°•ORDEM XXV•°
714/12/17, Reino de Eisen, capital Sallow, entre a divisa da montanha Seufzen.
"Há coisas que com o tempo se tornam preciosas."
As palavras de Moore foram claras. Ele cumpriu com o prazo exato.
Leon cavalgou por um dia inteiro para passar a Stephanie o aviso o mais rápido possível. Quando se apresentou para dar um aviso importante, ela já estava se preparando para o que veria. Moore a alertou por meio de seu corvo, que permaneceu por algum tempo no acampamento, antes de ser expulso pela coruja de Naw. Apesar de Roux e Stephanie terem se convencido que ele foi em seu devido tempo.
Após isso, os imperadores, o duque de Walmart, Roux e a rainha Charlotte se reuniram para discutirem melhor sobre o que eles fariam. O último confronto foi mais como uma distração. Stephanie entregou a vitória para Eisen porque queria esconder Charlotte, a transformando na próxima carta de ouro deles.
— Charlotte irá liderar as linhas de frente. Irá derrotar os generais. Você conhece bem o jogo: tirem a peça principal e tudo acaba. Da mesma forma que eu fiz com Abner — iniciou Stephanie, faltando poucos quilômetros para o caos se instalar no campo rochoso. Observou Charlotte à sua frente, cavalgando tranquilamente, sem perder o foco. Em seguida, sua atenção foi para Leon. — Como você fez com Abner.
Leon retirou a atenção do horizonte, esbanjando toda a sua indiferença pelos olhos, já que estava com o elmo. No local se destacou o som dos galopes dos cavalos, e o resquício da voz de Stephanie.
— A ideia foi sua — retrucou.
Não tinha intenção de iniciar uma discussão com a mulher em um momento tão sensível, mas ela havia começado de toda forma.
— Mas você a fez possível.
— Bom, então nós dois matamos Abner.
Aquilo acabou com os próximos argumentos de Stephanie. Ele voltou seus olhos para frente, não captando o divertimento de Stephanie. Por baixo de seu elmo, um sorriso satisfeito surgiu com a atitude atrevida do homem. Ela estava mais sorrindo com mais facilidade perto de seu marido, coisa que nunca imaginou nos últimos seis anos.
E o faria sorrir também. Tinha algo para lhe contar.
Contudo, estava esperando toda a comoção se acalmar para dizer-lhe tudo.
Apertou o cabo de sua espada, espreitando os olhos, seus lábios formando uma linha.
— Está na hora — sussurrou, sacando sua espada, a lâmina reluzindo, e a inocência de seu olhar se ofuscando.
No mesmo instante, todo o esquadrão das linhas de frente começou a atiçar seus cavalos para irem com rapidez. Em poucos segundos, os primeiros homens foram abatidos, relinchos de cavalos e gritos ressoando, e aumentando gradativamente. Charlotte se separou de seu grupo, decepando membros e cabeças da infantaria de Eisen e alguns da cavalaria.
O exército de Alveberia ainda se mantinha organizado, quebrando aos poucos a formação, depois de ter eliminado vários do exército inimigo. Os generais responsáveis por esse feito foram Egon e Manfred que mergulharam entre os soldados de Alveberia, matando os pilares principais. Ambos já estavam banhados de sangue, cavalgando com maestria, e manejando a espada tão bem quanto.
Enquanto Egon e Manfred se destacavam do reino de Eisen, do outro lado, Stephanie e Leon exterminaram a maior parte da cavalaria de Eisen. Stephanie avançou em uma roda que havia se formado em volta do imperador, mudando a espada para outra mão, deixando-a à direita livre, agarrando o pescoço de um dos homens, o derrubando no cavalo. Fez a mesma coisa com os outros, ajudando Leon a exterminá-los.
Eles fizeram um breve contato visual, se comunicando. A mulher entendeu que Leon estava agradecendo, porém, em um campo de batalha aquilo era desnecessário. Cada um ajudava do jeito que podia. E estava tudo bem se não conseguia. Além do mais, cada um estava lutando por si, não por qualquer outra coisa. Lutando para ver a luz do dia. Erguendo os braços por ter esperança de um dia melhor.
Terminando sua colaboração, foi em uma direção qualquer, e assim que estava pronta para decepar o braço de um homem, uma ave grasnou em seus ouvidos. Aquilo atiçou sua curiosidade, porém, ela tentou se concentrar no oponente à sua frente. Contudo, a ave continuou insistindo.
Stephanie bufou, perfurando o coração do soldado que caiu inerte, girando a cabeça para encontrar a ave. Sua boca se abriu ao ver o corvo de Moore lançando um olhar profundo em sua direção. Já era desconfortável o bastante ser encarada pelo dono.
Ainda atenta aos movimentos ao redor, a mulher estendeu o braço para a ave se apoiar, e sem hesitar, foi isso que o corvo fez. Analisou o olhar de Stephanie antes de tombar o pescoço para o lado, sendo possível a mulher visualizar um pequeno papel preso em sua coleira.
A imperatriz achou incomum o local, levando em conta que ele tinha um espaço ideal para ser colocado. Porém, antes que perdesse muito tempo, alcançou a mensagem, e o corvo começou a bater as asas, alçando vôo para um local bem distante.
Assim que iniciou a desdobrar o papel, foi interrompida por uma flecha que passou zunindo em seus ouvidos. Stephanie segurou firme o papel, e sob os efeitos da adrenalina que queimava seu corpo, ela girou o pescoço, sendo rápida o bastante para lançar uma pequena faca no soldado que a atacou. Ela acertou em cheio no olho, fazendo o homem guinchar de dor, lamentando a perda do órgão.
Terminando seu serviço, ela voltou a se concentrar no papel — que depois de ter sido posto em suas mãos estava manchado de sangue, porém, ainda dava para entender algo —, e uma vez aberto, ela iniciou a leitura. Pela letra, ela sabia que era uma mensagem de Moore.
"Saudações, dama de diamante.
Quando estiver lendo essa mensagem minúscula, provavelmente estará arrancando uma das cabeças de meus homens, e eu dos seus; mas o propósito desse bilhete não é provocar, então irei direto ao ponto. Você e eu temos duas funções nessa batalha monótona: matar e ganhar. Você matará os generais, e eu, fingirei te matar. Ou pode ser o inverso. Estou disposto a ser morto de mentira por você. Sei o quanto tem o prazer de torturar alguém."
A imperatriz amassou o papel, fazendo um som pensativo.
Ela não poderia fingir matar Moore, uma vez que prometeu a Charlotte que ele seria sua presa. A rainha odiava quando as oportunidades eram roubadas de si. Stephanie nunca tentou roubar-lhe nada, então não sabia como ela reagiria a si.
Ainda dividida em seus pensamentos, Max se remexeu, relinchando, chamando atenção de Stephanie. Um assobio suave de uma lâmina cortando o ar atravessou vagamente os ouvidos da mulher, porém, ela conseguiu agarrar as rédeas de seu cavalo e se abaixar, tempo suficiente para impedir de ser cortada.
Seu coração disparou, o tempo parando por alguns segundos. Ela travou, os músculos se recusando a se movimentar, quase custando a sua vida. Trincou os dentes, dominando o medo que atingiu seus ossos sem motivo aparente.
Não. Ela tinha um receio, mas não era importante.
Não naquele momento. Passou por momentos como aquele.
O soldado voltou a investir, mas ela controlou seu corpo antes que o pior acontecesse. Segurou firme sua espada, gritando quando arrancou o braço do homem. O membro voou, e o sangue espirrou em sua armadura, mas não o bastante para macular.
Não permitiu que o soldado fizesse outro movimento ousado, enfiou com força a espada na garganta do homem. O sangue desceu jorrando da ferida e da boca antes do corpo tombar no chão.
Acalmou a respiração, e de forma instintual olhou para trás, encontrando pilhas de homens parecendo. Muitos correndo para salvar suas vidas, poeira formando uma cortina, impossibilitando de Stephanie desvendar quem estava fazendo aquilo. Tinha uma ideia, mas queria vê-lo.
Demorou um tempo, mas a poeira voltou a descansar no chão, sendo revelada finalmente a verdadeira figura do ceifador. Sua armadura era negra, com uma cruz quebrada esculpida em seu peito, desafiando qualquer imagem íntegra que o templo queria manter, e sangue escorria depois de sua matança. Manejou sua lança, cordenando seu cavalo negro até a direção de Stephanie. Um rastro do líquido carmesim foi deixado em sua caminhada.
Parou poucos centímetros de Stephanie, movimentando-se lentamente.
— Pronta para me matar? — perguntou, seu cavalo bufando enquanto encarava Max.
Stephanie ergueu a espada, apontando-a na garganta de Gary.
— Mesmo que você não morra, irá doer — conduziu Max para mais perto, fazendo sua lâmina roçar no pescoço de Moore —, e muito. Está certo disso?
— Apenas faça — disse determinado. Seu cavalo se debateu, resistindo ficar perto de Stephanie. Ele fingiu desviar e lutar contra as investidas da imperatriz, interpretando um dos outros papéis que foi preparado para fazer. A mulher seguiu o mesmo ritmo, apenas ameaçando cortar algo.
Quando eles se cruzaram foi o momento final. Stephanie cortou a camada mais fina da garganta de Moore. Um filete de sangue surgiu, e ela afastou-se satisfeita, porém, Gary segurou a ponta da espada, guiando a lâmina ao seu coração.
Stephanie arqueou uma das sobrancelhas, sentindo que a lâmina não estava muito fundo, porém, causou dano o suficiente para deixar sequelas graves a ponto de causar a morte.
— Isso faz parte do plano?
O homem ergueu o olhar, tossindo. Parecia falsa.
— Não. Só foi um ímpeto.
Stephanie se contentou com a resposta, se afastando antes que alguém começasse a desconfiar de sua relação com o Ceifador. Não verificando o estado de seu amigo-inimigo, ela desceu do cavalo em determinada área, Max se afastando caso uma pessoa tentasse o atacar.
Homens correram na sua direção, e ela apenas sorriu.
Era incrível como sempre era da mesma forma.
Parecia que eles eram treinados a se encaminharem para a morte.
Brandiu a espada, tintilando com a do adversário, dando um pontapé para que ele se afastasse, mudando para outro, suas armas voltaram a se cruzarem. Ela puxou o homem, e ergueu o joelho, quebrado seu braço. Um som gutural foi expelido por parte do soldado, e ela girou, agarrando uma pequena faca, lançando seu alvo anterior.
Voltou a se concentrar no que quebrou o braço, cortando sua cabeça, acabando com o sofrimento. E os seguintes derrotou sem muita dificuldade, bastando movimentos limpos.
Parou, olhando em volta, observando que boa parte do espaço já estava inundado de sangue. O chão onde pisava estava lamacento e viscoso, tornando-se mais delicado para se mexer de forma brusca. De longe, como um ponto flamejante, estava Charlotte se divertindo com a fuga desesperada de seus adversários.
Fincou a atenção na rainha, observando Egon se aproximar dela. O homem estava sem seu elmo, lambendo os lábios sujos de sangue, mexendo a cabeça em desafio. A leoa blindada parou, finalmente dando-se conta da presença dele, e sem qualquer preparação, partiu para cima do homem.
Stephanie estava tão vidrada no combate de Egon e Charlotte que não escutou passos pesados chegando atrás de si.
Ouviu a voz de Leon vagamente, mas não se manifestou.
Charlotte cortou o braço de Egon. O homem rangeu os dentes, e tentou contra-atacar.
A mulher desviou, ofegante, quase atingindo os órgãos vitais do general, mas ele foi mais rápido.
A postura de Egon desestabilizou, escorregando em um corpo, e isso abriu chances para Charlotte.
A rainha afundou a lâmina no coração do homem, permitindo que o corpo do general caísse sobre seus ombros, cuspindo sangue.
Stephanie comemorou internamente pela vitória da rainha, mas não durou muito tempo.
No momento que girou a cabeça, sangue respingou em seu elmo.
Quando viu de quem pertencia, paralisou.
Seu marido havia sido ferido por Ulrich.
Leon, mesmo atingindo na têmpora, foi rápido o bastante para meter a lâmina no estômago do general. O homem grunhiu, largando a espada para tampar seu ferimento com as mãos. Sangue descia em abundância. Era tarde demais.
Talvez para os dois.
O imperador sentiu as forças se esvaindo e se colocou de joelhos.
Stephanie ainda estava em choque, incrédula.
Sua armadura nunca foi maculada, porém, foi suja pelo sangue de seu marido.
Ela apenas saiu do transe quando Leon ameaçou a perder a consciência. Stephanie correu até ele, chamando-o, sua garganta queimando. Mal acreditou que estava se importando com Leon. Não deveria ser daquela maneira. Segurou a cabeça desprotegida do imperador, um sulco de sangue se formando entre os espaços de seus dedos.
Não. Não. Não.
O corpo de Stephanie começou a tremer com a quantidade de sangue.
— Eu não permiti isso. Eu não queria isso — Stephanie ofegou, engolindo o choro. Era a representante do império, não poderia ficar daquela maneira em público. Mas estava difícil manter a postura segurando Leon desacordado.
A respiração de Leon ameaçou parar, e o fôlego de Stephanie retesou.
O corpo do homem começou a pesar sobre suas mãos, e ela não conseguiu pensar em nada.
A única coisa que fez foi gritar. Gritou o mais alto possível, arranhando suas cordas vocais.
Inclinou-se no peito de seu marido, forçando mais sua garganta.
Ela não se importava com seu melhor peão. Não queria saber se ele vivia ou morria.
Mas tudo tinha mudado. A aproximação. Os sorrisos. Os toques. A entrega.
Eles haviam se convertido em algo, e agora estava escorrendo.
Tudo por sua culpa. Outra vez por sua culpa.
Com a morte dos generais e com a manifestação incomum de Stephanie, ambos os lados pararam, virando na direção de Stephanie que parecia estar se desmanchando. A cena foi avistada primeiro por Charlotte, que guardou sua espada, subindo em seu garanhão em rapidez, chegando assustada perto da soberana. Uma vez perto da mulher, desceu do animal, agachando-se à altura dos imperadores, sua expressão se transformando em horror quando viu a poça de sangue se formando ao redor da cabeça de Leon.
Tocou no ombro de Stephanie, interrompendo sua crise. A imperatriz olhou para Charlotte com os olhos arregalados, e os olhos vermelhos, segurando as lágrimas.
— Eu o quebrei de vez, Charlotte — anunciou com um fiapo de voz. — Você está vendo isso? — voltou a atenção para o imperador, falando calmo, alisando os fios de Leon com a mão suja —, foi eu que fiz isso. Tudo isso é minha culpa.
A rainha retirou o elmo, fazendo que seus fios trançados caíssem sobre os ombros, e fez o mesmo com a imperatriz. Segurou firme o rosto de Stephanie, colocando suas testa, ficando em silêncio por alguns segundos. A mulher esperava que ele se sentisse melhor daquela forma.
— Nós vencemos, Stephanie. Você fez isso possível. Acabou.
A imperatriz fechou os olhos, comprimindo os lábios.
— Mas eu o perdi — balançou a cabeça derrotada.
— Não. Ele está vivo — Charlotte a soltou, inclinando-se, encostando o ouvido no peito de Leon. Concentrou-se, e por um tempo não conseguiu escutar nada, mas após alguns minutos, ouviu o coração do imperador. Ele estava vivo. Só não sabia por quanto tempo. — Ele precisa de cuidados rápidos.
Stephanie se levantou, a visão um pouco bifurcada, deixando Leon aos cuidados de Charlotte enquanto ia ao encontro do duque Walmart. Vagou pelo campo devastado por um tempo, o estômago embrulhado, até que vislumbrou as costas do homem.
Apressou o passo, o chamando. Ele escutou se virando, largando o elmo para segurar Stephanie. Ela agarrou os braços do homem, segurando o fio de sua consciência. Ela precisava contar-lhe a situação de Leon antes de perder as forças.
— Por favor, ajude Charlotte com Leon... — pediu, mas saiu frágil. — Ajude meu marido.
Foi a última coisa que ela conseguiu dizer antes de desmaiar.
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