[f(19) = 4x - 57] Todas as faces

Surpresa! (mas nem tanto assim) Capítulo adiantado pros amores da minha vida!

🔮

Sanidade mental... acho que não tenho mais.

A cada segundo que se passa, durante os quais continuo olhando fixamente para o desenho ao lado da foto, ambos representando exatamente a mesma serpente, eu sinto que tudo que está acontecendo desde o primeiro 21 de outubro só pode significar uma coisa.

Depois do acidente, eu entrei em coma e tudo isso é um sonho.

Essa é a única explicação plausível para a existência de loopings temporais que só acontecem em filmes, de bruxas como a avó do piromaníaco e de tatuagens que existem quando nunca foram feitas.

— Jungkook. — Jimin me chama, quase numa repreensão. Só assim percebo que não é a primeira vez que ele está me chamando.

— Cale a boca. Você é só uma invenção da minha cabeça. — Eu digo para ele.

— Jeon, não começa. — Ele suspira, impaciente. Quando se move até estar sentado ao meu lado, ele pousa uma mão sobre o desenho; a outra, sobre a tela do celular, que ainda exibe a foto recém-capturada. Depois de olhar para os próprios dedos, seu olhar vira suavemente em minha direção: — Isso está relacionado ao que quer que tenha gerado a repetição do dia 21, não está?

Eu dobro minhas pernas e passo as mãos pelo rosto. Frustração é apenas uma parte do que sinto. Existe também confusão e uma inegável pontada de raiva por ver que isso está longe de acabar ou sequer ser compreendido.

— Eu não sei, Jimin. — Sinceridade permeia minha voz quando puxo a pele de meu rosto para baixo, me sentindo perdido. — Quando eu acho que sei de alguma coisa, percebo que não sei de nada.

Ele leva o polegar à boca, repetidamente mordiscando a ponta sobressalente da unha. Seus cílios batem do jeito característico, enquanto ele se concentra unicamente nas imagens diante de nossos olhos.

— Como essas tatuagens vieram parar em nossas peles? — Ele solta a pergunta no ar, sem parecer buscar um ouvinte específico.

Sem resposta, eu apenas balanço a cabeça para os lados em clara desistência e me arrasto pela cama, como se me afastar do desenho e da foto pudesse me afastar do problema.

— Eu estou de saco cheio. — Confesso, cansado. — Só quero ter uma vida normal e não precisar me preocupar em entender coisas inexplicáveis...

Jimin olha para mim com paciência, compaixão e, tenho certeza, com compreensão no seu estado mais puro.

— É difícil. — Ele mesmo diz. Surpreendentemente, com um sorriso pequeno, sincero. — Mas pelo menos eu pude me aproximar de você, Jeon.

Eu retribuo seu olhar por apenas mais um instante, logo em seguida descendo minha atenção desajeitada para a bola de pelos preta e branca.

Mesmo deixando de olhá-lo, eu ainda consigo dizer, talvez baixo demais:

— É... pelo menos isso...

Jimin suspira ou ri. É tão baixo e sutil que sequer consigo identificar. Em seguida, ele murmura com a voz leve, quase como se sequer estivesse falando para que eu escute:

— Gracinha.

Eu finjo que não escutei, assim não preciso pensar demais em como reagir ou, ainda mais desesperador, como esconder a minha reação a cada vez que ele me chama dessa forma.

Sem interferir na nova ausência de manifestações verbais, ele volta a olhar para o desenho, segurando-o no ar, diante de seus olhos. Eu continuo dando atenção a Jungoo, afundando minha mão nos pelos finos antes de acariciá-la.

O nariz continua se movendo para cima e para baixo, sem parar. Os olhos parecem completamente desinteressados, focando sabe deus onde, e sua barriga gorda acompanha a respiração constante. Levado por isso e pela total incapacidade de raciocinar agora, eu continuo dando toda a minha atenção à coelha.

Eu toco em sua barriga, lutando contra um sorriso rendido quando ela se move para aceitar melhor o carinho que ofereço.

— Que fofa... — Sem pensar, acabo falando alto demais, mas sequer levanto os olhos para ver se Jimin me ouviu.

Ainda acariciando-a, eu vou movendo o toque de volta às suas costas, à cabeça e ao pescoço. Por último, eu tento curiosamente segurar uma das patinhas dianteiras, mas então ela é rápida em repreender meu toque ao morder a lateral de minha mão com os dentes finos, forçando um gemido surpreso, de dor, para fora da minha garganta.

— Merda! — Resmungo ao ser levado pelo susto, claro que já afastando minha mão e aproveitando para observar a nova ferida. Eu faço uma careta ao perceber os cortes quase paralelos, pequenos, mas profundos.

— Até com as visitas, Jungoo? — Jimin suspira, aproximando-se de mim enquanto a coelha vai até a borda do colchão e pula para o chão, deixando para trás o estrago que pouco a pouco começa a expulsar sangue.

— Mordida forte do cacete...

— Ela não gosta que peguem nas patas. — Jimin diz, cuidadosamente tomando minha mão para avaliar o machucado. Eu continuo segurando-a, apertando a região ao redor, sempre com os lábios e olhos comprimidos para conter novos gemidos de dor. — Toda vez que preciso cortar as unhas dela, é uma carnificina. Às vezes eu rezo, antes. E nem sou religioso.

— Entendo o por que. Obrigado por ter me avisado. — Digo, mal humorado. Mas aí Jimin sorri, cheio de culpa, e eu desvio meus olhos ao sentir minha irritação vacilar.

Quer saber? Nem foi nada demais, de qualquer forma.

Um pigarro vem, para tentar encobrir a facilidade com a qual minha chateação se dissipou. Ainda assim, o sangue continua a escorrer; mais um pouco, começa a pingar.

— Posso ir lavar? — Pergunto, no lugar de culpá-lo.

— Por favor. — Jimin diz, soltando minha mão com tanto cuidado quanto a segurou, no começo. — Lave bem para não infeccionar. Eu faço um curativo quando você voltar.

Eu apenas balanço a cabeça, me arrastando pelo colchão largo até chegar à borda e apoiar meus pés sobre o chão, sempre usando uma mão para pressionar ao redor da ferida profunda na outra. Com uma pausa, eu olho para Jungoo. Como se não tivesse me arrancado sangue, ela mija despreocupadamente sobre a bandeja próxima à varanda que, pela quantidade de cocô em forma de bolinha, pressuponho ser seu banheiro.

Agora, ao invés de ressentimento, eu fico é impressionado, achando-a a coisa mais adorável do mundo por usar o banheiro com tanta disciplina.

Ótimo.

Não consigo ficar com raiva nem de Jimin, nem da coelha.

Um suspiro é tudo que deixo escapar antes de me virar e finalmente seguir até o banheiro da suíte. Vou direto à torneira, onde mais uma vez faço uma nova careta ao sentir o breve ardor provocado pelo contato da água corrente sobre os dois cortes recentes.

O sabonete vem em seguida para intensificar o ardor, que fica em segundo plano quando vejo o conjunto de itens sobre o balcão de cimento queimado.

Jimin usa lentes?

Só assim me dou conta e olho ao redor.

O banheiro de Jimin me diz mais sobre ele que seu quarto inteiro.

Assim como toda sua estante, a bancada e prateleiras estão perfeitamente organizadas. As toalhas limpas, dobradas sobre um do suporte, são todas de um tom suave de azul bebê que contrasta com as cores acinzentadas do cimento queimado das superfícies de suporte.

Hidratante labial, de mãos, rosto e corpo. Uma loção de amêndoas pós banho, que me arrisco a trazer ao nariz para sentir o cheiro suave e refrescante, imaginando-o na pele de Jimin.

Devolvo-o exatamente ao mesmo lugar, pegando o tubo seguinte dentro da cesta artesanal.

Lubrificante.

Ok...

Não é segredo algum que Jimin já meteu em uns tantos caras da Hangsang. Sei lá se já transou com mulheres também.

Sem vontade alguma de pensar muito sobre isso, eu também devolvo o frasco de lubrificante ao seu lugar, abandonando essa parte do banheiro para seguir até a área do banho. Detrás da porta de vidro, o chão se eleva em alguns centímetros. A parte frontal é a ducha; atrás, está a banheira, tudo no mesmo tom de cimento queimado das bancadas, que reluz sob a iluminação externa que invade o interior pelo basculante.

Curioso, já que nunca vi uma área de banho tão luxuosa assim nem mesmo no hotel em que trabalhei, eu empurro a porta de vidro pelo puxador de alumínio e piso no chão acinzentado ainda com resquícios de água do banho que Jimin tomou.

Tocando a borda da banheira ao lado da área da ducha, eu finalmente percebo que Jimin é ainda mais rico do que sempre achei.

Seu padastro é o que, afinal? Um criminoso muito bem sucedido?

Ainda com a curiosidade em mente, eu pego o frasco de shampoo no nicho. Quando aproximo a tampa aberta de meu nariz e sinto o cheiro de abacate e aloe vera, uma risada suave me faz perceber que não estou sozinho.

— Você não faz ideia de como meu cabelo fica macio com esse shampoo. — Jimin diz, parado, braços cruzados sobre o peito, sorriso constante. — Poderia saber, se me tocasse mais...

Pego no flagra, eu rapidamente devolvo o shampoo ao nicho e me viro para sair daqui, mas escorrego numa das pequenas poças de água e quase caio de bunda no chão, recuperando o equilíbrio no último instante.

— Jeon! — Jimin me chama num sobressalto, mas sem perder a chance de rir por me ver em uma situação tão constrangedora.

Com os pés firmes (ou nem tanto assim) outra vez, eu paro por um segundo para pensar no que faço a seguir. Honestamente, não sei o que dizer, sair calado também parece constrangedor demais. E Jimin não parece disposto a esperar que eu descubra o que fazer, então logo está caminhando em minha direção.

Eu recuo quando ele empurra a porta de vidro e se junta a mim na área do banho antes de sentar na borda larga da banheira e bater no espaço ao seu lado direito.

— Vem. Senta aqui.

Eu ainda o olho com total falta de jeito. Jimin suspira junto a uma nova risada e ergue a mão esquerda, esticando o indicador e médio enquanto o anelar e mindinho continuam segurando uma caixa de curativos contra sua palma.

— Desculpa por mexer nas suas coisas. — Ah, vai para o inferno. Não acredito que gaguejei.

Eu sento ao seu lado, antes de ouvir sua resposta: — Você já fez coisa pior.

Ah...

Bom, não é o que eu gostaria de ouvir, mas não deixa de ser verdade.

Jimin puxa minha mão mais uma vez, sempre com cuidado. Olha para ela por um tempo, antes de deslizar o olhar para mim sob os cílios curtos, talvez estranhando minha total ausência de resposta, e sua expressão suaviza assim que encontra a minha.

Ele deixa a caixa de band-aids sobre o próprio colo para deixar sua mão livre. Em seguida, eu me assusto, mas não recuo, quando sinto as pontas dos dedos curtos afastando as mechas longas de cabelo na lateral de minha testa antes de descer suavemente até toda sua palma cobrir minha bochecha enquanto seu polegar acaricia o osso sobressalente da maçã.

Eu quase não consigo respirar enquanto sinto o toque inesperado, me desespero ao sentir meus pelos arrepiados e sinto que posso desmaiar se ele continuar me tocando assim.

Percebendo ou não, Jimin ri e finaliza seu toque ao apertar minha bochecha como se eu fosse uma criança.

— Não me leve tão a sério, gracinha.  — E diz, agora usando sua mão livre para pegar um dos curativos. Antes de posicioná-lo, garante: — Foi brincadeira.

Relaxar não é exatamente o que acontece comigo. Mesmo que seu toque não tenha durado mais que cinco segundos, a sensação fantasma de sua mão em mim se prolonga pelos instantes seguintes, preservando, também, todas as minhas reações.

De tão distraído, eu sequer percebo que ele já colou o band-aid para cobrir a ferida, até que ouço sua voz mais uma vez:

— Pronto. — Ele diz, deslizando o indicador sobre as abas com cola para fixá-las bem. Sempre com tanto cuidado e carinho que eu sequer sei o que sentir. — Vai demorar um pouco para cicatrizar. As mordidas de Jungoo são coisa de louco.

Jimin para de deslizar seu dedo sobre o curativo. Insatisfeito com a possibilidade de que o próximo passo seja afastar sua mão, eu movo a minha até entrelaçar meu indicador ao seu, puxando-o suavemente para que ele entenda que não precisa se afastar.

Jimin parece um pouco surpreso. É uma das raras vezes em que sua expressão abre uma brecha para que eu veja os efeitos que tenho sobre ele. Em seguida, ele parece mostrar um sorriso afetado, mordisca o próprio lábio e desvia o olhar.

Vê-lo constrangido assim me deixa ainda mais envergonhado, então logo vem. Bochechas quentes, certamente vermelhas, e a incapacidade de ser o único a não desviar o olhar também.

— Uma pena que não exista um loop temporal que apague os efeitos em nossos corpos — Eu digo, para tentar encobrir o caos que começa a tomar conta de meu peito. — Desse machucado eu gostaria de me livrar. Da mancha na minha perna, também.

— O hematoma do acidente? — Jimin questiona, olhando para minha perna coberta pela calça completamente folgada. — Ainda dói?

— Um pouco. Menos. — Respondo, lembrando da dor inicial que senti depois do acidente que deu início a tudo isso. Aguda, intensa, chegava a latejar. Eu gostaria de tê-la evitado.

Jimin apenas assente em silêncio. Seus olhos continuam pousados em minha perna; os meus, se atentam ao band-aid. No centro, um pequeno ponto escuro começa a se formar quando o sangue volta a fugir de seu caminho natural para escapar pela ferida.

Mesmo com um novo reset, os efeitos em nossos corpos se acumulariam. A ferida continuaria aqui.

Os efeitos... se acumulam.

Meus olhos se arregalam furiosamente. Meu corpo se move em sobressalto, até que eu pare de pé diante de Jimin, já não segurando seu dedo. Ele me olha em surpresa por minha reação repentina, seus olhos fazendo o questionamento que não vem com sua voz.

— Os efeitos em nossos corpos se acumulam, Jimin.

Ele ainda não entende, o que fica claro por sua expressão.

Anda, Jimin, você é o único que sempre consegue acompanhar meu raciocínio.

— A comida. As olheiras. Os machucados. — Insisto, tentando guiar sua mente de encontro à minha. — As tatuagens. Nada foi revertido depois do reset.

Os olhos bonitos se arregalam, sua boca expressa todo o seu choque quando ele finalmente parece entender o que quero dizer.

— Não. — Ele diz, com a feição fazendo um bom trabalho em entregar toda a sua confusão. — Nada em nós foi revertido com o reset, nem nossas memórias. Nós lembraríamos de fazer as tatuagens.

Em minha mente, os pontos finalmente parecem ter se ligado.

Para que Jimin possa ver o que eu vejo, eu corro para fora do banheiro em direção à escrivaninha em seu quarto, onde reviro suas gavetas em busca de um papel. Assim que encontro um caderno, eu abro em uma folha em branco e pego a primeira caneta à vista para fazer o mesmo que Yoongi faz para guiar nosso raciocínio.

Jimin logo me alcança. Eu sabia que ele me seguiria, então não perdi tempo. Logo, estou com o esboço da minha epifania representado na folha.

— Aqui, — Eu aponto a caneta para um círculo com dois bonecos palito dentro dele. — esses somos nós agora. — Jimin assente para que eu prossiga, então aponto para um outro boneco no centro do topo da folha. — Essa aqui é Seon Yeong. — Dela, eu puxo uma reta até o primeiro círculo, depois puxo várias outras para diversos outros círculos que passo a desenhar, interligando Seon Yeong diretamente a todos os elementos circulares.

Jimin apoia as mãos sobre a superfície dura, inclinando-se para a frente ao abaixar o rosto por um instante. Ao levantá-lo, ele finalmente parece entender.

— Ela disse que nos ajudou em todas as outras vezes. — É ele quem diz, agora jogando os cabelos para trás. — Ela falou como se nós já tivéssemos passado por isso várias vezes.

— Isso! — Eu comemoro por vê-lo chegar ao ponto onde estive esperando-o, rapidamente puxando a cadeira para me sentar e poder seguir com o esquema.

— Então os outros círculos que você desenhou... eles representam todas as outras vezes em que supostamente já passamos por tudo isso?

— Sim. — Digo, agora puxando retas entre os círculos, ligando um ao outro numa sequência linear. — É como se estivéssemos saindo do macro em direção ao micro. — Assim, faço um círculo maior englobando todos os outros elementos da folha. — Supondo a teoria do multiverso que Yoongi nos mostrou, esse aqui é nosso universo. É como se, dentro dele, nós estivéssemos vivendo diversas realidades.

— Mas não de forma simultânea. — Jimin aponta para as retas, todas com setas unidirecionais. — Não faria sentido.

— Não. — Concordo, reforçando as setas que criam a ideia de fluxo entre cada um dos círculos desenhados. — Suponha que tudo começou nesse primeiro círculo, um... microuniverso dentro do nosso universo. Vamos chamar de microuniverso. De alguma forma, ele foi interrompido. Assim, gerou o segundo. O mesmo aconteceu, até chegarmos ao microuniverso em que estamos agora. Da passagem de um para o outro, nossas memórias desaparecem completamente. Isso explica Seon Yeong dizer que nos ajudou em todas as vezes, mesmo que aquele encontro com ela tenha sido a primeira vez em que a vimos. No caso, lembramos de ver.

Jimin passa a mão pela boca, analisando o meu desenho.

— Então, se eu não entendi errado... — Jimin quase resfolega. Ele parece assustado com o rumo das teorias. — Você está pensando que a passagem de um microuniverso para o outro pode ser vista como um outro tipo de loop?

— É isso! — Jesus, eu o adoro por me entender.

— Com regras diferentes. — Ele continua. — O loop de um microverso para o outro claramente apaga nossas memórias, mas mantém o efeito sobre nossos corpos?

— É a única explicação. — Eu digo. — Mas talvez não absolutamente tudo em nossos corpos. Se fosse, nós pareceríamos pelo menos um pouco mais velhos, não?

— Então por que as tatuagens ficam?

— Porque elas são eternas.

Jimin me olha como se para absorver melhor minha resposta, antes de voltar seus olhos ao meu esquema bagunçado.

— A tatuagem é feita na derme, a primeira camada da pele que não se renova. Por mais que desbote com o tempo, a tatuagem não some. Nem mesmo máquinas a laser conseguem retirar todo o pigmento e elas têm até mesmo conotação espiritual em algumas culturas. — Eu explico, para reforçar meu ponto. — Tatuagens estão ligadas à pele e à alma. Elas são eternas.

Jimin parece aceitar minha suposição. Sua cabeça vai para cima e para baixo, enquanto os olhos bonitos se contraem para que ele pense.

— Então vamos supor que existe um passado em comum entre todo microuniverso. — Passa algum tempo até que ele diga. — Um período em nossas vidas que é igual para todas essas realidades que supostamente vivemos. O que é apagado de nossas memórias é o que acontece a partir do fim desse período?

— 21 de outubro é o início. — Suponho. — Talvez o último ponto em comum entre todos os microuniversos seja o dia 20. O dia 21 deve ser o ponto a partir do qual as coisas deixam de ser constantes e se tornam variáveis de acordo com nossas ações na realidade em que estamos vivendo. Talvez a repetição do dia 21 na verdade tenha acontecido para que nós percebêssemos tudo isso. Talvez tenha sido um aviso.

— Ok. Pressupondo que o dia 20 seja o último ponto em comum. Então assim que um novo microuniverso se inicia, nossas memórias são resetadas para que nossa última lembrança seja o dia 20 de outubro. Nossos corpos também são resetados para esse mesmo ponto de partida. Mas as tatuagens, mesmo as que fizemos depois desse ponto... — Ele pondera, tomando a caneta de minha mão. Então escreve a palavra "tatuagem" sobre as setas que interligam os círculos.  — Elas estão marcadas para sempre em nós, então mesmo quando passamos de um microuniverso ao outro e tudo se reinicia... as tatuagens ficam?

Eu mexo a cabeça num movimento rápido para o lado. Ele me alcançou.

A mente de Jimin consegue ser ainda mais atraente que seu corpo.

Quer dizer, não é nisso que preciso pensar agora. De preferência, gostaria de evitar esse pensamento até o fim de minha existência nesse suposto microuniverso.

— Então nós vivemos em um universo dentro de um multiverso. Dentro desse universo, existem microuniversos que interagem entre si como loops, em sequência. E dentro do microuniverso atual, nós vivemos outra sequência de loops em relação a um dia. O dia 21. — Jimin condensa todas as nossas suposições, pausando ao fim para deslizar a língua entre o lábio e os dentes superiores. Aí, diz: — Simples.

— Parece loucura, mas isso explica por que Seon Yeong agiu como se já tivéssemos passado por isso várias vezes. Explica também por que minha tatuagem é igual à que Junghee desenhou. Talvez, em algum dos outros microuniversos, ele tenha feito esse mesmo desenho, e eu tatuei. — Dou voz às suposições subsequentes, nervosamente coçando minha nuca. — Mas não explica por que todos esses loops, maiores e menores, estão acontecendo.

— Nem quantas vezes já aconteceram. — Ele suspira, deixando a caneta sobre a escrivaninha ao se erguer para passar as mãos pelo rosto num gesto cansado.

Eu olho para a caneta. Olho para o esboço. Deixo as memórias voltarem. Retomo a lembrança da voz que não é voz, sem som, repetindo o mesmo número para mim.

— Noventa e nove. — Digo em voz alta.

Jimin para e vira. Logo seus olhos estão em mim, mais uma vez confusos, e eu uso a caneta para escrever o número no canto, dentro da representação do universo em que existimos.

— Não... — Corrijo ao repensar no número e na sua ligação com tudo isso. Logo, fecho o último nove para que ele se transforme num oito. — Essa deve ser a nonagésima nona vez. Então já passamos por isso noventa e oito vezes.

— Noventa e oito. — Ele repete, até parecendo perder a força. Sua risada vem cheia de um sentimento ruim enquanto ele usa as mãos para pressionar seus olhos fechados. — Então é assim que vamos viver? Com loops e glitches e resets? Para sempre?

Eu nego, com outra lembrança ainda não revelada, da qual Jimin parece ter esquecido. E eu não sei se ela me acalma ou me desespera.

— Quando nós encontramos Seon Yeong, ela nos disse. — Finalmente, digo em voz alta.

— O que ela disse?

— Que essa é a penúltima chance. Chance. Isso quer dizer que nós temos um objetivo, Jimin. E se estamos aqui, agora... quer dizer que nós falhamos noventa e oito vezes.

— Então cem. — Ele anuncia. — Nós temos cem chances.

— Cem chances... — Repito, em confusão. — e sequer sabemos para quê.

Jimin é nosso destino. Cumpra nossa promessa. O tempo está acabando.

Eu lembro de cada aviso que ouvi, como se fossem alucinações. Mas eu ainda não entendo. Eu não sei o que devemos fazer.

— Isso é loucura. — Ele diz, erguendo as mãos como quem se rende enquanto caminha até a cama.

— É o que estou dizendo há muito tempo. — Confesso, arrastando a cadeira para ficar de pé. Antes de caminhar até ele, eu arranco a folha do caderno e dobro para guardar no bolso.

Quando paro em frente a Jimin, eu o vejo se recostar à cabeceira da cama. Ele ainda está sem sua blusa, assim como estou sem a minha.

Inseguranças com meu corpo nunca foram grandes problemas para mim, mas também nunca me senti confortável em me expor dessa forma. Mas, nesse exato momento, eu não consigo me atentar ao breve desconforto, não quando existe muito mais em minha mente.

Levado pelo turbilhão, meus olhos passeiam pelo abdômen, peito e braços nus de Jimin, com a pele coberta por nada além de tinta preta. Sem perceber, perco tempo demais assim, apenas observando-o.

Ele suspira.

— Não me olhe assim se não vai tentar nada comigo, Jeon.

Eu ergo meus olhos até encontrar os seus, percebendo que ele me interpretou errado.

Não que seu corpo não seja atraente. É. Confesso, sem mais relutância, já que sequer tenho espaço dentro de mim para alimentar a resistência. Jimin é lindo. Sua genialidade é linda. Suas tatuagens são lindas.

Mas não foi isso que me motivou a observá-lo por tantos instantes, agora. Dessa forma, sequer me sinto envergonhado por sua colocação verbal. Tenho outros pensamentos e sentimentos suprimindo a vergonha, nesse momento.

— Nós não sabemos se a sua tatuagem da equação e a minha da serpente são as únicas que supostamente vieram dos outros microuniversos. — Finalmente, revelo o que está em minha mente.

Jimin aperta os olhos. Sorri, com um toque de humor ácido. — E eu achei que você estava me admirando...

— Não dessa vez. — Confesso rápido demais.

Ah... aqui está. A vergonha encontrou seu espaço, sem ser amenizada pela forma como Jimin sorri ao perceber que eu falei sem pensar, o que deixa tudo ainda mais divertido para ele.

— Tudo bem... — Ele diz, depois de deslizar a língua pelo lábio para tentar suprimir o sorriso vitorioso. — Então vamos tentar encontrar novas tatuagens. Se existirem outras, talvez elas nos ajudem a entender melhor tudo que está acontecendo.

Eu murmuro algo em concordância, rapidamente pegando meu celular mais uma vez enquanto agradeço por ele não ter dado tanta atenção à minha confissão desajeitada. Antes de abrir o aplicativo da câmera, no entanto, vejo que a tela de notificações está cheia de novas mensagens.

Você não achou Jimin hyung ainda?? Taehyung também está preocupado (É Junghee) (10:12)

Eu só queria ser um bom hyung, mas sei que estraguei tudo ontem. Eu desconfiei de você e agora é você quem não confia em mim. Me perdoa por ter te acusado? E me dê notícias de Jimin, se tiver. Estou preocupado com ele. De novo, me desculpa. Eu vou ser um hyung melhor. Prometo! (10:20)

Tudo bem, filhote de brutamontes? Ainda não tive notícias de Jimin. Não suma também, um só dando preocupação já é suficiente. (10:31)

— Espera um pouco. — Eu peço para Jimin, tomando um minuto para responder as mensagens em ordem de recebimento.

Eu já disse que sei que é você, moleque. Pare de se identificar. E pare de se preocupar também, você e o moleque-ssi. Já estou com Jimin. (10:34)

Viu. Eu já disse que não me importo, pare com essa besteira de querer ser um bom hyung. Estou com Jimin, ele está melhor. Descobrimos algo novo e precisamos falar com você e com o piromaníaco. (10:35)

Você é insuportável. Estou bem e estou com Jimin. Precisamos falar com você. O universo está mais quebrado do que parece. Foda. (10:35)

— Como você é popular. — Jimin diz, ao que finalmente envio todas as mensagens.

— Todas as mensagens eram de pessoas preocupadas com você. — Confesso, finalmente habilitando o aplicativo da câmera.

— Sério? — Ele pergunta, até um pouco desajeitado. Surpreso.

— Você ignorou todas as nossas mensagens e chamadas, mas pela quantidade delas que recebeu, já deveria imaginar que ficamos todos desesperados com seu sumiço. — Digo, agora subindo na cama. Me ajoelho em sua frente.

— Eu... — Jimin começa, nessas raras vezes em que parece incapaz de vestir sua máscara de confiança. — Desculpa.

— Você tinha o direito de ficar sozinho. — Dou de ombros, para parecer menos sério.

Seu sorriso é estranho. Não é puramente de agradecimento, sequer de alívio. Parece um tanto mais com culpa.

— Eu não estava... — Jimin para, desistindo no meio do caminho. Acaba negando, antes de dizer: — Deixa para lá.

— Não tem que me explicar nada, não. — Garanto, mesmo sentindo a suspeita crescer com sua hesitação anterior.

— Sim... vamos logo com isso. — Ele pede, estendendo a mão para mim. — Primeiro as suas tatuagens.

Eu tinha pensado no contrário, mas não vejo motivo para esboçar preferências. Assim, logo passo o celular para ele, que aponta a câmera em minha direção, mas me olha por cima do aparelho com o fundo todo arranhado.

— Já checamos as das costas. Onde checamos agora? — Ele pergunta, com apenas os olhos felinos visíveis para mim enquanto o celular cobre seu nariz e boca.

Depois de tomar algum tempo para pensar, eu viro de costas para ele mais uma vez, afastando meus braços do corpo apenas por alguns centímetros. — Essa parte de trás dos braços. Depois, as costelas.

Jimin não diz qualquer coisa, mas sei que ele atende meu pedido quando sinto o peso sobre o colchão enquanto ele se movimenta para posicionar bem a câmera. Quando acaba, ele passa o celular para mim. Eu continuo de costas para ele, ampliando a primeira foto do braço para poder ver melhor. Atrás de mim, Jimin continua calado, parado, mas perto.

Sua respiração baixa não me desconcentra, nem mesmo a sensação de seus olhos em minhas costas nuas enquanto avalio as marcas de tinta em meu braço esquerdo, procurando alguma da qual não tenho recordações. Nada.

Com os dedos em pinça, eu volto a imagem ao tamanho normal antes de passar para a seguinte.

Ainda concentrado... até sentir.

Os dedos de Jimin pousam em minha pele, no lugar onde agora sei que está a serpente tatuada. Ele parece contorná-la, seguindo as ondulações suaves do corpo até chegar ao fim.

As digitais então seguem caminho por minhas costas. Hesitam, param, voltam.

Meus olhos não mais se atentam à fotografia, não com as pálpebras que se fecham contra meu comando racional. E à medida que Jimin explora minha pele e o mapa desconexo de tatuagens sobre ela, eu pareço mais rendido às reações. A respiração pesa. Minha mão pouco a pouco abaixa, até que o celular esteja praticamente apoiado sobre o colchão. Quando chega à lateral de meu corpo, a mão de Jimin se aloja em minha cintura; seu polegar, acaricia um ponto acima.

— O que é? —  De repente, eu ouço sua voz. Ela vem baixa, suavemente afetada, quase ansiosa.

Me leva um esforço inacreditável para abrir os olhos e poder ver o que seu polegar continua acariciando. Não é fácil identificar todas as tatuagens nesse ponto de meu corpo, mas basta um pequeno vislumbre do fim dos números romanos já cicatrizados para reconhecer. Ainda assim, me leva mais tempo para conseguir articular minha resposta:

— É a data de nascimento de Junghee. Foi minha primeira tatuagem.

Jimin fica calado por um tempo. Alguns segundos bastam para que eu junte coragem para olhá-lo por cima do ombro e encontrar um sorriso sincero, pequeno, em seu rosto.

— Isso é adorável, Jeon. — Ele finalmente diz. — Você realmente o ama, não é?

— Ele é meu irmão — Digo quase em tom de obviedade, mas tão nervoso que a voz sai baixa demais.

Jimin sorri mais uma vez. — Gostaria de conhecer essa sensação, mas sou filho único. De qualquer forma... o aniversário dele está chegando. É em novembro, não é?

— Isso. Vai fazer dezesseis anos — Revelo, engasgando no meio do anúncio ao sentir a mão de Jimin voltar a se mover, até pousar em um ponto aleatório de meu abdômen.

— Vamos fazer uma festa para ele — Diz, antes de deslizar seus dedos sobre o pedaço de pele onde repousam. Aí, seu tom muda: — E aqui? O que está tatuado aqui?

Minha barriga é o lugar com menos tatuagens, em comparação aos braços e costas. Por isso, a mão de Jimin está majoritariamente em um pedaço de pele ainda sem qualquer marca, mas as pontas de seus dedos alcançam o pedaço de uma das tatuagens antigas.

Eu fujo de seus olhos intensos e volto a olhar para a frente, para baixo, sentindo meu peito subir e descer devagar quando encontro coragem para segurar sua mão e movê-la um pouco mais para a lateral, até que sua palma pequena e quente cubra as flechas cruzadas, com uma letra em cada um dos quatro espaços criados pela interseção.

— São as iniciais dos nomes de cada um da minha família — Digo, sabendo de cor a ordem. D, G, J, J.

— Deixe eu corrigir o que disse antes... — Jimin diz, acariciando a tatuagem agora identificada, ainda sem vê-la. — Você ama sua família inteira. Isso é ainda mais bonito.

— É. — É tudo que sou capaz de dizer. Ainda é um assunto delicado e doloroso, porque foi por amá-la tanto, demais, que a morte de meu pai levou junto parte de minha vida também.

— Eu certamente vou citar isso como um dos motivos que me fazem gostar tanto de você. Mas você não está me dando muitos motivos para te ofender, então estou guardando todos os motivos bons em segredo. Eu já disse que não vou perder minha diversão — Eu quase sinto seu sorriso, mesmo sem vê-lo.

Sua mão permanece no mesmo lugar, sobre a tatuagem. A outra pousa na altura de minhas costelas, do outro lado. Jimin segue:

— E aqui? O que você tatuou aqui?

Eu movo meus olhos, já imerso em seu jogo.

— Uma integral.

Jimin se move, curioso o suficiente para pousar os olhos sobre a integral montada em minha pele. Pouco tempo se passa até que ele encontre a resposta, e diz em voz alta: — A solução é uma constante.

— Para lembrar que a matemática é a única constante na minha vida. — Confesso, já sem me surpreender ao perceber a facilidade com a qual o faço com ele.

— Um pouco pessimista. Vamos conversar mais sobre isso, depois... — Ele diz, cuidadoso. Acaricia minha pele, talvez num gesto de consolo e reconforto, enquanto desliza sua palma até um novo ponto em minha barriga.

Sua mão direita está pousada sobre a tatuagem no lado esquerdo. Agora, sua mão esquerda está pousada sobre um espaço em branco no lado direito de meu corpo. Eu percebo que ele se move um pouco mais. Seu peito nu toca minhas costas também expostas. Pele com pele, suas tatuagens encontrando as minhas, seu queixo suavemente se apoiando em meu ombro.

Sua respiração está próxima demais. Seus braços estão me envolvendo completamente.

Jimin está me abraçando.

E eu não quero impedi-lo de continuar assim.

— E aqui... alguma tatuagem? — Pergunta, enfim, com seus dedos acariciando a pele em seu estado mais natural.

— Ainda não... — Honestamente, eu não consigo me importar tanto por minha voz perder completamente a potência.

Antes que Jimin diga mais algo, um som um pouco distante me faz sobressaltar dentro de seu abraço sorrateiro.

— Calma, gracinha... foi só a campainha. — Ele diz, deslizando o queixo sobre meu ombro quando vira sua cabeça em direção à minha.

Sua respiração ricocheteia em meu pescoço quando a ponta de seu nariz toca minha pele, e não demora para que seu efeito intensifique o que já estou sentindo desde que ele deu início aos toques.

— Sobre a tatuagem... — Mais uma vez, ele move seus dedos sobre a lateral de minha barriga. — Posso te ajudar a escolher o que tatuar aqui?

— Não sei... agora que eu sei que as tatuagens resistem até aos colapsos dos universos, acho que vou precisar escolher cada uma com mais cuidado...

Jimin ri suavemente. O som parece uma armadilha, suave demais, atraente demais, tão diferente do suspiro desajeitado que não consigo refrear quando ele me abraça com um pouco mais de força, seu peito se pressiona completamente contra minhas costas e ele desliza seu nariz por meu pescoço, em direção ao meu ombro.

Meus olhos voltam a se fechar, meu corpo inteiro parece ficar dormente, sensível apenas em cada pequeno pedaço de pele que o corpo de Jimin me toca.

O desespero interno ganha força, silenciosamente, quando percebo o quanto seus toques estão me afetando. No entanto, tudo se dissipa quando o toque da ponta do nariz de Jimin é substituído por seus lábios deslizando sobre a pele de meu ombro.

Um beijo vem, demorado. Lábios em pele, seu coração disparando contra minhas costas, meu coração disparando contra meu peito.

É involuntário, então. Eu levo minha mão ao braço de Jimin, segurando-o, buscando mais uma migalha de toque. Seu abraço ganha um pouco mais de força.

— Meu deus, Jungkook... — Jimin diz, afetado como nunca o ouvi antes. Ele chega a ofegar, com o nariz novamente deslizando sobre a pele de meu pescoço. Aqui, ele sussurra: — Eu te quero tanto que dói...

Está tudo descompensado, está tudo puro caos. Dentro de mim, no universo inteiro.

Mas agora, aqui, enquanto ele me toca desse jeito, enquanto meu corpo reage assim... eu acho que o desejo também.

Talvez eu queira dizer isso em voz alta. Eu quero. Me preparo para dizer... mas sou interrompido.

Alguém bate na porta de seu quarto.

— Posso entrar? — O recém chegado pergunta, do outro lado. — É Jinhei!

Basta isso para que tudo se dissipe.

Basta a sequência dupla de batidas e o anúncio verbal para que meu corpo seja ejetado do espaço só nosso que Jimin tão traiçoeiramente criou.

Assim como eu, ele parece negativamente afetado pela nova presença. É o que a rigidez de seu corpo contra o meu me faz pensar, mas até isso deixo de sentir quando ele recua, se afasta, dando fim definitivo ao que quer que tenha sido esse último momento.

Sem esperar ouvir sua voz, eu pego minha blusa abandonada sobre o colchão. Começo a vestí-la, ao que Jimin finalmente dá resposta ao pedido de seu caso amoroso: — Pode entrar.

Não demora para que a porta se abra. Jinhei entra com uma mochila nas costas e uma sacola de loja nas mãos. Ao me ver, passa também a carregar uma expressão de surpresa e estranhamento.

— E aí. — Ele diz, talvez só para Jimin, talvez para nós dois. Caminha em nossa direção, recebendo apenas um murmúrio e um aceno desagradado em resposta. Jungoo olha para ele por um instante, antes de perder o interesse e começar a se banhar com as patas.

— Você avisou que vinha? — Jimin questiona quando Jinhei finalmente se aproxima de vez da cama. — Eu não estava prestando atenção no celular.

— Mandei uma mensagem. — O babaca responde, estendendo a sacola para Jimin. — Vim trazer as roupas que você deixou em minha casa ontem.

Demora algum tempo até que eu consiga processar a informação escondida por trás do anúncio de Jinhei.

Jimin estava na casa dele.

Enquanto ligávamos e mandávamos mensagens desesperadas e posteriormente ignoradas, enquanto eu me perguntava onde ele podia estar, qual lugar seria seu esconderijo em uma situação como aquela... ele estava com Jinhei.

Não é raiva o que eu sinto, ao perceber. Não, é claro que sequer tenho o direito de acusá-lo por não me escolher para estar ao seu lado. Mas eu sinto algo. E não é algo bom.

Parece... inveja? Eu estou com inveja de Jinhei por ele ter a confiança de Jimin, enquanto eu não tenho?

— Desculpa te dar esse trabalho. — Jimin diz, enquanto eu me movo pela cama até me afastar o suficiente para criar distância entre nós dois. — Eu ia voltar para pegar. Mas obrigado.

— Não foi nada. — Jinhei faz pouco caso, pousando o peso de seus olhos em mim. Peso que sinto, mesmo sem olhar para ele. — Mas achei que você estaria sozinho.

— Não estou. — É o que Jimin se limita a responder.

— É, eu estou percebendo... — Meu veterano quase sibila, ainda me olhando por alguns instantes antes de olhar para Jimin. Não é uma ação racional, mas acabo fixando meu olhar nos dois quando percebo que Jinhei se inclina sobre a cama, apoiando as mãos sobre o colchão quando aproxima sua boca da boca de Jimin. — Você não quer que ele vá embora? Eu fico no lugar dele.

Jimin sorri com impaciência, empurrando-o pelo peito. Quando percebe seu pulso e suas cicatrizes expostas, ele rapidamente puxa a mão de volta para perto de seu corpo.

Assim, não deixo de me perguntar: se Jimin tem tanta intimidade com Jinhei a ponto de procurá-lo quando afasta todos os outros, por que ele parece ter medo de deixar que essa mesma pessoa veja suas cicatrizes?

— Eu prefiro que Jungkook fique mais um pouco comigo. — Ele enfim diz, com cuidado para não ser grosseiro, mas ainda firme o suficiente para que seja levado a sério. — De novo, obrigado por trazer as roupas.

Jinhei tomba a cabeça para o lado num gesto de frustração, ainda que exiba um sorriso quase ácido. — Agora que você encontrou um brinquedinho novo, eu perdi a graça, não foi? E eu que nunca te deixei de lado, mesmo tendo os outros...

— Não começa. — Jimin resmunga, embora seu revirar de olhos tenha um toque de humor. — Anda. Depois a gente se fala.

Jinhei exibe uma expressão de mágoa, mas percebo que é apenas fingimento quando ele finaliza com uma risada e uma piscadela indiscreta, já recuando alguns passos.

— Até depois, então — E é a última coisa que diz antes de girar sobre os próprios pés e caminhar despreocupadamente até a porta, fechando-a ao passar por ela.

Com sua saída, somos novamente Jimin e eu. E sua coelha.

Jimin deixa a sacola com suas roupas de lado; eu pego meu celular mais uma vez, ainda no canto da cama, de costas para ele. O objetivo é analisar a última foto em busca de novas tatuagens desconhecidas, porque é isso que realmente importa. Eu tenho em mente que não devo deixar minha atenção ser drenada mais uma vez, mas a irritação cresce quando percebo que sou sabotado por minha própria voz, quando pergunto:

— Então era com ele que você estava ontem? — O tom enviesado parece óbvio demais. Talvez seja paranóia minha, mas concluo, para amenizar a sensação provocada por meu questionamento: — Que bom. Eu achei que você estava na rua, no frio.

— Ele mora perto do boliche. Acabei indo para lá, depois de algum tempo...

— Ah, sim.

Eu fecho os olhos e suspiro, sem acreditar no que estou sentindo. Ainda assim, sinto. Ainda assim, incomoda.

Não é um sentimento tão recorrente em minha vida, então eu não o que fazer para amenizá-lo. E sem saber amenizá-lo, eu corro o risco de deixar Jimin perceber, coisa que quero evitar a todo custo porque, um, não quero que ele se sinta culpado por conta dos meus sentimentos; dois, porque sequer desejo que ele perceba que sentimentos são esses.

No fim, encontro apenas uma solução imediata. Então bloqueio a tela do celular, sem ficar de pé para anunciar: — Eu acho que já vou.

— Agora?

— Podemos procurar as tatuagens depois. Acabei ficando com dor de cabeça. É melhor descansar um pouco.

— Você está em uma cama, Jungkook... Pode descansar aqui.

Seu tom finalmente veio carregado de desconfiança. Esperto como é, claro que eu não conseguiria esconder meu incômodo, que guia minha vontade de sair daqui. Não suficiente, eu fico sem resposta. O silêncio me denuncia. Diante disso, Jimin parece enxergar duas possibilidades.

— Você vai fugir porque eu te abracei? — Ele pergunta, enfim. — Ou é por causa de Jinhei?

— Eu não me incomodei com seu abraço.

A resposta está dada, coisa da qual me apercebo somente quando ouço minhas próprias palavras. Eu me entreguei completamente.

— Jeon... — Ele chama, cuidadoso.

Eu coço minha nuca nesse maldito gesto que me persegue toda vez que me sinto nervoso. Em seguida, a agonia me força a ficar de pé. Por último, o olhar de Jimin me sufoca:

— Você está com ciúmes? — Como se não fosse óbvio o bastante, ele pergunta.

— Não é isso.

Bom, não é isso.

— Então o que foi? — Insiste.

Eu hesito desastrosamente, tentando escolher as melhores palavras possíveis para que minha confissão não pareça a de uma criança birrenta. Ironicamente, é assim que me sinto.

— Jungkook, você sabe que a única pessoa de quem eu gosto.

— Eu disse que não é isso! — Eu fico de pé, cheio de agonia, acuado pela forma como sinto que Jimin pode enxergar tudo que sinto por trás da negação. — Você é presunçoso demais por achar que eu me importo tanto assim com seus sentimentos.

Só então eu percebo que não sou tão melhor que o Jungkook que fui durante os últimos anos. Eu não sou diferente, porque logo sinto. O desconforto por Jimin ter os sentidos tão aguçados me deixa nervoso. A confusão por estar tão incomodado por sua proximidade com Jinhei me deixa assustado. E juntos, o nervosismo e o medo me fazem sentir raiva.

Ali na cama, a expressão de Jimin endurece completamente. Eu não lembro de já ter sido olhado assim por ele, nem quando eu era tão cruel e o odiava tanto.

— Se você não se importa com o que eu sinto, por que você veio até aqui? Por que você disse que veio ver se eu estava bem, que estava preocupado?!

É assim que finalmente revisito minha última declaração, entendendo por que foi interpretada assim por ele. Mas não foi isso que eu quis dizer.

— Eu quis dizer que não me importo tanto se você gosta de mim ou não. Só isso. — Corrijo, agora irritado comigo mesmo por ter escolhido tão mal as minhas palavras, percebendo que até mesmo minha correção soa mentirosa e agressiva

Se eu não me importasse, não estaria me sentindo assim... não é?

Sem confiança alguma de que vou ter a capacidade de me expressar melhor daqui para a frente, eu me abaixo para pegar minha mochila, antes de anunciar: — Não é mais como antes, Jimin. Eu não quero mais discutir com você, então é melhor eu ir agora.

Ele ri, atrás de mim. É claro que ele ri, cheio de acidez.

— É cansativo ser o único com coragem o suficiente para ser sincero. — Ele diz, em minhas costas. — Mas é claro que para você é muito mais fácil fugir, não é?

Vai embora, Jungkook. Vai embora. Vai embora. Cale a sua boca.

É isso que meu lado mais racional me implora para fazer. O outro, majoritário, me faz virar imediatamente até encará-lo novamente. Eu devolvo a mochila à cama num gesto um pouco brusco, certo de que não consigo esconder o quanto sua declaração soa absurda para mim.

Você é sincero? — Pergunto, ainda torcendo para conseguir ficar calado. Mas não consigo. — Você não é sincero sobre nada! Não venha me dizer que sou eu que fujo, quando é você que se esquiva o tempo todo sobre qualquer coisa que não sejam seus sentimentos por mim. E não venha me dizer que é sincero, se você diz que gosta de mim, mas pouco se importa comigo quando eu entro em desespero por sua causa!

Diante de minha confissão repentina e ressentida, Jimin se cala como poucas vezes aconteceu. Sempre sou eu quem fico sem palavras, eu que engasgo nas sílabas que tento verbalizar. Agora, ele é quem não parece saber o que dizer.

Apesar da mágoa, no entanto, eu tenho a decência de controlar meu tom de voz e ainda consigo enxergar que isso não é só sobre mim.

Por isso, em meio ao seu silêncio, finalizo: — Você não tem obrigação nenhuma de compartilhar absolutamente nada comigo, Jimin. Você não tinha a obrigação de se preocupar em responder minhas mensagens para dizer que estava pelo menos num lugar seguro... mas ainda me chateia e é difícil ficar calado depois de ouvir você me dizer algo como o que acabou de falar para mim.

Sua expressão continua carregada, sua fala continua em pausa indefinida. Tudo que Jimin faz é massagear suas pálpebras fechadas antes de descer as mãos pelas bochechas num gesto frustrado. Só então, ele finalmente diz algo:

— Eu estava com vergonha, Jeon.

Eu quero questionar, pedir que ele seja mais claro, mas sua expressão arrependida me faz esperar, me faz recuar e ter um pouco mais de paciência para que ele decida o próprio ritmo.

Suas mãos buscam sua blusa, virando-a para tirá-la do avesso; seus olhos buscam qualquer ponto que não sejam os meus; sua fala, encontra o caminho para fora.

— Você acha que eu fui até Jinhei porque confio nele? — Questiona, sem sorrisos. Sem sorrisos sinceros, sem sorrisos ácidos, sem sorrisos confiantes. É Jimin em sua feição mais crua, enquanto confessa: — Eu não confio nele. Mas eu também não me importo com o que ele pensa de mim. Eu não me importo com o que ele pensou quando me viu chorando e tremendo daquele jeito. Mas com o que você pensa eu me importo, Jungkook. Eu não queria que você me visse fugir daquele jeito, menos ainda que você me visse como fiquei depois, porque não foi aquele Jimin quebrado e assustado que você deixou se aproximar de você. Então eu fiquei com vergonha e fiquei com medo de você mudar comigo... ok? E é ridículo e covarde, eu sei, mas a pessoa confiante que você acha que eu sou é só uma parte de mim. Aquilo não é o todo e eu não sabia como você reagiria ao resto.

Ele umedece os lábios, tão nervoso. As mãos se atrapalham quando ele começa a vestir sua blusa, mas seus olhos finalmente voltam a encontrar os meus para que eu tenha o vislumbre completo do Jimin mais sincero que já conheci.

— Então... é, talvez eu não confiasse em você. — Ele continua, com toda a sinceridade estampada em cada milímetro de sua expressão. — Eu não confiava que você poderia me aceitar depois de me conhecer melhor. Mas isso mudou depois de hoje, Jungkook. Você não sabe a diferença enorme que fez você ter vindo até aqui, ter ficado e ter sido tão compreensivo e cuidadoso quando me pediu para falar sobre minhas cicatrizes. Você me deu a prova que eu sequer por um momento pensei em cobrar, mas esperava mesmo assim.

Uma pausa vem. Jimin lentamente fica de pé, ajeitando as mangas longas de sua camisa no que mais parece um meio de manter suas mãos ocupadas. Ao fim, ele encerra sua confissão:

— Você provou o que mais ninguém provou antes. Mas mesmo que isso me faça estar ainda mais apaixonado por você e me faça confiar em você... eu ainda não estou pronto para revelar tudo...

— Tudo bem. — Eu sou rápido em dizer. Dessa vez, não por obrigação. Eu digo porque está, sim, tudo bem. Agora, está.

Ele balança a cabeça em concordância, ainda de pé. Um sorriso pequeno volta a aparecer, ainda nervoso, e ele diz:

— Se você ainda quiser ir embora...

Eu volto a pegar minha mochila. Mas não para colocá-la nas costas. Tudo que faço é afastá-la para o lado, para então sentar sobre o colchão, onde ela estava.

Eu apoio minhas mãos uma de cada lado de meu corpo, sentindo a colcha macia acariciar minha palma. Aqui, de costas para ele, eu olho para trás por cima do ombro antes de dizer o que já está óbvio: — Eu vou ficar.

O sorriso de Jimin ganha intensidade e sinceridade. Os olhos se fecham completamente e me desespera perceber que essa talvez seja a visão mais bonita que já tive.

A visão de Jimin fechando os olhos para mim, não porque não quer me ver, me enxergar ou me entender, mas porque não consegue conter um sorriso provocado por mim... é. É bonito demais.

Quando ele começa a caminhar em minha direção, é claro que meu coração dispara. Quando ele senta ao meu lado, é claro que consigo olhá-lo por apenas alguns instantes antes de desviar meus olhos na direção de Jungoo. Quando ele apoia as mãos como eu, cada uma do lado de seu quadril, na ponta da cama, e seu mindinho encosta no meu, é claro que eu desejo que ele entrelace nossos dedos.

Mas ele não entrelaça.

Ainda com um sorriso agora miúdo no rosto, ele vira para me olhar. E diz:

— Não acredito que nós tivemos nossa primeira discussão de relacionamento antes do beijo.

Cristo redentor, pai eterno, deus do céu.

Eu achei que escaparia de novas investidas pelo resto do dia, mas aqui está mais uma de suas tentativas bem sucedidas de me desconcertar completamente.

— Aliás... quando você pretende me beijar? — Ele pergunta, com os olhos intensos me perfurando a alma. — Normalmente eu gosto de dar o primeiro passo, mas a ideia de você relutando até não conseguir mais resistir à vontade e finalmente me dar um beijo... isso me deixa louco.

Desajeitado, eu peço, talvez implore: — Pare com isso. Como você consegue? — Então, jogo a carta mais poderosa que tenho: — Nós estamos vivendo no puro caos e você ainda encontra espaço para essas coisas?

Jimin gargalha, antes de devolver: — Nós estamos vivendo no puro caos e você ainda encontra espaço para sentir ciúmes por causa de Jinhei?

Meus lábios se abrem violentamente. Eu gaguejo. E estou vermelho, não estou? Como um tomate do inferno.

Jimin ri novamente, porque é claro que ele ainda se diverte com minhas reações.

Em seguida, sua mão finalmente se move. Ela cobre a minha, segurando-a sem entrelaçar nossos dedos. Em seguida, ele me puxa suavemente até elevar o dorso de minha mão à altura de seu rosto. Um beijo suave vem em seguida, o que me faz prender toda minha atenção ao toque entre seus lábios e a pele sensível de meus dedos.

Só então, ele me tira de vez toda a capacidade de responder à altura:

— Isso é o quão apaixonado eu sou, Jungkook... Quando estou com você, eu esqueço até que o universo está colapsando.

Continua no próximo capítulo.

Oi, nenês lindos! Acabei decidindo postar o capítulo um pouquinho antes porque... por que não?!

Aliás, tudo bem com vocês depois desse capítulo? Foi informação demais? Eu deveria ter dividido em duas partes?

Apesar de não ser tão grande, eu sinto que acaba parecendo maior pela quantidade de informações "complexas" que essa atualização trouxe, além dos momentos de jikook. O que vocês acham? Me deem esse feedback, porque aí eu posso mudar nos próximos capítulos, dividir melhor ou algo assim, ok?

Mas vamos lá! Eu sei que foi complicado, esse momento de descoberta dos jikook em relação aos microuniversos e essa loucura toda. Eu revisei varias vezes, tentando deixar da forma mais clara pra vocês. Espero que tenha funcionado! mas caso alguém ainda esteja muito confuso, mais para a frente esse assunto vai ser retomado com mais informações que talvez esclareça melhor.

E trago aqui o que foi postado como spoiler no @beejungkook lá no twitter: uma réplica do esboço que eles fizeram nesse capítulo (com pequenas alterações)

Pra quem já tinha visto antes: agora deu pra entender melhor o desenho??

E olha... essa ultima discussãozinha dos jikook não era pra acontecer. Era pra ser uma conversa bem na paz, mas eu já disse por aí que meus personagens têm vontades próprias, né? É... Jungkook me disse "calma é o cacete" e o Jimin foi atrás, aí tivemos esse desentendimento, mas tudo rapidamente resolvido! Podemos respirar aliviades hehe

E por hoje é só, nenês! Nos vemos na proxima att ou na #belindaepandora! Como sempre, último espaço reservado para teorias! Se cuidem, beijinhos 💜

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