Cap 10: A toca dos lobos

Uma vila escondida no interior de uma caverna, mergulhada em trevas onde a luz do sol jamais alcança. Não há brisa para acariciar o rosto de seus habitantes, nem paisagens para contemplar. No lugar, reina uma natureza morta: galhos secos sem vida, jardins desolados onde nenhuma flor ousa desabrochar.

Havia, porém, uma casa afastada das demais. Seu interior refletia a solidão de seu morador: poucos cômodos, todos praticamente vazios, como salas abandonadas.

No terceiro andar, uma sala singular abrigava apenas uma cadeira que lembrava um trono. Ali, sentado com um ar pensativo, estava Maltor. Com uma das mãos, ele segurava os cabelos ruivos, enquanto a outra fazia girar duas pequenas esferas em sentido anti-horário.

De uma janela de vidro vermelho, Maltor observava os Lambiues. Via-os rindo e brincando, alguns treinando diligentemente para atender às exigências que ele mesmo lhes impusera, preparando-se para o confronto iminente contra os Celestias.

"É isso que chamam de vida? Viver isolados, incapaz de proporcionar algo melhor para os meus Lambiues?", pensava Maltor, fitando o horizonte perdido em pensamentos.

De repente, uma memória começou a invadir sua mente. Ele via flashes de um homem de pele clara, trajando uma armadura negra. Seus cabelos e barba de um tom vinho destacavam-se, e suas expressões oscilavam entre serenidade e severidade enquanto encarava Maltor.

Acompanhado pela lembrança daquele homem, Maltor via um menino com traços idênticos aos seus correndo junto de outras crianças em uma vila. O garoto exibia um sorriso puro de diversão, enquanto o vento balançava seus cabelos rebeldes e desalinhados da cor preta.

A visão foi abruptamente interrompida pelo som de batidas na porta.

— Pode entrar, está aberta — disse Maltor, deixando as duas esferas que girava sobre a mesa de cabeceira ao lado.

A porta se abriu, revelando um homem encapuzado. Ele entrou com passos firmes, o som metálico de suas botas ecoando pelo ambiente vazio.

— Em que posso te ajudar, Cheker? — perguntou Maltor, reconhecendo o visitante.

— Nada urgente. Vim informar que transferimos todos os Lambiues para cá. Ambos os grupos estão seguros, mas tivemos quatro baixas — respondeu Cheker com naturalidade.

— O quê? — Maltor levantou-se de repente, seu olhar inflamado de raiva. — Fomos descobertos por algum Celestia?

— Não. Eu ordenei que capturassem meu "irmão" para entregá-lo a Escarlet. Não pude arriscar um confronto direto, pois isso pode expor minha identidade. Mesmo que já tenha libertado vocês, é essencial manter a confiança dos Celestias por enquanto — explicou Cheker.

— Encontrei com ele antes, mas não o capturei. Ele era inexperiente, sem utilidade para Escarlet naquele momento — rebateu Maltor.

— Mesmo assim, Escarlet poderia liberar algum poder oculto nele. Você perdeu uma oportunidade preciosa — insistiu Cheker.

— O garoto não era forte. Deixem ele treinar, caso contrário, se não tiver nada de especial, não vão perder tempo atoa — concluiu Maltor, cruzando os braços.

— Você quem manda chefe — disse Cheker, encolhendo os ombros. — Ah, Krun se ausentará por uns dias. Foi verificar quais filhos que sobreviveram.

O semblante de Maltor iluminou-se.

— Espero que a maioria tenha sobrevivido ao teste insano de Krun. Confesso que estou com saudades deles — admitiu.

— Sabia que um dos Celestias é filho dele? — Cheker lançou, com um tom provocador.

— O quê? — Maltor arregalou os olhos, surpreso. — Krun teve um filho com uma humana? Quem é?

— Zenon é o nome dele. É reservado, quase sempre isolado, me lembra um pouco você. Foi criado pelo celestia supremo Koguita. Não tenho certeza absoluta, mas a semelhança física é inegável, e até a frequência cardíaca dele coincide com a de um Lambiue.

— Frequência cardíaca? — perguntou Maltor, intrigado.

— Você acha que passei milênios vagando pela terra sem aprender nada? Desenvolvi a habilidade de identificar frequências cardíacas entre seres. Isso é crucial para um plano que estou arquitetando — explicou Cheker.

— Conte-me mais sobre isso — pediu Maltor, interessado.

— Não posso agora. É algo que não treinei por poder executar apenas durante um eclipse total. Vai haver um daqui a uns dois meses pelo que vi. Contar antes pode trazer azar — disse Cheker, evasivo.

Maltor suspirou.

— Está bem, mas não contarei com seu plano, já que não faço ideia do que seja.

— Você verá meu amigo. Sabe que nunca faria algo que prejudicasse os Lambiues — assegurou Cheker.

— Espero que sim. Trair sua própria raça é o pior dos crimes. Devemos sempre proteger os nossos — disse Maltor com firmeza.

— Concordo. Me senti mal por ter que matar Lambiues na frente dos celestias para manter minha fachada — lamentou Cheker. — Aliás, há um problema que precisa resolver. Nosso professor responsável pela produção de alimentos foi pego adulterando a fórmula. Quando testei o composto, ele derreteu uma rocha.

Maltor levantou-se com passos pesados.

— Onde ele está? — perguntou, com raiva na voz.

— Na prisão — respondeu Cheker.

Sem hesitar, Maltor saiu andando com passos apressados, pisando fundo no chão. Desceu as escadas de sua casa vazia e seguiu para a rua. Pelo caminho, os moradores o cumprimentavam com sorrisos calorosos e acenos de respeito. Crianças corriam até ele para saudar o líder, e ele as recebia com carinho, acariciando suas cabeças antes de incentivá-las a continuar brincando.

Logo, Maltor chegou a uma residência com grades na entrada. Dentro, o cenário era deprimente: um ambiente pobre, cinzento, desprovido de móveis ou decorações. Após cumprimentar uma mulher atrás do balcão, e pegar uma chave, ele desceu até o porão.

No fim das escadas, é revelado uma câmara subterrânea opressiva, um labirinto de celas que pareciam carregar os segredos de eras passadas. O teto abobadado amplificava o som das correntes, enquanto relâmpagos azuis iluminavam o ambiente com breves lampejos, eles eram encantados para atacarem qualquer um que ousar sair de sua cela sem que ela seja aberta por alguém autorizado.

As sombras projetadas pelas grades criavam formas fantasmagóricas no chão irregular, e cada estalo dos relâmpagos parecia ecoar os lamentos dos cativos. Era um lugar onde tempo e espaço pareciam se dissolver, aprisionando não apenas corpos, mas também almas.

O lugar era raramente usado, resultado da união e disciplina entre os Lambiues. Mas aqueles que ousavam desafiar os Cavaleiros do Apocalipse ou causar qualquer tipo de confusão rapidamente aprendiam a temer o ambiente sombrio, arrependendo-se amargamente de seus atos.

Maltor adentrou o recinto, observando o ambiente enquanto caminhava com passos firmes. No canto de uma das celas, ele percebeu três silhuetas. Aproximou-se lentamente e viu um senhor de cabelos brancos e encaracolados sentado no chão, acompanhado por dois jovens.

— Dr. Konor... — começou Maltor, em tom grave. — Não esperava encontrar o senhor aqui. Entre todos os Lambiues, era o que eu mais admirava.

O velho ergueu os olhos, alarmado.

— Senhor! Deve haver algum engano! Eu não fiz nada! Foi Cheker quem começou tudo. Eu estava apenas fabricando nossas barras de nutrição, e ele me atacou do nada! Não sei o que deu nele... Talvez os anos na Terra o tenham enlouquecido! — justificou-se, com os cabelos revoltos caindo sobre o rosto enquanto falava com pressa.

Maltor estreitou os olhos.

— Essa é uma acusação séria contra um Cavaleiro do Apocalipse. Tem certeza do que está dizendo?

— Absoluta! O senhor me conhece há décadas. Cheker é filho de Escarlet. Quem sabe a influência dele sobre o corpo do rapaz esteja diminuindo e sua verdadeira natureza esteja vindo à tona? — insinuou Konor.

— É mentira, senhor Maltor! — interrompeu uma mulher de cabelos cor de vinho, ajustando-os para encarar Maltor diretamente. — Ele é um traidor! Estava planejando envenenar os Lambiues! Está tramando algo com os filhos da...

Antes que pudesse terminar, um soco rápido do velho a lançou contra a parede, que rachou com o impacto.

— Lilian! — gritou um jovem loiro, correndo até a mulher caída.

— Não dê ouvidos a ela, senhor Maltor. É uma mulher, não sabe o que diz. Cometi um erro ao colocá-la como minha assistente — disse Konor, sorrindo de maneira forçada.

O loiro levantou-se de súbito, olhos brilhando de raiva. Assim como lililian, ele tinha a pele branca, e vestia uma espécie de jaleco.

— Seu velho desgraçado! E pensar que o considerei como um pai! — bradou, avançando contra Konor.

Ele desferiu uma sequência de socos, mas o velho esquivou-se com facilidade, mostrando superioridade técnica. Num movimento rápido, Konor abaixou-se e atingiu o jovem no estômago com força suficiente para perfurar o local.

— Você não é páreo para mim — sussurrou Konor no ouvido do loiro, retirando a mão ensanguentada do ferimento.

O rapaz caiu no chão, estendendo a mão trêmula na direção de Maltor, os lábios murmurando: "Socorro."

Maltor observou a cena com uma expressão sombria.

— Cheker corrompeu meus alunos contra mim... Vê se pode! Senhor Maltor, há algo que possamos fazer? — indagou Konor, tentando manter a compostura.

Sem responder, Maltor abriu a cela. Ele caminhou até o velho, fitando-o intensamente.

— Konor, aproxime-se! — ordenou.

O homem ajeitou a gola da camisa e avançou lentamente. Quando ficou a poucos passos, Maltor segurou seu rosto com as duas mãos, observando-o profundamente.

— Diga a verdade. Você tentou nos sabotar? — perguntou Maltor, com um tom gélido.

— Não... Eu jamais faria algo assim — respondeu Konor, tentando soar convincente.

Maltor permaneceu calado, encarando-o fixamente. Então, um sorriso surgiu em seu rosto, mas seus olhos não demonstraram compaixão.

— Esses olhos... São os olhos de um mentiroso — declarou Maltor.

O velho arregalou os olhos, e Maltor apertou seu rosto com força, esmagando-o lentamente. Mesmo com o crânio quase esmagado, Konor conseguiu murmurar:

— Os Lambiues são iguais aos povos que tanto criticam... Prefiro morrer do que ajudá-los...

Ele abriu a boca, disparando uma energia amarela direto no rosto de Maltor. A explosão criou uma nuvem de poeira, mas, quando se dissipou, revelou Maltor ileso, com os cabelos balançando levemente. Ele segurava os maxilares de Konor com as mãos.

— Por um instante, torci para que tudo isso fosse um mal-entendido — disse Maltor, com frieza. — Heróis e vilões... tudo é questão de perspectiva. Mas uma coisa é certa: cada espécie deve cuidar de si mesma. Essa é a lei do universo.

Mesmo lutando com todas as forças, Konor não conseguiu se libertar. Seus golpes eram inúteis contra a carne invulnerável de Maltor.

— Pessoas como você são escória — continuou Maltor, aproximando seu olhar assassino. — E sabe o que faço com escória?

O ruivo agarrou o maxilar inferior de Konor e o puxou com força, rasgando seu corpo ao meio. Os órgãos se espalharam pelo chão, liberando um cheiro pútrido que impregnava o ambiente. Com um olhar de desprezo, ele largou o que restava do velho, como se fosse um peso inútil.

Lilian, horrorizada, caiu de joelhos ao ver a cena. Mas ao perceber o olhar de Maltor sobre ela, ajustou-se rapidamente, abaixando a cabeça, como se tivesse prestando respeito ao lambiue.

— Perdoe-me, mestre Maltor! Eu não tive nada a ver com isso. Só obedeci no início, como uma mera assistente. Mas Willy... — olhou para o colega caído, lágrimas escorrendo pelo rosto. — Ele pagou o preço...

— Lilian... — murmurou Willy, ainda vivo.

— Willy! — gritou ela, correndo até ele.

Enquanto o ajudava, percebeu que, apesar da gravidade do ferimento, sua resistência Lambiue garantiria a sobrevivência com tratamento adequado.

— Mestre Maltor, posso curá-lo? Por favor, nos perdoe. Se for para nos matar, que seja uma morte rápida — suplicou Lilian.

Maltor ficou em silêncio por um momento, depois abriu espaço para que passassem.

— Vão. Não há motivo para matá-los. Descansem. Imagino que já passaram por muito.

— Obrigada, senhor. É digno da admiração que todos têm por você — disse Lilian, carregando Willyl — Outra coisa, não sei como, mas ao que parece ele mantinha contato com os filhos da Ivy — conclui Lilian antes de sair do local junto de Willy, recebendo um aceno positivo de Maltor como resposta.

Mais tarde, já longe, próximo ao laboratório onde produziam as rações nutritivas, Willy vendo que não havia ninguém por perto, retirou um saco de sangue falso de dentro do ferimento, e entra rapidamente na residência.

— Parece que nosso plano funcionou — comentou Lilian.

— Mas a que custo? O professor morreu... — respondeu Willy, cabisbaixo.

— Ele já estava condenado pela doença. Pelo menos fez algo antes de morrer — retrucou Lilian.

— Você é tão fria... Ele era quase como nosso pai — lamentou Willy.

— Não há tempo para luto. Precisamos focar no próximo passo. Cada segundo perdido torna o sacrifício dele em vão — afirmou Lilian, impassível.

Willy suspirou.

— Certo... Vamos continuar. Precisamos ganhar a confiança deles até podermos falar com os Celestias.

Após informar Maltor, Cheker seguiu pelas ruas da vila. Suas botas produziam um som metálico a cada passo, ecoando no chão de pedra, enquanto o seu caminhar formava um pouco de vento que fazia seu capuz balançar, reforçando o ar enigmático que o rodeava. Os Lambiues que cruzavam seu caminho lançavam olhares curiosos, tentando decifrar quem se escondia sob o pesado sobretudo.

Cheker parou diante de uma residência que se destacava pelo descuido. Era a mais deteriorada da vila: feita de madeira envelhecida que parecia prestes a ceder ao menor toque. As janelas estavam quebradas, e o lugar exalava abandono. Ele abriu a porta, que rangeu de forma assustadora, ecoando um som que parecia carregar o peso dos anos. Um cheiro forte de mofo invadiu suas narinas enquanto ele adentrava a penumbra do interior.

— Saduj! — gritou Cheker, sua voz grave reverberando pelas paredes gastas.

Ele aguardou, ouvindo o eco de seu chamado espalhar-se pela casa silenciosa.

— Aqui em cima! — respondeu uma voz feminina vinda do andar superior.

Cheker caminhou lentamente, subindo as escadas com cautela. Cada degrau rangia sob seu peso, como se prestes a ceder, obrigando-o a medir cada passo. Ao chegar ao segundo andar, ele encontrou Escarlet deitada no chão, os braços e as pernas estendidos em desalinho.

— Já disse para não me chamar por esse nome. O que você quer? — perguntou ela, sem se levantar, lançando-lhe um olhar entediado

— Nada em especial. Só vim te ver — respondeu Cheker, inspecionando o ambiente com desdém. Depois de um instante, completou: — Quer saber algo sobre seu filho?

Escarlet arqueou uma sobrancelha.

— Ele tem algum potencial?

— Tem. Mas ele ainda está treinando. É melhor esperar — disse Cheker, aproximando-se dela. — Tem certeza de que não quer fazer dele um aliado? Confesso que estou me apegando ao garoto.

Os olhos de Escarlet se estreitaram, carregados de desprezo.

— Nunca! Ele é apenas um humano imundo, como o pai. O único valor que tem é o poder que pode me oferecer. Como se eu fosse sentir afeto por outro ser... Nem pela Jeanie eu sinto. Você é a única exceção — disse ela, com um sorriso cínico.

Cheker ergueu uma sobrancelha e respondeu em tom sarcástico:

— Que honra... — Ele deu de ombros, pensativo. — De qualquer forma, terei de entregá-lo eventualmente.

— O que quer dizer com isso? — perguntou Escarlet, o tom agora desconfiado.

— Nada demais. Apenas trarei o garoto quando ele estiver pronto — respondeu Cheker, já se virando para descer as escadas.

— Espere! Fique um pouco. Descanse antes de voltar para o templo. Tire esse sobretudo — sugeriu Escarlet, quase em um tom casual.

Cheker hesitou e então respondeu com firmeza:

— Não confio em tirar aqui. Por enquanto, apenas os quatro Cavaleiros do Apocalipse conhecem minha identidade, e assim deve permanecer.

Escarlet deu de ombros, indiferente, Cheker termina de descer as escadas e se ouve o som da porta se abrindo.

A mulher por sua vez, ficava esfregando a sua barriga com um sorriso no rosto.

— Ah, meu filhinho... Em breve, seu corpinho será meu, e ninguém neste universo poderá me deter. Nem mesmo os Cavaleiros do Apocalipse — murmurou, sua voz transbordando ambição.

Continua...

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