7 - Um lar para nós

— Bom, chegamos — anunciou Juan quando eles pararam na frente de um prédio em formato redondo e escuro. — Espero que gostem.

Juan tirou do bolso um molho de chaves com seis delas. Ele entregou três para Tatá e segurou as outras três.

Usou uma delas para abrir a porta do prédio. Eles andaram até o elevador antigo, onde Juan apertou o número quatro. Quando a porta se abriu, Menina olhou ao redor: eram vários apartamentos que formavam um circulo em volta de um enorme poço, onde ela conseguia ver o chão do hall. Juan foi até uma das portas e usou as outras duas chaves para abri-la.

O coração de Menina parou quando o garoto abriu espaço para ela passar. Ela moraria ali? Mesmo?!

Naquele pequeno apartamento sem paredes divisórias que tinha um fogão, uma geladeira e duas camas?! Menina soltou um grito agudo quando entrou no banheiro. Pelos céus! Tinha um chuveiro de verdade ali!

— Me disseram que a água aqui é morna, mas não fica muito quente. O encanamento não é um dos melhores, mas não decidimos arriscar usar magia para arrumar isso.

— Há comida o suficiente para um mês — falou Beatriz. — Depois disso vocês precisarão fazer compras.

Os olhos de Tatá se arregalaram e ela foi direto verificar a dispensa e a geladeira. Estavam cheias.

— Isso tudo é magia? — indagou Tatá quando enfim se recuperou do susto.

— Bem, o ministério trouxe tudo com magia, sim. Mas nenhum trouxa viu, fiquem tranquilas.

Tatá se revoltou. Ela estava ali, depois de décadas nas ruas, com uma casa para chamar de sua, com comida na geladeira e ofertas infinitas de emprego apenas porque estava junto com uma garota bruxa? E tudo isso em troca do quê? Cuidar dessa garota como se fosse uma vovozinha humilde?

Tatá não era assim. Vivera mais da metade de sua vida nas ruas e era uma mulher dura. Nunca, em toda a sua vida, vira uma oferta como aquela. Nunca sequer se dignaram a olhar para Tatá e agora estavam dando a ela até uma casa? E todos aqueles outros moradores de rua? E todas as outras crianças como Menina, mas que não eram bruxas? O que a fazia diferente deles?

Ela se levantou e sua voz soou mais carregada de ironia do que esperava:

— Vocês fazem comida com magia e deixam tantas pessoas morrerem de fome? Por que não ajudam ninguém como tão fazendo com a gente?

Juan e Beatriz trocaram um olhar aflito. Eles não esperavam aquela pergunta, mas, de alguma forma, se sentiram mal com ela.

Foi Bia quem respondeu primeiro:

— Nós não fazemos comida com magia. Isso é impossível. Nós, bruxos, conseguimos conjurar as coisas, mas não fazê-las. A comida foi comprada e apenas transportada até aqui com magia. Uma coisa é conjurar algo já existente, como água, que ao nosso redor em partículas invisíveis a olho nu. Outra, é conjurar a mesma quantidade de água no deserto: não há e, portanto, nada sairia da varinha. A comida e o dinheiro seguem a mesma lógica — explicou ela. — Há muita pobreza no mundo bruxo também, não se engane. Esse é um fardo que a humanidade precisa carregar, e nem o maior bruxo de todos é capaz de acabar com ela.

Tatá se sentou, pensativa, enquanto tentava entender as palavras daqueles dois.

— Bom, acho que está tudo em ordem — falou Juan depois de alguns momentos de silêncio. Ele fez um carinho rápido em Yebá antes de a deixar sobre uma das camas. — Registramos seu nome como Talita Salmazi para parecer que você é a avó da Menina. Fica mais fácil de não levantar perguntas dos trouxas. Mas se você não quiser, nós podemos modificar isso, claro.

Tatá balançou a cabeça. Era aquilo que ela estava se tornando mesmo... não havia mais como negar aquilo. Além do que, ela não se importava de ter um novo nome. Ela não gostava do seu real, de qualquer forma. E pensar que há um dia atrás, Menina era apenas a criança que conseguia comida para ela...

— Pode deixar assim.

— Certo. Essas aqui são as suas chaves — ele estendeu o molho com as três para Menina. — e se precisar de alguma coisa, escreva uma carta e dê para Yebá. Ela saberá o caminho e voltará com uma resposta dentro de alguns dias. As aulas começarão no dia primeiro de setembro e a diretora pediu para virmos te buscar aqui três dias antes, para irmos até o porto juntos. Então mandaremos uma arara um pouco antes para avisá-la.

— Setembro... — murmurou Tatá. Era uma informação que ficara em sua cabeça desde o Âmago Vivaz. — Aulas normais não começam em fevereiro?

— Apenas aqui no Brasil. Na Argentina, as aulas começam em março e no meu país, o Uruguai, em julho — falou Juan. — E CasteloBruxo atende à toda América Latina, então a escola decidiu que era melhor começar em setembro, como as outras escolas do mundo, para todos nós sermos nivelados mais ou menos no mesmo tempo e não ter discussão quanto ao início das aulas.

— E vocês estudam lá ainda?

— Sim. Estamos no quinto ano.

— Somos monitores — explicou Juan, parecendo um pouco mais alto ao falar aquilo. — É um cargo dado aos melhores alunos, sabe.

— A gente ajuda os alunos do primeiro ano com a adaptação e também ajudamos a manter a ordem no castelo — explicou Bia, mais humilde que Juan. — E também visitamos famílias trouxas, como estamos fazendo com você.

Menina sorriu, percebendo que aquela era uma função muito importante. Os dois bruxos a sua frente subitamente pareceram ter crescido em seu conceito. Juan bateu palma uma vez enquanto olhava ao redor.

— Bom, já que está tudo resolvido, temos que ir — ele olhou para Bia rapidamente. — Voltamos para te buscar, Menina.

— Tudo bem — a garota assentiu, animada para que eles a deixassem sozinhas para explorar melhor o apartamento. Os dois se viraram para sair, mas Bia parou no meio do caminho e se virou na direção de Menina.

— A gente vai deixar as coisas com você, então pode dar uma lida nos livros se quiser, mas lembre-se: é terminantemente proibido fazer magia fora da escola. Deixe a varinha bem guardada.

Menina assentiu, surpresa pelo tom sério da bruxa morena.

— É sério, Menina. Se você fizer, pode ser expulsa sem nem mesmo ter posto os pés na escola. Prometa para nós que não vai pegar a varinha.

Menina engoliu em seco, mas assentiu novamente. Ela não queria ser expulsa. Não podia. Não quando as coisas finalmente pareciam que iriam melhorar.

— Prometo. Não vou tocar nela.

Bia assentiu e se virou novamente para a porta.

— Te vemos no final do mês!

E assim, eles passaram pela porta e a fecharam. Tatá suspirou ao mesmo tempo que Menina. Elas se olharam por um longo momento, sem saber muito bem o que dizer.

E então sorriram.

[Estrelinha pro coração ficar quentinho]

Parece que Tatá terá enfim um lugar para relaxar e Menina, para voltar nas férias. É a prova de que eu consigo ser boazinha, sim hehe 

Espero que estejam gostando, meus bruxos. O começo das aulas está cada vez mais próximo!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top