[f(28) = 4x - 84] Preciso dizer

🔮

Deus existe. Ele me odeia. E não parece estar em vias de mudar de opinião.

Ele e o universo inteiro, nessa realidade, parecem operar em conjunto para me desgraçar a vida em níveis inimagináveis.

Porque não importa de que forma eu olhe para isso, mas me deixar sentir tudo que eu senti nas últimas semanas só para depois arrancar de mim, e das pessoas que me provocaram cada um desses sentimentos, as lembranças felizes e repetidamente me jogar de volta a um estado inicial emocionalmente deplorável é, de longe, o pior tipo de tortura que posso imaginar.

Não é estranho, então, que eu não faça a mínima ideia do que tentei nas outras noventa e oito vezes. Não sei o que acertei. Não sei em que falhei. Não sei se, em alguma delas, estive tão determinado.

Mas eu sei do agora. A nonagésima nona chance está clara em minha memória. O que decido sobre ela, também.

E eu decidi que o universo pode ir para a puta que o pariu.

Eu não vou desistir, cacete. Eu não vou desistir mesmo.

Estou oficialmente declarando guerra a ele. Eu contra o mundo. Literalmente.

E é por isso que estou aqui, rondando a ala psiquiátrica à qual não tenho acesso.

Passei toda a semana buscando respostas. Enlacei os novos aspectos de minha vida a pesquisas aprofundadas sobre todo tipo de teoria física, astrofísica e paranormal que pudesse me dar uma luz. Obviamente, ainda que minha aparente genialidade tenha feito um bom trabalho em armazenar e processar tantas novas informações, eu falhei completamente em encontrar respostas.

Nada faz sentido. Não importa o quanto eu tente, encontrar o porquê dessa bagunça é mais difícil que não pensar em Jimin.

E hoje é o dia dele. Sábado. O dia de sua apresentação no festival da Hangsang.

Mas ainda é cedo. E, até a hora de vê-lo naquele palco, hipnotizando toda e qualquer pessoa presente, eu sigo em minha próxima tentativa.

Vim para o mesmo lugar da primeira vez. O pátio que se separa da ala psiquiátrica por um muro alto. Daqui, lanço meu olhar em direção às janelas do prédio do outro lado, e meu corpo enrijece quando acontece novamente.

Meus olhos encontram os de Lee Seon Yeong, que me observa detrás de uma das janelas elevadas.

Tem algo nela que me provoca essa reação primitiva. Não é medo, mas também não é uma sensação tão distante assim. Acho que é a reação comum ao desconhecido.

Essa mulher, com sua paranormalidade diagnosticada como loucura, certamente está além da minha capacidade de compreensão. Logo, o receio é natural, e se intensifica quando eu pisco por um breve segundo e, ao olhar novamente para a janela, não a encontro mais, como se não passasse de uma alucinação.

— Anda, velha louca, bruxa, sei lá o que você é — Eu peço, nem sei a quem ou o que.

Deus nenhum parece disposto a me ajudar. Então espero que Lee Seon Yeong esteja.

Preso em agonia, meus dentes castigam a ponta de meu polegar enquanto me agito de um lado ao outro em passadas impacientes, com os olhos permanentemente mirados na porta que separa os dois lados do pátio e que, mais que certamente, não deveria ser de acesso a ninguém além dos funcionários.

Mas não demora para acontecer. E não são meus olhos que capturam a pequena mudança. Primeiro, é o som que me alerta. O deslizar enferrujado da trava agonizando em tom agudo antes que as dobradiças metálicas reverberem quando a porta se abre.

Meu coração se agita um pouco mais, em alerta, antes que ela faça sua aparição.

Com a enorme camisola branca, os cabelos grisalhos, os pés nus e o sorriso que se divide entre carinho e preocupação, sua voz quebradiça me alcança quando ela para em minha frente.

— É a primeira vez que você me procura sozinho, criança...

É óbvio que, nessa chance, essa é a primeira vez que venho sozinho. Então...

— Em todas as noventa e nove vezes?

Os olhos envelhecidos deslizam ao céu, antes que ela concorde com um movimento suave e sutil.

— Em todas as noventa e nove vezes. Essa chance está cheia de surpresas, não é? Você sabe.

— Sinceramente, eu não sei de nada.

Ela desliza a atenção até cruzar seu olhar ao meu mais uma vez e as maçãs do rosto ganham destaque quando o sorriso aumenta suavemente.

— Você sabe de tudo, Jungkook. Você sabe mais que eu.

Bem, isso é realmente improvável, diante da quantidade de perguntas que tenho a fazer e para as quais ninguém além dela parece saber as respostas.

E, dentre o vasto leque de opções e dúvidas que tenho, a primeira que verbalizo é essa:

— O que você é, afinal?

— É realmente isso que você quer perguntar, criança?

— Eu tenho uma lista extensa de coisas que gostaria de perguntar. Essa é uma delas.

A expressão de Seon Yeong não sofre grandes mudanças ao longo dos instantes em que seu silêncio se prolonga. O sorriso se mantém curto, os olhos continuam mirados em mim, as mãos enrugadas ainda relaxadamente pousadas logo abaixo dos seios.

Ao fim, sua voz renasce. A resposta, é dada.

— Eu sou exatamente como você, Jungkook.

Eu não preciso de grandes reações para deixar claro que essa, de todas, era a resposta menos esperada. Ainda assim, não falho em transformar minha expressão em uma de pura confusão, que não se ameniza diante da calmaria de Seon Yeong.

— Aliás... me perdoe pelo excesso de autoconfiança. — Sem se abalar, ela parece se corrigir. — Eu não sou exatamente como você. Não sou tão poderosa assim. O que você fez... eu nunca vi alguém fazer.

— Do que você está falando?!

— Do que nós somos, criança. Não temos um nome certo, se era isso que estava querendo saber com sua primeira pergunta. Alguns nos chamam de paranormais. Bruxos. Loucos. O que você prefere?

— Você está dizendo que eu sou como você? — Repito, completamente desacreditado, talvez até ultrajado. — Você previu o acidente do meu pai na Sohbong & Ryong. É a única pessoa que sabe tudo sobre todas as chances. Consegue destrancar portas sem tocar nelas! Como nós dois poderíamos ser iguais?

— Nós somos, Jungkook. Quando sua memória voltar, você vai entender.

Quando minha memória voltar? Ela vai voltar?

— Ela sempre volta quando o tempo acaba... quando vocês falham.

É esse o ponto em que eu fico prestes a hiperventilar. Que meu ser inteiro dilata em projeções de medo e falta de compreensão sobre tudo que me cerca nessa realidade inimaginável.

As perguntas se intensificam. As dúvidas crescem. Ela diz que eu sei de tudo, mas a cada segundo que passa, menos sei.

A contradição ancora em minha consciência quando deslizo a língua sobre os lábios, só então percebendo-os ressecados. E pergunto, ainda que tenha medo da resposta:

— Se minha memória volta sempre que nós falhamos e você está dizendo que a minha irá voltar... isso quer dizer que nós vamos falhar novamente?

Pela primeira vez, o sorriso dela perde força. Os olhos esboçam alguma condescendência, um sentimento que se assemelha a dó.

— O futuro é incerto, Jungkook. Ainda mais em suas mãos. Não posso dizer com toda a certeza, mas o principal erro está sendo repetido. Então eu acredito que vocês irão falhar, mais uma vez.

— Qual é o erro?! — Disparo, furioso. — Como nós vamos acertar se não sabemos?!

— Eu não posso dizer. Você aceitou essas condições.

Eu deslizo as mãos pelos cabelos, desalinhando-os quando adianto passadas de um lado ao outro, agoniadas e inquietas. De repente, no entanto, estanco meus pés no lugar e viro para ela, com os olhos transbordando em impaciência ou desespero.

Novamente, não sei se quero a resposta para isso, mas preciso perguntar:

— Quanto tempo nós temos?

Silêncio. Apenas uma breve negativa, mais uma resposta que, de acordo com as regras de sabe-deus-quem, ela não pode dar. Mas insisto, desesperado por pelo menos um mísero instante de entendimento, uma mínima certeza.

— O que exatamente acontece quando o tempo acaba?

Nada é dito. Prevejo, com base no padrão de respostas, que essa verdade também me será negada.

Em contramão à minha certeza, Seon Yeong suspira pesarosamente, o rosto enrugado contraindo-se em preocupação e compaixão, ao revelar:

— Acontece o que aconteceu no início de tudo. O que você se recusou a aceitar.

— E o que é? — Insisto, apesar da vontade de recuar, do medo de ouvir suas próximas palavras.

Dessa vez, Seon Yeong não me poupa da verdade. Dessa vez, ela coloca, em palavras, o que parece ter sido a escolha primária do destino:

— Ele morre, Jungkook. Quando o tempo acaba, Jimin morre.

Eu não sei o que esperava ouvir. Não sei o que imaginava. Mas, certamente, não estava pronto para isso.

Sua nova revelação libera em mim uma onda de pânico que me recuso a aceitar.

Jimin morre?

Somente ele? Nada acontece comigo?

— Dessa vez, a vida de outro alguém está em risco. Eu já falei. — Diante de meu silêncio, de meus olhos arregalados, meu coração palpitado e o suor que se acumula nas palmas das mãos, ela parece lembrar.

Outro alguém em risco.

Hoseok.

— Eu não sei o que acontecerá com ele. Esse garoto foi um erro, Jungkook. Ele não deveria ter sido arrastado para tudo isso e eu não sei o que resultará para ele. Se vocês falharem ou sucederem, eu não sei se ele estará a salvo.

Nós vamos dar um jeito. Hyung vai ajudar vocês.

É essa a primeira lembrança que me invade. Suas palavras. Seu jeito até meio tonto de se reafirmar como mais velho. Seu apoio incondicional.

Hoseok quer que tudo dê certo. Ele está disposto a nos ajudar, sem saber que, talvez, não esteja a salvo, independentemente do resultado.

— Talvez seja isso. — Seon Yeong revela, enfim, carregada de conformismo. — Talvez seja impossível lutar contra o destino e vencer, Jungkook.

Meu coração continua disparado em meu peito. Minha mente viaja entre Jimin e Hoseok, completamente inebriada por medo e angústia, nada além disso.

Eles não podem morrer.

— Eu te desejo sorte e força, criança. — A velha diz, recuando com passos lentos, ainda mirando os olhos em mim. — A todos vocês.

Eu sei que ela irá embora, não importa o que eu diga. Sei que não me dará nenhuma outra resposta. Por isso, talvez pelo desespero que ganha força dentro de mim e me faz sentir mais fraco a cada novo instante, não tento impedi-la.

Apenas assisto Seon Yeong ir embora assim como assisto essa chance se encaminhar ao final, sem saber o que preciso fazer.

Procurar a avó de Yoongi foi minha tentativa desesperada para tentar entender algo. Na pior das hipóteses, para ter um pouco mais de otimismo. Mas, decididamente, o efeito é oposto.

Continuo sem entender cacete nenhum e continuo sem esperança.

— Hyung? — Assim que volto para casa, Junghee me recepciona com um chamado meio tenso.

Eu paro diante da porta de seu quarto, vendo meu irmão mais novo de pé, em frente à própria cama que exibe duas combinações de roupa, uma ao lado da outra. Com os olhos redondos cerrados em indecisão, ele me olha:

— Que roupa eu uso para ir ver a apresentação de Jimin hyung? — E pergunta, como se fosse caso de vida ou morte.

— Não é você o entendedor de moda? — Respondo, meio mal humorado. — Vai lá no pinterest descobrir.

— Quanto mal humor. Isso ainda é por causa da camisa listrada? Em minha defesa, você ficou muito bonito com ela, tá? Aposto que Jimin hyung gostou!

— Eu já tinha esquecido daquele cacete de blusa feia.

— Ela não é feia, você que é insuportável. — Junghee resmunga, voltando a olhar para as roupas sobre o colchão. — Anda, hyung, me ajuda!

— Sei lá, moleque, veste qualquer coisa aí — Tenho zero paciência, por isso já vou dando as costas para ir até meu quarto. — Vou dormir.

— Que? — Ele interroga, inconformado. — São onze da manhã!

Eu nem me dou ao trabalho de responder qualquer coisa, somente encosto a porta para me garantir alguma privacidade e silêncio, arranco a calça e o casaco de moletom e me jogo de cueca e meia sobre a cama ainda bagunçada, sem energia para fazer qualquer outra coisa.

Completamente incapaz de tentar descobrir como dar jeito nessa bagunça, eu permaneço de bruços e cubro minha cabeça com o travesseiro para abafar o grunhido frustrado que me recuso a conter quando minha mente repete como um maldito mantra.

Jimin vai morrer.

Hoseok não está seguro.

O tempo está acabando.

Eu não quero saber de mais nada. Não quero pensar na apresentação de Jimin no fim da tarde, não quero planejar nosso segundo encontro. Eu só quero ficar quieto, na cama, sem mover um músculo mesmo quando alguém toca a campainha e o som estridente ecoa pela casa.

Os passos apressados de Junghee em direção à porta são sonoros e não demora para que o som de novos passos tragam alguém para perto, em ritmo muito mais cuidadoso, quando a voz dolorosamente familiar diz um com licença.

Eu o reconheceria ainda que não ouvisse sua voz.

Sinceramente, não sei por que ele está aqui e a surpresa de sua chegada faz meu coração disparar de imediato, no ritmo das batidas suaves que deixa na porta antes de abri-la.

Apesar da súbita reação à sua presença, eu não me movo. E ele não se intimida por isso.

— Jungkook-ssi...

O chamado é manhoso, meio traiçoeiro, definitivamente feliz.

Meu coração continua descompassado, agitando-se em batidas aceleradas quando sinto sua aproximação e sinto, mais que isso, a angústia crescer.

Ele não pode morrer.

Num gesto necessário, que eu seria incapaz de cobrar ainda que o deseje intensamente, Jimin se ajoelha sobre o colchão antes de deitar com o peito em minhas costas e afastar o travesseiro para me beijar a bochecha.

— Que preguiça é essa, gracinha? — Questiona em tom baixo, que parece acariciar minha alma, gentil e cuidadoso.

Ele não pode morrer.

Eu não posso deixar isso acontecer.

Eu não sei o que responder, então apenas aceito seu peso sobre o meu e o carinho que ele faz em minha cintura, mas não demora para que Jimin se desmanche numa risada preguiçosa e comece a se afastar, talvez por não estar confortável, talvez por achar que está me machucando. Eu não sei qual o seu motivo, mas sei o meu, quando tateio com a mão para trás até segurá-lo nessa mesma posição.

— Fica assim... — E peço.

A princípio, ele não diz nada, mas parece desistir do plano inicial de se afastar. Seu peso relaxa sobre meu corpo novamente e ele desliza as mãos por minha cintura nua enquanto seus pés brincam com os meus e seu nariz desliza sobre minha única bochecha exposta.

Estou pouco consciente sobre minha nudez quase completa, diferente de Jimin que, com um beijo suave em meu pescoço, diz:

— Gostoso.

Eu sorrio nem sei por que, não entendo como. Apenas um sorriso frágil que não denota nenhum bom humor.

— Aconteceu alguma coisa? — E pergunta, instantes depois, em tom ainda mais manso. — Parece que você precisa de carinho, de novo...

O que eu faço? Confesso que fui ver Seon Yeong? E antecipo a Jimin que a qualquer momento ele pode morrer?

Como dizer a uma pessoa que a vida dela tem prazo de validade?

Eu não consigo. Nem quero. Jimin não precisa carregar esse fardo — ainda que, no fim das contas, ele saiba que algo dará muito errado quando o tempo acabar.

Por isso, o que faço é negar com um gesto lento e arrastado que também arrasta um suspiro seu, certamente consternado.

— Você ainda não consegue se abrir comigo, não é, Jungkook-ssi?

Apesar de não existir felicidade em sua constatação, ele também não soa amargurado. Tudo que seu tom denuncia é que ele sabe que, sim, algo aconteceu. E que eu não vou falar sobre isso.

— Tudo bem. Eu disse que vou respeitar seu tempo. — E me garante, sempre cheio de gestos carinhosos que me surpreendem ao serem tão bem recebidos. — Então... quer ficar em silêncio?

— Eu gosto de ouvir sua voz.

Eu sinto seu sorriso contra minha pele, antes que seus braços enlacem meu corpo e ele me abrace forte, assim, deitado em minhas costas.

— Então posso te contar uma boa notícia? — Questiona, animado.

— Pelo amor de deus. Pelo menos uma coisa boa tem que acontecer.

Jimin ri suavemente. Desliza o nariz por minha pele, até repousar seus lábios desesperadamente próximos ao meu ouvido, e é apenas a sua respiração que me faz arrepiar.

Mas são suas palavras que me fazem sorrir:

— Eu recebi a resposta da Companhia de dança de Seul.

— E?

— Fui selecionado para a última etapa, Jungkook-ssi. Eu consegui.

A risada que sucede seu anúncio é genuína. Feliz mesmo, o som mais gostoso que eu já ouvi em minha vida. Me faz sorrir também, até que meu sorriso perde força quando eu repasso e repasso suas palavras.

Companhia de dança de Seul?

— Jimin-ssi... — Chamo, quando a ficha finalmente cai, e é num movimento cuidadoso que faço menção de levantar. Então ele se afasta e senta sobre o colchão antes que eu faça o mesmo, até ver seu rosto com o sorriso reduzido.

E, talvez percebendo o que causa minha repentina falta de jeito, ele umedece os lábios num gesto nervoso, antes de reforçar:

— É... a vaga que eu quero não é aqui. É em Seul.

Ele nunca disse isso antes, disse? Ou disse e eu não me importei, na época?

— Não é nada garantido. Essa última etapa é muito concorrida, então é provável que eu nem seja aprovado. Acho que vou acabar me formando na Hangsang.

— Claro que não. — Garanto, certamente consternado. — Eles não são loucos de te recusarem, Jimin.

Eles não são loucos mesmo. Jimin é feito de talento, é claro que uma vaga será dele.

E isso quer dizer que ele irá para Seul.

Se falharmos, ele morre. Se conseguirmos, ele vai embora. De um jeito ou de outro, eu fico sem Jimin.

Mas apenas uma das duas possibilidades é insuportável, dolorosamente inconcebível.

A possibilidade de existir numa realidade em que Jimin deixou de estar vivo.

Então ainda que a ideia de sua ida para outra cidade me cause uma sensação enorme de desconforto, uma nova angústia verdadeira, eu tento sorrir para ele, antes de dizer:

— Parabéns, Jimin-ssi. Eu tenho certeza de que você vai conseguir essa vaga.

O sorriso de Jimin não morre, mas se recolhe a um gesto mínimo, concentrado apenas nos cantos dos lábios, enquanto os olhos se suavizam com alguma expectativa enquanto os dedos brincam com o chaveiro de Jungoo ainda preso à chave de Pandora.

— Não faz tanto tempo desde que demos o primeiro beijo, Jungkook-ssi, então... ainda é cedo para falar sobre o futuro?

A seriedade que alcança seu tom me torna desconfortavelmente consciente sobre meu estado, nesse instante. Eu não acho que esse é o tipo de conversa que se deseja ter enquanto eu visto apenas uma cueca e um par de meias velhas.

Por isso, não dou qualquer resposta imediata enquanto Jimin parece se torturar com os próprios pensamentos. Primeiro, fico de pé e caminho até pegar minha calça de moletom, vestindo-a com alguma pressa enquanto ele espera e, simultaneamente, tira as próprias conclusões.

— Desculpe. Às vezes eu esqueço que sou o único apaixonado aqui, então talvez a minha possível ida nem seja uma preocupação para você.

Eu dedilho minha própria nuca, massageando-a quando, com o cenho franzido em consternação, devolvo:

— Eu ainda não disse nada, Jimin.

Ele faz um breve gesto de concordância, pouco convencido, porque não sabe que está completamente errado.

Jimin não sabe que não é mais o único que se apaixonou.

Mas essas palavras não encontram o caminho para fora. Não vibram em minhas cordas vocais, apesar de ressonarem cada vez mais intensamente em meu coração. Eu ainda não consigo dizer.

— Não é só isso. — Ele pondera, ao final de alguns instantes. — Talvez eu não seja classificado. Talvez o nosso tempo acabe antes mesmo que eu tente. Só é... idiotice. É estúpido fazer planos para o futuro e eu aqui preocupado com nós dois.

— Ei. — Eu digo, com tanta irritação na voz que soa verdadeiramente como uma repreensão.

A ideia de Jimin assumindo que temos muitas chances de não conseguirmos resolver toda essa merda me atinge com o dobro de intensidade, agora que sei o que pode acontecer com ele. E, incapaz de controlar o efeito que me causa, eu caminho de volta até a cama e paro em sua frente, diante de seus olhos confusos e curiosos.

— Cale a boca, Jimin. — E quase ordeno enquanto capturo seu rosto, segurando-o com cuidado pelo queixo. — Nós vamos conseguir, sim. E você vai conseguir essa vaga também, vai ter um futuro inteiro, em Seul ou onde quiser. Eu prometo que não vou deixar o oposto acontecer.

Seus olhos se contraem brevemente, sem entender de onde vem toda essa segurança.

E ela vem do medo. Vem da determinação que nasce a partir do medo de ver Jimin morrer.

Então que ele vá para Seul ou para fora do país. Não importa, mas não porque ele é o único apaixonado, como parece acreditar. E sim porque a ideia de Jimin vivendo longe me causa, sim, uma sensação esquisita. Ruim. Mas não tão ruim quanto a ideia de Jimin deixando de viver.

— Então você realmente não se importa se eu for, não é? — Sem acesso à minha mente, é isso que ele conclui.

— Não é isso, Jimin-ssi. Mas essa vaga é importante para você. Eu não vou te pedir para abrir mão dela por mim.

Ele segura meu pulso e move a cabeça para o lado até desvencilhar o toque de meus dedos em seu queixo. Com um sorriso triste e a voz baixa, ele diz:

— Você também é importante para mim, Jungkook.

Eu umedeço meus lábios num gesto nervoso.

— O que você quer que eu diga? Uma semana atrás você estava dizendo que quer ser meu namorado quando tudo isso acabar, mas agora acabei de descobrir que você nem pretende ficar em Busan, Jimin. Eu tenho muita coisa na cabeça e sinceramente não sei de que outra forma posso reagir a isso. Eu nem tive tempo para pensar.

— Mas eu tive. — Ele confessa, me olhando dali de baixo, enquanto eu continuo de pé em sua frente. — Estudar numa academia tão conceituada pode mudar minha vida.

— Então pronto. Vá. Eu sei que você vai ser aprovado, então quando isso acontecer, vá. Sinceramente, eu não sei que o que mais posso te dizer. Eu não sei o que você quer ouvir.

— Eu só queria ouvir você dizer que nós podemos tentar, Jungkook-ssi.

— O que?

— Eu não quero abrir mão do meu sonho, mas também não quero desistir de você. E desde que você me beijou pela primeira vez, eu não consigo parar de pensar nisso. Eu fiz planos para nós dois, como se isso que nós temos fosse mesmo tão importante para você quanto é para mim.

— Jimin...

— Eu pensei que você poderia vir comigo, mas você já me disse que não pensa mais em sair de Busan. Então eu comecei a pesquisar rotas de Busan a Seul. As viagens são curtas, então nós poderíamos nos ver nos finais de semana — Ele ri, mas sem humor algum, antes de fazer uma breve negativa. — Eu realmente pensei nisso, mas você nem se importa.

— Eu não disse que não me importo. Para com isso.

Ele esfrega as mãos pelo próprio rosto antes de se desfazer num suspiro e lentamente ficar de pé, em minha frente.

Com os olhos nos meus e suas mãos me tocando cuidadosamente no peito nu, ele hesita, mas diz:

— Não me entenda mal. Por favor. Eu não estou chateado com você. Não estou cobrando reciprocidade ao que eu sinto. Eu sei que não tenho esse direito. Eu só... acho que criei expectativas demais quando nós só estamos nos beijando.

— Nós não estamos só nos beijando, Jimin.

— Sim, gozando juntos... enfim. — Ele realmente não entendeu o que eu quis dizer.

E eu realmente não consigo simplesmente dizer que, cacete, eu gosto dele. Gosto demais.

— Eu realmente gosto de você há tempo demais, Jungkook. E com tudo que aconteceu, acho que esqueci que, até um dia desses, você me odiava. Eu deveria ter lembrado disso antes de criar tanta expectativa.

— Você não está me escutando e eu não consigo escolher as palavras para dizer. Você sabe que eu não sei me expressar. Mas nós podemos tentar, Jimin. Os planos que você fez, nós podemos tentar.

Ele sorri, mas não como eu esperava. É um sorriso ainda mais triste, quase conformado, quase como se acreditasse que eu só estou dizendo isso para agradá-lo.

— É melhor eu ir embora, gracinha. Eu ainda preciso organizar algumas coisas para o festival.

Eu vou me dar um soco.

Que merda. Ele sempre me entende tão bem, por que não consegue entender agora?

— Você ainda vai me assistir? — Ele pergunta, ainda parado em minha frente.

— Claro que vou. — Garanto, apesar de tudo. — Jimin...

Eu quero dizer. Quero verbalizar de uma vez o quanto gosto dele, mas parece que ele não quer mais ouvir minhas tentativas fracassadas. Não agora.

— Ok. — E diz, ignorando meu chamado. Até me cala com um selinho, antes de recuar. — Então até mais tarde, Jeon.

Não é como se eu não tivesse mais nada a dizer, mas a certeza de que as palavras não encontrarão o caminho para fora me fazem simplesmente aceitar que Jimin vá embora agora.

O acúmulo de frustrações cresce em meu peito quando volto a me prender à cama, em busca de momentos de sono que, com sorte, me dariam um tempo longe de toda essa confusão. No entanto, apesar de todo o tempo que passo sozinho em meu quarto antes e depois do almoço, minha mente não se desliga.

Eu continuo dolorosamente consciente, atormentado por pensamentos pouco felizes, por horas a fio.

— Fedorento? Essa roupa está boa? — Como se eu tivesse qualificação para consultor de moda, minha mãe também resolve buscar minha opinião quando a hora de sairmos se aproxima.

Como esperado, eu convidei Junghee para ir comigo ao festival e o bandido não só aceitou o convite, como também o repassou à frente.

— Tá. — É o que digo.

— Você nem olhou para mim.

Eu suspiro, tomado por impaciência e lanço menos que dois segundos de olhar para ela, antes de repetir:

— Tá.

— Até parece que você não quer que eu vá. — Ela sugere com esse tom meio turrão, que antecede o tom de bronca.

Muito menos preocupado com minha vestimenta, eu jogo um moletom branco por cima da blusa preta e decido que a combinação está suficientemente adequada com o jeans escuro, então fecho o armário e caminho em direção de minha mãe.

Ao alcançá-la, enlaço seu pescoço com meu braço e trago seu corpo menor junto ao meu, quando caminho em direção à sala. Antes, olho com mais atenção para ela e percebo como se empenhou em se arrumar para assistir a apresentação de Jimin. O cara que, ela bem sabe, é o mais próximo de um namoro que eu já tive.

E ela está aceitando tão bem.

Quando Junghee perguntou se ela queria ir ao festival para assistir Jimin, ela aceitou com a maior empolgação. Ficou feliz mesmo, até riu quando o moleque disse que assim eles dois poderiam ver minha cara de bobo apaixonado vendo Jimin dançar.

Eu sei que isso não vai acontecer. Não porque eu não fico bobo, mas porque, quando Jimin dança, é impossível prestar atenção em qualquer outra coisa. Eles não vão olhar para mim.

— A roupa está boa, mãe — Então garanto, quando paramos na sala. — Eu quero que a senhora vá. Jimin também vai ficar muito feliz.

Ela sorri mais tranquila, enquanto eu checo as horas no celular.

— Por que o moleque ainda não está pronto? — Questiono, impaciente. — Nós vamos nos atrasar.

— Ele já vem. Tenha paciência com o pobrezinho.

— Com ele é pobrezinho, comigo é fedorento. — Aponto, sem esconder o amargor. — Nem esconde que só ama um dos filhos, Ga-eul.

E olha que o filho que ela escolheu amar e defender é justamente o que quase detona nosso encanamento uma vez por semana com aquela bosta colossal.

— Nunca mais diga isso. — Ela diz em fúria contida, num tom tão sério e tão tenso que eu me arrepio só com a possibilidade de brincar com isso novamente. — Eu amo vocês dois do mesmo jeito.

Eu nem tenho tempo de concordar. Surgindo como meu resgate, a campainha de casa toca e eu aproveito a deixa para caminhar até a porta. Mas, ao abri-la, não entendo o que ele está fazendo aqui, todo arrumado e com o boné virado para trás, empurrando as orelhas para a frente.

— Oi, Jungkook-ssi! Oi, tia Ga-eul!

— O que você está fazendo aqui?!

— Junghee disse que eu podia ir com vocês até o festival. Quero ver Jimin-ssi dançar!

Meu deus, o moleque não convidou só nossa mãe? Qual o tamanho da língua desse bandido?

— Oi, Tae! — Finalmente, Junghee aparece. Está vestindo até uma blusa social, todo bonitinho.

— Oi, Hee! — Moleque-ssi cumprimenta, abrindo um sorriso enorme, com esse formato incomum, mas bonito. — Tá todo lindo, hein?

Junghee sorri meio sem jeito, enquanto minha mãe é quem relembra a hora e pega a chave de seu carro dentro da bolsa velha que eu dei de presente e ela ainda insiste em usar.

— Certo, meninos, vamos logo. Eu quero sentar num bom lugar!

Eu respiro profundamente, procurando paciência em todos os cantos de meu corpo antes de enfiar meus pés nos coturnos e seguir ao banco do carona do carro hatch, onde me acomodo e prendo o cinto enquanto Junghee e Taehyung vão atrás.

— Pode colocar música, tia?

— Vamos ouvir alguma animada, não é? — Minha mãe responde, desastrosamente tentando ligar o som velho. — Precisamos alegrar Jungkook. Ele está muito emburrado para quem vai ver o namorado.

Meus olhos se arregalam junto aos de Junghee, que pressiona os lábios para conter uma risada. Taehyung, muito menos discreto, se lança para a frente e pergunta:

— Namorado? É oficial? É um namoro?!

— Não é um namoro! — Eu digo para ele, antes de virar para minha mãe e repetir, quase em pânico nem sei por que: — Não é um namoro!

— Vocês ficam de namorico no quarto, se beijando de um jeito muito inapropriado e você tem coragem de dizer que não é um namoro? É namoro, sim! E eu espero que sua sogra esteja lá. Quero saber se ela está ciente das intenções de Jimin com meu filho.

— E quem disse que vou te apresentar, se ela estiver?

— Nós trabalhávamos juntas, Jungkook. Gênio. Só sabe fazer conta com esse cérebro que você tem, é?

Meu deus.

Meu deus. Isso é um pesadelo.

Meu corpo escorrega no banco e eu tento sumir dentro de minha própria existência enquanto os moleques, logo atrás, se divertem com meu terror.

Eu juro que quando chegar a hora de Junghee iniciar a vida amorosa, eu vou fazer dela um inferno.

É meu direito como irmão mais velho.

Principalmente, como vingança por cada risada que ele dá agora. O moleque que me aguarde.

No entanto, essa ainda é a minha hora, e em vários momentos do percurso de minha casa até a Hangsang, eu penso seriamente em me lançar do carro em movimento para me poupar do horror que pode acontecer caso a mãe de Jimin realmente esteja lá.

E provavelmente estará. O padrasto dele também deve acompanhá-la.

Cacete. Péssima hora para não ter nenhum deus do meu lado.

Quando minha mãe estaciona numa das vagas da universidade, moleque e moleque-ssi logo saltam para fora do carro, deslumbrados com o que veem. Eu, sem qualquer sentimento positivo que seja, demoro até para desafivelar o cinto de segurança.

— Fedorento? — Ainda antes de decidir descer, minha mãe chama. Dessa vez, o tom é cuidadoso e paciente.

— Hm?

— Você e Jimin brigaram mais cedo? — Ela pergunta, talvez aproveitando que estamos sozinhos no carro.

— O que? Não. Por que?

— Você não parece muito feliz e eu sei que não é porque estou te ameaçando sobre sua sogra. Ele também parecia triste quando foi embora hoje de manhã. Bem triste mesmo.

Eu coço minha nuca. Sequer tenho como explicar toda a situação para ela, por isso, opto por uma versão simplificada do que realmente está acontecendo. E eu nem sei por que tento, quando minha atitude mais provável seria negar a possibilidade e fingir que nada está errado.

Mas eu tento, mesmo assim. Com surpresa, percebo que me sinto um pouco confortável para dizer:

— É só que ele não entende. Sobre meus sentimentos. Ele acha que é uma coisa, quando é outra.

— E se eu te conheço bem como se fosse sua mãe e tivesse te carregado dentro de minha própria barriga antes de te ver crescer até ter esse tamanho todo — Ela diz em tom descontraído, o que até me faz expulsar uma risada mínima. — Você não explicou para ele, certo?

— Não deveria precisar. Jimin sabe como eu sou. Ele sempre percebe coisas em mim que ninguém mais perceberia, mesmo que eu não fale. Ele deveria perceber isso também.

— Ele é uma pessoa muito especial, não é? Jimin é um rapaz único.

— Sim... eu acho que ele é.

— Mas ele não lê mentes, Jungkook. Por mais que ele te entenda, ele não é você. Ele não tem como saber tudo que você sente.

A validade do meu conforto para ter essa conversa parece ter chegado ao fim, porque eu já estou agoniado, louco para encerrar o tópico e sair daqui. Não sei se percebe ou não, mas minha mãe me toca com paciência, como se me pedisse mais alguns instantes.

— Você gosta dele? — E questiona. Eu viro o rosto para o lado, tomado por constrangimento. — É isso que ele não consegue perceber? Jimin acha que você não gosta dele?

Eu trinco meus dentes antes de umedecer meus lábios e suspirar num gesto completamente consternado, para só então revelar:

— É. Gosto, mas ele acha que não.

— É meio óbvio. — Minha mãe sorri, beliscando minha costela num gesto implicante e que me faz recuar junto a uma reclamação mal humorada. — Que você gosta dele, eu quis dizer. O jeito como você olha para ele agora é diferente de como olhava no começo. É muito bonito. Seu pai me olhava desse mesmo jeito, sabia? Aquele tonto apaixonado.

— É. Aposto que seu novo namorado não te olha desse jeito. — Digo, sem pensar.

— Achei que você tinha pedido para não falarmos sobre isso.

— Pedi. Foi mal.

— Tudo bem. E eu ainda não te devo satisfações, mas... eu não estou mais saindo com ele. Só tivemos dois encontros e não teremos mais nenhum. Ele é chato.

— Parecia que você gostava dele.

— Não, mal nos conhecíamos. Eu só queria que você parasse de me fazer sentir culpada por talvez me apaixonar de novo.

Eu assinto sem muito entusiasmo. Esse certamente nunca será meu assunto favorito, mas garanto:

— Ainda não quero detalhes da sua vida romântica. Mas ela é sua. Eu não vou mais fazer confusão sobre isso.

— Obrigada, fedorento. — E diz, sinceramente, junto a um carinho em meu rosto antes de me beliscar a bochecha e dizer: — Mas não está fazendo mais que sua obrigação.

Eu reviro os olhos e contenho minha própria risada antes de me virar para abrir a porta. Quando o faço, ela diz:

— E sobre a sua vida amorosa... Diga para Jimin que gosta dele, filho. Só palavras não provam nada, mas algumas coisas precisam ser ditas.

Eu gostaria de dar uma garantia fácil ao seu conselho. No entanto, não é simples assim. Falar sobre sentimentos sempre foi um entrave muito grande para mim — por isso, ainda que Junghee seja a pessoa que eu mais amo, ele não me ouviu dizer essas palavras mais que cinco vezes ao longo da vida.

Não é diferente com Jimin. Eu gosto dele, demais. Mas dizer é difícil, esquisito.

O que posso fazer, então, é garantir que vou tentar. É o máximo que posso fazer.

— Vou ver o que faço — No entanto, é assim que minhas palavras saem.

Sério. Eu não sei usar palavras e acho que isso já foi comprovado incansavelmente. Talvez eu deva me declarar para Jimin através de equações.

Vergonhosamente considerando a possibilidade, eu finalmente desço do carro em companhia de minha mãe e me apresso para segurar os dois moleques pela gola das blusas, porque eles já estavam se aventurando na direção oposta à que devemos seguir.

— Deve ser muito bom estudar numa universidade! — Taehyung supõe, todo encantado, enquanto continuo guiando os dois pelas nucas e Junghee estapeia minha mão para que eu o solte.

— É meio merda, mas é ok também. Sua hora vai chegar.

— Mal posso esperar!

Fala sério...

Em companhia dos três que se impressionam com o que veem ao redor, eu sigo.

O campus está diferente. Cheio, não só de alunos indispostos. Tem barracas enfileiradas num espaço só para elas, nas quais alunos de todas as áreas apresentam seus cursos para quem está interessado ou somente curioso. Mas é ao auditório que o grande fluxo de pessoas se direciona, agora que as apresentações estão prestes a começar.

Alunos de dança e música, hoje. Teatro, amanhã — ao menos é o que diz o folheto que recebo quando entramos no anfiteatro.

Não é como se eu fosse grande entusiasta desses eventos. Mas também não é como se, dessa vez, não estivesse realmente ansioso para ver Jimin no palco.

— Ei! Filhote de brutamontes!

Enquanto procuro os lugares mais à frente, ouço o chamado de Yoongi, antes de encontrá-lo sentado ao lado de Hoseok, que acena.

Ele deveria estar se preparando para subir no palco, mas está ali, sentado, apenas como um espectador por conta da fragilidade de seu corpo, o que me faz lembrar que ele não está seguro.

Isso não é justo. Não é justo.

— Diga se eu não sou o melhor hyung. Guardei lugares para vocês! — Ele diz para mim quando guio meu rebanho de acompanhantes em direção a eles dois.

— Oi, Hoseok-ssi, Yoongi-ssi! — Taehyung cumprimenta, todo sorrisos, mesmo que só os tenha visto uma vez. Junghee, mais tímido, apenas acena desajeitadamente e minha mãe curva o corpo num cumprimento respeitoso.

— Veio cheio de companhias, hein, Jungkook?

Cacete.

Kim Namjoon?

Eu olho para trás, encontrando-o sentado na fileira anterior à minha, ao lado do ombrudo que não parece, mas é irmão de Yoongi. O bruxo mais velho.

— E aí. — É tudo o que digo, antes de nervosamente virar para a frente, quase explodindo quando o atrito de minha calça contra o couro sintético da cadeira faz parecer que eu peidei.

— Você tem muitos amigos, fedorento  — Sério que minha mãe precisava usar esse apelido logo agora? — É um prazer conhecer vocês. Eu sou Ga-eul, mãe do Jungkook.

— É um prazer, tia — Hoseok é o mais sonoro ao respondê-la. — Eu sou Hoseok, orgulhosamente hyung dele!

— Aquele ali é o bruxo piromaníaco — Eu digo, apontando para Yoongi.

— Me erra, Jungkook. — Ele resmunga, antes de suavizar o tom e anunciar, para ela: — Meu nome é Yoongi.

— E Yoongi é o filho desajustado da família, então claro que não vai apresentar o irmão mais velho — Seokjin logo se inclina para a frente, estendendo a mão. — Eu sou Seokjin. Só vi seu filho umas três vezes, mas oi.

Ela ri, aceitando o cumprimento, antes de acenar para Namjoon que também acena para ela.

— Oi. Namjoon. — Anuncia. E depois: — Entendi por que Jungkook é tão bonito.

Minha mãe agradece com um sorriso educado, enquanto eu imediatamente me desfaço em constrangimento, todo vermelho.

Quando Yoongi ri, o cara de pau, eu lanço meu olhar em sua direção e falo suficientemente alto para que Hoseok escute:

— Para de rir e toma vergonha na cara pra chamar Hoseok para um encontro, ao invés de ficar choramingando sobre isso para mim.

— Boa, cabeçudo! — Seokjin comemora, ali atrás, e meu corpo alavanca para a frente com o tapa que ele me dá.

— Cabeçudo?!

— Viu que eu não sou o único que tem a cabeça grande? — Junghee resmunga, contrariado.

Eu estico meu braço para dar um tapão nessa cabeçona, mas minha mãe, sentada entre nós dois, me segura antes que eu o alcance.

— Se comporte, Jungkook.

Enquanto ela me repreende com a fala e o olhar, Taehyung se inclina para a frente, só para dizer:

— Eu acho que vocês dois têm cabeças perfeitamente proporcionais ao seus corpos, ok?

— Calem a boca, pelo amor de deus. — Eu peço, impaciente.

Precisávamos mesmo sentar todos juntos?

— Ei — Hoseok me cutuca, quase sussurrando o chamado. — Yoongi estava reclamando? Sobre o convite para o encontro?

— Yep. Adianta logo a oficialização desse convite aí.

Hoseok sorri com sinceridade que traz leveza ao rosto empalidecido e eu não sou o único prestando atenção quando ele se vira para o outro lado e segura o braço de Yoongi, puxando-o suavemente num gesto que faz o piromaníaco arregalar os olhos.

Hoseok sorri mais, diante da surpresa do não bruxo. E se inclina, deixando um beijo na bochecha dele.

— E se tivermos nosso encontro depois da apresentação de Jimin? — Sugere, dando pouca atenção aos nossos olhares curiosos. — Hoje mesmo.

Yoongi, por outro lado, nos olha com nervosismo antes de viajar a atenção de volta a Hoseok. Tonto como eu fico quando Jimin age assim comigo, tudo que o piromaníaco faz é balançar a cabeça numa concordância constrangida.

— Finalmente! — Seokjin comemora.

— É. — Namjoon concorda, com esse tom conformado, e se inclina na direção de Taehyung e Junghee, antes de dizer: — Vocês parecem os mais novos daqui. Posso dar um conselho com a voz da experiência?

— Claro, Namjoon-ssi! — Mas será possível que ninguém escapa?

— Quando estiverem interessados em alguém, não demorem para demonstrar. Eu demorei e perdi a chance com — Quase me fazendo evaporar em vergonha, Namjoon gesticula com a cabeça em minha direção. — ele.

Para fugir do nervosismo, eu direciono meu olhar a Junghee, que se encolhe no assento, sem jeito, enquanto Taehyung diz:

— Acho que vou chamar o menino do ônibus para um encontro, então!

Junghee se encolhe mais, ao ouvir o que o amigo diz.

Parece, além de envergonhado... triste.

Ainda assim, sorri quando Taehyung o cutuca e questiona: — O que você acha, Hee?

— Você deveria chamar, Tae. — Meu irmão responde, todo chateado. Tenta disfarçar e talvez até convença uns e outros, mas eu conheço esse cabeçudo desde que ele nasceu.

Minha mãe também.

Não demora e ela me olha, com uma expressão confusa no rosto. Eu devolvo seu olhar, antes de avaliar Junghee mais uma vez. Depois, moleque-ssi.

E a ficha cai.

Que cacete?

A pessoa de quem Junghee gosta é Taehyung?

Nossa mãe não sabe, ainda, o que eu já sei, por isso não parece chegar a nenhuma conclusão e apenas se resume à breve confusão, enquanto Taehyung também não parece concluir nada sobre os sentimentos de Junghee e continua sorridente, provavelmente sonhando acordado com o tal menino do ônibus que eu tenho certeza que não é mais bonitinho que meu irmão.

— Ah — Ainda enquanto eu danço minha atenção entre um e outro, Taehyung murmura com surpresa e um sorriso, na direção do palco: — Olhem! É Jimin-ssi.

A forma como meu foco se altera ao ouvir o nome dele é ridiculamente instantânea. Imediatamente mesmo olho para a direção que Taehyung aponta.

Ainda não é o início da apresentação, então eu vejo Jimin caminhando entre a porta lateral e o palco, de pés nus, vestindo a calça e blusa pretas que pressuponho ser a roupa de sua apresentação. Dali, ele para e passa os olhos ao redor, até pousar em um ponto imediatamente ao meu lado, antes de começar a se aproximar com agonia aparente.

Meu coração dispara, acelerando à medida que ele chega mais perto.

Mesmo com a pressa óbvia, Jimin sorri quando para no corredor, com a mão apoiada no encosto de uma cadeira na fileira da frente.

— Que bom que vocês vieram — Ele diz, educadamente. Obviamente, não destina suas palavras somente a mim. De mesma forma, seu olhar não me dá qualquer segundo de atenção exclusiva e pousa no piromaníaco — Yoongi?

— Oi?

— Nós tivemos um probleminha com o som. Pode ajudar?

Yoongi é certamente multifuncional. Bruxo, piromaníaco, astrofísico e, de quebra, músico. Técnico de som, também.

Com um gesto rápido de concordância, ele tira a mochila apoiada no colo e deixa sobre o assento assim que se levanta, se espremendo entre nossas pernas e a fileira frontal para chegar ao corredor.

— Obrigado. — Jimin diz para ele, antes de voltar a atenção para nós, deixando que Yoongi vá na frente. Dessa vez, seu olhar pousa em mim, tão rápido que sequer sei se foi intencional. E diz, mais uma vez para todos: — Espero que gostem das apresentações.

— Tô ansioso pela sua, Jimin-ssi!

Jimin sorri para Taehyung, apoiando a mão sobre o boné vermelho do mais novo num gesto carinhoso logo antes de começar a recuar.

— Eu vou voltar para lá. Até mais tarde.

Ele não me destinou um segundo sequer de atenção. Não sorriu para mim, quase como se eu nem estivesse aqui.

Sinceramente, se fosse outra pessoa, eu não faria grande caso. Mas é Jimin, ele nunca age assim comigo e, depois de hoje de manhã, sua atitude me deixa ainda mais nervoso.

— Espera. — Então em agonia e num impulso, eu fico de pé, tentando alcançá-lo. — Jimin?

Ele para assim que ouve minha voz e vira para trás, com os olhos curiosos que demonstram alguma confusão quando eu chego ao corredor e me aproximo, tocando-o suavemente no braço.

— Tudo bem? — Pergunto, meio nervoso, enquanto ele desliza o olhar até o ponto de toque entre minha mão e sua pele, antes de rir brevemente.

— Sim, Jeon. Tudo bem. E com você?

Não foi nesse sentido que eu perguntei, então sua resposta em nada me alivia, principalmente não quando ele me chama de Jeon.

— Sobre a conversa de hoje de manhã — Eu explico, com uma pausa curta para repuxar meu lábio com os dentes enquanto faço a próxima escolha de palavras: — Você está chateado, não é?

— Claro que não, Jungkook-ssi. — Ele responde de imediato, amansando a voz e o olhar. — Eu já disse que não tenho motivos para ficar chateado com você por culpa de expectativas que eu criei.

A expectativa dele era ser correspondido. E ele é!

Eu suspiro em agonia, continuamente segurando-o enquanto seu olhar se franze cada vez mais sob as sobrancelhas retraídas.

É só dizer, Jungkook. Só diz essa merda.

Eu gosto de você, Jimin.

— Ei. — Que?

Antes que minha voz nasça, a de outro alguém nos alcança e nós dois olhamos para a direção da qual ela vem, sem demora para que minha impaciência nasça assim que eu veja quem está chamando-o.

Jinhei.

E ele se aproxima, vindo da direção do palco, com a expressão endurecida sob uma camada de nervosismo, algo bastante inédito se tratando dele.

Assim como eu, Jimin apenas o olha em silêncio, e seu ex-caso para logo ao nosso lado, destinando alguns instantes de atenção para mim antes de entregá-la inteiramente a Jimin.

— Sobre o que eu te disse lá atrás — Ele começa, com o tom baixo, quase como se não quisesse que eu escutasse. — Pensa, ok?

Jimin pressiona os lábios cheios um contra o outro, mas não tem tempo de dar qualquer resposta sonora porque Jinhei não parece paciente o suficiente para esperar. Não demora e o babaca recua, mas não sem antes dizer:

— Boa sorte na apresentação. Sei que vai ser boa, já que você dança tão bem quanto fode.

Ah, enfia um cacete no rabo. Na moral.

É óbvio que ele faz de propósito, é claro que seu objetivo é me comer o juízo. E o pior é que ele consegue. Ele facilmente me irrita, mais pela intenção que pelas palavras.

— Qual foi a desse cara? — Disparo, vergonhosamente furioso. — Fala sério. Não tem o mínimo de bom senso.

Jimin suspira com algum cansaço junto a uma breve concordância, antes de apontar para trás.

— Eu realmente preciso voltar para lá, Jungkook.

— Beleza. — É a primeira parte da resposta. — Mas...

— Sim?

Eu não consigo dizer agora o quanto gosto dele. Se já não era a situação ideal, agora é menos ainda. O que me tortura nesse exato instante, é outra coisa.

— O que foi que Jinhei te disse? — Pergunto de uma vez, meio tenso. — Você pode me dizer? Ou é, sei lá, confidencial?

Jimin massageia a lateral do pescoço, com algum cansaço visível ao revelar:

— Ele resolveu dizer que está apaixonado por mim. Que quer voltar comigo e ter uma relação além do sexo.

Não, né?

Só pode ser brincadeira. Sério mesmo.

— Não fala para ninguém, por favor. — E pede, diante do meu silêncio acompanhado de olhos ridiculamente arregalados. — Eu nem sei se deveria te contar.

É claro que eu não vou sair espalhando por aí, mas...?

Eu não estou surpreso por ele ter se apaixonado. É de Jimin que estamos falando. Dentre todas as pessoas do mundo, ele é a que menos me surpreende por conquistar alguém.

— Jimin, isso... — Santo cacete, eu preciso começar a me resolver sobre esse problema de não conseguir me expressar. Num rompante de coragem e agonia, pergunto: — Isso muda alguma coisa entre nós dois?

Ele sorri com essa expressão que parece até fazer graça da minha dúvida, antes de garantir:

— Jinhei gostar ou não de mim não muda que a pessoa de quem eu gosto sempre vai ser você, Jungkook.

Eu coço minha nuca. Talvez devesse estar aliviado, mas a agonia ainda me consome, provavelmente porque Jinhei teve coragem de dizer exatamente o que eu quero, mas não consigo.

— Nosso encontro ainda está de pé? — Grande resposta, Jungkook. Boa mesmo.

Jimin diz que sempre vai gostar de mim e eu simplesmente digo isso?

— Sim. — Ele responde, sem fazer comentários sobre minha reação. — Se você quiser.

— Claro que quero.

Ele sorri sem tanta força, piscando lentamente desse seu jeito característico antes de deslizar o braço sob meu toque até que sua mão segure a minha, apertando-a por um instante.

— Então certo. Conversamos melhor em nosso encontro, Jungkook-ssi.

Ah, vamos. Nós definitivamente vamos conversar bem, porque eu definitivamente vou dizer que ele tem que parar com esse cacete de achar que não é correspondido. Eu definitivamente vou dizer que gosto dele.

Hoje.

— Ok. — Eu digo, apertando sua mão de volta no que pressuponho ser um gesto de apoio, antes de soltá-lo. — Boa sorte, Jimin-ssi. Estou ansioso para te ver no palco.

Depois que ele se vai junto a um sorriso manso, eu volto ao meu lugar e escorrego meu corpo pelo assento, deslizando a mão por meu pescoço repetidamente, em agonia.

— Você já disse que gosta dele? — Minha mãe pergunta, graças a deus discreta o suficiente para que ninguém mais escute.

— Não.

No lugar de uma repreensão, ela dá dois tapinhas motivacionais em meu joelho.

— Desculpa. — E diz junto a uma careta mínima, antes de explicar: — Essa sua trava emocional é culpa minha. Herdou de mim.

— Imaginei. — Respondo, relaxando contra o encosto. Meu pai sempre foi um romântico incurável, amava se declarar com palavras e sem elas. Então é meio óbvio que, se essa minha indesejada característica veio de alguém, certamente foi de minha mãe, que declara seu afeto me chamando de fedorento.

— Mas o fedor você não herdou de mim, não. — Não disse?

Não há muito o que fazer sobre isso — sobre a questão emocional, quero dizer, porque o fedor já ficou no passado, em meus tempos mais sombrios da adolescência e em situações pontuais, como depois de fazer o maior esforço para desentupir o vaso que Junghee entope religiosamente toda semana.

Então o que tento fazer é reunir toda a coragem que tenho por todos os momentos que se seguem, enquanto as apresentações se iniciam e eu honestamente não dou um cacete de atenção a elas, agoniado demais para isso, com pernas inquietas e lufadas impacientes de ar até que Hoseok se aproxima pelo lado.

— É a vez de Jimin — Ele anuncia, com o sorriso sempre grande, ainda que lhe pareça faltar energia constantemente. — Pode parar com a agonia.

— Nem tô agoniado.

Ele deixa uma risada escapar antes de arrumar o corpo sobre o assento, mas essa é a última coisa que vejo porque logo Jimin surge dos bastidores, caminhando em direção ao centro do palco, e eu finalmente arrumo minha postura, dedicando atenção a ele e nada mais.

A calça escura abraça cada um dos músculos de suas pernas, as mangas longas da blusa folgada recobrem o que ele tanto tenta esconder nos pulsos, também cada uma das tatuagens, e os pés nus param sobre o centro, com sua expressão concentrada, entregue a esse breve momento para o qual se preparou tanto. E eu vejo, talvez por estar prestando atenção demais. O pequeno sorriso no canto dos lábios quando os olhos se fecham e a música que já ouvi tantas vezes, começa.

Jimin é surreal.

Não é a primeira vez que percebo, mas é a primeira vez que o faço aqui, num auditório lotado de pessoas, todas admirando-o, enquanto eu penso, com surpresa genuína que, cacete, esse cara gosta de mim.

Ele é apaixonado por mim.

A ideia sempre me pareceu absurda, desde sua primeira confissão. Agora, parece ainda mais, mas desperta algo além de incredulidade à medida que eu vejo o corpo de Jimin se mover sobre o palco pequeno demais para todo o seu talento.

É a primeira vez que eu sinto felicidade genuína ao perceber a dimensão do que isso significa. Park Jimin é apaixonado por Jeon Jungkook.

Eu não sei como, de tão azarado, passei a ter tanta sorte assim. Mas sei que sorrio e sei que meu sorriso cresce a cada novo passo e movimento do corpo dele.

Como mágica, a percepção intensificada me faz querer sair daqui, invadir o palco e finalmente dizer que, meu deus, eu gosto de você, Jimin. Eu gosto tanto que dói, como sempre doeu em você.

Não o faço por motivos óbvios, no entanto. Não sou louco de interromper sua apresentação e dúvido que alguém seja.

Então os braços dele se movem. Os últimos trinta segundos da coreografia se iniciam, prestes a finalizar a perfeição do início ao fim...

Mas algo acontece.

Seus pés se atrapalham no exato instante em que os olhos se arregalam, fixos a algum ponto no fim do auditório, e ele cai pra trás, sentado, num rompante que causa surpresa imediata em todo o auditório.

Minha mãe ofega, surpresa e preocupada. Junghee e Hoseok se atrapalham nas próprias indagações nervosas. Taehyung, Yoongi, Seokjin, Namjoon parecem se perder em instantes de confusão. A música para antes da hora, os murmúrios confusos tomam seu lugar e os olhos de Jimin continuam apontados sempre na mesma direção.

Num movimento tenso, eu busco a causa mesmo que, no fundo, saiba exatamente qual é. Porque eu já vi essa expressão de pânico no rosto dele.

E no fundo, eu vejo. O homem parado logo diante das portas, segurando um casaco nas mãos, com uma expressão carregada no rosto. De pé, olhando para o palco.

Eu nunca o vi antes, mas tenho certeza.

É o pai de Jimin.

Assim que a percepção me atinge, eu volto a olhar para ele. Para Jimin ainda caído sobre o palco que dominou por uma música quase inteira, sem forças para levantar, diante do que descobri ser uma de suas maiores dores.

— Jungkook? — É só quando ouço o chamado confuso de minha mãe que percebo que fiquei de pé, num impulso desesperado para correr até ele. E mesmo agora que a percepção recai em mim, não volto atrás. Eu me esquivo das pernas no espaço entre as fileiras, chego ao corredor e por ele abro passadas largas até o palco, sobre o qual apoio minhas mãos para tomar impulso. Apoio primeiro um joelho, depois o outro e fico de pé apenas para correr até parar diante de Jimin e me ajoelhar mais uma vez.

— Jimin-ssi... — Eu o chamo, nervoso, mas com força o suficiente para atrair seus olhos assustados.

Sua expressão me machuca. Eu juro que machuca ver Jimin tão fragilizado assim.

E é me olhando dessa forma que ele pede, com a voz arranhando em desespero:

— Me tira daqui.

Eu não penso duas vezes antes de atender seu pedido, tomando seu corpo pequeno para mim, trazendo-o em meus braços antes de ficar de pé para carregá-lo comigo.

Eu não o coloco no chão de novo até que estejamos longe de todos os olhares do auditório e algum outro aluno nos bastidores gesticula em agonia para mim, apontando para uma cadeira que ele se apressa em desocupar para que Jimin possa sentar.

— Quer água, cara? — Então o mesmo aluno pergunta, olhando para Jimin com os olhos pequenos meio ansiosos.

Jimin não responde, nesse momento curvando o corpo e escondendo o rosto entre as próprias mãos, recolhido à própria bolha de sentimentos carregados.

— Traz as coisas dele — Por isso, sou eu que peço. — Eu vou levar ele para casa.

O colega atencioso não demora em acatar meu pedido, muito mais útil que todos os outros que ficam de longe, quietos, mas olhando com curiosidade para Jimin.

Eu também não sou de grande ajuda, ajoelhado ao seu lado enquanto me atrapalho até mesmo para acariciar suas costas e tentar acalmá-lo.

— Jimin! — E é quando a voz feminina o chama que eu sinto seu corpo enrijecer sob meu toque atrapalhado, imediatamente atraindo minha atenção para reconhecer sua mãe se aproximando, exalando preocupação por cada poro até se ajoelhar na frente dele. — Jimin, filho...

Jimin balança a cabeça para os lados antes de erguê-la o suficiente para me fazer perceber que seu olhar não está mais carregado apenas de medo. É ressentimento, também.

— Foi você — E diz, com a voz irritada. — Você disse para ele que eu ia me apresentar hoje!

Ela contorce a expressão em culpa, mas também num pedido mudo por compreensão.

— Jimin, ele é seu pai...

— Ele é meu maior pesadelo! — Jimin a interrompe, furioso. — Eu te implorei para deixar esse homem fora de nossas vidas!

— Isso foi muito tempo atrás, filho. — Ela tenta tocá-lo, mas Jimin recua ferozmente. — Ele é seu pai! — E repete, aflita. — E ele quer se reaproximar de você, Jimin, por favor... já é hora de superar o passado...

— Supere você, se quiser. — Ele diz, rapidamente ficando de pé, num movimento tão brusco que afasta minha mão violentamente. — Não importa quanto tempo passe e quanto ele queira, eu nunca vou aceitar esse infeliz em minha vida.

— Jimin — Sou eu que chamo quando ele segue, de pés nus e passos pesados, em direção à saída, deixando sua mãe para trás.

Eu corro para alcançá-lo, toco em seu braço, mas ele imediatamente repele meu toque.

— Me deixa em paz, Jungkook.

Ele sequer me olha. Apenas me rejeita, sem parar de fugir. Como sempre faz.

Mas não dessa vez. Não se ele estiver fazendo isso porque tem vergonha de me deixar vê-lo nos momentos mais frágeis quando, na verdade, não quer mesmo estar sozinho.

Então eu tento novamente, alcanço seu corpo, seguro com a firmeza que ele tanto gosta, mas tenta rejeitar nesse momento. Ainda assim, contenho sua fuga por um instante, segurando suas costas contra meu peito para ter tempo de dizer:

— Você disse que, ao invés de fugir, ia correr para mim, Jimin-ssi.

Eu ainda sinto seu corpo tenso, a respiração acelerada, a forma como não aceita meu toque por completo. E insisto.

— Se você quiser mesmo ficar sozinho, beleza. Eu não insisto. Mas se for por qualquer outro motivo, não vá. Eu te disse que não sou como você. Eu não consigo decifrar as pessoas com a sua facilidade, mas eu te conheço, Jimin. Eu já te conheço. E eu não vou deixar você fugir de novo se você não me garantir que não me quer por perto.

Eu sinto seu corpo ainda tenso. Sinto mesmo. Mas, de igual forma, sinto sua hesitação ceder nos instantes que antecedem sua decisão final.

— Me leva embora. — E é isso que decide. — Eu não quero ficar aqui, Jungkook.

— Ok. — Respondo de imediato, incapaz de descrever o quanto sua mudança de atitude me alivia o peito. — Beleza, eu te levo.

— Ei. Aqui. — O cara de antes volta, carregando os tênis e a bolsa de treino de Jimin. — Acho que é só isso.

— Valeu. — Eu digo, mantendo uma mão na cintura de Jimin quando ofereço a outra para pegar a bolsa, pendurando-a em meu ombro antes de pegar também os tênis.

Jimin finalmente olha para o provável colega de curso. Talvez ofereça um sorriso educado, mas não vejo. Tudo que consigo é ouvir sua voz, ao dizer:

— Obrigado, Yukwon.

— Relaxa. Vai lá com seu namorado.

Eu penso em reforçar, pela segunda vez no dia, que não somos namorados.

Ainda, pelo visto.

Mas não somos. No entanto, negar sua sugestão é um detalhe com o qual não vale a pena usar meu esforço nesse instante, então apenas ofereço o que acredito ser meu melhor sorriso de agradecimento. Pela expressão confusa do tal Yukwon, não é um dos sorrisos dos mais simpáticos, não. Mas eu tentei, pelo menos.

— Toma. Seus sapatos — Voltando minha atenção unicamente a Jimin, eu dou a volta em seu corpo e me abaixo para deixar os tênis diante de seus pés, antes de ficar de pé novamente e silenciosamente aceitar sua mão em meu ombro enquanto seguro seu braço para equilibrá-lo melhor enquanto desliza os pés para dentro dos calçados.

— Obrigado. — Ainda atordoado, ele diz. Vulnerável como nunca o vi antes, sempre fugindo do meu olhar.

Movido por sua imagem tão fragilizada, eu não consigo conter e filtrar meus atos.

É num impulso, então, que eu puxo seu corpo suavemente pelo braço que ainda seguro. Quando o deixo perto o suficiente, toco em seu rosto, sinto seus olhos finalmente aceitarem os meus, mas logo dou fim ao contato para me aproximar e deixar um beijo em sua testa.

Quando me afasto, os olhos bonitos de Jimin estão fechados e ele respira de maneira lenta, entregue ao silêncio até mesmo quando deslizo minha mão até segurar a sua e trazê-lo comigo.

— Para onde quer ir, Jimin-ssi? — Eu pergunto quando encontramos Pandora no estacionamento e paramos diante dela.

— Sua casa? — Sua resposta vem nesse tom de dúvida e hesitação. — Pode?

— Pode, gracinha. — Devolvo, sem pensar tanto antes de usar o apelido que ele sempre usa para mim.

Acho que é numa tentativa meio desastrada de fazer Jimin sorrir. E funciona, ainda que seu sorriso não nasça com força.

Eu sou um desastre. Isso é um fato. Mas é esse desastre que faz Jimin sorrir num momento tão improvável. É esse desastre que ele quer ter por perto num momento de fragilidade.

É esse desastre que, pouco a pouco, eu estou aceitando como parte fundamental do que sou. E eu acho, agora, que não sou tão ruim quanto sempre acreditei ser.

Eu me vejo por uma ótica muito mais branda desde que tudo isso começou, mas não branda o suficiente para achar justificável o que Jimin faz, a seguir:

— Quer dirigir Pandora?

Eu olho para o conversível ao nosso lado. Depois penso na habilitação que me permite pilotar motos e carros. Por último, lembro que não dirijo um carro desde que saí da autoescola, o que automaticamente me faz pensar que, é, talvez dê merda.

— Dirijo. — Mas é isso que digo.

Jimin sorri ainda sem força, sem sinceridade também, quase num gesto automático. Direto, segue ao banco do carona enquanto eu respiro fundo, pego a chave na bolsa antes de deixá-la no banco de trás e ocupo o lugar do motorista, ao qual faço jus logo depois de enviar uma mensagem para Junghee, avisando de minha ida.

E seja o que deus quiser.

Apesar de não parecer mesmo querer coisas boas para mim, nenhuma catástrofe acontece no caminho. Nenhuma além da expressão perdida e assustada de Jimin, que me faz desconfiar que sua tristeza, afinal, é a pior catástrofe de todas.

— Jimin — Preciso chamá-lo quando estaciono na frente de casa. De tão perdido, trancafiado na própria mente caótica, ele sequer percebe. — Chegamos.

Seu olhar completamente desfocado é trazido de volta à realidade quando, sem energia, ele olha para a construção ao lado e permanece em silêncio ao abrir a porta e descer do carro.

É estranho vê-lo assim. E, da mesma forma que garanti que ele não precisaria fugir, eu também confessei que provavelmente não saberia o que dizer ou fazer. Posto à prova, confirmo a desconfiança óbvia.

Não me vem certeza nenhuma em torno das ações que tomo, mas ajo. Eu o sigo, trazendo junto suas coisas, e encontro a chave no bolso para abrir a porta, ao lado da qual ele esperou em silêncio e em silêncio permaneceu ao entrar.

— Com licença... — Diz, me parece que por pura força do hábito, e chuta os tênis para fora dos pés antes de seguir com os pés nus em direção ao meu quarto.

O que é que eu faço?

Sério, o que se faz quando uma pessoa de quem gostamos tanto está... assim?

Sem roteiro a seguir, eu me sinto sufocar sob o medo de acabar piorando tudo, mas tento mesmo sem certeza.

Vou até a cozinha, primeiro, e encho um copo de água antes de segui-lo até o quarto. Deixo sua bolsa sobre minha mesa de estudos enquanto Jimin permanece sentado em minha cama, com o corpo curvado, rosto escondido, completamente recluso.

Parado em sua frente, sob o silêncio desesperador, eu o observo atentamente antes de, na incerteza das minhas inabilidades, acabar por deixar o copo ao lado da cama antes de me agachar diante de sua imagem frágil e quebrada.

Tenho uma parte de mim destruída há três anos. Sei que não há nada a ser feito para refazer os pedaços em uma peça inteira novamente, mas os fragmentos fazem parte do que somos e talvez aceitá-los e reconhecê-los seja a melhor forma de lidar com a dor.

Eu quero que pare de doer em mim. Quero aceitar a perda que desmantelou meus pedaços em partes menores, que fazem de mim uma pessoa diferente do que fui, mas inteira.

Mas, nesse exato instante, o que eu mais quero é que pare de doer nele. Como sei da impossibilidade de anestesiá-lo, o que posso fazer é permitir que machuque, que doa e fira antes de cicatrizar. O que posso fazer é ficar aqui e respeitar o que tanto dói em seu peito.

Então eu fico. Ainda agachado em sua frente, toco em seus braços, deslizo as mãos na direção das suas, que continuam a esconder seu rosto e a sustentar o corpo curvado. Com cuidado, tento afastá-las até encontrar seu olhar dolorido. E, sem hesitar mais uma vez, seguro Jimin pela cintura com a mesma firmeza de sempre para que ele saiba que sou eu aqui. Que ele pode mostrar as nuances que sempre acreditou precisar esconder, porque elas não vão me afastar, tampouco me mudar.

Eu ainda sou o Jungkook por quem ele se apaixonou e ele ainda é o Jimin por quem estou me apaixonando.

Meu cuidado, no entanto, existe mesmo no toque intenso. Existe quando eu trago seu corpo ao meu mais uma vez, me encaixo entre suas pernas e descanso minha testa na sua antes de envolver sua cintura e sua existência inteira dentro de um abraço.

Eu percebo seus primeiros instantes de hesitação. Sinto seu peito se expandir antes de oscilar junto ao soluço que, livre, libera também as lágrimas que pareceu segurar até então.

E Jimin chora, pela primeira vez.

Ele aceita meu abraço, minha companhia, e confidencia seu choro a mim enquanto seus braços me envolvem e me seguram ao redor do pescoço, pedindo o que suas palavras frágeis pedem, também.

— Fica assim comigo, amor...

Completamente incapaz de negar seu pedido, eu o aceito. Eu aceito o pedido, a forma de me chamar, aceito tudo que ele, por medo, ainda esconde de mim.

— Eu vou ficar com você. — Garanto, sob o choro que se prolonga, e percebo que minha declaração não se refere somente a esse instante. — Por quanto tempo você me quiser, Jimin. Eu vou ficar.

Ele me abraça com mais força. Se prende a mim, mas não prende as lágrimas. Permite que elas saiam e eu permito que meu corpo se mova, segurando-o junto a mim, nas costas e sob a perna, ao ficar de pé para poder me juntar a ele na cama. Sento, deixando-o em meu colo, protegido em meu abraço.

Tanto tempo se passa e assim permanecemos. Ele não recua, eu menos ainda, unidos por instantes que se seguem ininterruptos assim como seu choro que perde força, mas não cessa.

— Eu sabia que isso ia acontecer. — Ele diz, não sei quantos minutos depois. A voz se arrasta, frágil, numa confissão que parece necessária. — Eu sabia que ele ia tentar voltar para minha vida...

Saber o que dizer ainda não é uma vantagem que encontro nesse caminho tortuoso, então eu digo aquilo que quero transformar em uma verdade. Por ele, vou tentar.

— Nós não vamos deixar, Jimin-ssi. É melhor que ele nem tente outra vez, aliás. Eu sei fazer coquetel molotov.

Seu corpo estremece sobre o meu. Não pelo choro, dessa vez, mas por uma risada enfraquecida que eu nem estava tentando provocar.

Não é brincadeira. Eu sei mesmo fazer, minha mãe também, a hora de iniciar Junghee na tradição da família está chegando. E eu sei também que não sou o único disposto a protegê-lo, nessa casa.

Então se seu pai tentar, estará despertando a fúria da família Jeon e seus coqueteis explosivos.

Mas que bom que Jimin foi capaz de rir. Não por muito tempo, no entanto. Logo sua risada inesperada desvanece, mas seu choro também parece se encerrar, destinando-nos ao silêncio até que ele diz, acariciando meu rosto:

— Desculpa, Jungkook...

— Que? Você não tem pelo que se desculpar, Ji...

— Por mais cedo. — Ele me interrompe, reduzindo seu nome, em minha boca, a um apelido desproposital. Pequeno e adorável como seus olhos ainda úmidos, quando ele se afasta para me olhar nos meus. As pálpebras estão inchadas, a ponta do nariz vermelha; o rosto, da mandíbula à bochecha, também. — Por criar expectativas demais e por te fazer acreditar que eu não estou satisfeito com o que temos.

Isso lá é hora de se sentir culpado, cacete?

— E me desculpa também por querer que você continue me chamando de Ji. Não foi proposital, mas eu gostei...

Seu sorriso, mesmo que ainda não tenha metade da força e brilho de sempre, me acalma ao mostrar que ele também se acalmou, pelo menos um pouco.

— Posso tentar. — Digo para ele, ao subir minha mão ao rosto úmido para secar os rastros de lágrimas com meu polegar.

Suspiro, concentrado em capturar cada caminho úmido em sua pele avermelhada, salpicada por pontos ainda mais vermelhos. Concentrado em cuidar de Jimin nos mínimos detalhes, não porque sei que ele faria o mesmo por mim. É única e inteiramente porque eu quero vê-lo bem.

— Também vou me desculpar por dizer isso. — Me percebo anunciando, com naturalidade em embate direto ao nervosismo. — Acho que não é a melhor hora para te dizer que você estava errado.

Os olhos de Jimin piscam, com os cílios curtos ainda molhados pelas lágrimas frescas.

— Errado?

Eu não sorrio, apesar da pequena vitória alcançada num mar de derrotas.

Eu apenas tomo todo o meu cuidado ao segurar seu rosto com minhas duas mãos, e alcançar seus olhos com meus polegares, que fazem suas pálpebras se fecharem antes que minhas digitais corram de dentro para fora, limpando cada resquício de lágrimas nos cílios.

Quando afasto meus dedos, ele abre os olhos mais uma vez, lentamente, e é nesse momento inoportuno e inesperado que eu finalmente consigo dizer.

— Eu me apaixonei por você, Jimin.

Continua no próximo capítulo.

Oi...

Como vcs estão??

Eu não sei nem o que dizer nessas notas finais meu deus do céu, esse capítulo foi... whew

Mas, assim, foi whew pra escrever kkkkkkkk Eu to muito ansiosa pra saber como foi pra ler, então me digam por favor: o que acharam???

Eu sou muito boiola pelo jk, gente, então meu ponto de vista é muito parcial :x Essa última cena inteirinha dele cuidando do jimin eu escrevi com corações nos olhos porque ele sendo cuidadoso é meu..... tudo

E rolou o primeiro "amor", eu não tô bem ))):

Pena que o capítulo não foi só abracinho cuidadoso, apelido carinhoso e declaração entre os dois pombinhos porque infelizmente o pai do jimin voltou e, sempre bom lembrar, os tais pombinhos colapsaram o universo..........

Mas agora todo mundo sabe o que acontece quando o tempo acaba, antes da chance seguinte iniciar, então eu voto pro jungkook conseguir resolver essa bagunça e rápido pq já dizia a voz sem som: o tempo está acabando

Como teve bangbangcon e att de hemisférios e cc, não deu pra fazer os tico teco dos personagens daqui, mas a partir de amanhã começo a fazer e postar, já que vcs gostaram do tiktok dos jikook de hemisférios!!

Falando em bangbangcon: eu não aguento mais o tanto que amo esses meninos pelo amor de deus é tanto amor que doi!!!

Por hoje é isso. Como de praxe, último parágrafo pra teorias: seon yeong disse que jungkook é ainda mais poderoso que ela.... o que vocês acham que isso significa pro rumo da história? Beijos, até o próximo ou até a #belindaepandora <3

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