56| O despertar da decepção - Parte 3

"Pra ser sincero

Não espero que você

Me perdoe

Por ter perdido a calma

Por ter vendido a alma

Ao diabo


Um dia desses

Num desses

Encontros casuais

Talvez a gente

Se encontre

Talvez a gente

Encontre explicação"

Pra ser sincero - Engenheiros do Hawaii


AO ABRIR os olhos na tarde do dia seguinte, a primeira visão de Melina foi Dorian sentado em uma poltrona ao seu lado, a postura era desajeitada e a cabeça dele descansava no colchão em que ela estava. Os dedos dele estavam entrelaçados nos seus, e embora aparentasse estar ferido o sono profundo o acometia.

- Ele não saiu do seu lado desde que acordou? - Soou a voz de Max de um canto.

- Max? - Questionou Melina voltando em sua direção e finalmente focando sua visão por completo - Como assim... desde que acordou?

Se aproximando da amiga, Max tornou o semblante mais tranquilo e até mesmo abriu um sorriso franco antes de deixar um beijo no alto da cabeça de Melina e responder:

- Dorian desmaiou de exaustão depois que te tirou do galpão, o trouxemos para atendimento também porque estava bem ferido, mas assim que acordou ele se negou a permanecer internado, assinou um termo de responsabilidade e veio direto para cá. Desde então não saiu. Essa é a primeira vez que ele dorme desde que você sumiu.

Voltando olhar chocado na direção de Dorian, Melina acariciou os cabelos dele, sem poder esconder a emoção que tomou os olhos marejados.

- Ah, Dorian... - Resmungou.

- Você nos assustou. - Retomou Max - Eu fico tão aliviada que esteja bem, todos na divisão se mobilizaram para poder te encontrar.

- E vocês conseguiram.

- Sim, mas quando soubemos onde você estava, Dorian já tinha se adiantado e estava a caminho do lugar. Chegou lá antes que pudéssemos alcançá-lo.

- Eu nunca o vi tão tomado pela fúria como estava. Aqueles homens que estavam lá...

- Em outro momento conversaremos sobre isso. - Interrompeu Max - O que deve saber é que Dorian não fez besteira.

Instantaneamente os ombros de Melina se abaixaram, indicando que a tensão a havia deixado em partes. O que a consolava era que Dorian não havia matado ninguém na noite anterior, ele não havia ultrapassado sua linha moral. Embora tenha estado muito próximo de ultrapassar.

Teria insistido para Max lhe passar mais detalhes, mas acabou tendo seus pensamentos interrompidos pela voz baixa de Dorian:

- Mel?

- Oi. - Respondeu ela, abrindo um sorriso e acariciando a bochecha dele.

- Ah, graças a Deus.

Rapidamente ele se levantou a envolvendo em um abraço tão apertado que fez a dor despertar no corpo de Melina, ainda assim, ele permaneceu ali por minutos, abraçado a ela, como se quisesse protegê-la novamente de qualquer ameaça que pudesse lhe atingir. Sabendo que os dois precisavam de um tempo sozinhos, Maxine apenas deu um sinal para Melina e silenciosamente saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

- Me perdoa. - Sussurrava Dorian, intercalando as palavras com beijos pelo rosto dela - Me perdoa. Me perdoa.

- Ei, ei, ei, se acalma. Eu estou bem, você me salvou, chegou bem a tempo.

Melina o afastou ligeiramente para encará-lo nos olhos, mas aquele gesto apenas pareceu deixar Dorian ainda mais angustiado e sem coragem para encará-la de volta.

- Se eu fosse um pouco mais sensato você nem mesmo teria ido parar lá. Me perdoe.

- Por que está pedindo perdão?

- Foi minha culpa.

- Claro que não, Dorian! De forma alguma você foi culpado do que aconteceu.

- Eu fui imprudente, Melina. - Respondeu ele se afastando mais.

Dando alguns passos pelo quarto, Dorian ainda passou as mãos pelo rosto na tentativa de se acalmar, enquanto era observado atentamente por Melina.

- Se você soubesse como ele falou quando entrou em contato conosco...

- Ele estava tentando te desestabilizar, Dorian, não se deixe engar por isso.

- Aí é que está, ele me desestabilizou no momento em que te sequestrou.

Encarando os olhos avermelhados e marejados de Dorian, Melina pôde ver o quão pesado era o sentimento que ele carregava, e o quanto ele se culpava pelo que havia acontecido. O conhecendo bem, de nada adiantaria tentar convencê-lo do contrário, Dorian precisaria ver sozinho que não havia sido culpado por nada do que acontecera a ela, mas Melina também sabia que ele precisaria de alguns dias ainda para entender aquilo.

Na tentativa de acalmá-lo, ela se ajeitou sobre a cama, arrumando a postura e esticou os braços na direção dele, o chamando para perto novamente.

- Não vamos discutir sobre isso agora, quero você perto de mim.

Diferente do que ela esperava, Dorian não se moveu na direção dela, continuou parado onde estava, com a cabeça baixa e incapaz de encará-la.

- Dorian - Chamou ela novamente - venha até aqui.

- Eu não posso.

- Como assim não pode?

- Não posso ficar perto de você. Não posso ficar perto de ninguém.

- Dorian, do que está falando?

- Se eu ficar... você vai se machucar de novo, e eu não posso permitir isso.

- Eu já disse que conversaremos sobre isso depois.

- Não existe depois, Melina. - Respondeu ele, rispidamente, erguendo a cabeça - Sabe por que Rochefort me queria morto? Não foi pelo que eu roubei dele, foi porque ele trabalha com o Dimitri, e esse cara é o maior inimigo do meu pai. Como acha que a situação chegou a esse ponto?

Melina sentiu um certo choque percorrer por todo seu corpo com aquela informação, instantaneamente se sentiu tensa com o que viria a seguir, mas não conseguiu nem mesmo formular uma frase antes que Dorian continuasse:

- Todos que estão ao meu redor acabam se machucando, e pior ainda, se machucam tentando me proteger. Eu não posso deixar isso acontecer mais.

- Eu não entendo. - Sussurrou ela, tentando conter as lágrimas.

- O que quero dizer é que não posso mais ficar com você, não posso mais trabalhar na divisão. Eu vou pedir transferência...

- Você não se atreva...

- Vai ser melhor assim.

- Não, não vai! - Bradou ela, elevando a voz enquanto perdia a batalha contra as lágrimas - Tem noção do que vai te acontecer?

- Na pior das hipóteses volto para a prisão. Nada do que eu já não tenha encarado. Contanto que todos estejam seguros eu fico feliz.

- Não pode estar falando sério, Dorian.

- Garanto que nunca falei tão sério na minha vida.

- Você deixou Rochefort te manipular. Deixou ele te envenenar. Nada do que disse até agora é verdade, você não tem culpa.

- Não finja que essas coisas não aconteceram por um motivo, agente.

- Para de me chamar assim. - Gritou ela - Para de agir tão friamente. Eu quero que se acalme e respire, se precisar saia para tomar um ar e volte com tudo o que tem. Semana que vem quero você na divisão para prosseguirmos, me entendeu bem?

Dorian fez alguns instantes de silêncio, mantendo a cabeça baixa, Melina até pensou que finalmente o convencera, mas foi quando ele elevou os olhos em sua direção e abriu um fraco sorriso foi que ela viu que ele já havia tomado sua decisão. Lentamente, ele caminhou na direção dela, depositou um beijo casto em sua testa e estudou os traços do rosto dela uma última vez antes de virar as costas e começar a se afastar.

- Eu te amo. - Sussurrou.

Vê-lo se afastar causou em Melina uma dor muito maior do que aquela que ela sentia no corpo naquele momento. Ela não era de desistir tão fácil do que amava, e com certeza não desistiria dele. Sem se importar com os aparelhos ligados a si, ela atirou as cobertas de lado e saltou da cama, correndo na direção de Dorian e abraçando por trás, na tentativa de detê-lo.

- Você não vai fazer isso. - Ditou encostando o rosto nas costas dele - Você não vai me deixar assim.

- Eu sinto muito.

- Dorian Delyon, não pode desistir tão fácil de nós.

- Não estou desistindo. Estou te protegendo.

- Eu sei me cuidar muito bem.

Tocando as mãos dela e tentando afastá-la, Dorian pediu:

- Por favor, não torne isso mais difícil.

- Eu não vou te deixar, se quiser sair desse quarto terá que me arrastar junto.

- Melina, me solte.

- Nunca.

- Agente Singh... - Bradou ele, elevando a voz.

- Pode se distanciar o quanto quiser, nunca vai conseguir ir tão longe que eu não possa alcançá-lo.

Os ombros de Dorian começaram a chacoalhar, indicando que havia cedido ao choro, e ao que parecia também havia perdido as forças para tentar escapar, continuou com os dedos entrelaçados aos de Melina, enquanto balbuciava:

- Você nunca vai me perdoar.

- Eu já disse que nada do que aconteceu é culpa sua.

- Não estou falando disso. - Respondeu Dorian, finalmente se voltando para ela - Eu não a encontrei sozinho.

- Teve ajuda da divisão, não foi?

- Não.

A expressão no rosto de Melina mudou tão rapidamente que por alguns segundos Dorian perdeu a coragem de falar. Via preocupação no rosto dela, mas também via medo e talvez um pouquinho de decepção que ameaçava despontar.

- Eu pedi ajuda ao Corbeau. - Confessou ele - O prazo estava acabando e nós ainda não tínhamos a encontrado. Eu estava desesperado, faria qualquer coisa para te encontrar.

- Você o quê? - Sussurrou ela, dando alguns passos para trás.

- Eu não iria conseguir encontrá-la. Entrei em contato com ele e pedi ajuda, em troca... em troca eu... eu seria dele. Ele poderia fazer o que quisesse comigo.

Por alguns segundos, tudo o que Dorian enxergava em Melina era o completo choque, as lágrimas rolavam sem controle algum sobre o rosto dela, enquanto balançava a cabeça indignada. A boca entreaberta indicava que não conseguia formular as palavras.

- Seu cretino. - Balbuciou finalmente - Como pôde?

- Eu sei que traí vocês, mas...

- Eu não estou falando disso. Tem noção do que fez? - Incapaz de conter a fúria, Melina avançou sobre Dorian desferindo tapas em seu tórax, apenas para descarregar o aperto que sentia no peito - Você não tinha o direito, Dorian. Não tinha! Não poderia ter se entregado, ele vai ser seu dono agora, ele vai afastar você de nós. Por que fez isso?

- Melina, por favor. Eu não poderia te perder.

Ela avançou ainda mais, o atingindo com mais tapas que embora fossem repletos de fúria, não o machucavam de verdade.

- E agora sou eu quem pode te perder. Como pôde pensar que eu ficaria bem assim? Como pôde por um segundo pensar que eu poderia viver sem você? - As pernas de Melina perderam a força e ela desabou no chão, chorando sem controle algum, enquanto Dorian se abaixava junto dela, a envolvendo em seus braços - Ele vai tirar você de mim. Você não pode ser dele, Dorian. Não poderia ter se vendido assim.

- Me perdoe, eu não achei outra saída. Ele cumpriu a parte dele no trato, agora tenho que cumprir a minha.

- Não... - Resmungou ela, se encolhendo ainda mais contra ele - Por favor, não me deixa.

Dorian não respondeu, apenas a apertou mais nos braços e permaneceu incontáveis minutos ali com Melina, até que ela se acalmasse e parasse de chorar. Quando percebeu que o cansaço havia a tomado e ela começava a adormecer, Dorian a pegou no colo e acomodou novamente na cama, a cobrindo. Ainda permaneceu junto dela até que dormisse definitivamente, para só então deixar um beijo longo sobre sua testa e virar as costas, saindo do quarto com uma dor insuportável tomando o peito.

Passou o resto daquela tarde formulando o pedido de transferência, tinha a noção de que Adria não o ajudaria, sabia que a única transferência que ela lhe concederia era para a prisão e embora o sentimento esmagador tomasse seu peito, sabia que talvez aquela fosse a melhor solução para manter todos os que amava sãos e salvos.

A noite começava a adentrar e ele ainda continuava encarando a sala de Adria, tentando criar coragem. Quando enfim tomou fôlego e começou a caminhar em direção ao mezanino, sentiu os dedos de Max agarrarem seu colete e arrastá-lo dali, em direção à cozinha.

- Ficou maluco? - Bradou ela, depois de lhe dar um tapa.

- Estou fazendo o que é melhor para todos.

- E você por acaso sabe o que é melhor para todos? Conversou com sua família, comigo ou os outros agentes?

- Max...

- Eu não terminei de falar, então cala a boca antes que eu a cale. Eu não sei como você pôde deixar colocarem nessa sua cabecinha a ideia de que é culpado por tudo o que aconteceu, mas é melhor que pare de pensar nessas asneiras e comece a agir com a razão. Nem tudo é sobre você, Dorian. Melina, eu e os outros vivemos cercado de perigo, somos agentes federais, você se afastar não garante que vamos ficar bem.

- Mas é um motivo a menos para se machucarem.

Elevando a mão com impaciência, Max precisou fechar os olhos por alguns segundos para se controlar, enquanto voltava a dizer:

- Pare, por favor. Me escuta e pense bem na besteira que fez. A Mel ficou desesperada quando acordou e não te viu lá, não parou de implorar que eu viesse impedir você de fazer besteira, então se você realmente a ama pare e pense só um pouquinho no sofrimento que está causando a ela.

- Eu nunca quis machucá-la, Max.

- Mas está fazendo mesmo assim. Está tomando decisões sozinho, sendo um idiota egoísta ao invés de resolverem essa situação juntos.

- Mas eu...

- Você se entregou para o Corbeau, eu sei, ela me disse. Mas até onde sabemos ele não pediu seu afastamento, pediu?

Abaixando a cabeça envergonhado, Dorian teve de admitir:

- Não, ele não disse nada.

- Então, enquanto ele não disser nada você não vai tomar nenhuma decisão. E se ele lhe pedir algo, nós vamos resolver juntos. Eu vou ignorar seu contato com ele somente porque sei que estava desesperado, mas é melhor que não torne a falar com ele e muito menos deixe Adria saber disso, ou então tudo estará perdido. - Fazendo uma pausa, Max suspirou pesadamente antes de finalizar - Se ele realmente te ama, Dorian. Se ele realmente quer agir como um pai para você, ele vai saber que você apelou no desespero e não vai pedir nada de você.

Dorian não tentou responder, apenas continuou de cabeça baixa, absorvendo as palavras de Maxine e tentando restabelecer a sanidade que havia perdido completamente naqueles dias. Ela, no entanto, não deu brechas para que Dorian rebatesse ou fizesse o que estava pensando anteriormente, o agarrou pelo colete novamente e o arrastou até o elevador, descendo até o estacionamento e o colocando dentro do carro, partindo de volta para o hospital logo em seguida.

Em momento algum ele protestou, e admitia que nem mesmo queria, voltar para o hospital, sabendo que encontraria Melina fez seu coração antes agitado se acalmar e a dor no peito ir embora. Teve naquele instante a confirmação do que antes pensava ser apenas uma teoria. Aquele sentimento dentro de si não passaria. Talvez nunca se curasse do que estava sentindo naquele instante, e não queria se curar de fato.

Dentro do quarto além de Melina também estava Helena, sua irmã. Ele não sabia como ela soubera, talvez Max a havia avisado, mas vê-la ali foi um dos motivos que o fez tomar uma decisão completamente diferente do que teria tomado anteriormente.

Ao vê-lo, Melina se agitou na cama, Helena e Max souberam naquele instante que os dois precisavam de mais um momento juntos. A princípio, Dorian relutou em se aproximar, não sabia o que dizer, Melina, por outro lado, apenas esperava que ele estivesse pronto e a situação se assentasse sobre ele.

- Eu não sei por onde começo. - Disse ele, depois de longos minutos - Eu queria me desculpar, mas acho que nunca será o suficiente. Eu só estava pensando no que seria melhor para você.

- Deixe que eu mesma decido o que é melhor para mim.

- Eu fiquei com muito medo de te perder.

- Bom... eu ainda estou aqui, não estou?

Balançando a cabeça e deixando algumas lágrimas escapar, Dorian abriu um sorriso e diminuiu rapidamente a distância entre eles, a envolvendo novamente em seus braços, tendo a certeza de que seu coração batia em sincronia com o dela daquela vez.

- Eu te amo. Eu te amo tanto que me dói.

- Ficarmos longe só aumentará a dor. - Respondeu ela, o afastando e enxugando suas lágrimas - Não faça mais isso. Sempre que se sentir assim, converse comigo. E prometa que nunca me deixará.

- Eu prometo.

Dorian selou aquela promessa com um beijo rápido, repetindo várias vezes o gesto.

Não conversaram mais sobre aquele assunto, Melina apenas se arrastou mais para o lado na cama e pediu que Dorian se deitasse junto dela. Ali permaneceram abraçados até o sono os abater e adormecerem juntos.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top