho para Jimin.

Percebo que ele parece querer dizer algo, mas resiste ao impulso.

Eu, com um suspiro, digo:

— Vamos.

Eu me acomodo no banco do carona, em silêncio. Jimin engata a chave, deixando que o chaveiro de pelúcia fique ali pendurado, e dá a partida.

Nenhuma conversa tem início ao longo do percurso até a casa de Taehyung. Quando ele entra no carro, no entanto, nós somos bombardeados com seu falatório incessante.

— Que frio! — Junghee é quem resmunga quando estacionamos na pequena orla e somos recepcionados pela brisa gelada que vem do mar.

Descemos do carro. Jimin pega, no banco traseiro, a própria bolsa e espera até que eu dê a volta no conversível, enquanto Taehyung e Junghee, mesmo tremendo de frio, vão na frente, empolgados.

— Viu? — Jimin diz, olhando para os moleques que já se aventuram na extensa faixa de areia. — Eles ficam muito felizes com muito pouco. É claro que eu não poderia deixar de chamar esses dois.

— É — Percebo, porque eles são bonitinhos mesmo.

Com a alça da bolsa pendurada no ombro estreito, Jimin olha para mim. A brisa quase constante desalinha os fios de cabelo escuro, lançando-os suavemente para o lado enquanto eu, parado no mesmo lugar, me percebo mais uma vez incapaz de parar de olhá-lo.

Com um sorriso nervoso, ele estende a mão direita para mim, tocando suavemente a minha esquerda com as pontas dos dedos.

— Posso segurar sua mão?

Eu olho para a mão pequena que me é oferecida e, no lugar de um sim, o que faço é deslizar meus dedos contra os de Jimin, antes de entrelaçar nossas palmas.

Do estacionamento até a areia, eu continuo calado. Jimin também nada diz, apesar de me fazer sentir constantemente a maneira firme como segura minha mão, talvez com medo de me ver mudar de ideia. E, de fato, precisamos nos separar para arrumar a toalha sobre a areia.

Junghee e Taehyung não ajudam em nada, os folgados, além de deixarem os sapatos para segurar os cantos da toalha larga.

Enquanto eles dois se aventuram pela praia, eu e Jimin sentamos lado a lado, em silêncio.

Com meus braços apoiados nos joelhos, eu vejo Junghee um pouco mais à frente, fugindo das ondas do mar quando elas se aproximam dos seus pés e Taehyung tenta empurrá-lo para se molhar, coisa que faz os dois rirem alto.

Sem querer, eu mesmo sorrio enquanto observo a forma como meu irmão parece tão feliz.

Quando finalmente paro de admirar a felicidade tão merecida do caçula de minha família, é para observar Jimin, ao lado, quando ele se movimenta e eu o vejo envolvendo o próprio corpo com um abraço, para se proteger do frio.

— Eu disse para você pegar outro casaco — Digo, em repreensão. — Mas parece que não me escuta.

— Não fale como minha mãe.

Eu reviro os olhos, com falsa impaciência, e abaixo minhas pernas para enfim gesticular com a cabeça.

— Vem. — Digo, tentando não explodir de nervosismo. — Eu te esquento.

É estranho dizer essas coisas para qualquer pessoa, então não me surpreendo ao sentir meu rosto esquentar um pouco por dizer logo para ele. Mas Jimin não percebe e, se percebe, nada diz.

— Obrigado. — É a única coisa que ouço ele dizer, quando vem com cuidado até sentar entre minhas pernas e meus braços, com as costas apoiadas em meu peito.

Assim que o sinto tão próximo, meus braços o envolvem com mais força, sob a desculpa de estarem fazendo isso somente para aquecê-lo.

— Gracinha? — Ele me chama, algum tempo depois.

— Que? — Questiono, tão baixo que sequer parece grosseiro, graças a deus.

Ele se aconchega mais em meu abraço. Eu sinto seu cheiro, o encaixe de seu corpo no meu, seus cabelos esvoaçando suavemente contra meu rosto. A sensação de ter Jimin assim é tão gostosa que eu sequer me incomodo por todo o tempo durante o qual ele fica calado depois de me chamar.

Mas, quando finalmente fala, eu percebo como gostaria de ter escutado suas palavras antes, o tempo todo:

— Eu só queria dizer que estou feliz.

Eu o abraço com um pouco mais de força. Deixo um pressionar de lábios em seu ombro.

— Está? — E pergunto.

— Sim. Por mais que nada disso tenha sido planejado e você não lembre de muitas coisas... eu estou feliz e aliviado por você me deixar ficar tão perto, porque isso é o que eu mais quero, Jungkook.

Eu pondero bem minha resposta, com o coração disparado e os dedos deslizando sobre o braço de Jimin enquanto escolho as palavras para revelar:

— Eu acho que meu corpo lembra de tudo, Jimin.

— Sim? — Questiona, baixo.

— Sim. Ele parece ainda conhecer bem cada sensação que tenho quando estou com você.

— Isso é bom, não é?

A cabeça dele recua suavemente, permitindo que a minha bochecha toque a sua quando ficam lado a lado.

O toque entre as peles me faz suspirar. Me faz lembrar de quantas coisas ainda quero experimentar, ou experimentar de novo, com Jimin.

— É bom. Mas tem uma sensação da qual não lembro... e que gostaria de lembrar.

Meu sangue ferve de ansiedade. Jimin gira em meus braços, apenas o suficiente para poder me olhar. A brisa ainda desalinha os finos fios de cabelo que emolduram o rosto lindo, enquanto os cílios curtos se chocam quando ele pisca suavemente, antes de perguntar:

— Qual?

— A sensação de te beijar.

A alteração no fluxo da respiração dele é sutil, quase me passa despercebida, sob todo o nervosismo. A voz, já tão baixa, parece ainda menor quando pergunta:

— Quer lembrar agora?

— Eu quero lembrar há dias. Dei todos os sinais e você não me beijou.

Jimin umedece os lábios. Ele parece ansioso. Bem, eu também estou.

— Eu percebi, Jungkook. É claro que eu percebi, mas...

— Mas não queria me beijar. — Concluo, em seu lugar. — Só pode.

— Eu só não sabia se eram sinais verdadeiros ou se você estava se sentindo obrigado de alguma forma. — Ele corrige, rapidamente, até meio ofendido por minha suposição. — É claro que eu queria te beijar. Você não sabe quanta saudade eu sinto do seu beijo, Jungkook.

— É claro que queria? Não quer mais?

Ele se frustra inteiro, mas acaba por se desfazer em uma risada quando choca o punho contra meu peito.

— Deixa de ser implicante. Você já teve tempo o suficiente para perceber que eu te quero o tempo todo.

Ah, que cacete.

Chega.

Usando toda a coragem que nasce a partir da vontade que tenho desse cara, eu uso minhas mãos para fazer o corpo dele virar ainda mais para o meu, tentando não perder toda a força quando a mão dele, em aprovação, me toca o peito e a boca paira logo à frente da minha.

E, assim, pergunto o óbvio:

— Então por que ainda não está me beijando?

Jimin sorri suavemente. Acho que muito consciente sobre o que faz, até desliza a língua entre esses lábios gostosos que quero sentir contra os meus.

— É isso que você quer, amor? Agora?

Não é como se eu já estivesse como um mar de plenitude, mas ouvir Jimin me chamar de amor, agora, tão baixo e sob o som do mar, enquanto vejo a iminência de finalmente beijar sua boca... puta que pariu.

— Me beija logo, Jimin.

Ele sorri um pouco mais. Os dois braços envolvem meu ombro e seus lábios ficam dolorosamente perto, ainda sem me tocar. Meus olhos se fecham, naturalmente, e meus dedos ansiosos se enterram na pele da cintura dele.

Mas, no lugar de fazer o que peço, ele diz:

— Me beija você.

Minha respiração falha comigo. Eu mais me desfaço em um suspiro arrastado que em uma simples expiração, ao expulsar o ar de meus pulmões.

Ansioso, eu permito que meus dedos se encaixem no passador do cinto de sua calça jeans, segurando-o assim enquanto, para firmar meu toque, a outra mão sobe até sua nuca, onde seguro com força o suficiente para provocar um leve ofegar da parte dele.

— Que saudade disso... — Ele começa a dizer.

Começa, mas não termina. Porque eu adoro a voz de Jimin. Eu adoro conversar com ele. Mas, agora, tudo que quero de sua boca é um beijo, não palavras.

Então sem perder mais tempo, com vontade acumulada durante todos os últimos dias, eu pressiono seu pescoço, puxando-o até que sua boca finalmente venha à minha.

Sem selinhos, dessa vez. Sequer no início.

Antes mesmo que nossos lábios se encontrem, minha língua o recepciona, aventurando-se sobre a maciez da boca que tanto quis provar mais uma vez.

Assim que minha língua encontra a sua, o abraço de Jimin ganha força. Seu corpo vem ainda mais para o meu, as unhas me arranham sobre o tecido do meu moletom e ele suspira em um leve som de satisfação que, se não engolido pelo beijo, seria levado pelo vento.

Meus dedos sobem, em sua nuca. Se entrelaçam à raiz dos cabelos lisos, enquanto Jimin captura meu lábio entre os seus, sugando-o intensamente.

Meu deus.

Buscando mais apoio para nós dois, minha mão em sua cintura guia o corpo de Jimin para que ele se deite sobre a toalha. O meu, se coloca parcialmente sobre ele, sem que nossas bocas se separem, mas com meus dedos se aventurando em mais de sua pele, tocando-o sob um dos meus moletons que veste.

Meu coração acelera somente de sentir a boca de Jimin na minha, sua língua se aventurando entre meus lábios, seus dentes me castigando com mordidas das quais sou incapaz de reclamar.

Com a respiração descompassada, eu ofego contra a boca dele, que estala um beijo no canto da minha enquanto eu mantenho meus olhos fechados e processo tudo o que acabei de sentir.

— Cacete...

Jimin ri. Seu peito se agita sob o meu, no ritmo do riso, e ele ainda me captura o lábio para chupá-lo mais uma vez, antes de sorrir inteiro contra minha boca.

— Finalmente... — E diz, sussurrado.

— Safados! — Lá do longe, alguém grita.

Fica óbvio quem é antes mesmo que eu vire meu rosto para ver Junghee tapando a boca de Taehyung para silenciá-lo. Rapidamente, no entanto, minha vontade de ir jogar os dois no mar congelante morre assim que ouço uma nova e mais intensa risada de Jimin.

— Gracinha — Ele diz, afrouxando o abraço ao redor de meu ombro. — Se afasta um pouco. Preciso de espaço para fazer uma coisa.

Mesmo que meu desejo seja o de continuar exatamente assim, bem perto, faço o que ele me pede.

E, para minha surpresa, o que Jimin tanto parecia precisar fazer é dar um soquinho vitorioso no ar.

Simultaneamente, entre o próprio riso, ele repete:

— Finalmente! Que beijo gostoso, meu deus do céu!

Sem jeito, apesar de acabar rindo violentamente, eu arrumo minha postura para me colocar sentado e também puxo Jimin para ajudá-lo a sentar, enquanto ele limpa o pouco de areia que grudou em minha roupa.

Eu quero perguntar se nos beijaremos de novo ou se sempre será preciso toda uma conversa a cada vez antes de fazê-lo. No entanto, a voz que ouvimos dizer a coisa seguinte não é a minha.

— Acabaram? — É outra pessoa quem diz, aproximando-se. — Sacanagem começarem a se beijar daquele jeito logo quando nós chegamos!

Eu e Jimin olhamos para trás. Ali, vejo quatro pessoas se aproximando e, a partir das descrições dadas por Jimin, percebo que é Seokjin quem chega fazendo todo esse escândalo.

— Pelo visto você está bem demais, hein, filhote? — Yoongi questiona, quando param perto o suficiente.

— Yoon... — Hoseok repreende, apesar de não conter o riso enquanto a feição, cheia de energia, brilha ainda mais que o sol lá no céu.

Ver Hoseok tão bem me causa, mais uma vez, uma intensa sensação de alívio puro, mas nada digo.

— Brincadeira. Aproveite mesmo — O bruxo diz, bagunçando meus cabelos antes de sentar em um dos espaços livres sobre a toalha.

— Demoramos? — É Seokjin quem pergunta, enquanto meu olhar pousa em alguém ao seu lado.

Kim Namjoon.

Já era sabido que, de alguma forma, o cara mais bacana que eu já vi na vida se infiltrou em meu círculo de supostas amizades. Ainda assim, é diferente comprovar isso ao vivo.

É Kim Namjoon.

— Oi, Jungkook — Enquanto Jimin fica com a função de tranquilizar os recém-chegados sobre a hora, Namjoon diz para mim.

— Tranquilo? — É o que consigo responder.

Ele sorri, exibindo as profundas covinhas que afundam em suas bochechas, mas é quando sinto Jimin mais uma vez se aninhar em meu corpo que meu coração acelera em satisfação.

Não demora para que estejamos os seis lutando por um pequeno espaço sobre a toalha e, lá da frente, Taehyung acena com empolgação.

— Oi! — Ele grita, graças a deus sem se dar o trabalho de cumprimentar cada um individualmente e nos bombardear com ssi para lá e para cá.

Depois que todo mundo se cumprimenta, Hoseok sorri para mim e diz:

— Trouxe petisquinhos, neném.

Neném?

— De frango, dentre outras coisas. — Yoongi revela, enquanto eu me questiono aqui sobre o apelido usado.

— Que lindo ver Yoongi falando como se tivesse ajudado a escolher, ao invés de ter ficado enchendo o saco de todo mundo por estarmos atrasados. — É Seokjin quem expõe, ao que recebe um gesto com o dedo do meio, do irmão.

— Já vão começar? — Namjoon questiona. — Jungkook vai é se arrepender de ter concordado em sair com a gente...

— Já me arrependi um pouco, na verdade.

— Merda nenhuma. Esse filhote de brutamontes vai adorar. Aliás — Yoongi comenta, remexendo no bolso da calça até tirar dali um pen drive e um pedaço de papel. — Trouxe até coisas para você.

Eu olho para o pen drive, aceitando-o ainda que o faça com uma careta.

— Que que tem aqui?

— Uma música. Ouça quando achar que deve.

Por mais longos segundos, enquanto Hoseok luta com a ajuda dos outros para, além dos corpos, abrigar sobre a toalha todos os lanches que trouxe, eu olho para o pen drive, estranhamente ansioso.

— E esse papel? — Questiono, sem olhar para Yoongi.

— Foi minha avó quem mandou.

Eu não questiono por que a avó de Yoongi mandaria qualquer bilhete para mim. Não entendo a razão, mas, de alguma forma, a situação não me parece completamente inesperada ou estranha.

Também sem entender a urgência, eu não consigo esperar para ler. Imediatamente, desfaço as duas dobras no papel para, do lado de dentro dele, encontrar a seguinte mensagem:

"Estarei te esperando. Venha até mim quando estiver pronto."

As palavras, desenhadas em uma caligrafia de letras grandes e tremidas, me causam uma sensação que não consigo explicar.

Antes que sequer tente, ouço um riso alto, um pouco afastado, e logo em seguida a voz de Seokjin, quando ele diz:

— São tão fofos...

Eu olho para onde ele e todos os outros passam a olhar. E é dali que vem o riso. De Junghee e Taehyung.

Na beira do mar, Taehyung parece ser amparado por meu irmão depois de uma quase queda. Os dois riem, juntos, quase alcançados pelas ondas que se prolongam pela areia clara.

— Ei... — É Namjoon quem murmura, com alguma surpresa, quando parece perceber o mesmo que eu.

— Meu deus? — Hoseok, tão surpreso quanto, acaba por dizer de um jeito bastante impressionado.

Eu, aqui no mesmo lugar, observo em silêncio, mas com os olhos meio arregalados e, certamente, incrédulos.

O riso entre os moleques já perdeu a força... mas eles não se soltaram.

Na verdade, as mãos de Taehyung viajam para segurar o rosto do meu irmão e eles dois permanecem assim, olhando um para o outro, demoradamente.

Nós todos ficamos calados, meio sem reação, enquanto o que parecia óbvio acontece e Junghee se inclina para a frente, meio receoso, e beija Taehyung.

Eu não percebo, nem tento perceber, a profundidade do beijo, porque essa situação aqui é esquisita feito o cacete. Ainda assim, parece rápido e não demora para que Junghee se afaste e, aparentemente nervoso, esconda o rosto no pescoço de Taehyung.

Esse moleque-ssi folgado, por outro lado, abraça meu irmão assim e também olha em nossa direção com um sorriso enorme, com o boné sempre virado para trás, destacando as orelhas.

— Eles se beijaram mesmo — Seokjin quase murmura, antes de cair na gargalhada. — Deram a maior bitoquinha. Que bonitinhos, gente!

— É agora que Jungkook tem um treco — Hoseok percebe, certeiro.

E acho que Taehyung também não demora para perceber, porque logo o olhar dele pousa unicamente em mim e nós nos encaramos, à distância.

Ele sabe que eu sei fazer coquetel molotov e posso rumar um na casa dele a qualquer momento, por um acaso?!

Quem já viu um negócio desses, de ficar beijando alguém na frente do irmão dessa pessoa?!

Talvez ele saiba sobre minhas habilidades com explosivos caseiros e igualmente perceba que está ferrado, porque, depois de me encarar por uns segundos, ele vai soltando Junghee e segurando o riso, apesar da vontade óbvia de explodir em uma gargalhada.

— Pelo menos eu beijei Hee antes de Jungkook-ssi me matar! — Ele grita, todo cara-de-pau. — Não me arrependo de nada!

Na primeira menção de movimento que faço, Taehyung se desfaz em um riso alto e larga Junghee para sabiamente correr para longe.

— Não adianta correr, não! — Eu grito, apoiando a mão no chão quando tento levantar rápido demais e quase perco o equilíbrio, mas nada dramático o suficiente para me fazer desistir.

Não é como se eu fosse mesmo dar uma surra do moleque. Mas um tapão naquela cabeça de bandido, antes de dar uns avisos sobre como ele deve tratar meu irmão... ah, isso eu vou fazer!

Assim, uma cacetada de risadas explodem ao redor quando eu começo a correr e Junghee grita:

— Corra sem olhar para trás, Tae!

Minha bota afunda levemente na areia fofa, o que reduz minha velocidade ainda nos primeiros passos, e as gargalhadas atrás de mim ganham força quando eu sinto alguém correr em minha direção e me abraçar pelas costas, com força.

— Gracinha! — Jimin chama, quase sem fôlego de tanto rir.

— Se não me soltar, eu te carrego junto!

Ele ri ainda mais. Eu nem acredito que eu também quero rir.

E, como avisei, eu volto a correr, mesmo que ele esteja agarrado em meu corpo. Quer dizer, tento voltar a correr. Mas, no fim, eu me engancho todo na areia e o que acontece é o contrário: mal saio do lugar e, de quebra, ainda perco o equilíbrio e caio com a barriga virada para o chão.

— Hyung, cuidado!

Mesmo caído, eu tento me levantar, mas sequer tenho chance porque na mesma hora Jimin me segura os pés e arrasta meu corpo para trás.

— Ei! — Eu grito, desacreditado. — De que lado você está?!

— Daqui a pouco o coitado acredita que vai apanhar de verdade!

Eu olho para Taehyung. Do jeito que ele está rindo, duvido mesmo que acredite que vai levar uma surra.

Mas, para evitar qualquer mal entendido, eu desisto de correr atrás dele e tudo que faço é deixar avisado:

— Se você magoar meu irmão, eu vou te moer na porrada!

— Vai nada. — A despeito da minha fúria, Jimin diz. Pelo menos, fala baixo o suficiente para que só eu escute.

Aparentemente, Jimin está familiarizado com os meus níveis de violência que nunca ultrapassam uns tapas na cabeça do meu irmão.

E talvez isso já seja de conhecimento de todo mundo, também, porque o próprio Taehyung logo volta a correr, dessa vez na direção do meu irmão, e o abraça pelas costas como se buscasse proteção atrás dele, mas é claro que não para de sorrir despreocupadamente.

Todo esse tamanho, essas tatuagens, a cara de bravo... para quê?

Eu me movo. Já cheio de areia, não me importo de girar meu corpo apenas para sentar sobre ela, de frente para Jimin, enquanto nossos... amigos? Enfim, enquanto eles assobiam e gritam pela vitória de Taehyung.

Eu reviro os olhos, mas mais uma vez olho para Junghee e vejo que ele parece feliz como nunca imaginei que poderia ser. E, amando meu irmão como amo, tudo que quero é que ele esteja exatamente assim, cheio de felicidade.

Acho que a regra do primeiro namoro só depois dos vinte e cinco anos foi pro beleléu.

Contendo meu sorriso teimoso, eu olho para Jimin e digo, falsamente:

— Estou puto.

— Está, gracinha?

Eu o seguro pelos braços, antes de ouvir um grito surpreso e divertido de Jimin, quando inverto nossas posições anteriores e faço ele deitar na areia.

— Você vai ter que me beijar muito para eu esquecer a raiva. — E digo, todo sonso.

Jimin gargalha vivamente, preenchendo a praia com um som que consegue ser ainda melhor que o som contínuo e confortável do mar.

— Melhor começar a cobrar esses beijos, então — Ele pondera, mordiscando o próprio lábio.

Agora, eu já não consigo mais conter o riso que contive. Me desfaço em um sorriso sincero, que traduz o que verdadeiramente sinto.

Apesar de tudo, das memórias perdidas, das coisas que não entendo...

Eu estou feliz.

E, ainda antes que eu faça minha boca tocar a boca de Jimin, ele me confidencia exatamente a única coisa que poderia ser dita para fazer essa felicidade se tornar ainda maior.

É aqui na praia, enquanto tento me readaptar à minha própria vida, que ele diz aquilo que já sei que, um dia, serei eu a dizer para ele:

— Eu te amo para sempre, Jungkook.

Continua no próximo capítulo

Olá! Como vocês estão? <3

Eu disse que teríamos momentos bem tranquilos, apesar da memória do Jungkook! Depois de tanto sofrimento, acho merecido <3

A má notícia é que seguimos em contagem regressiva ): estamos chegando bem perto do fim ): e eu não tô pronta pra me despedir da minha fedorenta ):

Mas hein... aconteceu o primeiro beijinho taehee *-*

Eu quero saber... o quanto vocês gostam deles? Sério, é uma pergunta importante!

Também tivemos um novo primeiro beijo dos jikook <3 graças a deus, né, senão o jk já tava derretendo de desespero

Acho que por hoje é isso. Sempre me deixa meio nervosa trazer esses capítulos mais tranquilos aqui em Cem Chances, mas espero de coração que tenham gostado <3

Ah!! Muito obrigada por todo o carinho que vocês dão a essa história... sério, é MUITO surreal. A hashtag entrou nos trends nas últimas atualizações e eu não consigo nem descrever quão feliz e animada eu fico vendo tanto amor e tanta empolgação da parte de vocês sobre algo que eu também faço com tanto amor e empolgação. Obrigada de coração mesmo por fazerem dessa experiência algo tão gostoso! <3

Teoria da vez: por que vocês acham que a avó do Yoon quer encontrar Jungkook "quando ele estiver pronto"? Beijo, até o próximo ou até a #BelindaEPandora <3

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