°•ORDEM XXIV•°
714/12/14, Reino de Eisen, capital Sallow, acampamento de Eisen.
"Mudanças se tecem no escuro."
Passaram-se três dias desde a última ronda de ataques severos entre os reinos. Em um dos primeiros dias, Eisen conseguiu pegar Alveberia de surpresa na floresta Lied, se disfarçando entre as árvores, evitando com facilidade as flechas dos lado inimigo. Apesar de Stephanie ter seguido os conselhos de Leon, o general Egon soube como usar melhor o espaço.
No fim, após a batalha brutal, com cavalos e homens decaindo, corpos de alguns líderes do esquadrão de Alveberia foram pregados por longas estacas de madeira nos seus peitos em fileira nos troncos mais grossos das árvores como símbolo da derrota de Stephanie. A imperatriz se mostrou indiferente com o espetáculo doentio de Abner, porém, ódio correu por suas veias.
Ela nunca permitiria que ele saísse vivo depois daquela provocação.
Desde a derrota, Alveberia estava agindo com mais cautela, sem nenhuma manifestação, atiçando a curiosidade de Abner. O soberano acompanhou a liderança de Stephanie desde seu primeiro conflito — o confronto terrível entre os rebelde do oeste, que aconteceu entre a divisa do reino de Blumen e do território Hanover, que na última batalha foi nomeado de guerra sob o elipse —, e nunca a viu tão retraída quanto estava.
Não era normal, porém, o rei também acreditou ser apenas uma forma dela absorver a palavra derrota. Stephanie sempre foi privilegiada com vitórias e elogios de seus súditos, então, Abner imaginou que seria difícil para ela registrar a perda. Além disso, foi capturado pela imagem dela sofrendo pressão de seus soldados ou até mesmo no escuro chorando.
Seria algo tão belo e perfeito.
A tristeza era algo tão pouco explorado pela imperatriz, que lágrimas encharcando seu rosto, deixando-o avermelhado, poderia atribuir outro significado para a emoção. Pelo menos mudaria em Abner que estava sendo guiado para tomar aquilo da mulher.
Queria tudo dela. Algo que ela nunca ao menos entregou para seu cão de guarda.
Era outro dia consecutivo que nuvens acinzentadas, pesadas, dominavam o céu de Eisen. Os homens sãos e sadios se levantaram cedos para treinar com Egon e Manfred em seus treinos diários, não podendo se dar ao conforto de uma mísera vitória. Depois do ocorrido dos comandantes, muitos sabiam que Stephanie faria algo pior com eles, e outros nem tanto. Egon e Manfred não tinham medo, já que ambos fizeram aquilo de propósito.
Ambos os generais eram na prática mais cruéis que Moore, apesar do Ceifador ser mais comentado entre os grandiosos salões. Egon se divertia em ostentar as suas vitórias sempre achando um meio criativo para demonstrá-la, enquanto seu companheiro, fazia elas possíveis, dando um toque mais macabro. Como foi a ideia das estacas.
Com a saída deles, o acampamento era preenchido com feridos — que estavam sob os cuidados de Ulrich. O general era o mais adequado por não possuir a força que os demais. Na maioria das batalhas, ele ficava na retaguarda, cuidando do que lhe necessitavam —, com o rei e Gary Moore, que passou os seus dias trancafiado em sua tenda.
Comia normalmente, aceitando as refeições que lhe eram oferecidas, porém, muitos de seu esquadrão julgavam que ele não pregou os olhos por um segundo. Afundou-se em papéis, desenhando mapas, estratégias, rotas marítimas. Do outro lado, eles apenas podiam escutar ruídos abafados de passos e farfalhar de folhas.
Toda essa movimentação no acampamento de Eisen era observada por Leon, agachado em um dos galhos de um pinheiro, vestido de preto para camuflar, cobrindo metade de seu rosto com uma máscara de ferro. A máscara servia somente para escondê-lo, pois a respiração se tornava pesada com ela.
Era um "presente" que Stephanie havia lhe dado depois de lhe mandar para dispensar alguns resquícios de uma revolta. A mulher entregou-lhe a máscara com um sorriso venenoso no rosto, permitindo que Leon visse seu divertimento. Ele aceitou entendendo que ela estava dando-lhe uma espécie de focinheira devido ao seu codinome.
O homem remexeu no alto, envolvendo a máscara com sua mão, atento a cada pequeno movimento dos homens. Ele esperaria a noite cair sobre o campo para colocar-se em ação, mas se algo se antecipasse, poderia fazer tudo ser em vão. Não poderia decepcionar Stephanie, principalmente depois que ela se equivocou no passo.
Tinha consciência que a mulher odiava algo fora da linha. Tudo deveria ser perfeito.
Uma mania adquirida depois de anos de cobrança da alta sociedade.
Os nobres viam defeitos até onde não possuíam.
Leon acreditava que Stephanie era a melhor governante que um povo poderia ter. Sempre disposta a resolver os problemas, melhorar a vida daqueles sob sua mão e representar o império da melhor forma. A prova daquilo era que um dos motivos de ter se casado com ele era para cumprir os caprichos dos nobres.
Onde a solução era simples demais. Mandar todos a forca por desrespeito às vontades de seu soberano. Leon vislumbrou esse fato e indicou-lhe quando ela chegou ao seu ducado com a proposta, mas ela ainda não se permitia trilhar esse caminho tirano, então ele não teve outra escolha.
Segurou um suspiro, selecionando os devidos pensamentos. Não deveria estar pensando no passado e muito menos em Stephanie. A imperatriz estava acostumada a lidar com seus problemas e sentimentos sozinhos. Não precisava dele.
Ergueu o olhar, observando o céu escurecendo, anunciando que sua hora para agir estava próxima. Os soldados de Eisen acenderam as fogueiras, surgindo pequenos pontos iluminados no campo, e longos e finos filetes de fumaça. Eles cozinharam, conversaram e beberam normalmente, tentando animar alguns companheiros para a próxima batalha.
Quando acabaram, se recolheram para suas tendas, sem fazer muito barulho, deixando apenas o crepitar das fogueiras reinando no local.
O imperador se posicionou para descer, e em poucos segundos, conseguiu alcançar o solo. A grama farfalhou em um som contido em seu pouso, e ele seguiu com cuidado entre as tendas para não tombar com ninguém. Em períodos como aqueles, era comum encontrar um ou mais soldados postos para vigiar. Ele era um dos que faziam aquele serviço, então sabia melhor do que qualquer um por onde andar. A segurança da tenda do imperador seria mais rígida, mas poderia desacordar com facilidade os recrutas.
Andando levemente inclinado, ele chegou ao coração do acampamento. Viu dois homens guardando o acesso da tenda com certo desleixo, e espreitou os olhos. Um dos homens bocejou, e outro parecia inquieto, lutando para não fechar os olhos.
Leon cogitou a ideia de dar a volta, para invadir pelo fundo, mas achou melhor dar o que os soldados queriam: uma boa noite de sono. Então, sem pressa, chegou por trás, torcendo o pescoço daquele que estava no lado esquerdo de forma não letal. Recuou alguns passos, arrastando o corpo para o fundo, e voltou a fazer o mesmo com o direito. Providenciando que ninguém os visse, entrou com cuidado na tenda.
Uma vez dentro, pisou com cuidado, fazendo uma vistoria completa. A primeira divisão da tenda era composta por uma grande mesa de cinco cadeiras, sendo a do centro a mais enfeitada e acolchoada, enquanto as outras eram normais. Tinha um lustre simples, iluminando boa parte do local.
Avançou em sua procura, controlando sua respiração para não denunciá-lo, encontrando enfim Abner dormindo tranquilamente em uma cama de madeira simples. Aproximou-se, encarando o diafragma do soberano subindo e descendo lento, normal e inofensivo. Toda criatura, não importando sua natureza, parecia pacífica ao dormir.
Mas ele deveria dormir para sempre. Leon estava encarregado de fazer aquilo possível.
O imperador sacou uma pequena adaga — com um pequeno rubi incrustado em seu cabo de prata, também gêmeo de uma das adagas de Stephanie —, e enfiou até a base no peito esquerdo de Abner, perfurando seu coração pulsante.
Em poucos instantes, o homem acordou, seus músculos tendo alguns pequenos espasmos com a dor de alastrando. Sua boca se abrindo, sangue a inundando, e mesmo naquele estado, faltando poucos segundos para morrer, ele procurou quem havia feito aquilo com ele. Seus olhos se encontraram com de Leon, e se arregalaram.
Os lábios de Abner crisparam, tentando moldar palavras, porém, Leon pressionou a mão com força sobre sua boca, não saindo nada além de barulhos sem sentindo algum. O imperador se inclinou, tentando afundar o cabo da arma no peito do homem, obtendo o som de ossos se quebrando.
Em todo o momento, convulsionando, Abner tentou se livrar de Leon, o encarando com ódio profundo. Debateu-se até o último segundo, tentando inspirar algum resquício de ar, mas lentamente seus olhos cinzas perdiam a consciência. Suas linhas de expressão, que antes estavam vesgas, voltaram a sua normalidade.
Leon apenas tomou distância quando o rei parou seus movimentos de uma vez por todas. O imperador retirou bruscamente a adaga de seu peito, e ainda com a expressão branca, calmo, retirou com cuidado um lenço cor vinho de suas vestes, limpando a lâmina nela como se tivesse tempo o suficiente para aquilo.
Claro, não haveria ninguém para interrompê-lo. Livrou-se de todas as possibilidades. Não era a primeira vez que fazia aquilo. Ele se inclinou, pensativo, franzindo levemente as sobrancelhas, contando qual era a vez. Era a terceira? Talvez fosse a quinta. Não importava.
Viveu guerras o suficiente para não se importar com o que era necessário para garantir a vitória. Foi criado para aquilo. Para se tornar a arma perfeita. Não era muito diferente de Stephanie, apesar dela negar com unhas e dentes.
Limpando a lâmina, uma foi jogada em sua direção. O corte causado pela faca queimou, aguçando os sentidos de Leon. A faca lançada abriu um buraco no pano da seda, e o imperador virou a cabeça, encontrando Gary Moore completamente desalinhado. Seu cabelo estava solto, escapando alguns fios, e por baixo da mortalidade de seus olhos, estavam centradas enormes olheiras.
— Isso aconteceu mais rápido do que eu previ — proclamou Moore, acabando com o silêncio sepulcral do local. Tomou um passo, ainda na defensiva, sua expressão séria, encarando o estado de seu soberano. — Mas eu pensei que fosse ela a fazer o serviço.
— Estava esperando por isso? — Leon perguntou, sua voz vibrando por conta da máscara.
Gary deu de ombros, afundando a mão em sua blusa de linho branca, tirando outra pequena faca. Cheio de surpresas como Stephanie. Um sulco de formou entre as sobrancelhas de Leon ao perceber as similaridades de sua esposa com Gary. Eles já haviam se encontrado?
— Eu espero por muitas coisas. Vocês matando Abner enquanto dormia era uma delas.
O general apontou a faca para Leon, forçando-o a tomar distância. O imperador recuou alguns centímetros, fazendo possível o homem se ajoelhar ao lado do leito de morte de Abner, checando seus sinais de vida. Encostou os dedos frios na garganta de Abner, confirmando que ele já havia se ido.
Leon abaixou o olhar, tentando traduzir o comportamento de Gary, mas além de uma perturbação duradoura, não encontrou mais nada. Ele não estava triste pela morte de seu soberano.
— Você queria isso — Leon sussurrou.
— Também quero muitas coisas. Stephanie se rendendo a mim é uma das.
Leon respirou fundo ao ouvir as palavras, se preparando para tirar outra vida. Moore era outro homem que queria Stephanie como troféu, e aquilo lhe irritou. Ele ainda tentava descobrir como a mulher reunia tantos homens com aquela composição.
Gary se levantou, e quando ele se virou para encarar Leon, o imperador apontou sua adaga em seu pescoço. O olhar de Moore se direcionou para a lâmina em seu pescoço e depois subiu para Leon, moldando um sorriso.
— Não estou interessado em sua esposa.
— Você quer a machucar — recrutou, sério —, e isso não irei permitir.
O sorriso de Moore cresceu, balançando imprudente a cabeça. Não estava se importando se seu músculo abrisse ou se muito menos ficasse mais alguns meses acamado.
— Eu já a machuquei. E irei fazer isso de novo. Quantas vezes for necessário.
O sangue de Leon ferveu ao escutar as quatro primeiras palavras. Mesmo com os efeitos da fúria, ele se deu conta que Gary foi aquele que fez um rasgo na pele de Stephanie. Percebeu que ela tentou resgatar Herniel antes da batalha oficial.
Aprofundou a lâmina, e os ombros de Moore tremeram com as súbitas risadas. Seu olhar relaxou, assim como sua postura, levantando os braços em rendição. Tombou a cabeça, os fios se esparramando em um único ombro, encarando Leon com suavidez. Adotando aquela postura, parecia exaurido.
— Calma, besta carmesim. Não irei fazer mais nada com a dama de diamante — sorriu com dentes. — Você a protege demais sem precisão. Isso pode se converter em sua fraqueza. Além...
— Pare. Não me diga o que eu já sei.
Recuou a adaga lentamente, a colocando em seu devido lugar, sentindo-se estranhamente seguro com Moore. Cruzou os braços acima do peito, esperando uma manifestação coerente do general. Ele estava muito calmo. Talvez houvesse enlouquecido de vez. Os conflitos frequentes de Eisen mexeram tempo suficiente com sua cabeça.
— Darei três dias para vocês se organizarem — revelou, balançando o braço, em uma tentativa de ajustar sua camisa, mas logo sua atenção voou para Leon, espreitando o olhar. — Se organizarem decentemente. Nem parecia que a imperatriz estava brincando como sempre faz.
— Por que está nos ajudando?
— Eu? Ajudando vocês? — Moore fez uma careta, negando com a cabeça —, eu não ajudo ninguém. Tudo o que eu faço é por mim. Com a morte de Abner, os demais generais farão de tudo para enterrar vocês, o que se torna um problema para mim.
— Por quê?
— Apenas se torna — respondeu simplista, tentando se esquivar do interrogatório de Leon. O imperador percebeu, e apenas desistiu, soltando os braços. Gary estalou o pescoço, e caminhou até a saída da tenda, olhando para os lados. Leon o seguiu. — Agora você tem que sair daqui antes de eu começar meu teatro.
Leon arqueou uma das sobrancelhas. O ceifador havia mudado um pouco desde que invadiu o Dunkel. Nunca imaginou que estar ao seu lado seria fácil. Aproximou-se mais de Moore, e poucos centímetros dele, conseguiu inspirar cheiro de sangue nele. Acreditou no início que era por ele sempre ter contato, mas percebeu que sangue escorria da cicatriz em seu pescoço.
Iria perguntar, porém evitou. O homem não era seu amigo e nenhum deles dois estavam interessados em terem algo parecido. Além de que tinha consciência de que Moore evitaria contar a verdade. Então, simplesmente passou por ele, retirando-se do local. Subiu em uma árvore, e acompanhou o tumulto que se iniciou.
Moore parecia ter se debruçado sobre o corpo de Abner, e começou a gritar, acordando todo o acampamento. Os três generais entraram furiosos na tenda, e os outros homens fizeram uma roda. Uma aparente discussão calorosa se iniciou entre o quarteto, onde as vozes de Moore e Ulrich se destacavam. Em dado momento, Manfred parou a briga dos dois, decidindo que com a morte de seu governante, eles deveriam acabar com tudo de uma vez.
Egon concordou, completando que antes de fazer Morgana, a filha mais nova rainha, deveriam terminar o que haviam começado. Retirar o título de Alveberia de centro do império. Conquistar a vitória completa.
Um teimoso sorriso se moldou no rosto de Leon.
Derrotar Stephanie? Nem nos melhores sonhos deles.
Além do mais, o estrategista deles não era o Ceifador?
Como ele parecia estar fora de sintonia, a maior parte de suas formações estavam atrofiadas. A menos que os demais tivessem uma repentina inspiração divina para guiá-los no campo de batalha, porque Stephanie iria fazê-los conhecer o inferno em terra. Nadariam em chamas antes de morrerem.
Em seus pensamentos, mal deu-se conta que os generais haviam se retirado da tenda, se apresentando aos demais com uma expressão abatida. Eles se posicionaram em fileira, e ergueram seus queixos. Moore, dentre todos, aparentou o mais cansado, infeliz de verdade. Assim que também foi o primeiro a tomar um passo com o consentimento dos outros.
— Hoje, nesta noite, Eisen perdeu seu guia. Nosso rei acabou de ser brutalmente assassinado — começou com pesar, suas palavras chegando fracas nos ouvidos de Leon, que estava quase acreditando que ele foi afetado realmente —, e eu sei que após isso estamos nos sentindo incompletos, mas precisamos lutar. Daqui a três dias, iremos atacar Alveberia de surpresa, agarrando o desde o início foi nosso: a vitória.
Os homens gritaram em resposta, erguendo os braços para o alto, reagindo à ideia unânime.
Leon ouviu o que queria, e desceu da árvore, caminhando na escuridão, entre as árvores até chegar até sua égua, cavalgando até o acampamento de Alveberia. Tinha outra missão a ser cumprida. Retornar ileso e transmitir a mensagem de Moore. Não sabia que o Ceifador planejou, mas ele parecia certo quanto à decisão.
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