9 - A carta de Yebá

Foi num domingo caloroso que Yebá surgiu com sua primeira carta presa nos pés. Menina passara a soltá-la todos os dias para voar, e a pequena arara dourada voltava apenas no fim da tarde. Às vezes, Menina se perguntava para onde Yebá ia. Ela tinha a sensação de que a ave a seguia de vez em quando, pois podia jurar que via penas douradas nas árvores do bosque e no parquinho onde brincava com Pedro e Mari.

— TATÁ! TATÁ! OLHA SÓ! — gritou ela quando pegou a carta. — Olha o que a Yebá trouxe!

— Não precisa gritar, criança — reclamou Tatá, que estava sentada na mesa colorindo um livro infantil com uns lápis de cor velhos. — A casa é tão pequena que daria pra você me chamar sussurrando.

— Desculpa — Menina logo corrigiu o tom de voz. Ela mostrou a pequena carta para a amiga. — Olha só.

— É daqueles dois meninos, não é? Leia!

Menina desenrolou o papel fino.

— Oi, Menina! Como está sendo a adaptação da nova casa? Esperamos que bem! Faltam quatro dias para as aulas começarem, e queremos dizer que iremos passar aí amanhã cedo. Esteja pronta, com as malas e as despedidas feitas. Até breve! — Leu ela. A carta estava com a assinatura de Beatriz.

As duas ficaram em silêncio por alguns momentos, processando a informação. Então... em breve elas se separariam. Pela primeira vez em anos. Menina olhou para ela com pesar. Não sabia muito bem o que fazer.

Mas Tatá era uma mulher que não admitia seus sentimentos com facilidade. Ela balançou a cabeça e disse:

— Acho melhor você falar para seus dois amigos sobre isso. Eles podem achar que não gosta mais deles se sumir assim.

— É verdade — concordou Menina. Ela tropeçou nos próprios pés quando recuou até a porta de casa para sair. — Até mais tarde!

Tatá se recostou em sua cadeira e suspirou. Odiava despedidas.

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O dia passara tão rapidamente que Menina só percebeu que estava anoitecendo quando Pedro e Mari foram puxados por suas mães para irem embora. Menina estava triste, claro, pois sabia que essa era a última vez que os veria por um longo tempo, mas ao mesmo tempo estava radiante, pois isso também significava que ela iria para CasteloBruxo e poderia finalmente usar sua varinha!

Mas Tatá... ela ficaria sozinha. Menina sabia que ela passara toda a vida assim, mas agora ela tinha uma casa também. Ela conseguiria se habituar a viver sozinha ali? Será que eventualmente ela iria tentar procurar um emprego para se ocupar? Menina esperava que sim. Seria bom para ela, e Tatá não se sentiria tão sozinha.

Quando chegou em casa, Menina encontrou a mesa posta, mas nenhum sinal de Tatá. Ela encontrou um desenho ao lado de seu prato que sabia que significava que a amiga dera uma saída.

Menina sorriu, feliz por Tatá estar saindo um pouco. Ela estava tendo muita dor de cabeça que sempre melhorava quando ela dava uma volta pela cidade.

Cansada, decidiu jantar e ler um pouco para esperar Tatá, mas acabou dormindo com o livro na mão. Porém pela manhã, estranhamente, ela encontrou o livro sobre sua mala feita e seu corpo estava com um cobertor que tinha certeza que não havia pego quando deitou.

— Bom dia, Tatá — cumprimentou ela, esfregando os olhos.

A amiga fez um som com a boca em resposta. Ela estava fritando ovos para elas comerem.

— Que horas aqueles bruxos chegam?

— Não sei — ela deu de ombros. — Mas já tô com tudo pronto.

Tatá colocou os ovos nos pratos e entregou um a Menina.

— Onde você foi ontem?

— Só dei uma volta — a mais velha deu de ombros.

— Você vai ficar bem sem mim? — indagou Menina depois de alguns minutos de silêncio.

Tatá riu baixo.

— Tenho muitos anos, Menina, e só te conheço há dois. Consigo ficar seis meses sem te ver.

Menina assentiu, mas não pareceu feliz. Tatá sabia que ela apenas estava preocupada, como sempre ficava quando não conseguia comida o suficiente no dia e elas ficavam com os estômagos doendo. Menina sempre se culpava por isso, apesar de não ser culpa dela.

— Apenas mande várias cartas, tá bom? — pediu ela, e Menina abriu um pequeno sorriso.

— Todos os dias. E você também, quando Yebá vier.

Tatá olhou rapidamente para a arara dentro da gaiola. Ela não fazia ideia de como mandar uma carta, mas acreditava que não devia ser tão difícil, considerando o quanto aquela ave era dócil com ela.

Ding, dong.

As duas se levantaram em um pulo assustado. Era a primeira vez que ouviram a campainha sendo tocada por alguém que não a curiosidade de Menina.

— Eu atendo! — exclamou a pequena, correndo até a porta e a destrancando rapidamente.

Juan e Beatriz estavam parados na porta com um sorriso no rosto, usando roupas normais dessa vez. Eles a cumprimentaram com um aceno animado.

— Olá, Menina. Tudo pronto para irmos?

— Sim! — respondeu ela, apontando para a sua mala feita perto da cama.

— Muito bem. Fez um lanche para a viagem? — indagou Beatriz.

— É muito longa? — Menina percebeu que não fazia ideia de como eles iriam para CasteloBruxo.

— Leva cinco horas de navio. Mas é em Santos. Ainda teremos que pegar um ônibus para ir até o porto.

— Um ônibus? — Tatá ficou surpresa. — Vocês viajam de ônibus?!

— Claro que não — Bia riu. — Geralmente usamos o pó de flu para ir até o porto, mas como Menina não está familiarizada com nada do mundo bruxo, é mais seguro irmos pelos meios de transportes trouxas.

— Então a viagem vai demorar muito mais do que cinco horas. É melhor fazer um lanche reforçado para levar.

Tatá abriu espaço para os bruxos passarem e a ajudarem com o lanche, já que ela não tinha ideia de quanto fazer. Juan ajudou Menina com a mala pesada.

Quando tudo estava pronto, os quatro se reuniram no corredor para as despedidas.

— Vou sentir sua falta, Tatá — admitiu Menina, constrangida.

— Vai passar voando. Tu nem vai perceber, criança — falou ela, fazendo um gesto com as mãos despreocupado, embora seu rosto mostrasse mais rugas que o normal.

Menina olhou para a amiga, tentando manter o rosto dela em sua mente com maior número de detalhes possível. Tatá abriu a boca para falar, algo, mas se calou quando Menina a abraçou.

Tatá podia contar nos dedos as vezes que recebera um abraço. E o número era ainda menor quando ela contava apenas os abraços que eram por afeto, e não por questão de sobrevivência no inverno.

Ela arquejou de surpresa e, lentamente, retribuiu o abraço. Ela gostou daquela sensação.

Quando se separaram, Tatá precisou reunir toda a força para não parecer muito triste com a partida de Menina.

— Bom... — falou a garota baixinho. — Até julho.

— Boa sorte, Menina.

Ela sorriu tristemente para Tatá e se afastou, seguindo os dois bruxos. Ela sentiu seu estômago se revirar com uma mistura de sentimentos que não conseguia entender. Mas que com certeza não eram de todo ruins.


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