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Gente, esse capítulo também tem quase 15k ): desculpa e boa leitura
🔮
Eu não quero entrar no mérito de tudo que senti ao fazer sexo com Jimin.
Foi uma primeira vez, certamente, em mais de um sentido.
Primeira vez que transei com outro cara. Primeira vez que dei a bunda. Primeira vez que fiz com sentimento.
É um grande acúmulo de particularidades presentes em uma única experiência da qual não me arrependo nem mesmo por um segundo.
Eu senti tudo que compartilhamos enquanto fodíamos.
Senti o carinho de quando tomamos banho juntos, logo depois, abraçados para compartilharmos o jato de água quente, sob o qual nos beijamos ainda mais.
Senti a satisfação de vê-lo vestindo roupas minhas quando, cansados e limpos, nos juntamos no sofá para assistir filmes.
Mas, certamente, nada na vida é perfeito.
Nós transamos até à exaustão, o que deixou consequências muito óbvias.
Mais tarde, quando precisei ir buscar Junghee, eu não conseguia sentar em Belinda sem querer arrancar minha bunda, de tanto desconforto que senti.
Jimin teve que ir comigo, em Pandora, para buscar meu irmão na escola.
No dia seguinte, pelo mesmo motivo, teve que me buscar em casa para me levar à Hangsang, depois de deixar Junghee na Haeundae.
Não bastava a sensação desconfortável que vinha literalmente lá de dentro, outras consequências físicas foram deixadas.
Meu pescoço ficou destroçado.
Não literalmente, acredito que isso seja óbvio.
E é claro que, na hora em que o estrago foi feito, eu achei foi gostoso.
As manchas que ficaram tanto em mim quanto em Jimin, no entanto, não foram tão bem vindas.
Ele, não pareceu se importar muito.
Junghee quase morreu, quando viu e entendeu o que aquelas manchas significavam.
Minha mãe quase me matou.
No segundo dia, as manchas amenizaram. No terceiro, um pouco mais. No quarto, quase não se percebiam.
Uma semana inteira se passou. As manchas não existem mais. Mas a lembrança, sim.
— Não quero você matando aula para ficar de libertinagem, Jungkook. — E é claro que minha mãe faz questão de dizer isso todos os dias, agora.
Eu sinto meu pescoço e rosto vermelhos, socando uma cacetada de ovos mexidos na boca para não ter que responder.
Ao meu lado, Junghee se encolhe inteiro na cadeira, acho que até mais vermelho que eu.
Minha mãe respira fundo, enquanto nós três quase morremos com o silêncio que domina o café da manhã.
Sorte seria se assim continuasse, mas Ga-eul gosta de piorar o que já está ruim:
— Você e Jimin estão usando proteção, não é?
— Meu deus do céu — Eu juro que quase choro, escorregando meu corpo inteiro na cadeira, procurando fuga.
— Eu também não quero ter essa conversa, ok? Mas nós precisamos — Agora, eu já não sei o que dizer.
Ela também está vermelha. Completamente.
Parece ter passado os últimos dias reunindo coragem para essa conversa e não está se saindo muito bem, não.
Podíamos desistir do assunto, mas minha mãe é persistente além da conta.
— Está tudo bem em fazer... sexo — Ela fala como se estivesse conjurando satanás. Coça a garganta com um pigarro, ao fim. — Mas faça com responsabilidade. Matar aula para isso não é responsável. Fazer sem proteção, também não é.
— Mãe... — Eu nunca senti tanta vontade de chorar. — eu sei...
Nós já tivemos conversas assim antes.
No início da puberdade, tivemos uma terrível reunião de família — da qual Junghee, por ser novo demais, escapou.
Eu fui instruído por uma mãe e um pai completamente envergonhados a fazer sexo com proteção. Uma conversa um tanto heteronormativa, até, pressupondo o que eu mesmo pressupunha na época: apenas me relacionaria sexualmente com mulheres.
Então lá estavam eles me aconselhando sobre camisinha, responsabilidades que vêm junto com o sexo e necessidade de consentimento.
— Nunca toque uma mulher sem ter certeza de que ela quer ser tocada por você — Foi o que minha mãe disse. — Ou eu juro que te quebro inteiro, fedorento. — e assim findou seu discurso.
Meu pai já foi mais didático. Nessa e em várias outras ocasiões, os dois me relembravam cada detalhe desses, sobre respeito, consentimento, responsabilidade e cuidado.
Era ruim? Feito o cacete.
Eu absorvi bem cada discurso, certamente foram necessários, mas a vergonha nunca deixou de existir.
Agora, a situação consegue ser pior. Porque antes era tudo hipotético. Era tudo sobre "quando você começar a...".
Então eu perdi a virgindade. Transei com algumas pessoas, mas sempre longe de casa, sempre sem deixar minha mãe saber.
Agora, ela sabe que eu transo. Sabe com quem.
E isso tudo parece retomar sua necessidade de trazer o discurso de sempre, dessa vez ciente de que não, eu não me atraio somente por mulheres.
— Junghee. — No meio dessa tortura que quase me faz ter indigestão com o café da manhã, ela chama meu irmão.
— Senhora... — Ele responde, já prestes a chorar de vergonha.
— Tudo que eu digo para seu irmão, serve para você.
— Mãe... — O moleque choraminga. — Eu não quero ter essa conversa de novo...
— Eu só estou dizendo que vocês precisam ter responsabilidade, ok? — Agoniada, parecendo desejar o fim disso tanto quanto nós, ela diz.
— Junghee não precisa de coisa nenhuma. —Digo, horrorizado. — Ele tem dezesseis anos! Não vai sentir nem cheiro de sexo pelos próximos nove, até os vinte e cinco!
— Eu ficaria mais tranquila se fosse assim, mas proibir não adianta de nada. Por isso eu falo com os dois, entenderam? Não pensem que é porque eu gosto de conversar sobre isso com vocês, porque eu não gosto!
Antes que eu possa sequer pensar em dizer algo, a campainha de casa toca e eu levanto no maior pulo, tomando essa como minha chance de escapar.
— Graças a deus! — Quase ergo as mãos para o alto, diante da minha salvação.
— Eu te ajudo a abrir a porta, hyung!
Com Junghee na minha cola, eu sigo à porta de casa e destravo tudo para enfim ter a melhor visão que poderia ter numa segunda-feira às sete da manhã.
— Jimin hyung, me tira daqui, por favor! — Junghee implora, lançando-se em meu namorado antes que eu possa sequer dar um beijo de bom dia.
— Você já aprendeu a andar. — Resmungo, agarrando o moleque pela gola do uniforme e puxando-o para longe de Jimin. — Sai daqui sozinho.
Jimin ri, apesar da óbvia confusão sobre o que está acontecendo.
— Tudo bem? — E pergunta, confuso, quando entra em casa e tira os próprios sapatos ainda na entrada.
— Minha mãe veio com uma conversa desesperadora — Explico, recebendo-o quando ele para em minha frente, vestido com um casaco canguru que fica grande demais em seu corpo.
E é claro que fica. Porque esse moletom é meu.
Sem ouvir repreensões por isso, ele me abraça pela cintura, também sem precisar de cerimônias para fazê-lo, e eu envolvo seu pescoço com um braço só, enforcando-o de brincadeira até que ele me castiga com um tapa.
Uma semana quase inteira se passou, então é mais natural, para mim, agir dessa maneira com ele. Da minha maneira usual.
Nos primeiros dias, no entanto, o pescoço detonado, os olhares indiscretos e a vergonha não foram minhas únicas parcelas de tortura.
Não... além de tudo isso, eu também sequer sabia como agir ao encontrar Jimin pela primeira vez no dia. Eu me sentia nervoso, ansioso, não somente em consequência da óbvia e cada vez mais intensa paixão que ele me fez descobrir.
Era um nervosismo ruim, preocupado, provocado por um detalhe tão intenso quanto nossa primeira vez.
O pequeno detalhe, singela nuance, das palavras ditas por Jimin.
— Eu sei que é você, Jungkook. O amor da minha vida... só pode ser você.
A declaração se repete em minha mente como um mantra diário.
Jimin disse que eu sou o amor de sua vida.
E é a conclusão mais óbvia à qual alguém pode chegar, a verdade: eu não soube reagir. Não soube o que dizer, então nada disse.
Jimin literalmente verbalizou cada palavra necessária para dizer que eu sou seu pão com carne, sua maneira amenizada de dizer que sou seu amor. Sua metáfora para dizer que paixão não é o limite do que sente.
Ele disse. E eu não disse nada.
O conceito de amor fora da família me é estranho — não consigo entender como posso amar alguém além das pessoas que já amo. Como posso, a alguém que tão tarde entrou em minha vida, dar o amor que dou àqueles que estão comigo desde o começo.
Ouvir Jimin dizer que sabe que irá me amar, no entanto, provocou reações inesperadas em mim.
Não foi somente desespero. Não foi somente vergonha, talvez uma pontada de julgamento por ouvi-lo verbalizar sentimento tão forte.
Foi alegria. Uma sensação de felicidade profunda, genuína, na forma mais crua que pode existir. Foi alívio por perceber que, talvez, esteja começando a acreditar que eu posso ser amado.
Foi satisfação, de me ver envolvido tão intensamente com alguém que antes de me falar de amor, mudou algo em meu eu que acreditava não merecê-lo, que acreditava ser incapaz de despertar coisas boas nas pessoas que me cercam. Foi prazer, de namorar alguém que, muito antes de me falar de amor, me fez sentir amado.
Foi, enfim, amor.
Senti amor por cada uma dessas sensações. Me entreguei a elas, desejando a nenhuma outra pertencer. Eu senti amor por ser tão querido e zelado por ele. Senti amor por estar apaixonado por Park Jimin.
Estar apaixonado?
Talvez eu não deva assim me referir. Estar é passageiro. Indica algo que tem início, mas tem fim. E eu não quero estar apaixonado. Eu não acho que estou apaixonado.
Eu sou apaixonado por Jimin.
Eu sou, com início. Mas, sinto agora, nunca com um fim.
E amor? Por ele?
Eu posso sentir?
Eu já sinto?
Essa sensação de calmaria por trás da agitação da paixão. A sensação de fazer de sua angústia causa da minha e, mais frequentemente, da sua felicidade catalisador do meu bem estar. Essa sensação leve que acompanha a ferocidade do desejo, a vontade de sua companhia, o coração acelerado.
Ver Jimin sorrir me faz tão feliz quanto a felicidade de Junghee, quanto a alegria de minha mãe. De mesma maneira, vê-lo em dor me machuca, me faz querer estar ao seu lado para que ele lembre que não posso curar suas dores, mas saiba que não estará sozinho.
Eu sinto carinho. Zelo. Cuidado, à minha própria maneira brusca.
Isso tudo é paixão? Ou é algo a mais?
Eu não sei. Não soube na hora, não sei agora. Então nada dei a ele além do silêncio, da reação mais insatisfatória que podia ter.
Mas Jimin é assim. Ele me faz sentir que posso ser amado com toda a minha incapacidade de me expressar, com todas as minhas falhas. Naquele momento, não foi diferente. Apesar da frustração de querer dizer algo e não conseguir, ele me fez sentir acolhido em meu próprio desastre quando me deu um beijo lento, carinhoso, e sorriu sem esperar nada em troca de sua confissão.
Ele me beijou. Ele me amou.
E disse:
— Mas anda logo e pega uma roupa sua para mim — De maneira casual, distraindo do foco de suas palavras anteriores. — E vamos tomar um banho, pelo amor de deus.
Foram essas as palavras que sucederam sua declaração. Sequer foram palavras minhas. E, ainda assim, ele sorriu. Ele estava feliz.
De qualquer maneira, cada reencontro nosso trazia junto a sensação de que algo deveria ser dito — sensação essa que perdeu força a cada dia passado. Não porque os sentimentos se enfraqueceram, mas porque ele continuamente me lembrou da ausência de necessidade de transformar os meus em palavras.
Agora, posso vê-lo e sentir somente esse nervosismo gostoso como a casquinha crocante de um frango frito.
Mas isso tudo é sobre minha situação com ele.
Ainda há muito drama por trás — e não me refiro à situação inexplicável do universo no qual vivemos.
— Jimin? — Como uma fênix, a voz de minha mãe renasce, gritando lá da cozinha.
— Oi, tia. — Ele responde ainda aqui, virando o rosto quando eu enterro meu nariz em sua cabeça. — Bom dia.
— Venha aqui, por favor. Quero falar com você.
Eu fecho os olhos por um instante, antes de empurrar meu queixo no topo de sua cabeça num gesto implicante.
Ao soltá-lo, ainda dou um empurrãozinho em seu corpo para que ele vá até a cozinha.
E desejo:
— Boa sorte.
— Vai me deixar encarar a sogra sozinho?
— Vou demais. Se vira.
Jimin revira os olhos, mas não se amedronta.
— Aposto que você fez besteira — Ele resmunga, baixo, seguindo até onde minha mãe está.
Não é mais problema meu. O constrangimento é dele, agora.
Apressado para que o jogo não vire, eu gesticulo para que Junghee venha comigo e nós dois seguimos furtivamente até o banheiro.
— Você devia ter sido mais discreto, hyung. — Enquanto pegamos nossas escovas de dente, ele reclama.
— Que?
— Se mãe não tivesse percebido que você e Jimin hyung fazem... aquilo lá — O coitado quase morre, para dizer. — ninguém estaria passando por isso.
— Se você não tivesse passado a semana inteira encarando meu pescoço, talvez ela não tivesse percebido.
— Parecia que você tinha sido atacado por um animal! Tava roxo!
— E daí?!
Junghee está todo vermelho e enraivado. Ainda desse jeito, soca a escova com creme dental debaixo da torneira aberta e, antes de começar a escovar os dentes, resmunga:
— Insuportável.
Antes de escovar meus, eu meto um tapão nessa cabeça gigante e o moleque me olha enfurecido, até tenta revidar com um soco que pelo amor de deus.
— Fracote — Eu provoco, um instante antes de enfiar a escova de dente na boca.
Por sorte ou intervenção divina, conseguimos terminar de nos arrumar antes de iniciarmos uma nova discussão, e então seguimos de volta à sala, com nossas coisas nas respectivas mochilas e os respectivos cus na mão.
Que minha mãe tenha encerrado essa sessão de tortura depois da conversa com Jimin, eu imploro.
— Anda, Jimin! — Eu grito, guiando Junghee pelo pescoço, direto em direção à porta.
Meto os pés dentro de minhas botas, enquanto o moleque calça os sapatinhos normais e sem graça, e Jimin logo aparece no arco da cozinha.
— Anda! — Eu insisto, agoniado.
Ele ri, despedindo-se de minha mãe com a maior tranquilidade do mundo enquanto eu e Junghee praticamente corremos para fora de casa depois de gritar uma despedida.
— Deixa eu ir na frente? — Apesar dos maus bocados que passamos, ele ainda tem a cara de pau de pedir.
— Nem ferrando. Vai atrás.
— Insuportável. — E repete, antes de grunhir irritado quando eu dou um empurrão em seu corpo.
Antes que Jimin se aproxime, eu salto para dentro de Pandora e ocupo o lugar do carona.
Bee está quietinha no lugar de sempre, protegida do frio especialmente sofrido de hoje. No entanto, não é por isso que estamos indo de carro com Jimin, e sim porque queremos ficar juntos depois de nossas aulas.
E, de quebra, ainda economizo gasolina.
Ele não achou a justificativa mais romântica do mundo, quando eu falei em voz alta, mas pelo menos deu uma daquelas risadas gostosas.
Todos arrumados no carro, ele encaixa a chave na ignição, o chaveiro de pelúcia fica lá pendurado e ele sorri para mim por um instante, antes de arrumar os óculos de sol no rosto e dar a partida.
— Suas provas começam hoje, não é, Junghee? — Jimin pergunta, com as mãos deslizando sobre o volante, quando estamos a meio do caminho.
— Sim...
— Como você está se sentindo?
— Meio assustado... acho que vou levar bomba...
— Levou a vida toda. — Resmungo, sem olhar para trás. — Tá preocupado agora por que?
— Jeon. — Jimin repreende, me forçando a revirar os olhos com tanta força que quase não voltam à posição normal
— Jeon é o cacete...
— Que? — Confuso sobre minha breve revolta provocada pelo chamamento que não parece nada além de comum, Junghee questiona. Mas nem espera resposta, de tão agoniado, e volta aos próprios problemas: — A prova de matemática já é hoje. Eu tô com medo.
Paciente como eu nunca fui, meu namorado permanece atento ao trânsito e ao meu irmão. Suave, questiona:
— Jungkook-ssi te ajudou a estudar, não foi?
— Ajudou — O moleque responde, todo retraído e contrariado.
Brincadeira, né? Mal agradecido.
— O problema é esse — Aí, ele continua. — Jungkook hyung me ajudou e eu tô com medo de decepcionar ele se me sair mal...
Ah, pelo amor de deus.
Que moleque sem noção.
Bonitinho demais, todo preocupado.
— Sai dessa, moleque. — É o que eu digo, para tranquilizá-lo.
Jimin sorri com minha tentativa. Mãos no volante, óculos no rosto e palavras muito mais ponderadas que as minhas, ao dizer:
— Fica tranquilo, Junghee. Faz a prova sem se preocupar com isso, ok? Seu hyung é todo babão, ele não vai ficar decepcionado com você.
— Todo dia vai ser essa exposição?!
Lá no fundo do carro, Junghee explode numa risada muito sincera, ao que eu reviro os olhos e apoio o queixo na mão, lançando meu olhar para um ponto à minha direita. Enquanto o faço, Jimin continua:
— Como eu estava dizendo, faça a prova tranquilo. Hoje você é liberado mais cedo, não é?
— Sim. Pelo menos posso voltar antes pra casa e ficar lá chorando por ser burro.
— Burro coisa nenhuma, Jeon Junghee. — Jimin repreende, com esse tom que, eu sendo o bandido, me cagava todo.
— Eu quis dizer que tenho dificuldade em matemática... desculpa...
— Melhor assim. — Sob minha olhadela de esguelha, eu vejo o sorriso de Jimin amansar mais uma vez e eu mesmo me desfaço numa risada ao virar para o lado novamente, enquanto ele planeja: — Que tal almoçarmos juntos? Pode chamar Taehyung também.
— Posso?!
— Sim. Eu venho buscar vocês. — Segue, sem parar de mimar o moleque.
— Vou falar com ele! — O carro vai parando, em frente à Haeundae, e Junghee se empolga inteiro como se não estivesse prestes a enfrentar seu maior pesadelo em forma de avaliação. — Obrigado, Jimin hyung!
— Nada, Hee. Boa prova, viu?
— Obrigado! — Com a mochila nas costas e um sorriso que eu não esperava ver em seu rosto hoje, Junghee diz, saltando para fora do carro. — Até mais tarde!
— Boa prova, moleque! — Antes que ele se afaste demais, eu faço questão de dizer. Junghee dá uma olhadinha para trás, ainda com um sorriso enorme, e acena uma última vez antes de se apressar.
Antes de dar partida em Pandora, Jimin continua observando as costas de meu irmão enquanto ele se afasta, parecendo ponderar algo. Eu vejo os olhos pequenos levemente comprimidos, o ar pensativo, e a seriedade que toma sua expressão quando ele diz:
— Junghee é tão pequeno para a idade, não é?
— Obrigado! — Eu digo, por alguém finalmente admitir o óbvio. — Minúsculo. Parece um hobbit com um cabeção.
— Uma gracinha.
— É. É bonitinho mesmo.
Jimin finalmente sorri suavemente, pousando os olhos bonitos em mim ao tocar minha perna por apenas um instante, antes de reajustar os óculos no rosto, passar a marcha e nos levar para longe daqui.
O percurso é silencioso. Sem Junghee e sua disposição para falar, Jimin apenas se concentra no trânsito enquanto eu aproveito a liberdade de, por essa manhã, não precisar me preocupar com isso.
Sem me preocupar também em pedir permissão, eu puxo meu celular do bolso da jaqueta — sendo esse um dos raros dias nos quais não uso moletom e sim a jaqueta de couro —, e conecto ao sistema de bluetooth do carro depois que estico a mão para ligar o som.
Instantes se passam até que a primeira música selecionada tenha início, mas de imediato provoca um sorriso em Jimin.
— Nossa música. — Ele diz, porque assim a definiu.
E eu, sem pretensão de negar, confirmo:
— Nossa música, Ji.
Read my mind continua tocando, sendo a primeira de uma longa e ainda crescente playlist que eu comecei a organizar com todas as músicas que temos em comum. Uma playlist com todas as nossas músicas.
Transamos ao som delas, aliás, ontem mesmo.
E ao som delas tivemos o cuidado excepcional de não deixarmos marcas no pescoço um do outro. Em outros lugares menos visíveis, no entanto... É. Isso aí. Minhas costas estão detonadas de arranhões e meu peito está cheio de marcas avermelhadas. Não deve ser diferente para Jimin.
Mas acho que ele tem, também, algumas marcas na cintura.
— É impressão minha ou essa sequência de músicas é muito específica? — Quatro canções depois, chegamos à Hangsang. E só então ele percebe.
— Como? — Meio sonso, questiono.
— São todas músicas que nós dois amamos.
— Ah. — Eu encerro a transmissão. Sem pressa, desligo o som. E digo: — É nossa playlist.
— Nossa playlist? — Ele questiona, com um sorriso surpreso enquanto tira os óculos de sol do rosto. — Nós temos uma playlist?
— Uma playlist que eu estou fazendo para você, na verdade. Com nossas músicas.
— E por que eu só estou sabendo disso agora, Jungkook-ssi? — Ele pergunta, em tom de falsa acusação, junto a um tapa em minha barriga que me faz rir baixo, meio nervoso, antes que ele pegue o próprio celular e meu nervosismo cresça ainda mais. — Me diz o nome dessa playlist. Quero seguir.
O carro já estacionado, em inércia, representa meu estado inicial. Não faço absolutamente nada, enquanto Jimin espera.
Segundos depois, com o celular ainda na mão e um olhar curioso, ele arqueia as sobrancelhas para mim. E insiste:
— Qual o nome, amor?
Eu olho para a playlist em meu próprio celular. Sinto meu coração meio desastrado e até mesmo fujo do olhar de Jimin quando, nervoso, revelo:
— "Para meu Jimin".
— Vou seguir agora — Ele diz de imediato, com a voz perdendo força a cada sílaba dita à medida que sua percepção vai se firmando.
Eu ainda evito seu olhar, mantendo o meu fixo na tela agora apagada de meu telefone, torturado por seu silêncio. Quando este encontra um fim, é para que ele pergunte:
— Seu Jimin?
— Sim.
Mais uma pausa, seguida de mais uma justificativa:
— Não de maneira possessiva. Eu não sou doido, não. Só... meu Jimin.
Silêncio. Respiro fundo, coço a nuca, sinto que fico vermelho como um tomate. Mas digo:
— Como eu sou seu Jungkook.
Eu ouço seu riso baixo. Vejo sua mão desencaixar a chave da ignição, segurando-a pelo exagerado chaveiro de coelho que eu dei, e sinto sua aproximação, quando me toca o rosto ainda parcialmente escondido, trazendo meu olhar ao seu gentil, mas sempre intenso.
É olho no olho, por um instante. Depois, é boca na boca.
Um beijo suave, carinhoso e pouco demorado que se encerra quando sinto sua mão em minha nuca, entregando a ela um carinho gostoso que acompanha sua voz quando, arrastando seu nariz no meu, diz, baixo, porque mais ninguém precisa ouvir:
— Seu Jimin.
Eu finalmente sorrio, mas bruscamente seguro sua nuca para beijá-lo mais uma vez, coisa que mal consigo fazer porque ele desata a rir quando toco sua boca tão repentinamente.
É sempre assim. Tem riso quando nos beijamos. Tem riso quando fodemos, também.
Nossos momentos mais íntimos e físicos certamente são carregados de excitação e sentimento, mas também são divertidos. Uma combinação que nunca esperei experimentar, mas da qual espero nunca precisar abrir mão.
Então não me importo por seu riso e, não podendo beijar sua boca, beijo sua bochecha, sua mandíbula, deixo um rastro de beijos até chegar ao seu pescoço, onde entrego um último selar cuidadoso.
Mais seguro, finalmente firmo:
— Então meu Jimin agora tem uma playlist — Digo contra a pele, antes de beijá-la mais uma vez. — com as nossas músicas.
— Sim... — Ele sorri mais uma vez, continuamente me acariciando aqui no espaço limitado que temos em seu carro. — Obrigado por isso, gracinha.
Eu penso em dizer que não foi nada demais, mas sou silenciado por um beijo que ele me dá na bochecha.
Ao fim das carícias que nunca esperaria entre duas pessoas como nós, ele se afasta e se inclina no banco para pegar a bolsa de treino no assento de trás.
— Daria tudo para ficar a manhã inteira assim com você, — Ele confessa, acariciando minha perna uma última vez antes de se virar para sair de Pandora. — mas eu preciso ir.
Eu vejo Jimin descer e me adianto em pegar minha mochila, jogando-a no ombro antes de passar do meu banco para o banco do motorista. Dele, salto para fora e me ponho de pé logo atrás de Jimin, que percebe meu movimento furtivo antes mesmo que eu o segure pela cintura, puxando suas costas contra meu peito quando o envolvo com meus braços, segurando-o perto, e ele se desfaz numa risada alta.
— Jungkook-ssi... — Ainda tenta repreender, mas não tem seriedade nenhuma com esse riso.
E eu sei que não ajudo quando continuo abraçando-o por trás e deixo um caminho de beijos de seu pescoço ao ombro, tentando convencê-lo a me dar mais um pouco de seu tempo.
Que reviravolta.
— Nós ainda temos uns cinco minutos antes do início das aulas — Digo, girando seu corpo até fazer seu quadril se apoiar em Pandora.
De frente para mim, ele não apresenta resistência e me abraça pela cintura antes mesmo que eu o abrace e faça a alça de sua bolsa escorregar, até que caia no chão.
Ele não se importa, eu menos ainda.
— Eu não tenho a primeira aula, Jungkook-ssi. Era de Jang Jitae, esqueceu?
Ah, sim... o rodopiador que se perdeu e foi parar mais de uma vez em disciplinas do departamento de matemática, mas que dele evadiu depois de me defender abertamente e fazer uma denúncia sobre a conduta do professor.
Não adiantou de nada, mas aprecio sua intenção.
— Melhor ainda — Decido, então. — Não suporto aquele cara. Vou matar aula.
— Para ficar comigo?
— É, né?
Jimin ri, me abraçando mais forte até colar nossos corpos por completo e deitar seu queixo em meu ombro, antes de escorregar seu rosto até escondê-lo em meu pescoço.
Com um suspiro rendido, enquanto eu me derreto pelo abraço gostoso, ele diz:
— Sua mãe me disse que nós não podemos ficar matando aula para namorar.
— Pelo amor do santo cacete...
Ele ri, ainda me abraçando, ainda sendo abraçado de volta.
— Ela tem razão, gracinha. Nós temos todo o tempo do mundo. Não precisamos ficar matando aula.
Ah, meu deus...
Como relembrar que o problema é justamente termos tempo limitado?
Tempo esse que está acabando?
Sem trazer à tona esse assunto pelo menos uma maldita vez, eu apenas beijo o topo de sua cabeça, poupando-nos da melancolia inevitável.
De tão distraído, ele sequer percebe sozinho, então se afasta com a expressão tranquila, mansa e sorridente, que me faz tocar sua bochecha e acariciá-la de leve quando ele esfrega suavemente o rosto em minha palma, aceitando meu toque.
— E, de qualquer forma, — Meio preguiçoso, ele diz, baixo. — eu tenho reunião agora. Sobre a minha apresentação para a etapa final da academia de dança
— Hm... sim... — Tentando afastar a sensação que se abate sobre meu peito, murmuro. — Tranquilo, então.
— Tranquilo?
— Tranquilo. — Garanto, arrancando mais uma risada sua que, inevitavelmente, me faz sorrir fraco também.
Seu abraço se afrouxa, nos afastamos um pouco, mas logo ele parece lembrar de algo.
— Ah — E diz, em confirmação à minha suspeita. — Quero te mostrar uma coisa.
Sua mão viaja à própria barriga, se infiltrando no espaço entre a barra de seu moletom e o cós da calça justa, agarrada aos músculos de suas pernas.
— Vai tirar a roupa? — Questiono, recuando com um passo e me recostando no carro ao lado de Pandora, ainda de frente para Jimin.
— Até parece que você não gostaria disso.
De braços cruzados, eu dou uma balançada de ombros.
— Prefiro em lugares mais reservados, mas pode tirar — Digo, vendo que ele ri enquanto puxa o moletom para cima. — Não canso de olhar para seus pentelhos mais arrumados que meu cabelo.
— Jungkook, pelo amor de deus — Apesar da repreensão, ele explode numa risada, até perde o impulso para tirar o próprio moletom. — Deixa meus pentelhos em paz.
— Anda — Insisto, meio implicante, ao estender meu pé para chutar sua perna de leve. — Tira tudo e depois passa o nome do barbeiro.
— Achei que ia deixar seus pentelhos crescerem até poder fazer trança. Daqui a pouco chega lá.
— Não me oprima. Você disse que não se importa. E eu aparei, sim, bandido.
Jimin gargalha mais uma vez, deixando claro que não se importa mesmo, antes de finalmente tirar o casaco de moletom que fica tão grande em seu corpo.
Segurando-o num dos braços, ele exibe para mim o que esteve tão ansioso para mostrar.
Mais uma vez, ele está usando uma das blusas de mangas curtas que tanto gosta.
— Eu juntei coragem para vestir pela primeira vez em público. — Anuncia, com esse sorriso que se divide entre alegria e nervosismo. — Finalmente.
Eu me sinto um doido por me orgulhar tanto de algo que parece tão pequeno. No entanto, pequeno não é.
É importante para Jimin, então não sou capaz de menosprezar o passo aqui dado. É importante para mim também.
A que ele veste hoje é listrada, abotoada até o peito, onde se ancora o pingente que pende de uma das várias correntes que costuma usar. Fica linda, nele. Mas, sendo essa ou as blusas de manga comprida, o que penso ao olhar para ele é sempre a mesma coisa:
— Bonito demais.
— Você achou?
— Acho sempre, ué.
Jimin sorri, acaba por rir, mas também encolhe um pouco os ombros.
— Queria chegar assim em sua casa, mas estava tão, tão frio. No meio do caminho tive que vestir o moletom.
— Conheço esse moletom, aliás.
— Você disse que ficava bonito em mim.
— Grande coisa. Qualquer cacete de roupa fica bonito em você.
— Ainda bem, porque eu vou vestir o casaco de novo — Com um sorriso e o corpo ainda contraído pela exposição ao frio que se aproxima com a breve chegada de dezembro, ele diz.
— Só porque está fazendo um friozinho?
— Eu vou congelar. — Jimin me diz, com uma olhadela mal humorada, já preparando-se para vestir meu moletom mais uma vez. — Espero sentir coragem de vestir a blusa de novo em um dia mais quente.
— Devolve. — Antes que ele vista, eu agarro meu moletom, puxando-o de seus braços quando neles já estavam encaixados.
— Jeon! Você vai me deixar com frio?!
— Não, cacete — Resmungo, tirando a mochila de minhas costas e apoiando-a, junto com o casaco, sobre o carro atrás de mim.
Sob os olhos confusos de Jimin, eu então tiro minha jaqueta de couro, estendendo-a para ele de imediato.
— Veste essa — Explico, então, enquanto ele ainda parece tão confuso e eu pego o moletom para vestir no lugar. — É aberta, pelo menos. Mostra sua blusa.
Jimin olha para a jaqueta que tem em mãos, depois seus olhos reencontram os meus quando passo a cabeça pela gola do moletom e o ajusto em meu corpo, antes de agitar meus cabelos com os dedos.
O sorriso miúdo dele antecede um suave mordiscar no próprio lábio, antes de recostar o quadril em Pandora, lentamente vestindo minha jaqueta, ao dizer:
— Que sorte eu tenho de namorar você, Jeon.
— Jeon é o cacete.
— Você prefere quando te chamo de amor, não é?
— Claro que sim. Pelo menos não parece que está puto comigo.
Jimin ri mais uma vez, muito provavelmente ciente de que esse não é, nem de longe, meu maior motivo para gostar tanto de ser chamado assim.
Já vestido com a jaqueta preta, que não surpreende ao também ficar desajustada em seu corpo, ele olha para a própria roupa, depois para mim, com esse sorriso meio convencido.
— Tem razão. Eu fico bonito vestindo qualquer coisa.
Um revirar de olhos sem qualquer sinceridade entrega minha reação, esta que vem ainda antes de minhas mãos estendidas em sua direção, até segurá-lo pelas abas da jaqueta e puxá-lo para mim.
Sem resistência, Jimin vem. Meu corpo continua recostado ao carro de sabe-lá-quem, minhas pernas abertas para encaixar meu namorado bem perto, e uma palpitação ansiosa quando perto ele fica, abraçando meu ombro com os braços e mãos cobertos pelas mangas de couro sintético.
Com as minhas palmas alojadas na cintura, por baixo da jaqueta, confirmo:
— Eu disse — Mas também vou além: — Muito bonito. E muito pequeno.
Jimin de imediato me aperta o abraço numa repreensão, ao que diz:
— Eu não sou pequeno. Sou menor que você. É diferente.
— Se você diz...
— Você tem um metro e oitenta e seu peito é largo como uma geladeira! É normal ser menor que você!
Meu leve arquear de sobrancelhas parece enfurecê-lo. Sei que faz, aliás, porque esse é o tipo de brincadeira que faz Jimin começar a tagarelar feito um louco para restabelecer o óbvio.
É engraçado. Ele sabe que me divirto e, mesmo assim, toda vez fica puto.
Antes que ele comece a falar pelos cotovelos, no entanto, eu o puxo um pouco mais e calo sua boca ao beijá-la de uma só vez. E ele logo amolece, parecendo dissipar a irritação boba quando relaxa inteiro antes de intensificar o abraço em meu pescoço.
E fica na ponta dos pés.
Sem reprimir, eu me desfaço numa risada que rapidamente ganha força e, tendo sua motivação entendida por ele, me faz ser punido com o fim brusco do beijo e um tapa no braço.
— Não acredito que você me beijou só para me fazer ficar na ponta dos pés.
É difícil controlar o riso, principalmente quando ele também falha em conter o próprio.
— Sinceramente — Ele ainda se esforça para resmungar, recuando até pegar a bolsa de treino caída no chão.
— É bonitinho, Ji. Você se esticando todo.
— Não vou mais discutir. Já estou atrasado — Ele decide, aproximando-se furtivamente apenas para roubar um último selinho: — Lembre que vamos almoçar com seu irmão.
— Minha disponibilidade não foi verificada, Jimin-ssi.
Ele nem me dá bola. Já começa a se afastar e, de costas, apenas me lança um olhar por cima do ombro, para dizer:
— Até mais tarde, Jeon.
— Jeon é o cacete!
E assim o jogo facilmente é virado, tornando-me vítima da irritação boba criada por nossas provocações cada vez mais usuais.
Ele me lança mais uma olhadela vitoriosa, que tento combater com minha última tentativa:
— Vai lá comemorar sua vitória com seus soquinhos no ar, vai.
Jimin até gira sobre os pés. Dali, fica de frente para mim e diz, recuando com passadas lentas:
— Eu sou seu namorado, Jeon Jungkook — Como se não fosse óbvio, diz. E dá o bendito soquinho no ar em uma sequência acelerada, que me faz explodir em uma gargalhada não planejada. — Agora eu esmurro o ar todo dia, para comemorar.
Com um sorriso já nada envergonhado diante da lembrança de sua mania peculiar de comemorar as pequenas vitórias, ele mais uma vez gira em torno do próprio eixo e abre as passadas largas com essas pernas que deus benza, em direção ao departamento dos rodopiadores.
Sozinho, eu ainda continuo parado exatamente aqui, observando-o se afastar até que suma de minha vista.
E quem diria que eu mesmo sentiria tanta vontade de comemorar golpeando o ar?
Contendo o impulso, e já atrasado para a aula de Jang Jitae, eu finalmente pego minha mochila, penduro no ombro e sigo em direção à classe, ciente de que nem mesmo o professor bosta vai estragar meu dia.
A melhor parte? Não estraga mesmo.
Numa manhã dividida entre aulas, anotações e Sora e Woo contando detalhes das próprias vidas que tecnicamente não me interessam, mas que ouço ainda assim, eu me sinto... bem.
É uma sensação que cada vez mais deixa de ser estranha, cada vez mais bem-vinda, assim como é a companhia de tantas pessoas que antes jurava não suportar.
— Então?
Agora, estou meio impaciente.
Sentado de frente para Yoongi e ao lado de Hoseok em uma das várias mesas da biblioteca central da Hangsang, eu espero.
Com o papel de dobras desfeitas em mãos, o piromaníaco leva muito mais tempo que o necessário para ler alguns versos, enquanto Hoseok parece prestes a avançar sobre a mesa para pegar a folha, ler e enfim matar sua curiosidade.
Finalmente, Yoon abaixa as mãos, apoiando-as sobre a mesa enquanto ainda seguram o papel. Seus olhos pequenos, então, pousam em mim, indecifráveis.
— Ficou uma merda? — Insisto, nervoso.
É impossível dizer o que ele pensa somente de observar sua expressão.
— É boa. — Diz, até que enfim. — É uma letra boa, filhote.
— É?
— Meio esquisita, vou ser sincero. Mas parece verdadeira.
— Fui eu que escrevi. Se não fosse esquisita, não seria verdadeira.
— Eu estou curioso. — Hoseok suspira, inconformado. — Você não vai mesmo me deixar ler, Jungkook?
— Não. — Até tiro a folha das mãos de Yoongi, para que ele não caia em tentação e repasse ao ainda não namorado. — Só ouve quando estiver pronta, se ficar boa.
— Não quer fazer alguns ajustes? — Enquanto Hoseok suspira em derrota, Yoongi questiona. — Eu posso melhorar alguns versos.
— Você já está ajudando com a melodia. — Relembro, cuidadosamente guardando a folha em minha mochila. — A letra tem que ser só minha. De mim, para ele.
— Como preferir. — Sem fazer grande caso, Yoongi começa a juntar as próprias coisas. — Podemos gravar quando nossas provas acabarem.
Não falta muito para isso.
Com a chegada de dezembro em poucos dias, o fim do semestre também se aproxima. No entanto, no lugar de alívio, o que sinto é a pontada de angústia lá no fundo, porque o fim do semestre é um lembrete de que o tempo não para de passar.
E o tempo está acabando.
Seja lá o que precise ser feito, parece envolver o segredo de Jimin. E assim como ele não parece em vias de me revelar algo importante, eu não faço ideia de como estimulá-lo a me contar o que tanto esconde.
Eu sequer sei se chegaremos às férias, mas não é apenas Jimin que parece ter lapsos de consciência sobre a situação na qual vivemos.
Yoongi e Hoseok, na normalidade da vida bagunçada que encontramos em meio ao inesperado e improvável, também parecem se desapegar do grande problema por trás de tudo.
— Eu estou com fome — Para corroborar minha percepção, Hoseok diz, tranquilamente. — Vamos encontrar Jimin no refeitório?
— Eu e ele vamos almoçar com meu irmão, na verdade — Explico, checando meu celular para ver se Jimin já está livre.
— Que fofo.
— É... — Sem saber o que dizer, eu olho de canto para ele. Diante do sorriso enérgico na face de tanta fraqueza, meu coração se aperta.
— Que foi? — Nervoso ao perceber meu olhar subitamente angustiado, Hoseok pergunta. Acho que já sabe a resposta.
Ainda assim, tento disfarçar:
— Estava pensando se vocês dois não querem ir almoçar com a gente também.
— Sério? — Em toda essa pose de hyung carinhoso, minha tentativa parece ter efeito sobre ele. — Eu quero, sim.
— Ok.
— Vai também, Yoon?
— Sim. — O não bruxo responde, quase de prontidão, com o olhar mais suave que aqueles que direciona a qualquer outra pessoa. — Quer que eu dirija seu carro?
— Quero. — Com a mesma suavidade, Hoseok responde. — Eu só preciso pegar um livro antes de ir. Dá tempo, Jungkook?
— Vai lá.
Animado como se estivéssemos prestes a fazer algo grandioso, Hoseok fica de pé, mas mal o faz e algo parece errado.
Sua expressão denuncia algum desconforto intenso e suas mãos precisam se apoiar sobre o encosto da cadeira para que ele não caia.
Tomados pelo susto, eu e Yoongi reagimos de imediato. Ficamos os dois de pé, aflitos, e eu o amparo de uma vez, para evitar que se machuque.
— Hobi? — Yoongi chama, tenso, de pé em nossa frente.
— Foi minha pressão — Hoseok diz, brevemente recuperado. — Me levantei rápido demais, mas está tudo bem.
Eu e Yoongi nos olhamos, tensos, e Hoseok recua um pouco, delicadamente rejeitando minhas mãos amparando seu corpo.
— Vou pegar o livro e já volto.
— Diz qual é. — Peço. — Eu vou lá pegar.
Hoseok nega, no entanto.
— Eu consigo fazer isso — E, de maneira inesperada, é essa sua resposta. Como se estivesse tentando provar algo. — Podem ficar aqui.
Mais uma vez olho para Yoongi, antes de olhar para Hoseok e vê-lo se afastando, esfregando as mãos contra o próprio rosto empalidecido.
Sozinho no silêncio que me tortura em companhia de Yoongi, demora até que ele diga:
— Hoseok não está mais melhorando.
Finalmente encarando a primeira derrota do dia, eu volto a me sentar sobre a cadeira com brusquidão.
— Eu não sei o que fazer, Yoongi...
— Ninguém sabe, filhote — Ele diz, com angústia, também voltando a sentar em sua cadeira. — O problema é esse.
— Não — Nego, tenso. — Eu acho que sei o que precisa acontecer, mas não sei como fazer isso acontecer.
— Como assim? — Confuso, questiona.
Eu não posso simplesmente dizer que acho que Jimin está escondendo algo — ou estarei, indiretamente, jogando nele toda a culpa. Também não sei de que outra forma falar. Por fim, decido por sinceridade parcial:
— Eu não posso interferir diretamente. Se eu fizer isso, acho que vou piorar toda a situação. Então preciso fazer Jimin confiar em mim e talvez as coisas voltem para o lugar. É isso que está faltando... confiança.
Yoongi empurra as costas contra o encosto, pressionando demoradamente as pálpebras fechadas antes de abri-las e me olhar, tenso.
— Acho que não me resta mais nada a fazer além de esperar pelo melhor. — Diz, baixo, mas perceptivelmente aflito.
Os dedos tamborilam a mesa, enquanto os olhos pequenos a eles se mantêm atentos, por instantes que antecedem sua confissão:
— Ele nem consegue mais dançar. E dançar é a vida de Hoseok, Jungkook.
Sem saber o que falar, eu apenas vejo o riso desesperado de Yoongi.
— Ele não consegue fazer nada. Ontem estávamos sozinhos e as coisas... — Pausa, incerto. — esquentaram. Enfim. Eu queria fazer ele se sentir bem, mas ele me pareceu tão frágil que tive medo e parei no meio do caminho.
O peso da culpa retorna, quando percebo no que nos meti.
Não foi proposital, mas foi minha culpa. No fim, eu sou o único culpado.
— Eu não queria envolver vocês nessa bagunça — Confesso, amargurado. — Eu realmente não queria.
Os olhos pequenos pousam em mim, como sempre ilegíveis.
Yoongi é misterioso nos mínimos trejeitos, o que despertou tanto a curiosidade de todo mundo que o conhece, a ponto de surgirem tantos boatos.
Dessa vez, no entanto, seu mistério se faz surpresa e ele sorri minimamente para mim.
E diz:
— Eu não acho que você tem poder sobre isso. Acho que, você querendo ou não, nós passaríamos por isso juntos. Então vamos passar, filhote. Juntos.
Eu não sei o que mais poderia dizer.
Continua sendo uma surpresa inexplicável ver que ele e Hoseok estão presos a algo de ruim que provoquei e em nenhum momento me culpam por isso. E a ausência de culpa jogada em minhas costas não é o limite para eles. Porque não só não me culpam, como me apoiam.
Estão ao meu lado, verdadeiramente, como nunca imaginei que pudessem estar.
Incapaz de verbalizar minha surpresa ou gratidão, não faço nada além de sorrir sem força e sem energia em resposta.
Nada mais digo até que Hoseok volte, Yoongi também não é lá de buscar conversas para preencher o silêncio, então com ele nos conformamos de maneira até confortável, compartilhando companhia e não palavras.
— Ainda não sei onde vamos comer — Quando volto a falar, é isso. — Então nos encontrem lá na escola de Junghee e depois decidimos.
— Certo, bebê — Hoseok garante, passando a chave de seu carro laranjão para Yoongi. — Até já.
Com mais uma olhadela preocupada, eu o observo por um instante e enfim aperto os lábios numa linha pouco amigável, para só então gesticular desajeitadamente com a mão e virar para seguir meu caminho até Jimin.
— Que carinha é essa? — Mas mal me aproximo de Pandora e meu namorado já percebe.
— Nasci com ela.
A indelicadeza da resposta não faz mais que provocar um riso curto enquanto nos acomodamos lado a lado nos bancos do conversível.
— Deixa de ser cavalo, gracinha. — Ainda com o riso leve, ele pede.
— Foi mal. — Resmungo em resposta, atento às suas mãos engatando a chave. — Hoseok e Yoongi vão almoçar com a gente, viu?
Sua reação é como eu esperava, diante do anúncio. Tranquila, satisfeita até.
— Ah — Ele diz, despreocupado: — Hoje é segunda. Mais tarde eu vou na MoonMoon ver como Namoo está e conversar um pouco com ele. Vai comigo?
O carro já está ligado, Jimin concentrado em tirá-lo da vaga para dirigir, mas ainda assim atento a mim o suficiente para perceber minha concordância pouco enérgica e, diante dela, questionar:
— Não vai me falar por que você está meio para baixo, não é?
Eu suspiro. Sem planejar, recostado ao banco e virando meu rosto para o lado oposto ao que ele ocupa, confesso:
— Eu acho que esse é nosso maior problema, Jimin. Nós evitamos falar sobre coisas que deveriam ser ditas.
Se eu pensasse melhor, talvez não dissesse isso. Mas, no fim, é a verdade.
E não é que eu sinta raiva dele por obviamente esconder algo.
Eu sinto medo.
Porque eu não quero perder nada disso. Eu não quero que o tempo acabe e, com ele, leve todas as memórias da chance noventa e nove.
Eu não quero a chance de número cem, não quero um novo vinte e um de outubro. Não quero novas memórias.
Eu quero essas, porque são mais valiosas que todo o dinheiro que eu posso um dia ter nessa vida. Porque são elas que agem em mim, que me fazem perceber o mundo de maneira diferente, que me fazem perceber que, apesar de tudo, posso ser feliz.
Porque são essas memórias que me impedem de voltar a ser o Jungkook que fui, ao início de tudo isso. E eu não quero nunca mais ser daquele jeito.
Então não, não é raiva. É medo de perder o que conquistamos. É medo de perder Jimin.
É medo de me perder novamente.
Um tanto melancólico em um dia que poderia ser bom do início ao fim, eu olho para o lado. Vejo Jimin de mãos pousadas no volante, guiando Pandora lentamente enquanto parece se entregar a um momento recluso de reflexão enervada.
Jimin parece completamente afetado por minhas palavras. Parece assustado.
E eu não quero que ele se sinta assim. Não é desse jeito que conseguiremos.
No lugar, então, eu me permito um breve momento de hesitação, olhando-o em meu próprio silêncio até que ele para na breve curva que segue a saída da universidade. Ali, espera uma brecha no fluxo intenso de carros para seguir à avenida.
E eu me aproveito desse momento. Eu toco sua perna, com cuidado. Atraio seu olhar um pouco espantado. Me inclino um pouco mais em sua direção, toco seu rosto, sob seus olhos cada vez mais confusos, ainda abertos, quando fecho os meus e me aproximo por completo até tocar sua boca com a minha.
O carro morre, sem demora.
Minha mão corre à sua cabeça, acariciando-o com cuidado, unindo lábios, línguas, ofegos e suspiros lentos em um beijo que ele certamente não esperava receber.
Eu me uno inteiro a Jimin nesse beijo. Entrego a ele minha paixão, minha melancolia, meu medo.
Me entrego a ele, entrego tudo no ato de beijar — algo que sempre pareceu tão banal, mas agora tem valor incomparável porque é sua boca que beijo, porque é por ele que sinto o que nunca imaginei sentir por alguém.
Eu me entrego. Dou fim ao beijo. Mantenho os olhos fechados, minha testa na sua, cada sentido atiçado por sua existência unida à minha em muito mais além do físico.
Eu entreguei meu tudo, meus sentimentos. E ele entrega os seus também, num sussurro baixo, certamente não planejado, que me arrepia inteiro em quinze letras:
— Eu te amo, Jungkook.
São quatro palavras. Uma pausa. Um sussurro.
A sinceridade e o peso de sua confissão se perdendo no ar que nos rodeia, carregado por todos os barulhos da cidade que não para diante de nós dois. Não para, como parou meu coração por um breve instante.
Eu sinto a mão de Jimin subir por meu abdômen, até que seus dedos amassem o tecido de meu moletom.
Com a testa ainda deitada contra a minha, ele diz:
— Não precisa responder nada. Só me deixa dizer e acredita em mim. Eu te amo.
Eu já tinha plena certeza de que isso de me apaixonar não é saudável. Não é possível que seja, com tudo isso que desregula dentro de mim a cada mínima ação tomada por ele.
Ainda assim, tenho força para reagir. E digo, em resposta, tocando-o com mais firmeza, mas com mais carinho:
— Eu acredito em você, Ji. Então acredita em mim também. Confia em mim. Por favor. Você pode me dizer qualquer coisa que precisar.
Está dito. E eu sinto a pressão de seu toque em meu peito ganhar intensidade. Percebo as mudanças sutis que meu pedido provoca.
Mas, antes que eu descubra o que ele irá dizer, a buzina escandalosa de um carro detrás de Pandora nos faz quebrar o contato e olhar para trás.
Com um sorriso afetado, Jimin reconhece o carro de Hoseok, Naruto, sendo pilotado por Yoongi, que buzina mais uma vez.
Com meu próprio gesto conformado, eu exibo meu dedo do meio para o piromaníaco inconveniente, coisa que faz Jimin rir sem força ao que mais uma vez liga o motor do carro.
De volta ao caos do trânsito, o silêncio que nos envolve é desagradável, dessa vez. Não tem conforto, não tem quietude. É tenso, entremeado por expressões de Jimin que, sem seus óculos escuros, me permite ver as oscilações de seus olhos, acompanhadas de seus dedos firmando a pressão ao redor do volante.
Todo o percurso é assim. Nada é dito, de nenhuma das partes, até que me arrisco:
— Se você quiser cancelar o almoço, Junghee vai entender...
Não que eu queira cancelar e esteja tentando direcioná-lo a assim decidir, mas eu não o sinto mais tão receptivo à ideia, agora que está tão tenso.
— Não... — Ele diz, tempos depois, quando estacionamos em frente à Haeundae. Sua demora em responder apenas confirma meu ponto. — Não precisamos cancelar...
Eu lanço a ele um breve instante de olhar, antes de direcionar minha atenção consternada ao lado oposto para ver Junghee com um sorriso enorme no rosto enquanto puxa Taehyung pela mão, em direção ao carro.
— A prova foi boa? — Eu pergunto, então, tentando dissipar o desconforto perceptível.
— Não. Me dei mal.
— Oi, Jungkook-ssi, Jimin-ssi!
— Oi. Qual foi a do sorriso então, moleque? — Questiono, tomado por breve confusão enquanto meu irmão e Taehyung saltam desajeitadamente para dentro do carro.
— Antes eu me dava muito mal! Dessa vez eu até consegui resolver algumas questões! Você é um bom professor, hyung!
Eu rio com incredulidade, sem contrapor seu ponto.
— Se você diz... E você, moleque-ssi?
— Fui bem! Obrigado por perguntar, Jungkook-ssi! E obrigado pelo convite, Jimin-ssi!
Eu apenas aceno enquanto os dois se arrumam no banco traseiro, vendo Jimin oferecer um sorriso breve e incerto aos dois atrás.
— Onde vamos almoçar, hyung?
— Ainda não decidimos. Yoongi e Hoseok também vão com a gente — Eu olho para trás, mas dou uma revirada brutal de olhos ao ver o que vejo, e logo tento corrigir a situação: — Coloquem o cinto.
— Ah — Taehyung é o primeiro a se apressar, enquanto Junghee tem a cara de pau de fazer cara feia. Mas obedece, mesmo assim. — Desculpa, Jungkook-ssi. Mas então eu posso escolher o lugar?! Eu sei de um!
— Na verdade, — Finalmente, Jimin fala algo. Se vira no banco para olhar para trás, junto a um sorriso manso, mas pouco natural. Nada que vá ser percebido pelos moleques, eu acho, mas que não me passa em branco. — esse lugar faz entregas?
— Faz, sim! É muito gostoso, Jimin-ssi, e baratinho!
— Vamos pedir para entregar em minha casa. — Me provocando alguma surpresa, Jimin sugere. — Pode ser? Nós comemos lá, vocês conhecem minha coelha e...
— E o que, Jimin hyung?
Jimin suspira. Sua expressão oscila, tão violentamente que, dessa vez, qualquer um pode perceber. Mas responde, deslizando seu olhar para mim:
— E eu faço algo que já deveria ter feito.
Meu olhar se atém a Jimin e nada além dele.
Meu coração acelera, em nervosismo e esperança, diante do medo óbvio que é expresso em seu rosto bonito.
Isso quer dizer que ele vai revelar o que esconde?
Sem entender o que verdadeiramente se esconde por trás da sugestão repentina de Jimin, os moleques se enchem de satisfação pela possibilidade que surge.
— Ok! Eu quero ver sua coelha, Jimin hyung.
Para ele, Jimin oferece um sorriso manso. Para mim, um questionamento mudo, para o qual dou minha resposta com um breve acenar.
Jimin umedece os lábios, tenso, mas sem voltar atrás.
Passando a marcha para voltar a guiar Pandora pela rua pouco movimentada, ele pede:
— Avise a Hoseok e Yoongi para onde vamos.
Um concordar suave é o que anuncia minha resposta, que rapidamente se concretiza em uma mensagem enviada para Hoseok.
Dali até a casa de Jimin, não falamos nada. Todo o falatório fica por conta dos moleques, que suprem bem nossa ausência de palavras até o momento em que Jimin adentra o terreno da própria mansão e estaciona o carro numa das vagas em frente à casa.
Seu carro é o único aqui, junto ao de Hoseok que logo chega. Assim, deduzo que, como sempre, seu padrasto não está.
— Meu deus! — A percepção de Junghee, no entanto, é outra. — Você mora em uma mansão, Jimin hyung!
— Eu já sabia que você era rico, Jimin-ssi, mas... meu deus...
Já parcialmente acostumado aos luxos da vida de Jimin, eu mantenho meu silêncio ao jogar a mochila no ombro e, como poucas vezes faço, abrir a porta para descer.
Depois, ainda empurro o banco para a frente, para que Junghee e Taehyung desçam sem precisar saltar, e os dois o fazem enquanto olham impressionados não só para a casa, mas para todo o terreno vasto no qual foi construída.
Do carro laranja ao lado, Yoongi e Hoseok descem, e o dançarino aperta os olhos junto a um sorriso dúbio. E pergunta, irresponsavelmente:
— Da última vez em que vim aqui, o dia vinte e um de outubro ainda estava se repetindo, não era?
— Que? — Junghee questiona, claro que confuso.
Em alerta, eu troco olhares rápidos com meus amigos, ao que Yoongi, dissimulado, responde enquanto passa o braço ao redor da cintura de Hoseok:
— Ele está falando de uma história que nós acompanhamos.
— Ah... — Taehyung facilmente se convence, porque a mentira é mais crível que a verdade. — Tem loopings temporais? Como Donnie Darko? E Boneca Russa?
— É — Com eles, troco mais um olhar de alívio, agarrando Junghee pela nuca para guiá-lo para dentro da casa, quando confirmo: — Pior que é por aí.
— Eu adoro histórias com loopings temporais! — Enquanto começamos a nos encaminhar para a casa, Taehyung confessa, alegre. — Eu quero ler a que vocês estão lendo também!
— É proibida para menores. — Dessa vez, é Hoseok quem dispara a desculpa.
Antes que ele ou Junghee insistam no assunto, Jimin abre um dos lados da luxuosa porta dupla e se mantém fora, esperando que todos passem para dentro enquanto sobrepõe o tema com a nova pergunta:
— Então, onde vamos pedir nosso almoço? Eu pago.
— Não precisa, Jimin-ssi...
— Ei — Junghee interrompe o amigo, pouco discreto ao dar neste uma cotovelada e sussurrar: — Olha a casa dele, Tae! Deixa Jimin hyung pagar!
Meu deus, que bandido.
— Tomem aqui. — Jimin diz, com um sorriso pequeno, ao estender o celular desbloqueado ao meu irmão. — O cartão já está cadastrado no aplicativo de entregas, podem pedir o que quiserem. Peçam qualquer coisa sem milho e sem pimentão para mim.
— Que coragem de dar o celular na mão desses dois bandidos — Comento, sinceramente.
— Eles são bonzinhos. — Jimin rebate, cheio de segurança, antes de olhar para Hoseok: — Lembra qual é meu quarto? Podem ir na frente. Eu e Jungkook vamos pegar algumas bebidas e já levamos.
— E sua coelha? — Junghee pergunta, olhando ao redor.
— Deve estar no quarto dele. — Aviso, rapidamente sentindo o toque de Jimin em minhas costas, para me guiar. Seguindo seu pedido silencioso, aviso aos outros quatro: — Daqui a pouco subimos.
As vozes deles ficam para trás enquanto seguimos, em silêncio, à cozinha.
Sozinho com Jimin, eu percebo sua hesitação enquanto ele tira uma jarra de suco da geladeira. Também ansioso, repuxo meu moletom para baixo quando escondo minhas mãos no bolsão frontal, e pergunto:
— Sua mãe não está?
A primeira resposta de Jimin é uma negativa silenciosa, seguida por palavras:
— Ela voltou a estudar, está fazendo um curso de empreendedorismo. Agora passa o dia fora de casa.
Eu arqueio as sobrancelhas num gesto surpreso, mas satisfeito, até.
Gostaria de poder dar a mesma oportunidade à minha mãe. Gostaria de poder trabalhar e ter dinheiro o suficiente para que ela tenha a possibilidade de abandonar o emprego atual e buscar algo que realmente goste de fazer, como nunca antes pôde.
Espero um dia poder fazer isso por ela.
Mas tem muitas outras coisas que gostaria de ter em meu alcance, agora, e parecem mais imediatas.
Como respostas.
— E seu padrasto?
O silêncio vem, opressor. Toda a postura de Jimin ganha mais tensão, ao que as mãos se atrapalham ao encher copos com o suco, e eu arrisco um pouco mais, receoso:
— É sobre ele que você quer falar?
Eu sei que Jimin esconde algo sobre esse homem, mas não sei se é esse segredo que ele precisa revelar. Não sei se existe algo além disso. E, sem responder meu questionamento agonizante, Jimin parece cada vez mais assustado.
Eu reconheço, em sua face, o desespero que nos consome quando tentamos nos forçar a fazer algo que não queremos, algo de que temos medo.
E longos segundos se passam, enquanto ele parece ainda se forçar, sem olhar para mim sequer uma vez.
Quando seus lábios se separam, assim permanecem por alguns instantes, antes que finalmente peça, tomado por angústia perceptível:
— Me dê só mais um minuto, por favor...
Eu sei que ele está tentando e isso é mais que o que tivemos até então. De mesma maneira, sinto o medo ganhar força em mim, enquanto minha mente explode em possibilidades diferentes sobre o que Jimin poderá revelar quando assim tiver coragem de fazê-lo.
O que pode ser tão ruim a ponto de deixá-lo com tanto medo?
Cheio de dúvidas como estou desde que toda essa bagunça começou, eu umedeço meus lábios e tomo uma decisão momentânea, ao tirar a jarra de suco de suas mãos.
Levando-a de volta à geladeira, digo:
— Vamos comer primeiro, ok? Eu estou com fome.
É mentira, certamente. Com o nervosismo que sinto agora, não há espaço para fome, mas assim afirmo na esperança de tranquilizá-lo ao garantir mais uma hora ou duas para que se prepare.
— Certo. — Ele diz, então, quando volto a olhá-lo. Mas ele ainda não me olha. — Obrigado.
Com um pressionar tenso de lábios, eu respiro fundo e sigo ao lugar onde sei que eles guardam as bandejas. Rapidamente, pego uma e sobre ela arrumo os copos já servidos.
— Vamos. — E chamo, trazendo a bandeja comigo quando tomo a liberdade de guiar o caminho dessa vez.
Eu sei que demonstro sentir mais tranquilidade que verdadeiramente sinto, mas permaneço em meu papel até o momento em que, sem trocar qualquer palavra que seja com Jimin, chegamos ao seu quarto.
De imediato, me desespero ao ver Junghee futucando todos os mangás na estante, mas Jimin apenas ri frágil, sem se importar.
— Ele é curioso como você... — E diz, com essa entonação ainda afetada.
— Não... — Meio constrangido, pontuo: — Junghee está em outro patamar.
— Nós pedimos hambúrguer, tá? — É Taehyung quem avisa, enquanto apoio a bandeja na mesinha de cabeceira. Hoseok e Yoongi estão na varanda, mas voltam para o interior do quarto assim que nos percebem.
Sem dizer mais nada, eu sento na ponta da cama e pego um dos copos para tomar um pouco de suco, surpreso quando, pelo colchão, Jungoo se aproxima com um dos pulos desajustados de alegria que, dessa vez, pelo menos não me provocam desespero.
— Oi, xará... — Eu digo, tocando-a cuidadosamente na cabeça peluda quando ela sobe em meu colo.
— Ela gosta de você, não é, hyung?
— Quem não gosta de Jungkook? — É Hoseok quem responde, com um sorriso mínimo, mas sincero.
— Eu. — E o piromaníaco tem a cara de pau de responder.
Hoseok ri, apesar de repreendê-lo com um tapa fraco, e vejo Jimin se aproximar para sentar na cama, desconfortável o suficiente para manter distância e não chegar perto como desejo e como sempre faz.
— Podem ficar à vontade. — Avisa, então, quando percebe Yoongi e Hoseok parados, sem saber para onde ir.
— Posso ligar a televisão? — Junghee questiona, com a cara de pau que nunca imaginei que esse moleque todo introvertido um dia teria.
— Claro que pode — Jimin avisa. Yoongi e Hoseok se acomodam no chão, juntos, e Taehyung faz o mesmo com um copo de suco na mão, enquanto meu irmão senta numa das pontas livres da cama e aceita o controle que meu namorado dá em suas mãos.
— Por que nós não chamamos Namjoon-ssi e Seokjin-ssi?
A pergunta de Taehyung captura a atenção de Yoongi e Hoseok, que se ocupam de dar a resposta enquanto meus olhos recaem em Jimin, que ainda não faz menção nenhuma de se aproximar.
— Seokjin está trabalhando hoje — Yoongi explica. — E Namjoon... ele está enlouquecendo com o trabalho de conclusão, mas podemos chamar da próxima vez. Aposto que Jungkook gostaria.
— Para, Yoon. Jungkook está namorando, agora.
Jimin não parece alegre com o lembrete de minha antiga queda por Kim Namjoon, mas também não se afeta tanto. Não mais que já estava afetado antes disso, ao menos.
Enquanto Hoseok e Yoongi escutam o falatório de Taehyung sobre como deveríamos nos reunir todos de novo, como foi no aniversário de Junghee, e meu irmão passeia entre canais da TV a cabo, eu continuo me dividindo entre acariciar Jungoo ainda em meu colo e lançar olhadelas para Jimin, ainda afastado.
Sem reprimir meu desejo, eu me reclino contra a pilha de travesseiros e almofadas. Deito contra elas, mantendo parte de meu corpo parcialmente erguida e então dou uma cutucada em Jimin com meu pé coberto apenas pela meia.
— Hm? — Como se saísse de um transe, ele me olha, com essa piscação esquisita ainda mais forte que nunca.
E eu digo:
— Vem cá...
Ainda visivelmente tenso e preso em ponderações não verbalizadas, Jimin atende meu chamado.
Se aproxima pela cama, devagar, até estar perto o suficiente para que eu alcance seu braço e o puxe inteiro para mim, até que seu corpo se deite ao lado do meu, preso em meu abraço de um braço só.
Tendo-o assim, eu o seguro perto, forte, e beijo sua boca antes de beijar sua bochecha duas vezes.
Contra sua pele, num sussurro fraco, eu peço mais uma vez:
— Confia em mim.
Jimin afasta seu rosto minimamente, apenas para seu olhar encontrar o meu.
Nas íris castanhas, eu vejo a hesitação lutar contra seu desejo de seguir em frente. Sinto também sua mão, receosa, viajar até pousar em minha barriga antes que ele suspire e esconda o rosto contra meu pescoço, se aninhando inteiro contra mim quando diz, em mais uma confissão só nossa:
— Eu não sabia que era tão covarde assim, amor... me perdoa...
Com um braço, eu ainda o seguro perto; com o outro, movo minha mão até tocar a sua pousada em meu abdômen, distribuindo beijos em sua cabeça para dizer o que já disse com palavras: ele pode confiar em mim.
Apesar da tensão óbvia que surgiu entre nós, é gostoso ter Jimin assim, em meus braços, contra meu corpo, aninhado em mim e vulnerável aos meus beijos.
Com um pouco mais de firmeza, eu aperto sua cintura com força e isso parece estimulá-lo a se aninhar ainda mais.
Nada disso é surpresa. No entanto, sob as vozes de nossos amigos e sob o som da TV, eu me surpreendo quando, pelo lado livre de meu corpo, Jungoo se aproxima até deitar no espaço entre minhas costelas e meu braço, descansando a cabeça pequena contra um músculo meu.
Agora, tenho ela e ele aninhados contra meu corpo, num instante calmo e cheio de carinho que me faz perceber que, apesar de ter um temperamento forte como o meu, Jungoo também parece ter coisas em comum com o pai, como esse seu gosto por deitar em mim.
Sentindo o peso de cada um em meu peito, o calor de cada corpo que mantenho assim perto, eu percebo que, como eles, eu gosto disso também.
Com o passar do tempo, não há muita conversa no quarto. Yoongi e Hoseok continuam sentados no chão, recostados à cama, com a cabeça de um deitada no outro.
Junghee e Taehyung se entretêm facilmente com o que assistem na televisão, rindo juntos vez ou outra.
E é isso. Se fossem outras pessoas, a ausência de conversas certamente me deixaria desconfortável. Com eles, é o oposto. A sensação é aconchegante, até, assim como é a respiração compassada de Jimin contra meu pescoço.
Tanto tempo já se passou quando a campainha da casa toca, violenta, e tanto Jimin quanto Jungoo despertam dos próprios cochilos, assustados.
— O almoço! — Junghee comemora, todo feliz, como se não comesse há dias.
Ainda atordoado Jimin coça os olhos, tomando a tarefa de anfitrião ao começar a se levantar, mas eu rapidamente seguro seu corpo e beijo sua bochecha, antes de ser eu a me erguer.
— Deixa que eu vou — E aviso.
Ele sorri sem muita força ou exagero, aproveitando a ausência de meu corpo para arrastar o seu até o de Jungoo, então desliza a mão pelo corpo gordo da coelha antes de deitar quase abraçado a ela.
Com um pressionar de lábios meio rendido ao olhar para eles, eu percebo que minha vontade de voltar para essa cama e ficar agarrado aos dois é maior que minha fome.
Ainda assim, deslizo os dedos pelos cabelos para realinhá-los. Com a outra mão, estalo um tapa na cabeçona de Junghee.
— Hyung!
— Venha me ajudar, cabeçudo.
Com um resmungar furioso, ele continua bravo, mas não espera que eu chame pela segunda vez e fica de pé, mal humorado, para me seguir escadaria abaixo.
Na porta da casa luxuosa, eu e ele recebemos a entrega dos hambúrgueres e batatas fritas. Antes de subir, pego alguns guardanapos extras na cozinha, sob o olhar atencioso de Junghee que me vê ir diretamente ao lugar onde sabia que estariam guardados.
— Você vem muito aqui, hyung? — Curioso, enquanto fazemos o caminho de volta, pergunta.
— Às vezes venho. Ele vai mais lá em casa.
— E você está feliz, não é? Com Jimin hyung... você está muito feliz.
Certamente, a situação que vivemos não é ideal. Tudo o que parecia ser normal sobre as leis da existência humana se estilhaçou diante de nossos olhos.
O universo literalmente colapsou. E ainda assim, com Jimin, eu me sinto feliz como nunca fui.
— Muito. — Confirmo, então, apesar de todos os pesares.
— E... — Uma nova pergunta parece a caminho, enquanto ele reduz o ritmo das passadas para adiar a chegada ao quarto. Hesita, antes de questionar: — Vocês só estão juntos porque ele foi sincero sobre o que sentia por você, não é?
Uma das poucas certezas que tenho é que, sim. Não fosse por Jimin falar tão abertamente sobre seus sentimentos por mim, estaríamos presos à inércia de um relacionamento que não seguiria em frente.
De mesma maneira, sei por que meu irmão parece preocupado em perguntar coisas assim. Por isso, digo:
— É. Você também deveria dizer o que sente por Taehyung.
E é isso, a última coisa que tenho a oportunidade de dizer antes de entrarmos no quarto. No mesmo momento, no entanto, os olhos do amigo e paixão de meu irmão se arregalam e ele pergunta:
— Por que você está todo vermelho, Hee?
Junghee nem se dá ao trabalho de pensar numa desculpa. Simplesmente nega, mortificado por minha sugestão, e eu disperso as atenções ao sentar no chão, onde também apoio as sacolas de papel do fast food.
— Vem, Ji — Eu chamo, vendo-o ainda preguiçoso na cama, enquanto todos os outros se arrumam em um círculo ao redor da comida.
Minhas mãos vão abrindo as sacolas e tirando os sanduíches, entregando-os a cada um quando Jimin finalmente se aproxima e senta ao meu lado, bem perto, imediata e cuidadosamente envolvendo meu corpo com seus braços.
Eu volto à posição correta, deslizando o meu por suas costas. Tento, mas não consigo olhar para seu rosto, porque logo o esconde em meu pescoço. Contra minha pele, diz:
— Não estou com fome...
— Como assim? É hamburguer, Jimin-ssi. Pão com carne.
— Os nossos são de frango, hyung — Junghee avisa, de boca cheia.
— Cala a boca, moleque. Ninguém falou com você.
— Só avisei. Insuportável.
— Parecem você e meu cunhado Seokjin — Hoseok percebe e até provoca, com um sorriso pequeno quando olha para Yoongi.
O não bruxo rapidamente dá uma disfarçada, mas não consegue esconder muito bem a reação ao ver Hobi chamar seu irmão de cunhado.
Ao mesmo tempo, alheio à conversa e sei que ansioso demais para se concentrar nela, Jimin me abraça com um pouco mais de força, mas não me impede de me inclinar para a frente para pegar um hamburguer tradicional e outro de frango empanado, para ele e para mim.
— Toma, Ji. Não fica sem comer, não.
Ele suspira, consternado, mas desfaz seu abraço em meu corpo para aceitar o sanduíche que seguro em sua frente até que seja tirado de minha mão, quando o recompenso pela decisão ao fazer uma massagem suave e breve em sua nuca.
— Isso é meio triste — Taehyung diz, então, com os olhos demonstrando tristeza alguma.
— Isso o que, Tae? — É Junghee quem pergunta, com a boca suja de molho, no canto, e o próprio hambúrguer prestes a levar outra mordida.
Depois de um longo gole no suco, moleque-ssi força tudo garganta abaixo e, para fora dela, expulsa as seguintes palavras:
— Todo mundo aqui de casal, menos a gente, Hee. Que triste.
— Vocês tem namoradinhos ou namoradinhas? — É Hoseok quem pergunta, com essa entonação que se usaria para perguntar algo a uma criança.
Apesar de não sermos tão mais velhos que Junghee e Taehyung, assim agimos perto deles. É inevitável, principalmente porque eles ficam irritados.
Depois de dar mais uma mordida no próprio hambúrguer, Taehyung limpa a boca com as costas da mão e anuncia:
— Estamos muito solteiros, Hoseok-ssi. Mas Junghee gosta de uma menina da nossa escola.
De imediato, eu lanço um olhar para o moleque, que se encolhe quase instintivamente e encobre qualquer possível resposta ao encher a boca de comida.
— Você já disse que gosta dela, Junghee? — Atenciosamente, Hoseok leva a sério o drama dos dois bandidos. Mas, seguindo seu questionamento cuidadoso, nada vem além de silêncio.
Ciente sobre o motivo, eu apenas expulso a ar lentamente antes de morder meu sanduíche de frango. Mal o faço, no entanto, e Junghee me pega de surpresa ao confessar, baixo:
— Eu não gosto de menina nenhuma, Hoseok hyung.
Eu quase me engasgo com a comida e tenho certeza de que meus olhos estão arregalados como nunca, na mesma proporção dos olhos surpresos de Taehyung e do tom vermelho nas bochechas de Junghee quando ele confessa, sem coragem de olhar para qualquer um de nós:
— Eu menti... porque eu gosto de meninos.
Ainda paciente e sem julgamentos ou surpresas exacerbadas, enquanto eu vejo meu irmão até tremer e Taehyung permanecer de boca aberta, cheia de pão e carne ainda não mastigados, Hoseok pergunta:
— Você estava com medo? Foi por isso que você mentiu?
— Também... — Sempre escondido, meu irmão parece usar tudo que tem para confessar o que escondeu até então: — Eu não sabia como mãe e Jungkook hyung reagiriam, mas... eu também fiquei com medo porque comecei a gostar de um menino e não sei se deveria gostar dele...
— Hee... — Taehyung finalmente diz algo, mas não parece saber muito bem como prosseguir. Atrapalhado na própria confusão, pergunta: — Você não precisava mentir pra mim. Logo pra mim? — Apesar da confusão, moleque-ssi é cuidadoso o suficiente para não soar acusatório. — Quem é esse menino? Você pode me dizer?
Eu tenho todos os motivos do mundo para acreditar que Junghee não irá dizer. Não agora. Mas os acontecimentos desse universo não param de me surpreender.
— É você, Tae.
Depois de tanto tempo escondendo, Junghee revela. Ele diz, aqui, em nossa frente, no que parece um surto de coragem — que não é grande o suficiente para fazê-lo erguer os olhos, no entanto.
Em silêncio, nós todos nos calamos e quase simultaneamente mordemos nossos sanduíches, permitindo que a primeira reação seja somente de Taehyung.
No entanto, ele não reage.
Com a expressão confusa e assustada, ele continua olhando para meu irmão sem dizer qualquer coisa, enquanto Junghee continua encolhido, incapaz de levantar o próprio olhar.
Eu torço para que seja apenas um longo momento de surpresa, justificável até mesmo para minha inteligência emocional limitada.
No entanto, quando faz algo depois de tortuosos instantes demorados, Taehyung vai contra todas as minhas expectativas e embala o próprio hambúrguer comido até a metade. Silenciosamente, se estica até deixá-lo sobre as embalagens maiores, vazias, e volta à posição inicial apenas por um momento, na qual permanece até, com a testa franzida e a expressão carregada, se esticar e pegar a mochila deixada encostada à cama.
E fica de pé.
Finalmente, diz algo:
— Eu esqueci que precisava voltar direto para casa. É melhor eu ir embora.
Junghee finalmente ergue o rosto completamente tomado por vermelho, com os olhos grandes ainda mais arregalados que o normal quando, cheios de espanto e tristeza, pousam em Taehyung antes de pousarem em mim num pedido desesperado.
Sem destinar qualquer segundo de atenção direta ao meu irmão, Taehyung curva o corpo, cheio de tensão.
— Obrigado pelo convite. — E essa é a última coisa que ele diz, antes de se virar para ir.
O silêncio permanece. Absolutamente ninguém sabe o que dizer, mas Hoseok, como sempre, se esforça:
— É melhor nós irmos também — Ele diz para Yoongi, cuidadoso. — Para deixar Taehyung em casa. É perigoso ele sair assim sozinho sem conhecer a região.
— É. — Yoongi concorda, amassando o papel do almoço já finalizado e pegando o que Taehyung deixou. — E vamos levar o sanduíche dele.
Hoseok concorda. Eles ficam de pé, sob nosso silêncio desesperado, e lançam um olhar sentido para Junghee, que mantém o seu arrependido focado unicamente em mim.
Com uma última despedida, Hoseok e Yoongi vão embora. Mas mal passam da porta e eu vejo que, além de arrependimento, existe muita tristeza nos olhos grandes de meu irmão.
E essa tristeza logo toma forma. Logo transborda.
Porque ele começa a chorar.
É silencioso. Suas expressões são contidas e sei que ele tenta refrear as lágrimas que se formam, ainda sem escorrer por seu rosto sujo de molho no canto da boca. E é então que eu chego ao meu limite.
— Hyung? — Eu ouço sua voz ressentida me chamar assim que fico violentamente de pé.
— O cacete que ele vai embora assim. — É a única coisa que digo, seguindo quarto afora.
— Jungkook... — Dessa vez, é Jimin quem chama, nessa entonação pouco surpresa, mas também pouco satisfeita.
Sem dar atenção aos chamados de qualquer um deles, eu abro passadas largas para chegar a Taehyung e impedir que ele vá, mas sou interrompido no meio do caminho quando o toque familiar de Jimin me segura pelo braço e me faz virar para trás, até encará-lo.
— Não se meta, Jungkook. — E diz, de imediato.
— Junghee vai chorar por causa daquele moleque!
— Sim e isso é uma merda, mas não se meta. Deixa Taehyung digerir o que acabou de descobrir.
Eu respiro fundo, cheio de vontade de dar as costas a Jimin para seguir com meu objetivo inicial, mas apenas continuo parado exatamente no mesmo lugar, respirando fundo, continuamente.
— Eu sei que nós sempre brincamos dizendo que eles são crianças, mas eles não são, Jungkook. Eles já têm idade para começar a lidar com os próprios problemas.
— Junghee não sabe nem desentupir o vaso que entope toda semana, Jimin.
— Porque você faz isso por ele. Se tivesse que fazer sozinho, ele conseguiria. Junghee não é incapaz, Jeon. Ele teve coragem de se declarar e isso não é algo fácil. Seu irmão não é frágil. Então confie nele e deixe que ele e Taehyung se resolvam.
— Para de me chamar de Jeon. — De tudo que poderia dizer, é somente isso que peço. Porque, de resto, sei que ele está certo.
Mas é horrível ver a pessoa que mais amo na vida ter o coração partido bem em minha frente e não poder fazer nada, então eu me rendo aos pedidos de Jimin, mas não estou feliz por isso, ainda que saiba que é o melhor que posso fazer.
E, em minha frente, ele suaviza o olhar talvez até sem perceber que o faz. Suspira. Deixa de me segurar para apenas me tocar com carinho, antes de dizer:
— Deixe que eles lidem com os próprios problemas, amor... e vamos lidar com os nossos.
O estado de minha mente parece se transformar, não por inteiro, não por completo, mas o suficiente para demonstrar quão atento me tornei a cada nuance de Jimin, a ponto de perceber, tão facilmente, o que está prestes a ser dito apenas de observar o que passa por sua expressão.
E é medo. Desespero. Mas também coragem.
Tudo isso condensado em sua voz quando me diz:
— Eu preciso te mostrar uma coisa, Jungkook.
Não é surpresa o que sinto. É nervosismo e ansiedade, que fazem meu coração acelerar quando Jimin, nada mais calmo que eu, fecha os olhos por um longo segundo e me solta.
— Venha, por favor.
Eu ouço seu pedido, seu chamado, e por um momento não faço nada além de acompanhá-lo com o olhar quando se dirige à escada. Somente ao fim de uma longa hesitação, começo a segui-lo.
Ao invés de ser levado à porta como pretendia ao ir atrás de Taehyung, eu sou levado por Jimin pela casa, até um dos vários cômodos que ainda não conheço.
Por trás da porta fechada, mas não trancada, ele revela o que me parece um gabinete de trabalho. Luxuoso, como é tudo em sua casa.
— Esse é o escritório do meu padrasto. — Ele revela, então, com receio que daqui consigo sentir.
Sem saber se faço para tranquilizá-lo ou para antecipar o que precisa ser dito, questiono:
— E o que você tem para me mostrar aqui, Ji?
Jimin permanece parado. Só de olhá-lo, percebo que seu coração bate forte. O meu também bate. E, com passadas inseguras, ele segue à grande e organizada mesa de trabalho.
— Você me perguntou com o que ele trabalha.
Silêncio. Não digo nada. Apenas espero, enquanto Jimin hesita.
Sem me olhar, as mãos pequenas e pela primeira vez tão frágeis seguram o que parece um documento encadernado, ao qual dedicam toda a sua atenção antes que seus olhos retornem aos meus.
Jimin está em pânico. Me machuca vê-lo assim e sei que ele está desesperado para voltar atrás. Mas não volta.
Finalmente, ele me estende o documento que tem em mão. Um dos vários organizados sobre a mesa.
— Veja. — E diz, trêmulo.
É minha vez de hesitar.
A essa altura, não sei se já imagino o que seja e tento fingir que não, mas me permito encontrar a resposta para tantas perguntas quando finalmente sigo em frente e seguro o grande arquivo encadernado.
Por alguns instantes, nós dois o seguramos. Somente ao fim, Jimin solta.
E então eu vejo.
Já na primeira folha, a resposta para várias dúvidas que tive até então. Porque nela se exibe, em mais de um lugar, o nome Sohbong & Ryong.
O nome da empresa que matou meu pai.
— Ele — Não é surpresa o que sinto, é outra coisa que me faz vacilar. — Ele trabalha para essa construtora?
Jimin não recua mais. Sabe que já é tarde para isso, ou assim me faz acreditar ao responder, ainda que tenha tanto medo.
— Ele... Hajoon é o CEO da empresa, Jungkook.
Sohbong Hajoon.
Então por isso o nome me pareceu tão familiar. Talvez por isso eu tenha me boicotado e limitado minha própria inteligência, ao não unir todos os pontos que tornam essa revelação, na verdade, algo óbvio.
Porque eu não queria que Jimin estivesse ligado a alguém que, direta ou indiretamente, tirou meu pai de minha família.
— Então foi para ele que Seon Yeong falou sobre o acidente de meu pai. Foi para ele que ela implorou para que as obras fossem interrompidas...
Jimin nada diz. Suas mãos tremem como nunca vi tremerem antes e eu me sinto completamente sufocado e angustiado, então me livro disso que tenho nas mãos. Deixo o documento sobre a mesa.
E saio daqui.
Eu caminho para fora do gabinete, sem trazer Jimin comigo. No entanto, ele vem.
Sua voz treme e seu rosto segue em pânico quando me segue, me chama e eu paro de caminhar para olhá-lo.
— Me desculpa. — Ele pede, em desespero, com os olhos cheios de lágrimas que não escorrem. — Me desculpa, amor, por favor. Me desculpa, Jungkook.
Eu nego, sem dizer nada. Apenas balanço a cabeça para os lados antes de voltar a caminhar.
Mas, dessa vez, caminho em sua direção.
Vejo os lábios de Jimin separados, percebo sua respiração trágica, os olhos tomados por pavor e a sequência de pedidos de desculpas que não se calam nem mesmo quando paro em sua frente.
Mas eu o faço parar de falar. Interrompo suas lamúrias ao segurar seu rosto com minhas mãos e puxá-lo para mim, deixando-o nas pontas dos pés quando trago sua boca à minha.
Não é um beijo que se aprofunda, mas que se prolonga.
Com meus lábios nos seus, eu tento dizer o que digo também ao dar fim ao nosso beijo e tocar seu nariz com o meu, sentindo suas mãos sobre as minhas, ainda em seu rosto.
— Para de se desculpar, Ji.
No entanto, findar nosso beijo repentino parece apenas intensificar seu desespero, porque Jimin balança a cabeça para os lados, ainda entre minhas mãos, e a voz se estilhaça inteira quando diz:
— Você vai me odiar, amor...
Mais uma vez, sou eu que nego.
Ainda me sinto confuso, sufocado nessa casa. Ainda quero ir embora daqui, mas isso não quer dizer que quero ir para longe dele.
Eu só não me sinto confortável ao descobrir que todo esse luxo, cada coisa aqui pertence ao homem que nunca perdoei.
Sobre Jimin, não é assim que me sinto.
— Eu sou incapaz de te odiar mais uma vez, Jimin.
Seus olhos encontram os meus, mas não encontram alívio. Mesmo diante de minhas palavras, de minhas garantias, Jimin dá vazão ao que se acumula na linha d'água dos olhos bonitos quando estes começam a chorar.
— Você não é seu padrasto, Jimin. — Eu digo mais uma vez, puxando-o para mim, protegendo-o em meu abraço. — Não foi culpa sua.
Eu sequer acredito que seja culpa inteiramente de Sohbong Hajoon, mas não deixo de pensar que, com apenas uma decisão, ele poderia ter evitado o que de pior me aconteceu em todos os meus dezenove anos.
Não é sobre ele que quero pensar agora, no entanto. A forma como me sinto em relação ao padrasto de Jimin não interfere no que tão verdadeira e intensamente sinto por esse cara que me conquistou.
Num passado pouco distante, assim não seria. Eu poderia projetar em Jimin uma raiva por um erro que não foi cometido por ele — assim como cheguei a projetar tanta raiva sob justificativas injustificáveis.
Agora, é diferente.
Ele não é só a pessoa que ficou presa nessa bagunça comigo. É meu amigo. Meu namorado.
Ele é meu Jimin.
Abraçando-o com força, tento dar a ele cada certeza dessas, já que não sou bom com palavras. Eu o abraço para que ele saiba que existe coisa alguma nesse mundo capaz de me fazer soltá-lo.
E Jimin chora. Por entender, finalmente. Por alívio de se livrar de algo que teve tanto medo de dizer a verdade. Ele chora alto, tremendo cada vez mais, quase perdendo a força em meus braços.
Eu, sem soltá-lo sequer por um instante, sinto alívio por ele ter confiado em mim para contar. Sinto alívio por não mais ser o Jungkook que usaria algo como isso para engatilhar a raiva.
Sinto alívio por sentir amor.
Em silêncio, abraçando-o com toda a força, encaixando-o em meu corpo, eu me pergunto...
Era isso?
Jimin me contou o que esteve escondendo. Eu entendi. Então nós conseguimos?
Eu fecho os olhos ao tentar acreditar que sim. Eu fecho os olhos e, pela primeira vez, tento ter esperança no melhor.
Nós conseguimos, amor.
↬ Continua no próximo capítulo.
Olá! Como vocês estão?!
Eu sei que esse capítulo também ficou grande demais. Sinceramente, não me sinto muito confortável ): até tentei encerrar antes dessa conversa final, mas eu senti que ela precisava acontecer nesse capítulo. Espero que não tenha ficado muito cansativo ):
Ah! Sobre a playlist que o Jk fez pro Jimin, ela existe. Eu fiz como um agradecimento pelos 2M, então nela vocês podem ouvir tudinho que eles ouvem quando estão juntos e conhecer um pouco mais dos gostos deles! e ela é essa aqui:
BEM, Junghee finalmente teve coragem de contar a verdade! Sei que a reação do Tae é meio frustrante, de cara, mas vamos entender melhor o lado dele também, em breve <3
E falando em coragem... Jimin também teve o suficiente para dizer o que todo mundo já sabia. E a reação do Jk? Era esperada por vocês?
De minha parte, eu não conseguia imaginar outra reação dele, não a essa altura. Ele amadureceu muito, meu bebêzinho ):
Outra pergunta que fica: acabou mesmo? eles conseguiram?
Respostas sobre isso já no próximo capítulo! :D
Por hoje é só! A pergunta da vez: o que vocês acham que vai acontecer daqui pra frente? Ainda temos uns bons capítulos antes do fim... Beijos, até o próximo ou até a #BelindaEPandora <3
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