°•ORDEM XVII•°

714/12/02, Reino de Eisen, capital Sallow, propriedade Moore.

"Ela seria a personificação de seus pesadelos."

Aquela altura, Stephanie, pendurada na primeira janela que avistou no segundo andar, já não tinha mais tanta certeza de que estava tudo ocorrendo de acordo com o plano. A imperatriz respirou fundo, seus dedos apertando o peitoril da janela, imaginando o que encontraria quando subisse.

Porém, antes de ficar à mercê dos seus pensamentos, ela fez uma contagem mental, balançando seus pés e movimentando os músculos dos braços, até que estava equilibrada no pouco espaço da janela, subindo o pano grosso para esconder parte de seu rosto. Assim que terminou de se arrumar, ela empurrou o vidro com sutileza, pousando no chão com destreza, finalmente longe do frio.

Stephanie fitou o local, captando os pequenos detalhes que constituíam o quarto, e percebendo que a madeira era de carvalho, a alvenaria perfeita alinhada e decorada com tapeçaria, sem nada desnecessário a compondo, concluiu que Gary Moore era um desgraçado, contudo, um desgraçado com bom-gosto. Sem contar que toda sua propriedade possuía o estilo que poucos conseguiriam.

Sua observação foi quebrada ao ouvir um grunhido ressoando ao seu lado, e atenta, não tardou para virar o pescoço encontrando Herniel e Gary juntos na mesma cama. Ela arregalou os olhos, e primeiro se felicitou por ter acertado o quarto, em seguida, tentou buscar uma resposta do por que o Ceifador estava dormindo ao lado de seu comerciante sem problema algum?

Entretanto, decidindo-se que a resposta poderia esperar um pouco mais, ela se apressou para se aproximar de Herniel e balançar levemente seu ombro, sussurrando um "acorde" ligeiro. Outro som de inconformidade brotou da garganta do comerciante, e em consequência do incômodo, ele abriu lentamente os olhos. A imagem de Stephanie formou-se aos poucos, e quando percebeu que era a pessoa quem pensou, se ergueu de supetão.

— Senhora, que está fazendo aqui? Como chegou aqui? — tocou o ombro da imperatriz com cuidado tentando se provar de algo, e no rosto de Stephanie surgiu um sorriso. — Está sozinha? — perguntou, sussurrando, visivelmente preocupado.

— Você acabou dessa forma por minha culpa, nada mais justo do que eu vir te salvar — disse, porém, antes que perdessem mais tempo naquela conversa, ela agarrou a mão do seu súdito com força. — Agora vamos antes de Gary acordar.

Herniel inconsciente de seus atos, desceu sua mirada em Moore que estava deitado a poucos centímetros de si, e por alguns segundos, observando o comerciante, Stephanie deu-se conta que ela estava hesitando. Queria saber a razão daquilo. Seu querido amigo nunca foi apegado às pessoas, mas parou por conta do ceifador?

— Vamos, Herniel — reforçou, sussurrando, já temendo a possível reação do homem. — Teremos que ir, independente do que aconteceu entre vocês nas últimas semanas.

Dumont paralisou diante da súplica da imperatriz, voltando sua atenção para ela.

A encarou, pensando de que forma mentiria para ela, porém, somente engoliu a seco.

— Não aconteceu nada entre nós.

Ela assentiu, e o puxou de uma vez por todas, contudo, no momento que Herniel iria sair completamente da cama, um toque frio o alcançou, o prendendo com mais peso do que qualquer algema que um dia abraçasse seu pulso.

Não da mesma forma.

Não com a mesma carga emocional.

Dessa forma, uma briga de forças entre Stephanie e Moore foi iniciada, onde a imperatriz trouxe Herniel para seu lado. Gary não se moveu, e assim, o movimento brusco da mulher causou dor em Herniel em decorrência ao aperto firme do Ceifador.

— Largue-o, Gary Moore — Stephanie ameaçou entredentes. — Nossos assuntos pendentes serão resolvidos depois que eu deixar Herniel em segurança.

Moore somente rosnou em resposta, e poucos segundos depois, algo fiado voou na direção de Stephanie. Ela desviou por pouco, e encarando a pequena faca que afundou na madeira, pensou que todos os guerreiros de Eisen possuíam aquele estilo de ataque surpresa. Para ela, aquilo era repetitivo e até cansativo.

O general ameaçou jogar outra vez, porém, foi impedido por Herniel que abandonou o agarro de Stephanie e colocou-se na frente. Seu braço parou de imediato e trincou a mandíbula. Aqueles sinais não passaram despercebidos pelos olhos de Stephanie. O Ceifador estava o encarando como se tivesse sido traído. Talvez pior. Como se Herniel tivesse o machucado.

Abaixando a arma, rapidamente em um único movimento, trouxe Herniel para perto de si, e gritou o nome do mordomo duas vezes. E julgando que não fosse o suficiente gritou o nome pela terceira vez. Assim que fechou a boca, lançou um olhar mordaz para Stephanie, a deixando em alerta. Qualquer que fosse o significado daquilo, não parecia bom.

— Nossos assuntos pendentes serão resolvidos agora. E espero que esteja pronta para morrer nesta tão graciosa noite de outono — zombou, afundando o rosto de Herniel em seu peito, e se levantando com o homem em seus braços, que fincou os dedos em seus braços. Moore não se importava com a dor, somente mantinha em mente que deveria o deixar longe da imperatriz.

Ele havia feito uma maldita escolha, mas Moore não se recordava quando lhe deu alternativa.

Antes que Stephanie agisse, a porta do quarto foi aberta abruptamente por Herman, que apareceu com sua vestimenta de dormir, completamente desordenado, e ofegante. Seu olhar foi diretamente para a convidada inesperada, e logo foi que seu mestre, que sustentava com força Herniel em seus braços, que visivelmente tentava escapar. Sem ter chance de absorver tudo, Herman recebeu em seus braços o jovem que estava sob os cuidados de Moore.

Franziu o cenho, aceitando-o, e levantando a cabeça para encarar seu mestre se surpreendeu ao vê-lo alterado. Ele aparentava completamente fora dos eixos, desesperado até. Aquilo era raro. Nunca havia acontecido no tempo em que o serviu, na realidade.

— Leve-o para os quartos do subterrâneo, e não o permita sair antes que eu lhe der a ordem, entendeu? — ordenou e o servente afirmou, saindo das vistas de Stephanie, com Herniel lutando e gritando o nome da imperatriz em pleno os pulmões. Porém, conforme o mordomo ia se afastando, só restava uma vaga lembrança.

Stephanie correu para alcançar Herniel, entretanto, sua passagem foi bloqueada por uma faca sendo pressionada em seu pescoço. Mesmo na visível ameaça do homem, a imperatriz encarou os olhos amarelos de Moore, desafiando-o. Sem querer se sentir em desvantagem, ela também ousou a sacar sua pequena adaga e aproximou-a da carne de Gary. Parecia tentadora a ideia de ambos morrerem daquela forma. Seus dedos chegaram a formigarem com o pensamento.

— Pensou que poderia invadir minha propriedade, levar o comerciante, sem ser percebida?

— Claro. Se você não estivesse agarrado como um gato no meu comerciante teria dado certo. — Ela deu de ombros, lançando um sorriso venenoso para Gary, causando o mesmo efeito nele. — E de verdade, eu queria evitar sua morte, pois eu iria o capturar e torturar até se arrepender de ter me ameaçado no meu território.

— Essa é sua chance para fazer o que quiser, imperatriz.

Empurrou-a para longe, evitando que ambos se machucassem. Conseguindo seu objetivo, ele deu as costas, apressando-se para descer as escadas, contudo, sua pequena distração não serviu como ele previu. Stephanie chegou por trás, e o chutou por trás, o ataque levando a queda de Moore. Apertou os dentes, virando-se imediatamente para encarar Stephanie, impedindo que a sola de sua bota atingisse seu rosto.

Desviou o pé da imperatriz para outro lado, erguendo-se em uma velocidade impressionante, descendo as escadas no mesmo ritmo. Chegando na sala, ele agarrou sua espada, a sacando de pronto da bainha, e apontando para a Stephanie que também havia desembainhado sua lâmina. No escuro da casa, com a luz fraca das velas, a única coisa que se destacava era o brilho de suas armas.

Stephanie fez o primeiro movimento, sua espada colidindo com a de Moore, ambos fincando os pés no chão sem retroceder o passo, porém, Gary fraquejou de propósito, sendo possível Stephanie tropeçar e vacilar na sua direção. Ali ele viu uma abertura na mulher. Sem esperar um segundo, o sangue rugindo em suas veias, ele movimentou a espada para degolar Stephanie.

A reação por parte da imperatriz demorou, mas ela se apressou para se agachar, perdendo apenas alguns fios de seu cabelo.

Sua ação surpreendeu Gary, que olhou para baixo com os olhos arregalados, sem conseguir desviar a atenção dos olhos frios da imperatriz. Ele conseguia reconhecer aquele olhar em qualquer lugar. Sem dúvidas eram iguais aos seus. O olhar que deletava a vontade assassina que residia em suas almas.

A dama de diamante apertou com força o cabo da espada, e a levantou ereta, mirando na garganta de Moore, porém, ele dobrou o pescoço para trás, correndo para a cozinha em seguida. A sombra da mulher o perseguiu, e sem pensar duas vezes, ele agarrou uma faca de cortar carne que estava por perto, e a jogou nos pés da imperatriz.

Stephanie pulou, desviando do ataque.

Em vingança, jogou uma pequena adaga guardada em suas botas, atingindo o joelho de Moore. Ele sibilou, a ferida queimando instantaneamente. Porém, ele não se deixou abalar, circundando o balcão da cozinha, derrubando alguns objetos estrategicamente, a fim de confundir Stephanie. Essa bagunça de sons graves de metais pregando nas paredes resultou em ambos se encarando do pólo sul e norte do balcão.

Os dois dando tempo para regular a respiração, e até mesmo limpar o suor que estava atrapalhando suas visões. Eles pararam por um instante, mantendo as ameaças silenciosas, e a respiração áspera de ambos atormentando o ar. Contudo, tudo teve seu reinício com uma colher de prata zunindo após cair no chão.

Moore tentou escapar por um lado, porém, Stephanie tomou um passo na mesma direção, tentando cercar Gary, forçando-o a parar para achar uma saída. As direções que seus olhos apontavam tornava isso fácil para ela. Quase como se estivesse sendo de propósito. A mulher espreitou o olhar, e antes de enganá-la, ela subiu no balcão, atravessando o único obstáculo que os prendia.

Sua ação manteve Moore paralisado, e ele somente saiu de seu estado após ela trocar a espada de mão, e direcionar uma ataque em seu peito.

O ceifador recuou um passo, protegendo-se com sua lâmina. Assim que a imperatriz tomou uma distância razoável, ele aproximou-se depressa, dando uma joelhada na barriga de Stephanie, que tossiu, cuspindo saliva. Em seguida, não sendo o suficiente, ele deu uma cotovelada, atingindo a nuca de Stephanie.

A visão da imperatriz embaçou, e tudo ao seu redor começou a girar.

Ela esteve perto de perder a consciência, porém, ao invés disso, soltou sua espada, ficando desprotegida. Stephanie bateu a cintura no balcão, e ergueu a cabeça desnorteada, tentando assimilar o próximo movimento de Moore. Sem chance de conseguir indentificar, ela fez uma defesa com os braços.

Na cozinha, o cheiro de carne fresca e de legumes conseguiram embrulhar seu estômago.

Stephanie conteve a vontade de vomitar e focou no seu inimigo, que após desorientá-la pressionou seu corpo com mais força na beirada do balcão. Um gemido de dor escapou de Stephanie, e mesmo sem direção, ela tentou chutar uma das pernas de Moore.

Subestimando a dama de diamante, Gary ficou por perto, recebendo seu golpe. Com o susto, ele também soltou sua espada, o metal tintilando no chão. Aquilo pareceu ter acordado Stephanie, que investiu para cima dele com as mãos nuas. Ela agarrou sua camisa de linha branca, e manuseou os pés, derrubando o homem.

Ele se debateu, grunhindo quando o primeiro soco da imperatriz acertou seu rosto. Ela voltou a repetir o ato várias vezes. Depois da quarta vez, o sangue saiu voando da boca de Moore, pingando o chão de carmesim, e se estendendo no armário, criando um cenário distinto. As mãos de Stephanie quando ela fez uma pequena pausa, ofegante, pingando sangue, manchando a camisa de Gary.

Ele aproveitou a pequena exaustão de Stephanie para lançar um soco na cara dela, cortando o interior de sua bochecha, e a tirando de cima dele. Finalmente de pé, ele limpou o sangue que se acumulou em suas narinas impedindo de respirar, e correu de volta para a sala. Uma vez lá, esperou a imperatriz com os punhos erguidos.

Stephanie traçou seus passos devagar, sem pressa, batendo levemente contra o chão. Porém, mesmo assim, eles pareciam incrivelmente alto no silêncio ensurdecedor da madrugada.

Os músculos de Gary tencionaram quando a figura apareceu finalmente, limpando o sangue de sua boca com o polegar e o provando em seguida. A vendo daquela maneira não parecia que até instantes atrás ela aparentava completamente indefesa.

Estando a poucos centímetros de Gary, ela se colocou em posição de ataque, imitando o oponente. Ela não mexeu, pois queria dar vantagem a ele. Aquela luta estava longe de acabar. Stephanie não iria parar até que Moore estivesse morto aos seus pés.

— Nunca soube das suas habilidades exímias de corpo a corpo — confessou, quase saindo em um resmungo. Aquilo era um problema real para o general. A mulher era tão boa em combate corpo a corpo quando era com a espada. Se continuasse daquela forma, ele morreria engasgado com seu sangue, não degolado.

Em sua cabeça seria mais honroso morrer pela espada dela do que literalmente por suas mãos.

— Não se incomode com esse fato, apenas venha com tudo o que tem. Eu mostrarei a você como eu me tornei altamente valiosa para o império — disse, concentrada em como os pulmões de Gary trabalhavam, e a instabilidade de sua postura. — Se me der uma boa luta, deixo você escolher como quer ser torturado e morto.

E pela primeira vez naquela luta, ele riu alto.

A mulher era de fato perigosa, como todos haviam de lhe alertado.

E então, ele se aproximou, tentando acertar o punho no rosto de Stephanie, porém, ela desviou. Vendo que estava em desvantagem, ele tentou dar um chute, mas ela se defendeu com o antebraço. Apesar de ter pego o ataque, sua expressão confessou que foi difícil, e dessa forma, Moore pressionou até torcer o cotovelo de Stephanie.

Ela segurou uma maldição, mordendo a ponta da língua. Com o afastamento de Moore, teve a oportunidade de colocar o osso no lugar. Uma camada grossa de suor descia do seu corpo, e quando uma brisa tênue abraçou seu corpo, ela buscou rapidamente a silhueta de Gary que corria para a cozinha. Provavelmente para pegar sua espada.

Stephanie resmungou, e desesperada acreditando que não daria tempo, ela sacou seu chicote que escondia por baixo da blusa, e sem hesitar, ela o lançou, encostando o couro na garganta de Gary. Ele se debateu, continuando a andar, tentando puxar, mas foi inútil quando ela o levou ao chão com um movimento dos braços.

No momento que Moore bateu as costelas contra o chão, soltando seu ar de uma vez, admitiu em seu interior que de verdade a imperatriz de Alveberia era uma caixa surpresa, e não só isso, ela era a regra. Todos deveriam ter submissão a ela. Estava mais claro que o céu porque o império de Alveberia era um dos mais ricos e próspero do continente Sieg.

Ela se aproximou do Ceifador respirando fundo, apertando os dedos ao redor do chicote.

Uma vez no canto de visão do general, ela sentou-se em seu abdômen, imobilizando seus membros inferiores, apertando com força sua arma, e Gary fez uma barreira, os nós de seus dedos ficando brancos à medida que ele resistia a ceder a Stephanie.

Moore ficou naquela batalha até que se cansou, e as mãos que antes estavam tentando impedir de ele fosse enforcado, foram para os braços de Stephanie. Agarrando-a, ele a arremessou para trás de si, levantando-se com avidez, desfazendo o nó que o mantinha preso à imperatriz. Observou a mulher rolando pelo chão, absorvendo a dor do impacto antes de se erguer outra vez, guardando seu chicote dessa vez.

Sem paciência, ele cedeu aos instintos assassinos, estendendo a mão e preenchendo-a com os fios de Stephanie, batendo a têmpora da mulher na parede com a mandíbula trincada, e vendo que não era o suficiente para fazer a imperatriz perder a consciência, voltou a repetir o ato, surgindo uma filete de sangue na testa de Stephanie.

Do modo que ele gostava de pagar. Sangue com sangue.

Os pupilas de Stephanie ficaram vazias, e expirou e inspirou profundamente, mas a única que a ainda a mantinha de pé era o aperto de Moore em seu crânio, que fazia uma crescente dor de cabeça surgir. O sangue percorreu um caminho até sua comissura, a máscara caindo, e em um último fio de racionalidade, ela segurou a mão de Moore, tentando romper seu contato.

Mas foi inútil. Ela ainda tinha as mãos postas nela.

— Quer dizer algo antes de se tornar prisioneira do reino? — perguntou, balançando Stephanie pelo cabelo, brincando com seu corpo que estava mole sob seu contato.

Ela formou um sorriso insano, revelando os dentes vermelhos.

— Pensei que fosse me matar — retrucou, cuspindo o sangue que se acumulou em sua boca.

— Sim, mas o rei não irá gostar de saber que arruinei sua favorita — disse entredentes.

Apesar do sulco aprofundado entre as sobrancelhas de Stephanie e seu olhar vazio esbanjando confusão, e seus músculos finalmente reclamando depois dos golpes que havia levado, ele decidiu andar para jogar a imperatriz em seus calabouços antes de entregá-la ao reino. Ele tinha certeza que ele adoraria ter a mulher que a almejava por anos em suas mãos.

Stephanie lutou para ele a soltar, mas seu corpo fraquejou.

Em meio a tudo isso, Gary pediu por silêncio, usando a mão livre e ensanguentada sobre o cabelo, logo usando para limpar os resquícios de sangue que ainda fluía por seu nariz. Terminando, ele analisou o dorso de sua mão, pensando em como havia se permitido ser machucado daquela maneira. Nem mesmo seu falecido mestre, um cavaleiro honroso, tinha conseguido fazer aquele feito, mas o famoso diamante bruto dos reinos alcançou o feito.

Porém, aquilo não importava. No fim, ele conseguiu sair como vencedor.

Deu de ombros, e começou a empurrar Stephanie, contudo, um som estridente de algo se quebrando explodiu em seus tímpanos. Ao mesmo tempo que o som de algo quebrando-se em pedaços, veio uma dor em sua cabeça, e demorando para assimilar, Gary abaixou o pescoço, vislumbrando gotas de sangue deslizando de si e caindo no chão.

O que tinha acontecido? Quem havia feito aquilo?

Perdido em seus pensamentos, ele foi atingido outra vez, desmaiando dessa vez.

Respirando fundo, com as roupas rasgadas, e algema soltando em um dos pulsos, Herniel se agachou diante de sua imperatriz, não demorando para tirar alguns fios molhados do rosto machucado da dama. Ela tinha um hematoma na bochecha, o sangue escorria do seu lábio cortado e de sua testa — a qual ela aplicava força com a palma da mão, tentando impedir mais vazamentos —, e acariciou cada ferida, com os olhos arregalados.

— Imperatriz. Imperatriz, por favor, diga que está bem. — Herniel sussurrou, e em correspondência, Stephanie apenas acenou com a cabeça, as pálpebras tremendo emitindo um gemido de dor, preocupando ainda mais o garoto. — Meu deus, o imperador irá me matar.

— O imperador? — franziu as sobrancelhas, e depois suavizou a expressão. — Ah sim, eu prometi voltar para ele — pausou para recuperar os pulmões —, mas não sei se quero reencontrá-lo dessa maneira. Aposto que iremos discutir outra vez por causa disso.

— Não pense agora, temos que sair agora. — Ele apoiou o braço de Stephanie em seu ombro, e manteve o equilíbrio envolvendo sua cintura, a levando até a janela mais próxima da sala. Assim que encostou as costas da soberana na parede, Herniel conseguiu abrir a janela, e auxiliá-la a pular sem agravar seus ferimentos.

Fora da mansão, Stephanie tentou ajudar Dumont, mas antes que aquilo fosse possível uma sombra surgiu atrás do garoto. A dama gritou o nome de seu comerciante, agonia rasgando seu peito, quando uma mão enveredou o pescoço de Herniel e o forçou a olhar para seus felinos.

A imperatriz não conseguia ler as intenções de Gary, e desistiu de fazer isso, preferindo se agachar com a visão turva, os braços tensionando de dor, procurando afoita por algo em suas botas. Sangue cobrindo a visão do seu olho esquerdo, e coração palpitando as marchas de milhares de soldados. Ela teria que ser veloz. Não tinha tempo para seu mal-estar.

Enquanto isso, Herniel engoliu a seco com o cheiro de ferro invadindo suas narinas, e misturado a esse aroma, havia a fragrância característica de Moore. Prendeu a respiração por um momento, negando-se a se entregar a sentimentos indignantes naquele momento. Ele tinha que ir embora de qualquer forma. Aquele não era seu lugar, ao contrário do que Gary havia lhe dito. Não combinavam juntos. Era o caos.

Herniel abriu a boca, tentando desaprovar a ação do homem, mas o Ceifador não deu saída para Dumont, o prendendo com um abraço apertado, cobrando dos pulmões de sua vítima. O comerciante protestou, mas quanto mais lutava, mais Moore fazia suas juntas brigarem entre si para sobreviver à compressão.

— Me deixe ir — Herniel gritou.

— Por que a escolheu? — resmungou, sua voz parecendo distante — Maldição — cuspiu a palavra dessa vez surgindo como de um homem miserável. — Você pensou em me deixar pela segunda vez em um curto espaço de tempo, estragando tudo. Como sempre destruindo tudo.

Dumont paralisou diante do choramingo, seu corpo cedendo aos poucos. Entreabriu os lábios, esperando que qualquer ruído escapasse de sua boca, porém, nunca imaginou o que saísse fosse o nome de Gary em desespero. O homem sobre si grunhiu, e tossiu sangue em seu ombro, sentindo as consequências da lâmina de Stephanie perfurando seu estômago.

A massa de Moore desabou sobre os braços de Herniel, que tremia, o ar arranhando sua garganta seca que ainda proclamava as sílabas do nome do seu atormentador como uma canção perdida. À medida que pronunciava, sua voz ia diminuindo, tornando-se quase inexistente. Ele não entendia suas ações.

Por que estava preocupado pelo homem que o sequestrou? Por seu inimigo?

Era por causa do sangue que manchou o seu rosto? Ou talvez por conta da sua confissão anterior de que estragava tudo?

Enquanto Herniel tentava se entender, Stephanie recuou sua adaga, e cravou os dedos nos meus ombros o chamando, mas foi inútil. Ele estava preso no redemoinho de pensamentos, imaginando o porquê de todas as pessoas que se aproximavam demais de si o deixavam sem mais ou menos. Daquela vez, o homem sentia a vida de outro escorrendo em seus braços.

Em instantes, diante daquela confusão na janela, Herman surgiu com uma parte de sua roupa rasgada. Era um sinal aparente de que Herniel havia lutado bastante para sair do domínio do senhor, e de alguma forma, o garoto quando o avistou, sussurrou que sentia muito por ter o apagado com um pedaço de madeira qualquer, e continuou suplicando por perdão.

O senhor de antemão não entendeu o que estava acontecendo, porém, seus olhos quase pularam dos seus respectivos buracos quando viu gotas de sangue pingando da boca de seu mestre, sua silhueta decaída sendo iluminada pela a luz prateada da lua, e uma voz aveludada chamar várias vezes o nome de Herniel.

Herman correu até eles, e antes de qualquer coisa, torceu a mão de Stephanie, arrancando um grito da mulher. Em seguida, gritou os nomes dos outros funcionários que dormiam em sono profundo em uma área mais afastada da mansão. Isso colocou Stephanie em alerta, e antes que a capturasse, ela estalou a língua, revezando o olhar entre Herman e Herniel, se livrando do aperto do mais velho e correndo para longe da propriedade, protegendo seus ferimentos com a mão.

Livrando-se da imperatriz, Herman tentou tirar seu mestre de cima de Herniel, que estava prestes a entrar em colapso pelo modo que estava o segurando e encarando tudo ao redor cético, como se toda a esperança houvesse sido roubada. Porém, quando o afastou, as mãos do homem ainda tentava alcançar Dumont mesmo quase inconsciente.

O comerciante caiu de joelhos no chão, cobrindo o ferimento com suas mãos, sentindo sua palma ensopar no mínimo contato, e a bola de sangue aumentar gradativamente ao longo dos segundos. Sob seu contato, Moore grunhiu, tossindo mais sangue.

— Herman, eu escolhi meu reino. Meu povo. Minha imperatriz. E ainda os escolho, mas eu não poderia suportar ter a causa da morte de um homem. — Ele disparou, não sabendo o que exatamente queria dizer com aquilo, somente aumentou a pressão de sua mão. — Não posso. Não posso de modo algum.

— Mestre Moore não pretende morrer dessa maneira — Herman disse calmo, apesar da situação.

E Herniel assentiu, fechando os olhos, desejando que aquilo não passasse de um pesadelo.

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